Discursos Bento XVI 11113

AO CORPO DA GENDARMARIA E AOS BOMBEIROS DO ESTADO DA CIDADE DO VATICANO 11 de Janeiro de 2013

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Sala Clementina

Sexta-feira, 11 de Janeiro de 2013




Senhor Comandante
Estimados Dirigentes
Comissários e Ispectores
Prezados Gendarmes e Bombeiros!

É-me grato receber-vos hoje no Palácio Apostólico e dedicar este momento a todos vós, que quotidianamente estais ao serviço do Sucessor de Pedro, oferecendo com disponibilidade louvável a vossa preciosa obra de dia e de noite no Estado da Cidade do Vaticano. Saúdo-vos com profunda cordialidade, a começar pelo Comandante, Dr. Domenico Giani, a quem agradeço as palavras com as quais interpretou os vossos sentimentos, delineando os entendimentos que orientam o vosso compromisso. Dirijo o meu pensamento grato ao Cardeal Giuseppe Bertello e ao Bispo D. Giuseppe Sciacca, respectivamente Presidente e Secretário-Geral do Governatorato, que não deixam faltar ao Corpo da Gendarmaria e ao Bombeiros o apoio necessário. Saúdo cordialmente o Cardeal Tarcisio Bertone, meu Secretário de Estado, enquanto lhe agradeço a presença neste encontro. Dirijo uma palavra de apreço também aos Sacerdotes Gioele Schiavella e Sergio Pellini, pelo seu ministério a favor do crescimento espiritual de todo o Corpo da Gendarmaria.

Prezados Gendarmes, dirijo uma saudação muito carinhosa a cada um de vós! Esta circunstância oferece-me a oportunidade de vos expressar com intensidade de sentimentos a minha estima, o meu encorajamento sincero e sobretudo o meu profundo reconhecimento pelo trabalho generoso que realizais com discrição, competência e eficácia, não sem sacrifício. Quase todos os dias tenho a oportunidade de encontrar alguns de vós, nos vários lugares de serviço e de constatar pessoalmente a vossa profissionalidade na colaboração para garantir ao Papa a vigilância, assim como a ordem necessária e a segurança de quantos residem no interior do Estado ou de quantos participam nas celebrações e nos encontros que são realizados no Vaticano.

Entre as várias tarefas que é chamado a desempenhar, o Corpo da Gendarmaria deve receber também com amabilidade e gentileza os peregrinos e os visitantes do Vaticano, que chegam de Roma, da Itália e de todas as partes do mundo. Esta obra de vigilância e de controle, que vós levais a cabo com diligência e solicitude, é certamente considerável e delicada: por vezes ela exige muita paciência, perseverança e disponibilidade para a escuta. Trata-se de um serviço muito útil para o desenvolvimento tranquilo e seguro da vida quotidiana e das manifestações religiosas da Cidade do Vaticano.

Em cada peregrino ou visitante, sabei ver o rosto de um irmão que Deus coloca no vosso caminho; por conseguinte, recebei-o com gentileza e ajudai-o, sentindo-o como um membro da grande família humana. Como escrevi na Mensagem para a recente celebração do Dia Mundial da Paz: «A realização da paz depende sobretudo do reconhecimento de que somos, em Deus, uma única família humana. Esta, como ensina a Encíclica Pacem in terris, está estruturada mediante relações interpessoais e instituições sustentadas e animadas por um “nós” comunitário... A paz é uma ordem de tal modo vivificada e integrada pelo amor, que se sentem como próprias as necessidades e exigências alheias» (n. 3).

A vossa actividade será tanto mais eficaz para a Santa Sé e enriquecedora para vós, quanto mais se puder realizar num contexto de tranquilidade e harmonia. A este propósito é necessário que os Gendarmes, que garantem desde há muito tempo o seu serviço no interior do Corpo e os responsáveis do Comando, favoreçam cada vez mais as relações de confiança capazes de sustentar e de encorajar todos os membros da Gendarmaria Vaticana, também nos momentos difíceis.

Estimados amigos Gendarmes e membros do Corpo de Bombeiros, a vossa presença peculiar no coração da cristandade, onde multidões de fiéis chegam incessantemente para se encontrarem com o Sucessor de Pedro e para visitarem os túmulos dos Apóstolos, suscite cada vez mais em cada um de vós o propósito de intensificar a dimensão espiritual da vida, assim como o compromisso a aprofundar a vossa fé cristã, testemunhando-a corajosamente em cada ambiente com uma conduta de vida coerente. Para esta finalidade, vos sirva de ajuda o Ano da fé, que estamos a celebrar: ele constitui uma oportunidade privilegiada para redescobrir quanta alegria existe no crer e no anunciar aos outros que o encontro salvífico e libertador com Deus realiza as aspirações mais profundas do homem, assim como os seus anseios de paz, fraternidade e amor.

Nos dias passados, a liturgia convidou-nos a contemplar Jesus que se fez homem e veio habitar no meio de nós. Ele é a luz que ilumina e dá sentido à nossa existência; é o Redentor que traz a paz ao mundo. Contemplemos a Virgem Santíssima, com Ele no colo como Mãe atenciosa, para O oferecer a todos os homens, e acolhamo-lo com confiança e alegria! Como Maria, também nós olhemos com atenção e conservemos no nosso coração as maravilhas que Deus realiza todos os dias na história. Deste modo aprenderemos a reconhecer, no enredo da vida quotidiana, a intervenção constante da Providência divina, que tudo orienta com sabedoria e amor.

Estimados amigos, renovo a todos vós o obrigado mais sincero e afectuoso pela vossa colaboração; possa este vosso serviço generoso e apreciado ser abundantemente recompensado pelo Senhor. É a Ele que dirijo a minha oração, a fim de que vos ajude a desempenhar a vossa profissão, sempre fiéis àqueles ideais que ela exige. Quanto mais sólidos forem os princípios morais que vos inspiram, tanto mais autorizadas serão as vossas intervenções. Continuai a trabalhar sempre com este espírito. Que os vossos Padroeiros celestiais, o Arcanjo São Miguel e Santa Bárbara vos protejam e vos sustentem nas justas aspirações que alimentais; vos sirva de alívio e de encorajamento a minha benevolência constante; e que vos acompanhe a especial Bênção Apostólica, que de coração vos concedo a vós e às vossas famílias.




AOS FUNCIONÁRIOS E AGENTES DO INSPECTORADO DE SEGURANÇA PÚBLICA JUNTO AO VATICANO Segunda-feira, 14 de Janeiro de 2013

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Ilustres Senhores
Queridos Funcionários e Agentes!

Sinto-me muito feliz por renovar este encontro que já é tradicional, para a recíproca troca de bons votos no início do novo ano. A minha saudação e os meus votos dirigem-se em primeiro lugar ao Dr. Enrico Avola, recentemente nomeado Director-Geral, ao qual agradeço as palavras que há pouco me dirigiu, assim como ao Prefeito Salvatore Festa. Saúdo com igual afecto os demais componentes e colaboradores do Inspectorado de Segurança Pública junto do Vaticano.

Em primeiro lugar desejo expressar o sentimento do meu agradecimento pelo serviço que desempenhais com dedicação e confirmada profissionalidade na praça de São Pedro e na área adjacente ao Vaticano para a necessária tutela da ordem pública. Em particular, penso na vossa obra durante as manifestações dos fiéis e dos peregrinos, que chegam de todo o mundo para se encontrar com o Sucessor de Pedro e para visitar o túmulo do Príncipe dos Apóstolos, assim como para rezar sobre os dos meus venerados Predecessores, em particular do beato João Paulo II.

A vossa acção alarga-se também por ocasião das minhas visitas pastorais em Roma e nas minhas viagens apostólicas na Itália. Nesta circunstância quero manifestar o meu sentido apreço pelo modo e pelo espírito que animam o vosso serviço, vigilante e qualificado. Um estilo que, ao honrar a vossa identidade de funcionários do Estado Italiano e de membros da Igreja, confirma também as boas relações que existem entre a Itália e a Sé Apostólica.

Ouvi com interesse as palavras do vosso Director, o qual, em nome de todos vós, quis fazer-se intérprete dos sentimentos, dos ideais e dos propósitos que inspiram a vossa vida e comportamento no trabalho diário. Faço votos de coração por que a vossa canseira, com frequência feita com sacrifício e riscos, esteja sempre animada por uma firme fé cristã, que indubitavelmente é o tesouro e o valor espiritual mais precioso, que as vossas famílias vos confiaram e que estais chamados a transmitir aos vossos filhos. O Ano da fé, que a Igreja inteira está a viver, é uma oportunidade também para vós de voltar à mensagem do Evangelho e de o fazer entrar de modo mais profundo nas vossas consciências e na vida quotidiana, testemunhando corajosamente o amor de Deus em todos os ambientes, também no vosso trabalho.

Na Mensagem por ocasião do recente Dia Mundial da Paz, ressaltei como «as inúmeras obras de paz, de que é rico o mundo, testemunham a vocação natural da humanidade à paz. Em cada pessoa o desejo de paz é uma aspiração essencial e coincide, de certo modo, com o anelo por uma vida humana plena, feliz e bem sucedida» (n. 1). Que a vossa presença, queridos amigos, seja uma garantia cada vez mais válida daquela boa ordem e tranquilidade, que são fundamentais para construir uma vida social pacífica e harmoniosa, e que, além de nos serem ensinadas pela mensagem evangélica, são sinal de civilização autêntica.

Com estes votos, desejo apresentar as minhas felicitações para o novo ano também aos vossos familiares, confiando-os todos à protecção materna da Virgem Santíssima, para que interceda junto do seu Filho divino e vos obtenha prosperidade, paz, concórdia e vos preserve de qualquer perigo. Acompanhe-vos também a Bênção Apostólica, que de coração concedo a todos vós.




À DELEGAÇÃO ECUMÉNICA DA FINLÂNDIA POR OCASIÃO DA FESTA DE SANTO HENRIQUE Quinta-feira, 17 de Janeiro de 2013

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Eminência
Excelências
Estimados Amigos

Uma vez mais, estou feliz por dar as boas-vindas à Delegação ecuménica na sua visita anual a Roma por ocasião da festa de santo Henrique, o santo padroeiro da Finlândia. É oportuno que o nosso encontro tenha lugar na vigília da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, cujo tema deste ano foi tirado do Livro do profeta Miqueias: «O que Deus exige de nós?» (cf. Mq
Mi 6,6-8).

Naturalmente, o profeta esclarece o que o Senhor exige de nós: «Praticar a justiça, amar a piedade e caminhar humildemente com o nosso Deus» (cf. v. 8). O tempo de Natal, que há pouco celebramos, recorda-nos que foi Deus quem, desde o início, caminhou connosco e que, na plenitude dos tempos, encarnou para nos salvar dos nossos pecados e para orientar os nossos passos no caminho da santidade, da justiça e da paz. Caminhar humildemente na presença do Senhor, em obediência à sua palavra salvífica e com confiança no seu desígnio de graça, serve como imagem eloquente não apenas da vida da fé, mas também da nossa peregrinação ecuménica no caminho rumo à unidade plena e visível entre todos os cristãos. Neste percurso de discipulado, somos chamados a progredir juntos ao longo do caminho estreito de fidelidade à vontade soberana de Deus, enfrentando quaisquer dificuldades ou obstáculos que eventualmente encontrarmos.

Por conseguinte, para progredirmos nos caminhos da comunhão é necessário que estejamos cada vez mais unidos na oração, comprometidos na busca da santidade e envolvidos nos campos da investigação teológica e da cooperação, ao serviço de uma sociedade justa e fraterna. Ao longo deste caminho de ecumenismo espiritual, caminhamos verdadeiramente com Deus e uns com os outros na justiça e no amor (cf. Mq Mi 6,8), pois como afirma a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, «somos aceites por Deus e recebemos o Espírito Santo, que renova os nossos corações, habilitando-nos e chamando-nos a realizar boas obras» (n. 15).

Queridos amigos, formulo votos a fim de que a vossa visita a Roma contribua para fortalecer as relações ecuménicas entre todos os cristãos na Finlândia. Demos graças a Deus por tudo aquilo que foi levado a cabo até agora, e oremos para que o Espírito de verdade oriente os seguidores de Cristo no vosso país rumo a um amor e a uma unidade cada vez maiores, enquanto procuram viver à luz do Evangelho e iluminar com esta luz as importantes questões morais que se apresentam às nossas sociedades contemporâneas. Caminhando em humildade ao longo da senda da justiça, da misericórdia e da rectidão, que o Senhor nos indicou, os cristãos não só permanecerão na verdade, mas serão também faróis de alegria e de esperança para todos aqueles que se põem em busca de um ponto de referência certo no nosso mundo que se transforma rapidamente. No início deste Novo Ano, asseguro-vos a minha proximidade na oração. Sobre todos vós, invoco cordialmente a sabedoria, a graça e a paz do nosso Redentor, Jesus Cristo.




AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA DO PONTIFÍCIO CONSELHO COR UNUM 19 de Janeiro de 2013

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Sala do Consitório

Sábado, 19 de Janeiro de 2013




Queridos amigos

É com carinho e alegria que vos dou as boas-vindas, por ocasião da Assembleia Plenária do Pontifício Conselho Cor Unum. Agradeço ao Presidente, Cardeal Robert Sarah, as suas palavras e dirijo a minha saudação cordial a cada um de vós, estendendo-a idealmente a todos aqueles que trabalham ao serviço da caridade da Igreja. Com o recente Motu proprio Intima Ecclesiae natura desejei reiterar o sentido eclesial da vossa actividade. O vosso testemunho pode abrir a porta da fé a numerosas pessoas que procuram o amor de Cristo. Assim, durante este Ano da fé o tema «Caridade, nova ética e antropologia cristã», que vós enfrentais, reflecte o nexo urgente entre amor e verdade ou, se preferirmos, entre fé e caridade. Com efeito, todo o ethos cristão recebe o seu sentido da fé como «encontro» com o amor de Cristo, que oferece um novo horizonte e imprime à vida o rumo decisivo (cf. Encíclica Deus caritas est ). O amor cristão encontra fundamento e forma na fé. Encontrando Deus e experimentando o seu amor, aprendemos «a viver não mais para nós mesmos, mas para Ele e, com Ele, para os outros» (ibid., n. 33).

A partir desta relação dinâmica entre fé e caridade, gostaria de meditar sobre um ponto, que eu definiria como a dimensão profética que a fé instila na caridade. Com efeito, a adesão crente ao Evangelho imprime à caridade a sua forma tipicamente cristã e constitui o seu princípio de discernimento. O cristão, de modo particular aquele que trabalha nos organismos de caridade, deve deixar-se orientar pelos princípios da fé, mediante a qual nós aderimos ao «ponto de vista de Deus», ao seu desígnio sobre nós (cf. Encíclica Caritas in veritate ). Este novo olhar sobre o mundo e sobre o homem, oferecido pela fé, fornece também o critério correcto de avaliação das expressões de caridade, no contexto contemporâneo.

Em cada época, quando o homem não procurou tal desígnio, permaneceu vítima de tentações culturais que acabaram por torná-lo escravo. Ao longo dos últimos séculos, as ideologias que exaltavam o culto da nação, da raça e da classe social revelaram-se verdadeiras idolatrias; e o mesmo podemos dizer acerca do capitalismo selvagem, com o seu culto do lucro, do qual derivaram crises, desigualdades e miséria. Hoje em dia, compartilha-se cada vez mais um sentir comum a propósito da dignidade inalienável de cada ser humano e da responsabilidade recíproca e interdependente em relação a ele; e isto em vantagem da verdadeira civilização, a civilização do amor. Por outro lado, infelizmente, também o nosso tempo conhece sombras que ofuscam o desígnio de Deus. Refiro-me acima de tudo a uma trágica redução antropológica, que volta a propor o antigo materialismo hedonista, mas ao qual se acrescenta um «prometeísmo tecnológico». Da união entre uma visão materialista do homem e o grande desenvolvimento da tecnologia sobressai uma antropologia no fundo ateia. Ela pressupõe que o homem se reduza a funções autónomas, a mente ao cérebro, e a história humana a um destino de auto-realização. Tudo isto, prescindindo de Deus, da dimensão propriamente espiritual e do horizonte ultraterreno. Na perspectiva de um homem desprovido da sua alma e portanto de uma relação pessoal com o Criador, aquilo que é possível do ponto de vista técnico torna-se moralmente lícito, todas as experiências são aceitáveis, todas as políticas demográficas permitidas, todas as manipulações legitimadas. Com efeito, a insídia mais temível desta corrente de pensamento é a absolutização do homem: o homem quer ser ab-solutus, isto é, desvinculado de qualquer laço e de qualquer constituição natural. Ele pretende ser independente e pensa que a felicidade se encontra unicamente na afirmação de si mesmo. «O homem contesta a sua própria natureza... Agora existe apenas o homem em abstracto, que em seguida escolhe para si, autonomamente, algo como sua natureza» (Discurso à Cúria romana, 21 de Dezembro de 2012). Trata-se de uma negação radical da criaturalidade e da filialidade do homem, que acaba numa solidão dramática.

Por este motivo, a fé e o discernimento cristão sadio induzem-nos a prestar uma atenção profética a esta ética problemática e à mentalidade que lhe está subentendida. A justa colaboração com instâncias internacionais no campo do desenvolvimento e da promoção humana não deve fazer-nos fechar os olhos diante destas ideologias graves, e os Pastores da Igreja — a qual é «coluna e sustentáculo da verdade» (
1Tm 3,15) — têm o dever de alertar contra estas derivas tanto os fiéis católicos como qualquer pessoa de boa vontade e de razão recta. Com efeito, trata-se de uma deriva negativa para o homem, não obstante se disfarce de bons sentimentos, no sinal de um progresso hipotético, ou de supostos direitos ou ainda de um presumível humanismo. Perante esta redução antropológica, que tarefa compete a cada cristão, e de modo particular a vós, que estais comprometidos em actividades caritativas e, portanto, em relação directa com muitos outros agentes sociais? Sem dúvida, temos que exercer uma vigilância crítica e, às vezes, recusar financiamentos e colaborações que, directa ou indirectamente, favorecem obras e programas em contraste com a antropologia cristã. Mas, positivamente, a Igreja está sempre comprometida em promover o homem segundo o desígnio de Deus, na sua dignidade integral, no respeito pela sua dúplice dimensão vertical e horizontal. Para isto tende também a obra de desenvolvimento dos organismos eclesiais. Com efeito, a visão cristã do homem constitui um grande sim à dignidade da pessoa, chamada à comunhão íntima com Deus, uma comunhão filial, humilde e confiante. O ser humano não é um indivíduo separado, nem um um elemento anónimo no meio da colectividade, mas sim uma pessoa singular e irrepetível, intrinsecamente ordenada para o relacionamento e para a socialidade. Por isso, a Igreja reitera o seu grande sim à dignidade e à beleza do matrimónio, como expressão de aliança fiel e fecunda entre um homem e uma mulher, e o seu não a filosofias como aquela do gender se motiva, pelo facto de que a reciprocidade entre masculino e feminino expressa a beleza da natureza desejada pelo Criador.

Estimados amigos, agradeço-vos o compromisso em benefício do homem, na fidelidade à sua dignidade autêntica. Diante destes desafios epocais, nós sabemos que a resposta é o encontro com Cristo. Nele o homem pode realizar plenamente o seu bem pessoal e o bem comum. Encorajo-vos a prosseguir com espírito alegre e generoso enquanto, de coração, vos concedo a minha Bênção Apostólica.






AOS MEMBROS DA COMISSÃO MISTA INTERNACIONAL PARA O DIÁLOGO TEOLÓGICO ENTRE A IGREJA CATÓLICA E AS IGREJAS ORIENTAIS ORTODOXAS 25 de Janeiro de 2013

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Sala dos Papas
Sexta-feira, 25 de Janeiro de 2013




Eminências
Excelências

Amados Irmãos em Cristo

É com alegria no Senhor que vos dou as boas-vindas, membros da Comissão Mista Internacional para o diálogo teológico entre a Igreja católica e as Igrejas orientais ortodoxas. Através de vós, faço extensivas as minhas saudações fraternas aos Chefes de todas as Igrejas orientais ortodoxas. De modo particular, saúdo Sua Eminência Anba Bishoy, co-Presidente da Comissão, enquanto lhe agradeço as amáveis palavras que proferiu.

Antes de tudo, desejo recordar com estima Sua Santidade Shenouda III, Papa de Alexandria e Patriarca da Sede de São Marcos, falecido recentemente. Recordo com gratidão também Sua Santidade Abuna Paulos, Patriarca da Igreja ortodoxa etíope tewahedo, que no ano passado hospedou o novo Encontro da Comissão Mista Internacional para o diálogo teológico em Adis Abeba, na Etiópia. Amargurou-me também ter tomado conhecimento da morte de Sua Excelência Reverendíssima D. Jules Mikhael Al-Jamil, Arcebispo Titular de Takrit e Procurador do Patriarcado sírio-católico em Roma, e membro da vossa Comissão. Uno-me a vós na oração pelo descanso eterno destes dedicados servos do Senhor.

O nosso encontro hodierno oferece-nos a oportunidade de meditar juntos com gratidão a propósito das actividades realizadas pela Comissão Mista Internacional, encetadas há dez anos, em Janeiro de 2003, como uma iniciativa da parte das autoridades eclesiais da família das Igrejas orientais ortodoxas e do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Ao longo da última década, a Comissão examinou sob uma perspectiva histórica os vários modos como as Igrejas manifestaram a sua comunhão nos primeiros séculos. Durante esta Semana, dedicada à oração pela unidade de todos os seguidores de Cristo, encontrastes-vos para estudar mais profundamente a comunhão e a comunicação existente entre as Igrejas durante os primeiros cinco séculos da história cristã. Reconhecendo os progressos levados a cabo, exprimo a minha esperança de que as relações entre a Igreja católica e as Igrejas orientais ortodoxas continuem a desenvolver-se em espírito fraterno de cooperação, particularmente mediante o aprofundamento de um diálogo teológico capaz de ajudar todos os seguidores do Senhor a crescer na comunhão e a dar ao mundo o testemunho da verdade salvífica do Evangelho.

Muitos de vós vindes de regiões onde os cristãos, quer como indivíduos quer como comunidade, enfrentam provas dolorosas e dificuldades, que são fonte de profunda preocupação para todos nós. Através de vós, desejo assegurar a todos os fiéis no Médio Oriente a minha proximidade espiritual e a minha oração a fim de que aquela terra, tão importante no plano de salvação de Deus, possa ser orientada, mediante um diálogo construtivo e a cooperação, rumo a um futuro de justiça e de paz duradoura. Todos os cristãos devem trabalhar juntos, com aceitação e confiança recíprocas ao serviço da causa da paz e da justiça, em fidelidade à vontade do Senhor. Possam o exemplo e a intercessão dos numerosos mártires e santos que, ao longo dos séculos ofereceram um testemunho intrépido de Cristo em todas as nossas Igrejas, sustentar e revigorar todos nós, para enfrentarmos os desafios do presente confiantes e esperançosos no futuro que o Senhor está a descerrar à nossa frente! Sobre vós e todas as pessoas associadas aos trabalhos da Comissão, invoco uma renovada efusão dos dons do Espírito Santo, de sabedoria, de júbilo e de paz. Obrigado pela vossa atenção!






POR OCASIÃO DA INAUGURAÇÃO DO ANO JUDICIÁRIO DO TRIBUNAL DA ROTA ROMANA Sábado, 26 de Janeiro de 2013

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Sala Clementina



Queridos componentes
do Tribunal da Rota Romana!

É para mim motivo de alegria encontrar-me de novo convosco por ocasião da inauguração do ano judiciário. Agradeço ao vosso Decano, Mons. Pio Vito Pinto, os sentimentos expressos em nome de todos vós e que retribuo de coração. Este encontro oferece-me a oportunidade de reafirmar a minha estima e consideração pelo alto serviço que prestais ao Sucessor de Pedro e à Igreja inteira, assim como de vos estimular a um compromisso cada vez maior num âmbito certamente difícil, mas precioso para a salvação das almas. O princípio de que a salus animarum é a suprema lei da Igreja (cf. CIC,
CIC 1752) deve estar muito presente e encontrar, todos os dias, no vosso trabalho, a resposta devida e rigorosa.

1. No contexto do Ano da fé, gostaria de analisar, de modo especial, alguns aspectos da relação entre fé e matrimónio, observando como a actual crise da fé, que atinge várias partes do mundo, traz consigo uma crise da sociedade conjugal, com toda a carga de sofrimento e de privações que isto comporta também para os filhos. Podemos tomar como ponto de partida a raiz linguística comum que, em latim, as palavras fides e foedus têm, termo, o segundo, com o qual o Código de Direito Canónico designa a realidade natural do matrimónio, como pacto irrevogável entre homem e mulher (cf. CIC 1055 § 1). De facto, o confiar-se recíproco é a base irrenunciável de qualquer pacto ou aliança.

A nível teológico, a relação entre fé e matrimónio assume um significado ainda mais profundo. De facto, o vínculo esponsal, mesmo sendo realidade natural, entre os baptizados foi elevado por Cristo à dignidade de sacramento (cf. ibidem).

O pacto indissolúvel entre homem e mulher não exige, para fins da sacramentalidade, a fé pessoal dos nubentes; o que é exigido, como condição mínima necessária, é a intenção de fazer o que a Igreja faz. Mas se é importante não confundir o problema da intenção com o da fé pessoal dos contraentes, contudo não é possível separá-los totalmente. Como fazia notar a Comissão Teológica Internacional num Documento de 1977, «no caso em que não seja perceptível vestígio algum da fé como tal (no sentido do termo “crença”, disposição para crer), nem desejo algum da graça e da salvação, apresenta-se o problema de saber, na realidade, se a intenção geral e verdadeiramente sacramental da qual falámos, está ou não presente, e se o matrimónio é ou não contraído validamente» (A doutrina católica sobre o sacramento do matrimónio [1977], 2.3: Documenti 1969-2004, vol. 13, Bolonha 2006, p. 145). O beato João Paulo II, dirigindo-se a este Tribunal, há dez anos, esclareceu contudo que «uma atitude dos nubentes que não tenha em conta a dimensão sobrenatural no matrimónio só o pode tornar nulo se incide sobre a validade a nível natural no qual é colocado o próprio sinal sacramental» (ibidem). Sobre esta problemática, sobretudo no contexto actual, será preciso promover ulteriores reflexões.

2. A cultura contemporânea, marcada por um acentuado subjectivismo e relativismo ético e religioso, apresenta desafios urgentes à pessoa e à família. Em primeiro lugar, face à questão sobre a própria capacidade do ser humano de se unir, e se um vínculo que dure toda a vida seja deveras possível e corresponda à natureza do homem, ou, antes, não esteja, ao contrário, em contraste com a sua liberdade e auto-realização. Com efeito, faz parte de uma mentalidade difundida pensar que a pessoa se torna ela mesma permanecendo «autónoma» e entrando em contacto com o outro só mediante relações que se possam interromper em qualquer momento (cf. Alocução à Cúria Romana [21 de Dezembro de 2012]: L’Osservatore Romano, ed. port. de 22 de Dezembro, pp. 8/9). A ninguém passa despercebido como sobre a escolha do ser humano de se unir com um vínculo que dure toda a vida influa sobre a perspectiva de base de cada um, isto é, se for ancorada num plano meramente humano, ou se abra à luz da fé no Senhor. De facto, só abrindo-se à verdade de Deus é possível compreender, e realizar concretamente também na vida conjugal e familiar, a verdade do homem como seu filho, regenerado pelo Baptismo. «Quem permanecer em Mim e Eu nele, dará muito fruto, porque sem Mim nada podeis fazer» (Jn 15,5): assim ensinava Jesus aos seus discípulos, recordando-lhes a incapacidade substancial do ser humano de realizar sozinho o que é necessário para a consecução do bem verdadeiro. A recusa da proposta divina, com efeito, conduz a um desequilíbrio profundo em todas as relações humanas (cf. Discurso à Comissão Teológica Internacional [7 de Dezembro de 2012] L’Osservatore Romano, ed. port. de 15 de Dezembro, p. 11), incluída a matrimonial, e facilita uma compreensão errada da liberdade e da auto-realização que, unida à fuga face à suportação paciente do sofrimento, condena o homem a fechar-se no seu egoísmo e egocentrismo. Ao contrário, o acolhimento da fé torna o homem capaz da doação de si, unicamente na qual, «abrindo-se ao outro, aos outros, aos filhos, à família... deixando-se plasmar no sofrimento, descobre a amplitude do ser pessoa humana» (Discurso à Cúria Romana [21 de Dezembro de 2012]: L’Osservatore Romano, ed. port. de 22 de Dezembro, pp. 8/9).

Por conseguinte, a fé em Deus, apoiada pela graça divina, é um elemento muito importante para viver a dedicação mútua e a fidelidade conjugal (Catequese na Audiência geral [8 de Junho de 2011]: Insegnamenti VII/1 [2011], pp. 792-793). Não se pretende afirmar com isto que a fidelidade, como as outras propriedades, não são possíveis no matrimónio natural, contraído entre não-baptizados. De facto, ele não está privado dos bens que «provêm de Deus Criador e inserem-se de modo incoactivo no amor esponsal que une Cristo e a Igreja» (Comissão Teológica Internacional, A doutrina católica sobre o sacramento do matrimónio [1977], 3.4: Documenti 1969-2004, vol. 13, Bolonha 2006, p. 147). Mas certamente o fechamento a Deus ou a recusa da dimensão sagrada da união conjugal e do seu valor na ordem da graça torna árdua a encarnação concreta do modelo altíssimo de matrimónio concebido pela Igreja segundo o desígnio de Deus, podendo chegar a minar a própria validade do pacto quando, como assume a consolidada jurisprudência deste Tribunal, se traduz numa recusa de um princípio da mesma obrigação conjugal de fidelidade, ou seja, dos outros elementos ou propriedades essenciais do matrimónio.

Tertuliano, na célebre Carta à esposa, falando da vida conjugal que se distingue pela fé, escreve que os cônjuges cristãos «são deveras dois numa só carne, e onde a carne é única, único é o espírito. Juntos rezam, juntos se prostram e juntos jejuam: um ensina ao outro, um honra o outro, um ampara o outro» (Ad uxorem libri duo, II, IX: PL 1, 1415b-1417a). Com termos semelhantes se expressa são Clemente Alexandrino: «Se de facto para ambos um só é Deus, então para ambos um só é o Pedagogo — Cristo — uma é a Igreja, uma a sabedoria, um o poder, em comum temos o alimento, o matrimónio nos une... E se comum é a vida, comum é também a graça, a salvação, a virtude, a moral» (Paedadogus, I, IV, 10.1: PG 8,259). Os Santos que viveram a união matrimonial e familiar, na perspectiva cristã, conseguiram superar também as situações mais adversas, um amor sempre fortalecido por uma sólida confiança em Deus, por uma sincera piedade religiosa e por uma intensa vida sacramental. Precisamente estas experiências, marcadas pela fé, fazem compreender como, ainda hoje, é precioso o sacrifício oferecido pelo cônjuge abandonado ou que tenha sido vítima de divórcio, se — reconhecendo a indissolubilidade do vínculo matrimonial válido — consegue não se deixar «envolver numa nova união... Neste caso o seu exemplo de fidelidade e coerência cristã assume um particular valor de testemunho diante do mundo e da Igreja» (João Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio [22 de Novembro de 1981], 83: AAS 74 [1982], p. 184).

3. Por fim, gostaria de analisar brevemente o bonum coniugum. A fé é importante na realização do autêntico bem conjugal, que consiste simplesmente em querer sempre e contudo o bem do outro, em função de um verdadeiro e indissolúvel consortio vitae.Na realidade, no propósito dos esposos cristãos de viver uma verdadeira communio coniugalis há um dinamismo próprio da fé, motivo pelo qual a confessio, a resposta pessoal sincera ao anúncio salvífico, envolve o crente no mote de amor de Deus. «Confessio» e «caritas» são «os dois modos em que Deus nos envolve, nos faz agir com Ele e para a humanidade, para a sua criatura... A “confessio” não é algo abstracto, é “caritas”, é amor. Só assim é realmente o reflexo da verdade divina, que como verdade é inseparavelmente também amor» (Meditação na primeira Congregação Geral da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [8 de Outubro de 2012]: L’Osservatore Romano, ed. port. de 13 de Outubro, p. 14). Só através da chama da caridade, a presença do Evangelho já não é só uma palavra, mas realidade vivida. Por outras palavras, se é verdade que «a fé sem a caridade não dá fruto e a caridade sem a fé seria um sentimento à mercê constante da dúvida», deve-se concluir que «fé e caridade se reclamam mutuamente, de tal modo que consente à outra realizar o seu caminho» (Carta ap. Porta fidei [11 de Outubro de 2011], 14: L’Osservatore Romano, ed. port. de 22 de Outubro, pp. 4-9). Se isto é válido no amplo contexto da vida comunitária, deve ser ainda mais válido na união matrimonial. Com efeito, é nela que a fé faz crescer e frutificar o amor dos esposos, dando espaço à presença de Deus Trindade e tornando a própria vida conjugal, assim vivida, «boa nova» diante do mundo.

Reconhecendo as dificuldades, sob o ponto de vista jurídico e prático, de esclarecer o elemento essencial do bonum coniugum, até agora entendido predominantemente em relação às hipóteses de incapacidade (cf. CIC, CIC 1095). O bonum coniugum assume relevância também no âmbito da simulação do consenso. Certamente, nos casos submetidos ao vosso juízo, será a indagação in facto que certificará o eventual fundamento deste motivo de nulidade, prevalecente ou coexistente com outro motivo dos três «bens» agostinianos, a procriatividade, a exclusividade e a perpetuidade. Por conseguinte, não se deve prescindir da consideração que se possam verificar casos nos quais, precisamente devido à ausência de fé, o bem dos cônjuges resulte comprometido, isto é, excluído do próprio consenso; por exemplo, na hipótese de subversão de um deles, por causa de uma concepção errada do vínculo nupcial, do princípio de igualdade, ou na hipótese de rejeição da união dual que distingue o vínculo matrimonial, em relação com a possível coexistente exclusão da fidelidade e do uso da copulação realizada humano modo.

Com estas considerações, não pretendo certamente sugerir qualquer automatismo fácil entre carência de fé e união matrimonial não válida, mas antes evidenciar como esta carência possa, mesmo se não necessariamente, ferir também os bens do matrimónio, a partir do momento que a referência à ordem natural querida por Deus é inerente ao pacto conjugal (cf. Gn 2,24).

Queridos irmãos, invoco de Deus sobre vós e sobre quantos na Igreja estão comprometidos na salvaguarda da verdade e da justiça em relação ao sagrado vínculo do matrimónio e, desse modo, da família cristã. Confio-vos à protecção de Maria Santíssima, Mãe de Cristo, e de são José, Guardião da Família de Nazaré, silencioso e obediente executor do plano divino da salvação, enquanto concedo de bom grado a vós e às pessoas que vos são queridas a Bênção Apostólica.



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