Discursos Bento XVI 17110

AOS PARTICIPANTES NO XXVII ENCONTRO INTERNACIONAL PROMOVIDO PELO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL NO CAMPO DA SAÚDE Sábado, 17 de Novembro de 2012

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Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Queridos irmãos e irmãs!

Dou-vos as minhas calorosas boas-vindas! Agradeço ao Presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, D. Zygmunt Zimowski, as gentis palavras; saúdo os ilustres relatores e todos os presentes. O tema da vossa Conferência — «O Hospital, lugar de evangelização: missão humana e espiritual» — oferece-me a ocasião para abranger com a minha saudação os agentes da saúde, em particular os membros da Associação dos Médicos Católicos Italianos e da Federação Europeia das Associações Médicas Católicas, que reflectiram sobre o tema «Bioética e Europa cristã?», na Universidade Católica do Sagrado Coração. Saúdo também os doentes presentes, os seus familiares, os capelães e os voluntários, os membros das associações, de modo especial a Unitalsi, os estudantes das Faculdades de Medicina e Cirurgia e dos Cursos de Diplomas em Profissões no âmbito da Saúde.

A Igreja dirige-se sempre com o mesmo espírito de partilha fraterna a quantos vivem a experiência do sofrimento, animada pelo Espírito d’Aquele que, com o poder do amor, deu de novo sentido e dignidade ao mistério do sofrimento. A estas pessoas o Concílio Vaticano II disse: não estais «abandonados, nem sois inúteis» porque, unidos à Cruz de Cristo, contribuís para a sua obra salvífica (cf. Mensagem aos pobres, aos doentes e aos sofredores, 8 de Dezembro de 1965). E com as mesmas expressões de esperança, a Igreja interpela também os profissionais e os voluntários da saúde. A vossa vocação é singular, mas necessita de estudo, de sensibilidade e de experiência. Contudo, a quem escolhe trabalhar no mundo do sofrimento vivendo a própria actividade como uma «missão humana e espiritual» é exigida uma ulterior competência, que vai além dos títulos académicos. Trata-se da «ciência cristã do sofrimento», indicada explicitamente pelo Concílio como «a única verdade capaz de responder ao mistério do sofrimento» e de dar a quem se encontra doente «um alívio sem ilusões»: «Não temos o poder — diz o Concílio — de vos conceder a saúde corporal, nem a diminuição dos vossos sofrimentos físicos... Mas temos algo mais precioso e profundo para vos dar... Cristo não suprimiu o sofrimento; e também não quis revelar-nos totalmente o seu mistério: assumiu-o sobre si, e isto é suficiente para que compreendamos todo o seu valor» (ibid.). Sede desta ciência «cristã do sofrimento» peritos qualificados! O vosso ser católicos, sem temor, dá-vos uma responsabilidade maior no âmbito da sociedade e da Igreja: trata-se de uma verdadeira vocação, como foi testemunhado recentemente por figuras exemplares como São José Moscati, São Ricardo Pampuri, Santa Joana Beretta Molla, Santa Schäffer e o Servo de Deus Jérôme Lejeune.

Este é um compromisso de nova evangelização também em tempos de crise económica que subtrai recursos à tutela da saúde. Precisamente neste contexto, hospitais e estruturas de assistência devem reconsiderar o próprio papel para evitar que a saúde, em vez de um bem universal que deve ser garantido e defendido, se torne uma simples «mercadoria» submetida às leis do mercado, por conseguinte um bem reservado a poucos. Nunca se pode esquecer a atenção particular que se deve à dignidade da pessoa que sofre, aplicando também ao âmbito das políticas da saúde o princípio de subsidiariedade e de solidariedade (cf. Enc. Caritas in veritate ). Hoje, se por um lado, devido aos progressos no campo técnico-científico, aumenta a capacidade de curar fisicamente quem está doente, por outro parece diminuir a capacidade de «cuidar» da pessoa que sofre, considerada na sua integridade e unicidade. Por conseguinte, parecem ofuscar-se os horizontes éticos da ciência médica, que corre o risco de esquecer que a sua vocação consiste em servir cada homem e todo o homem, nas diversas fases da sua existência. É desejável que a linguagem da «ciência cristã do sofrimento» — da qual fazem parte a compaixão, a solidariedade, a partilha, a abnegação, a gratuidade, o dom de si — se torne o léxico universal de quantos trabalham no campo da saúde. É a linguagem do Bom Samaritano da parábola evangélica, que pode ser considerada — segundo o Beato Papa João Paulo II — «uma das componentes essenciais da cultura moral e da civilização universalmente humana» (Carta ap. Salvifici doloris, 29). Nesta perspectiva os hospitais devem ser considerados como lugar privilegiado de evangelização, porque onde a Igreja se faz «veículo da presença de Deus» torna-se ao mesmo tempo «instrumento de uma verdadeira humanização do homem e do mundo» (Cong. para a Doutrina da Fé, Nota doutrinal sobre alguns aspectos da evangelização, 9). Só tendo bem claro que no centro da actividade médica e assistencial está o bem-estar do homem na sua condição mais frágil e indefesa, do homem em busca de sentido diante do mistério insondável do sofrimento, se pode conceber o hospital como «lugar no qual a relação de cura não é profissão mas missão; onde a caridade do Bom Samaritano é a primeira cátedra e o rosto do homem que sofre é o próprio Rosto de Cristo» (Discurso à Universidade Católica do Sagrado Coração de Roma, 3 de Maio de 2012).

Queridos amigos, esta assistência sanativa e evangelizadora é a tarefa que vos aguarda sempre. Agora mais do que nunca a nossa sociedade precisa de «bons samaritanos» com coração generoso e braços abertos a todos, na consciência de que «a medida da humanidade se determina essencialmente na relação com o sofrimento e com o sofredor» (Enc. Spe salvi ). Este «ir além» da abordagem clínica abre-vos à dimensão da transcendência, rumo à qual um papel fundamental é desempenhado pelos capelães e pelos assistentes religiosos. A eles compete em primeiro lugar fazer transparecer no variegado panorama da saúde, também no mistério do sofrimento, a glória do Crucificado Ressuscitado.

A vós, queridos doentes, desejo dirigir uma última palavra. O vosso silencioso testemunho é um eficaz sinal e instrumento de evangelização para as pessoas que vos curam e para as vossas famílias, na certeza de que «nenhuma lágrima, nem de quem sofre, nem de quem lhe está próximo, é perdida aos olhos de Deus» (Angelus, 1 de Fevereiro de 2009). Vós «sois os irmãos do Cristo sofredor; e com ele, se o quiserdes, vós salvais o mundo!» (Conc. Vat. II, Mensagem).

Ao confiar todos vós à Virgem Maria, Salus Infirmorum, para que guie os vossos passos e vos torne sempre testemunhas laboriosas e incansáveis da ciência cristã do sofrimento, concedo-vos de coração a Bênção Apostólica.





AOS PARTICIPANTES NA XVII CONFERÊNCIA DOS DIRECTORES DAS ADMINISTRAÇÕES PENITENCIÁRIAS DO CONSELHO DA EUROPA, 22 de Novembro de 2012

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Quinta-feira, 22 de Novembro de 2012


Sala Clementina

Excelência
Senhora Vice-Secretária-Geral
Senhoras e Senhores!

Tenho o prazer de vos acolher por ocasião da vossa Conferência e desejo, em primeiro lugar, agradecer à Ministra da Justiça do Governo italiano, Professora Paola Severino, e ao Vice-Secretária-Geral do Conselho da Europa, Doutora Gabriella Battaini-Dragoni, a saudação que me dirigiram também em vosso nome.

Os temas da justiça penal estão constantemente sob a atenção da opinião pública e dos governos, especialmente num momento em que as diferenças económicas e sociais e o individualismo crescente alimentam as raízes da criminalidade. Contudo, a tendência consiste em restringir o debate só ao momento legislativo da disciplina dos crimes e das sanções ou ao momento processual, relativo aos tempos e às modalidades para chegar a uma sentença que seja o mais possível correspondente à verdade dos factos. Ao contrário, menor atenção é dedicada à modalidade de execução das penas de detenção, em relação à qual ao parâmetro da «justiça», deve ser equivalente ao essencial do respeito pela dignidade e pelos direitos do homem. Mas inclusive este parâmetro, mesmo se indispensável e, infelizmente, em muitos países ainda longe de ter sido alcançado, não pode ser considerado suficiente, precisamente a fim de tutelar de modo integral os direitos da pessoa. É necessário comprometer-se, concretamente e não só como afirmação de princípio, por uma reeducação da pessoa, exigida quer em função da sua própria dignidade, quer em vista da sua reinserção social. A exigência pessoal que o detido tem de viver na prisão um tempo de reabilitação e de amadurecimento é, com efeito, uma exigência da própria sociedade, quer para recuperar uma pessoa que possa contribuir efectivamente para o bem de todos, quer para diminuir a sua tendência a cometer crimes e o perigo social. Nos últimos anos houve muitos progressos, não obstante o percurso ainda permaneça longo. Não é só uma questão de disponibilidade de recursos financeiros adequados, para tornar mais dignos os ambientes da prisão e garantir aos presos meios de apoio mais eficazes e percursos de formação; é necessário também uma mudança de mentalidade, de forma a ligar o debate sobre as prisões, que diz respeito aos direitos humanos do preso, ao debate mais amplo, relativo à própria realização da justiça penal.

A fim de que a justiça humana possa, neste âmbito, olhar para a justiça divina e ser orientada por ela, é necessário que a função reeducativa não seja considerada um aspecto acessório e secundário do sistema penal mas, ao contrário, um momento culminante e qualificador. Ou seja, a fim de «fazer justiça» não é suficiente que quem é reconhecido culpado de um crime seja simplesmente punido; é preciso que, ao puni-lo, se faça o possível para corrigir e melhorar o homem. Quando isto não acontece a justiça não é realizada integralmente. De qualquer maneira, devemo-nos comprometer para evitar que uma detenção falida na função reeducativa possa tornar-se uma punição deseducadora, que paradoxalmente acentua, em vez de contrastar, a inclinação para cometer crimes e aumenta a periculosidade da pessoa.

Vós Directores, juntamente com todos os outros operadores judiciários e sociais, podeis contribuir de forma significativa para promover esta justiça «mais verdadeira», «aberta à força libertadora do amor» (João Paulo II, Mensagem para o Jubileu nos cárceres, 9 de Julho de 2000) e ligada à própria dignidade do homem. O vosso papel é, num certo sentido, ainda mais decisivo que os órgãos legislativos pois, inclusive na presença de estruturas e recursos adequados, a eficácia dos percursos reeducativos dependem sempre da sensibilidade, capacidade e atenção das pessoas chamadas a realizar concretamente quanto está estabelecido por escrito. A tarefa dos agentes penitenciários, a qualquer nível, certamente não é fácil. Por isso hoje, através de vós, desejo fazer uma homenagem a todos aqueles que, nas administrações penitenciárias, se esforçam com grande seriedade e dedicação. O contacto com quantos cometeram crimes que devem ser remidos e o compromisso exigido para restituir a dignidade e a esperança a quem, muitas vezes, já sofreu a marginalização e o desprezo são relativos à própria missão de Cristo, o qual veio para chamar não os justos, mas os pecadores (cf.
Mt 9, 13, Mc 2,17 Lc 5,32), destinatários privilegiados da misericórdia de Deus. Cada homem é chamado a tornar-se guardião do próprio irmão, superando assim a indiferença homicida de Caim (cf. Gn 4,9); em particular, pede-vos que protejais quantos, em condições de detenção, podem mais facilmente perder o sentido da vida e o valor da dignidade pessoal, cedendo ao desencorajamento e ao desespero. O respeito profundo pela pessoa, o facto de trabalhar pela reabilitação do preso, de criar uma verdadeira comunidade educativa, são ainda mais urgentes, considerando também a presença crescente de «detidos estrangeiros», os quais vivem muitas vezes situações difíceis e de precariedade. Obviamente, é indispensável que ao papel das instituições e dos agentes penitenciários corresponda a disponibilidade do detido a viver um período de formação. Contudo, uma resposta positiva não deveria ser simplesmente esperada e desejada, mas solicitada e favorecida com iniciativas e propostas capazes de vencer o ócio e a interromper a solidão na qual, frequentemente, os detidos ficam confinados. A este propósito, é muito importante a promoção de actividades de evangelização e de assistência espiritual, capazes de despertar no detido os aspectos mais nobres e profundos, solicitando o seu entusiasmo pela vida e o seu desejo de trazer impressa em si, de forma indelével, a imagem de Deus.

Com certeza da possibilidade de se renovar, a detenção na prisão pode desempenhar a sua função reeducativa e tornar-se para o preso uma ocasião para saborear a redenção realizada por Cristo no Mistério pascal, que nos garante a vitória sobre todos os males. Queridos amigos, enquanto vos agradeço de coração este encontro e a obra que desempenhais, invoco sobre vós e o vosso trabalho a abundância das Bênçãos divinas.



AOS PARTICIPANTES NO XXIII CONGRESSO MUNDIAL DO APOSTOLADO DO MAR Sexta-feira, 23 de Novembro de 2012

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ORGANIZADO PELO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL DOS MIGRANTES E ITINERANTES Sala Clementina




Venerados Irmãos
Queridos irmãos e irmãs!

Acolho-vos com alegria, no final dos trabalhos do XXIII Congresso Mundial do Apostolado do Mar. Saúdo cordialmente o Cardeal Antonio Maria Vegliò, Presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, grato pelas suas palavras gentis, assim como os colaboradores do Dicastério e quantos trabalham neste sector específico. Vivestes dias intensos de aprofundamento sobre temas importantes, como o anúncio do Evangelho a um número crescente de marítimos pertencentes às Igrejas Orientais, a assistência aos não-cristãos ou aos não-crentes, a busca de uma colaboração ecuménica e inter-religiosa cada vez mais sólida. Depois, perante as dificuldades que hoje enfrentam os agentes da indústria marítima, assim como os pescadores e as suas famílias, sobressai cada vez mais claramente a necessidade de enfrentar os problemas com «uma visão integral do homem, que reflicta os vários aspectos da pessoa humana, contemplada com o olhar purificado da caridade (cf. Enc. Caritas in veritate ).

Estes são apenas alguns dos numerosos aspectos do Apostolado do Mar que preocupam, e que emergiram durante o vosso Congresso e, sobretudo, muito confirmados pela longa história desta obra benemérita. Com efeito, já em 1922, o Papa Pio XI aprovou as suas Constituições e o Regulamento, encorajando os primeiros capelães e voluntários na missão de «expandir o ministério marítimo»; e, 75 anos depois, o Beato Papa João Paulo II confirmou tal missão com o Motu proprio Stella maris. Em continuidade com esta preciosa tradição, encontrastes-vos de novo para reflectir sobre o tema da nova evangelização no mundo marítimo, na mesma sala onde, no mês passado, teve lugar a XIII Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos «para delinear novas formas e expressões da Boa Nova que se deve transmitir ao homem contemporâneo com renovado entusiasmo» (Lineamenta, Introdução). Desta forma respondestes ao apelo que dirigi a todos proclamando o Ano da fé, para «dar renovado impulso à missão de toda a Igreja... a fim de ajudar todos os crentes em Cristo a tornar-se mais conscientes e a reavivar a sua adesão ao Evangelho» (Motu proprio Porta fidei, 8).

Desde o alvorecer do Cristianismo, o mundo marítimo foi veículo eficaz de evangelização. Os Apóstolos e os discípulos de Jesus tiveram a possibilidade de ir por todo o mundo e anunciar o Evangelho a todas as criaturas (cf.
Mc 16,15), também graças à navegação marítima; basta pensar nas viagens de São Paulo. Desta forma eles empreenderam o caminho para difundir a Palavra de Deus «até aos extremos confins da terra» (Ac 1,8). Também hoje a Igreja sulca os mares para levar o Evangelho a todas as nações, e a vossa presença organizada nas escalas portuárias do mundo, as visitas feitas quotidianamente aos navios que atracam nos portos e o acolhimento fraterno nas horas de permanência da tripulação são o sinal visível da solicitude para com quantos não podem receber uma cura pastoral ordinária. Este mundo do mar, no peregrinar contínuo de pessoas, hoje deve ter em conta os efeitos complexos da globalização e, infelizmente, tem que enfrentar também situações de injustiça, sobretudo quando as tripulações são sujeitas a restrições para desembarcar dos navios, quando são abandonados juntamente com as embarcações nas quais trabalham, quando são vítimas da pirataria marítima ou sofrem os danos da pesca ilegal (cf. Angelus, 18 de Janeiro de 2009). A vulnerabilidade dos marítimos, pescadores e navegantes deve tornar ainda mais atenta a solicitude da Igreja e estimular a sua cura materna que, através de vós, manifesta a quantos encontrais nos portos ou nos navios, ou assistis a bordo nos longos meses de navegação.

Dirijo um pensamento a quantos trabalham no vasto sector da pesca e às suas famílias. De facto, mais do que outros eles devem fazer face às dificuldades do presente e vivem a incerteza do futuro, marcado pelos efeitos negativos das mudanças climáticas e pela exploração excessiva dos recursos. A vós pescadores, que procurais condições de trabalho dignas e seguras, salvaguardando o valor da família, a tutela do meio ambiente e a defesa da dignidade de cada pessoa, gostaria de garantir a proximidade da Igreja. O apostolado dos leigos, neste âmbito, já é particularmente activo, contando muitos diáconos permanentes e voluntários nos Centros «Stella maris», mas vê também e sobretudo entre os próprios marítimos uma atenção crescente para apoiar os outros membros da tripulação, encorajando-os a reencontrar e a intensificar também a relação com Deus durante as longas travessias oceânicas, e assistindo-os com espírito de caridade nas situações de perigo.

Retomando uma metáfora que conheceis bem, exorto também vós a valorizar o Concílio Ecuménico Vaticano II, o qual é como «uma bússola que permite à barca da Igreja fazer-se ao largo, no meio de tempestades ou de ondas calmas e tranquilas, para navegar com segurança e chegar à meta» (Audiência geral, 10 de Outubro de 2012). Em particular, citando o Decreto Ad gentes sobre a actividade missionária da Igreja, hoje desejo renovar o mandato eclesial que, em comunhão com as vossas Igrejas locais de pertença, vos coloca na primeira linha na evangelização de tantos homens e mulheres de diversas nacionalidades que transitam pelos vossos portos. Sede apóstolos fiéis à missão de anunciar o Evangelho, manifestai o rosto cuidadoso da Igreja que acolhe e se torna próxima também desta porção do Povo de Deus, respondei sem hesitar ao povo do mar, que vos espera a bordo para colmar as melancolias profundas da alma e sentir-se parte activa da comunidade. Desejo a cada um de vós que redescubrais todos os dias a beleza da fé, para a testemunhar sempre com a coerência da vida. A Beata Virgem Maria, Stella maris e Stella matutina, ilumine sempre a vossa obra a fim de que o povo do mar possa conhecer o Evangelho e encontrar o Senhor Jesus que é Caminho, Verdade e Vida. Concedo de coração a vós, aos vossos colaboradores e entes queridos a Bênção Apostólica.


CONSISTÓRIO ORDINÁRIO PÚBLICO PARA A CRIAÇÃO DE NOVOS CARDEAIS


CAPELA PAPAL - ALOCUÇÃO Basílica Vaticana Sábado, 24 de Novembro de 2012

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«Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica»

Amados irmãos e irmãs!

Estas palavras que os novos Cardeais vão pronunciar solenemente daqui a pouco, ao recitarem a profissão de fé, fazem parte do Símbolo niceno-constantinopolitano, a síntese da fé da Igreja que cada um recebe no momento do Baptismo. Só professando e guardando intacta esta norma da verdade é que somos discípulos autênticos do Senhor. Neste Consistório, quero deter-me em particular sobre o significado do termo «católica», que indica um traço essencial da Igreja e da sua missão. O assunto é vasto e poderia ser apresentado sob diferentes pontos de vista; hoje limito-me a algumas considerações.

As notas características da Igreja correspondem a um desígnio divino, como afirma o Catecismo da Igreja Católica: «É Cristo que, pelo Espírito Santo, concede à sua Igreja que seja una, santa, católica e apostólica, e é ainda Ele que a chama a realizar cada uma destas qualidades» (n. 811). No nosso caso específico, a Igreja é católica, porque Cristo, na sua missão de salvação, abraça toda a humanidade. Embora a missão de Jesus na sua vida terrena se tivesse limitado ao povo judeu, «às ovelhas perdidas da casa de Israel» (
Mt 15,24) todavia desde o início estava orientada para levar a todos os povos a luz do Evangelho e fazer entrar todas as nações no Reino de Deus. Em Cafarnaum, à vista da fé do Centurião, Jesus exclama: «Digo-vos que, do Oriente e do Ocidente, muitos virão sentar-se à mesa do banquete com Abraão, Isaac e Jacob, no Reino do Céu» (Mt 8,11). Esta perspectiva universalista resulta, para além do mais, da apresentação que Jesus fez de Si mesmo, acrescentando ao título de «Filho de David» a designação de «Filho do Homem» (Mc 10,33), como acabámos de ouvir no texto evangélico proclamado. O título de «Filho do Homem», presente na linguagem da literatura apocalíptica judaica que se inspira na visão da história do Livro do profeta Daniel (cf. 7, 13-14), recorda o personagem que vem «com as nuvens do céu» (v. 13) e é uma imagem que preanuncia um reino totalmente novo, um reino sustentado não por poderes humanos, mas pelo verdadeiro poder que vem de Deus. Jesus serve-Se desta expressão rica e complexa, aplicando-a a Si mesmo, para manifestar o verdadeiro carácter do seu messianismo, como missão destinada a todos e cada um dos homens, superando todo o particularismo étnico, nacional e religioso. E é precisamente no seguimento de Jesus, no deixar-se atrair para dentro da sua humanidade e, portanto, na comunhão com Deus que se entra neste novo reino, que a Igreja anuncia e antecipa e que vence toda a fragmentação e dispersão.

Depois Jesus envia a sua Igreja, não a um grupo, mas à totalidade do género humano para, na fé, o reunir num único povo a fim de o salvar, como justamente se exprime o Concílio Vaticano II na Constituição dogmática Lumen gentium: «Ao novo Povo de Deus todos os homens são chamados. Por isso, este Povo, permanecendo uno e único, deve estender-se a todo o mundo e por todos os séculos, para se cumprir o desígnio da vontade de Deus» (n. 13). Por conseguinte a universalidade da Igreja deriva da universalidade do único desígnio divino de salvação do mundo. Este carácter universal aparece claramente no dia do Pentecostes, quando o Espírito cumula da sua presença a primeira comunidade cristã, para que o Evangelho se estenda a todas as nações e faça crescer em todos os povos o único Povo de Deus. Assim, desde o seu início, a Igreja está orientada kat'holon, abraça todo o universo. Os Apóstolos dão testemunho de Cristo, dirigindo-se a homens originários de toda a terra, e cada um compreende-os como se falassem na sua língua nativa (cf. Ac 2,7-8). A partir daquele dia, a Igreja com a «força do Espírito Santo», como Jesus prometera, anuncia o Senhor morto e ressuscitado «em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra» (Ac 1,8). Portanto a missão universal da Igreja não parte de baixo, mas desce do alto, do Espírito Santo e, desde o primeiro instante, está orientada para se exprimir em todas as culturas e assim formar o único Povo de Deus. Não se trata tanto de uma comunidade local que cresce e se alarga lentamente, como sobretudo de um fermento que abre para o universal, para o todo, trazendo em si mesmo a universalidade.

«Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda criatura» (Mc 16,15); «fazei discípulos de todos os povos» (Mt 28,19), diz o Senhor. Com estas palavras, Jesus envia os apóstolos a todas as criaturas, para que chegue a todo o lado a acção salvadora de Deus. Entretanto, se observarmos os discípulos no momento da ascensão de Jesus ao Céu, narrada no livro dos Actos dos Apóstolos, vemo-los ainda na sua visão fechada e pensam na restauração de um novo reino davídico, perguntando ao Senhor: «É agora que vais restaurar o Reino de Israel?» (Ac 1,6). E como responde Jesus? Responde, abrindo os seus horizontes e confiando-lhes a promessa e uma tarefa: promete que serão cumulados da força do Espírito Santo e confere-lhes o encargo de O testemunharem em todo o mundo, superando as fronteiras culturais e religiosas em que estavam habituados a pensar e viver para se abrirem ao Reino universal de Deus. E, no início do caminho da Igreja, os Apóstolos e os discípulos partem sem nenhuma segurança humana, mas unicamente com a força do Espírito Santo, do Evangelho e da fé. É o fermento que se espalha pelo mundo, entra nas diferentes vicissitudes e nos mais variados contextos culturais e sociais, mas permanece uma única Igreja. Ao redor dos Apóstolos, florescem as comunidades cristãs, mas elas são «a» Igreja que, em Jerusalém, em Antioquia ou em Roma, é sempre a mesma, una e universal. E quando os Apóstolos falam de Igreja, não falam de uma comunidade própria, falam da Igreja de Cristo e insistem sobre esta identidade única, universal e total da Catholica, que se realiza em cada Igreja local. A Igreja é una, santa, católica e apostólica, reflectindo em si mesma a fonte da sua vida e do seu caminho: a unidade e a comunhão da Trindade.

No sulco e na perspectiva da unidade e universalidade da Igreja, situa-se também o Colégio Cardinalício: este apresenta uma variedade de rostos, dado que exprime o rosto da Igreja universal. Desejo, com este Consistório, pôr em evidência de modo particular que a Igreja é Igreja de todos os povos, e por conseguinte exprime-se nas várias culturas dos diversos Continentes. É a Igreja de Pentecostes, que, na polifonia das vozes, ergue um canto único e harmonioso ao Deus vivo.

Saúdo cordialmente as delegações oficiais dos vários países, os bispos, os sacerdotes, as pessoas consagradas, os fiéis-leigos das diversas comunidades diocesanas e todos aqueles que tomam parte na alegria dos novos membros do Colégio Cardinalício, a quem estão ligados pelo vínculo do parentesco, da amizade, da colaboração. Os novos Cardeais, que representam várias dioceses do mundo, ficam a partir de hoje agregados, a título muito especial, à Igreja de Roma e reforçam assim os laços espirituais que unem a Igreja inteira, vivificada por Cristo e cerrada em torno do Sucessor de Pedro. Ao mesmo tempo, o rito de hoje exprime o valor supremo da fidelidade. De facto, no juramento que daqui a pouco ides fazer, venerados Irmãos, estão escritas palavras carregadas de profundo significado espiritual e eclesial: «Prometo e juro permanecer, a partir de agora e para sempre enquanto tiver vida, fiel a Cristo e ao seu Evangelho, constantemente obediente à Santa Apostólica Igreja Romana». E, ao receber o barrete vermelho, ouvireis recordar-vos que o mesmo indica que «deveis estar prontos a comportar-vos com fortaleza, até à efusão do sangue, pelo incremento da fé cristã, pela paz e a tranquilidade do povo de Deus». Por sua vez, a entrega do anel será acompanhada pela advertência: «Sabe que, com o amor do Príncipe dos Apóstolos, se reforça o teu amor para com a Igreja».

Assim, nestes gestos e nas expressões que os acompanham, está indicada a fisionomia que assumis hoje na Igreja. Daqui para diante estareis unidos de forma ainda mais estreita e intima com a Sé de Pedro: os títulos ou as diaconias das igrejas da Urbe recordar-vos-ão o vínculo que vos une, como membros a título muito especial, a esta Igreja de Roma, que preside à caridade universal. Especialmente através da vossa colaboração com os Dicastérios da Cúria Romana, sereis meus preciosos cooperadores antes de tudo no ministério apostólico a favor da catolicidade inteira, como Pastor de todo o rebanho de Cristo e primeiro garante da doutrina, da disciplina e da moral.

Queridos amigos, louvemos ao Senhor, que «não cessa de enriquecer, com largueza de dons, a sua Igreja dispersa pelo mundo» (Oração), revigorando-a na perene juventude que lhe deu. A Ele confiamos o novo serviço eclesial destes prezados e venerados Irmãos, para que possam prestar corajoso testemunho de Cristo, com o dinamismo edificante da fé e o sinal de um incessante amor oblativo. Amen.


AOS NOVOS CARDEAIS, COM OS FAMILIARES E OS PEREGRINOS VINDOS PARA O CONSISTÓRIO Sala Paulo VI Segunda-feira, 26 de Novembro de 2012

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Senhores Cardeais
Estimados Irmãos no Episcopado e no Presbiterado
Caros amigos

Com o espírito grato ao Senhor, hoje queremos prolongar os sentimentos e as emoções que vivemos ontem e anteontem, por ocasião da criação de seis novos Cardeais. Foram momentos de oração intensa e de comunhão profunda, vividos na consciência de um acontecimento que diz respeito à Igreja universal, chamada a ser sinal de esperança para todos os povos. Portanto, estou feliz por vos receber também no dia de hoje, neste encontro simples e familiar, e de transmitir a minha saudação cordial aos novos Purpurados, bem como aos seus parentes, amigos e a quantos os acompanham nesta circunstância solene e importante.

Saúdo cordialmente os Prelados anglófonos que tive a alegria de elevar à dignidade cardinalícia no Consistório do sábado passado: Cardeal James Michael Harvey, Arcipreste da Basílica Papal de São Paulo fora dos Muros; Cardeal Baselios Cleemis Thottunkal, Arcebispo-Mor de Trivandrum dos Sírio-Malancares (Índia); Cardeal John Olorunfemi Onaiyekan, Arcebispo de Abuja (Nigéria); e Cardeal Luis Antonio Tagle, Arcebispo de Manila (Filipinas). Dou as boas-vindas inclusive aos respectivos familiares e amigos, bem como a todos os fiéis que hoje os acompanham aqui.

O Colégio cardinalício, cuja origem está vinculada ao antigo clero da Igreja de Roma, tem a tarefa de eleger o Sucessor de Pedro e de o aconselhar em matérias de maior importância. Tanto nos departamentos da Cúria romana como no seu ministério nas Igrejas particulares no mundo inteiro, os Cardeais são chamados a participar de maneira especial da solicitude do Papa pela Igreja universal. Tradicionalmente, a cor intensa das suas vestes são vistas como um sinal do compromisso na defesa da grei de Cristo, até ao derramamento do próprio sangue. No momento em que os novos Cardeais assumem o ónus do seu ofício, estou convicto de que serão apoiados pelas vossas orações e pela vossa assistência enquanto se esforçam, juntamente com o Romano Pontífice, por promover no mundo inteiro a santidade, a comunhão e a paz da Igreja.

Saúdo cordialmente os peregrinos francófonos, e sobretudo os libaneses, na feliz recordação da minha recente Visita Apostólica ao seu país, motivada antes de tudo pela assinatura da Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente. Mediante o cardinalato do Patriarca Boutros Raï, desejo encorajar particularmente a vida e a presença dos cristãos no Médio Oriente, onde eles devem poder viver livremente a própria fé, lançando mais uma vez um apelo urgente à paz nessa Região. A Igreja encoraja todos os esforços em vista da paz no mundo e no Médio Oriente, paz que só será concreta se se basear no respeito autêntico pelo próximo. Possa o tempo do Advento, que está à nossa porta, levar-nos a redescobrir a grandeza de Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, que veio ao mundo para salvar todos os homens e para trazer a paz e a reconciliação. Boa peregrinação a todos!

É com profundo afecto que saúdo o Cardeal Rubén Salazar Gómez, Arcebispo metropolitano de Bogotá e Presidente da Conferência Episcopal da Colômbia, bem como os familiares, bispos, sacerdotes, religiosos e leigos que o acompanham e participam do seu íntimo júbilo espiritual por ter sido incorporado no Colégio cardinalício. Convido todos a elevar preces fervorosas pelo novo Purpurado, a fim de que esteja cada vez mais unido ao Sucessor de Pedro e colabore incansavelmente com a Sé Apostólica. Peçamos a Deus, de igual modo, que o assista com os seus dons, para que continue a ser testemunha da verdade do Evangelho da salvação, expondo com rectidão e fidelidade o seu conteúdo e levando a todos a força redentora de Cristo. Maria Santíssima, que naquelas nobres terras é invocada com o doce Nome de Nossa Senhora do Rosário de Chiquinquirá, o sustente sempre com o seu amor de Mãe, e também todos os amados filhos e filhas da Colômbia, que conservo no meu coração e nas minhas preces, para que progridam em paz e concórdia pelos caminhos da justiça, da reconciliação e da solidariedade.

Queridos e venerados Irmãos, que começastes a fazer parte do Colégio cardinalício! O vosso ministério enriquece-se com um renovado compromisso para ajudar o Sucessor de Pedro, no seu serviço universal à Igreja. Por conseguinte, enquanto renovo a cada um de vós os meus cordiais bons votos, confio no apoio da vossa oração e na vossa ajuda preciosa. Prossegui confiantes e fortes na vossa missão espiritual e apostólica, mantendo o olhar fixo em Cristo e fortalecendo o vosso amor pela sua Igreja. Podemos aprender este amor também dos Santos, que constituem a realização mais completa da Igreja: eles amaram-na e, deixando-se plasmar por Cristo, despenderam totalmente a sua vida a fim de que todos os homens sejam iluminados pela luz de Cristo, que resplandesce no semblante da Igreja (Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição dogmática Lumen gentium
LG 1). Invoco sobre vós e sobre os presentes, a salvaguarda maternal da Virgem Maria, Mãe da Igreja, enquanto vos concedo de coração, assim como a todos os presentes, uma especial Bênção Apostólica.





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