Bento XVI Homilias 29605


15 de Agosto de 2005: SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO CELEBRADA NA PARÓQUIA PONTIFÍCIA DE S. TOMÁS DE VILLANOVA

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Castel Gandolfo

Caros Irmãos no Episcopado

e no Sacerdócio
Queridos Irmãos e Irmãs

Antes de tudo, dirijo uma cordial saudação a todos vós. É uma grande alegria para mim celebrar a Missa nesta bela igreja paroquial no dia da Assunção. Saúdo o Cardeal Sodano, o Bispo de Albano, todos os sacerdotes, o Presidente da Câmara e todos vós. Obrigado pela vossa presença. A festa da Assunção é um dia de alegria. Deus venceu. O amor venceu. Venceu a vida. Mostrou-se que o amor é mais forte do que a morte. Que Deus tem a verdadeira força e a sua força é bondade e amor.

Maria foi elevada ao céu em corpo e alma: também para o corpo existe um lugar em Deus. Para nós o céu já não é uma esfera muito distante e desconhecida. No céu temos uma mãe. E a Mãe de Deus, a Mãe do Filho de Deus, é a nossa Mãe. Ele mesmo o disse. Ele constituiu-a nossa Mãe, quando disse ao discípulo e a todos nós: "Eis a tua Mãe!" No céu temos uma Mãe. O céu está aberto, o céu tem um coração.

No Evangelho ouvimos o Magnificat, esta grande poesia pronunciada pelos lábios, aliás, pelo coração de Maria, inspirada pelo Espírito Santo. Neste cântico maravilhoso reflecte-se toda a alma, toda a personalidade de Maria. Podemos dizer que este seu cântico é um retrato, é um verdadeiro ícone de Maria, no qual podemos vê-la precisamente como é. Gostaria de realçar somente dois pontos deste grande cântico. Ele inicia com a palavra "Magnificat": a minha alma "engrandece" o Senhor, ou seja, "proclama grande" o Senhor. Maria deseja que Deus seja grande no mundo, seja grande na sua vida, esteja presente entre todos nós. Não teme que Deus possa ser um "concorrente" na nossa vida, que nos possa tirar algo da nossa liberdade, do nosso espaço vital com a sua grandeza. Ela sabe que, se Deus é grande, também nós somos grandes. A nossa vida não é oprimida, mas elevada e alargada: justamente então torna-se grande no esplendor de Deus.

O facto de que os nossos antepassados pensassem o contrário foi o núcleo do pecado original. Temiam que se Deus tivesse sido grande demais teria tirado algo da sua vida. Pensavam que deveriam pôr Deus de lado a fim de ter espaço para eles mesmos. Esta foi também a maior tentação da época moderna, dos últimos três ou quatro séculos. Sempre mais se pensou e também se disse: "Mas este Deus não nos deixa a nossa liberdade, torna estreito o espaço da nossa vida com todos os seus mandamentos. Portanto, Deus deve desaparecer; queremos ser autónomos, independentes. Sem este Deus nós mesmos seremos deuses, fazendo o que queremos nós". Este também era o pensamento do filho pródigo, o qual não entendeu que, precisamente pelo facto de estar na casa do pai, era "livre". Foi-se embora para cidades longínquas e consumiu o património da sua vida. No final compreendeu que, justamente por se ter distanciado do pai, em vez de ser livre, tornou-se escravo; entendeu que somente retornando à casa do pai teria podido ser livre verdadeiramente, em toda a beleza da vida. Assim é também na época moderna. Antes pensava-se e acreditava-se que, afastando Deus e sendo autónomos, seguindo somente as nossas ideias, a nossa vontade, nos tornaríamos realmente livres, podendo fazer quanto quiséssemos sem que ninguém pudesse dar-nos alguma ordem. Mas, onde desaparece Deus, o homem não se torna grande; ao contrário, perde a dignidade divina, perde o esplendor de Deus no seu rosto. No fim resulta somente o produto de uma evolução cega e, como tal, pode ser usado e abusado. Foi precisamente quanto a experiência desta nossa época confirmou.

Somente se Deus é grande, o homem também é grande. Com Maria devemos começar a entender que é assim. Não devemos distanciar-nos de Deus, mas tornar Deus presente; fazer com que Ele seja grande na nossa vida; assim também nós nos tornamos divinos; todo o esplendor da dignidade divina então é nosso. Apliquemos isto à nossa vida. É importante que Deus seja grande entre nós, na vida pública e na vida privada. Na vida pública é importante que Deus esteja presente, por exemplo, através da Cruz nos edifícios públicos, que Deus esteja presente na nossa vida comum, porque somente se Deus está presente temos uma orientação, uma estrada comum; se não os contrastes tornam-se inconciliáveis, deixando de existir o reconhecimento da dignidade comum.

Tornemos grande Deus na vida pública e na vida privada. Isto quer dizer, dar espaço todos os dias a Deus na nossa vida, começando de manhã com a oração, e depois dando tempo a Deus, dando o domingo a Deus. Não perdemos o nosso tempo livre se o oferecermos a Deus. Se Deus entra no nosso tempo, todo o tempo se torna maior, mais amplo, mais rico.

Segunda observação. Esta poesia de Maria o Magnificat é toda original; contudo, ao mesmo tempo, é um "tecido" feito totalmente com "fios" do Antigo Testamento, feito de palavra de Deus.

Dessa maneira, vemos que Maria era, por assim dizer, "em casa" na palavra de Deus, vivia da palavra de Deus, estava imbuída da palavra de Deus. Na medida em que falava com as palavras de Deus, pensava com as palavras de Deus, os seus pensamentos eram os pensamentos de Deus, as suas palavras as palavras de Deus. Era invadida pela luz divina e por isso era tão esplêndida, tão bondosa, tão radiante de amor e de bondade. Maria vive da palavra de Deus, é inundada pela palavra de Deus. E este estar imersa na palavra de Deus, este ser totalmente familiar com a palavra de Deus dá-lhe também a luz interior da sabedoria. Quem pensa com Deus pensa bem, e quem fala com Deus fala bem. Tem critérios de juízo válidos para todas as coisas do mundo. Torna-se sábio, prudente e, ao mesmo tempo, bom: torna-se também forte e corajoso, com a força de Deus que resiste ao mal e promove o bem no mundo.

E, assim, Maria fala connosco, fala a nós, convida-nos a conhecer a palavra de Deus, a amar a palavra de Deus, a viver com a palavra de Deus, a pensar com a palavra de Deus. E podemos fazê-lo de diversíssimos modos: lendo a Sagrada Escritura, sobretudo participando na Liturgia, na qual no decurso do ano a Santa Igreja nos abre diante todo o livro da Sagrada Escritura. Abre-o para a nossa vida e torna-o presente na nossa vida. Penso ainda no "Compêndio do Catecismo da Igreja Católica", que recentemente publicámos, no qual a palavra de Deus é aplicada à nossa vida, interpreta a realidade da nossa vida, ajuda-nos a entrar no grande "templo" da palavra de Deus, a aprender a amá-la e a estar como Maria, imbuídos desta palavra. Desse modo a vida torna-se luminosa e temos o critério como base para julgar, recebemos bondade e força no mesmo momento.

Maria é elevada em corpo e alma à glória do céu e com Deus e em Deus é rainha do céu e da terra. Porventura, está tão distante de nós? É verdadeiro o contrário. Precisamente porque está com Deus e em Deus, está pertíssimo de cada um de nós. Quando estava na terra podia somente estar perto de algumas pessoas. Estando em Deus, que está próximo de nós, que está no "interior" de todos nós, Maria participa nesta aproximação de Deus. Estando em Deus e com Deus, está perto de cada um de nós, conhece o nosso coração, pode ouvir as nossas orações, pode ajudar-nos com a sua bondade materna e é-nos dada como disse o Senhor como "mãe", à qual podemos dirigir-nos em todos os momentos. Ela escuta-nos sempre, está sempre perto, e sendo Mãe do Filho, participa no poder do Filho, na sua bondade. Podemos confiar sempre toda a nossa vida a esta Mãe, que não está longe de nós.

Neste dia de festa, damos graças ao Senhor pelo dom da Mãe e rezemos a Maria, a fim de que nos ajude a encontrar o caminho justo todos os dias. Amém.



Domingo, 21 de Agosto de 2005: VIAGEM APOSTÓLICA A COLÓNIA POR OCASIÃO DA XX JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

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SANTA MISSA NA ESPLANADA DE MARIENFELD


Colónia, Esplanada de Marienfeld




Palavras do Santo Padre no início da Concelebração


Estimado Cardeal Meisner
Queridos jovens!

Gostaria de te agradecer cordialmente, amado Irmão no Episcopado, pelas tuas palavras comovedoras que tão oportunamente nos introduzem nesta celebração litúrgica. Teria gostado de percorrer com o "papamóvel" todo o território em comprimento e largura para estar possivelmente próximo a cada um individualmente. Devido às dificuldades dos caminhos não era possível mas saúdo cada um de vós de todo o coração. O Senhor vê e ama cada pessoa. Todos nós formamos juntos a Igreja viva e agradecemos ao Senhor esta hora na qual Ele nos concede o mistério da sua presença e a possibilidade de estar em comunhão com Ele.

Todos sabemos que somos imperfeitos, que não podemos ser para Ele uma casa apropriada. Por isso começamos a Santa Missa reunindo-nos e pedindo ao Senhor que afaste de nós tudo o que nos separa d'Ele e nos separa, a nós homens, uns dos outros. Que nos faça o dom de celebrar dignamente os Santos Mistérios.

***


Caríssimos jovens!

Diante da Hóstia sagrada, na qual Jesus para nós se fez pão que do interior ampara e alimenta a nossa vida (cf
Jn 6,35), começámos ontem à noite o caminho interior da adoração. Na Eucaristia a adoração deve tornar-se união. Com a Celebração eucarística encontramo-nos naquela "hora" de Jesus da qual nos fala o Evangelho de João. Mediante a Eucaristia esta sua "hora" torna-se a nossa hora, a sua presença no meio de nós. Ele celebrou, juntamente com os discípulos, a ceia pascal de Israel, o memorial da acção libertadora de Deus que tinha guiado Israel da escravidão para a liberdade. Jesus segue os ritos de Israel. Recita sobre o pão a oração de louvor e de bênção. Mas depois acontece uma coisa nova. Ele agradece a Deus não só pelas grandes obras do passado; agradece-lhe a própria exaltação que se há-de realizar mediante a Cruz e a Ressurreição, falando aos discípulos também com palavras que contêm a suma da Lei e dos Profetas: "Isto é o Meu corpo dado em sacrifício por vós. Isto é o cálice da Nova Aliança no meu Sangue". E assim distribui o pão e o cálice, e ao mesmo tempo, confere-lhes o mandato de dizer e fazer sempre de novo em sua memória o que está dizendo e fazendo naquele momento.

O que está a acontecer? Como pode Jesus distribuir o seu Corpo e o seu Sangue? Ao fazer do pão o seu Corpo e do vinho o seu Sangue, Ele antecipa a sua morte, aceita-a no seu íntimo e transforma-a numa acção de amor. Aquilo que do exterior é violência brutal, torna-se do interior um gesto de amor que se doa totalmente. Foi esta a transformação substancial que se realizou no cenáculo e que estava destinada a suscitar um processo de transformações cuja finalidade última é a transformação do mundo até àquela condição em que Deus será tudo em todos (cf. 1Co 15,28). Desde sempre, de qualquer forma, todos os homens aguardam no seu coração uma mudança, uma transformação do mundo. Pois este é o único acto central de transformação capaz de renovar verdadeiramente o mundo: a violência transforma-se em amor e, por conseguinte, a morte em vida.

E porque este acto transforma a morte em vida, a morte como tal já está superada a partir do seu interior, já está presente nela a ressurreição. A morte está, por assim dizer, ferida intimamente, de modo que jamais poderá ser ela a última palavra. Esta é, querendo usar uma imagem que conhecemos muito bem, a cisão nuclear que o ser leva no seu íntimo a vitória do amor sobre o ódio, a vitória do amor sobre a morte. Só esta íntima explosão do bem que vence o mal pode suscitar depois a corrente de transformações que, pouco a pouco, mudarão o mundo. Todas as outras mudanças permanecem superficiais e não salvam. Por isso, falamos de redenção: aquilo que do mais íntimo era necessário concretizou-se, e nós podemos entrar neste dinamismo. Jesus pode distribuir o seu Corpo, porque realmente se doa a si mesmo.

Esta primeira e fundamental transformação da violência em amor, da morte em vida arrasta depois consigo as outras transformações. Pão e vinho tornam-se o seu Corpo e o seu Sangue. Mas a este ponto, a transformação não deve deter-se, antes, é aqui que deve começar plenamente. O Corpo e o Sangue de Cristo são-nos dados para que nós mesmos, por nossa vez, sejamos transformados.

Nós próprios devemos tornar-nos Corpo de Cristo, seus consaguíneos. Todos comemos o único pão, mas isto significa que entre nós nos tornamos uma só coisa. A adoração, dissémos, torna-se união. Deus já não está só diante de nós, como o Totalmente Outro. Está dentro de nós, e nós estamos n'Ele. A sua dinâmica penetra-nos e de nós deseja propagar-se aos outros e difundir-se em todo o mundo, para que o seu amor se torne realmente a medida dominante do mundo.

Encontro uma alusão muito bela neste novo trecho que a Última Ceia nos concedeu na acepção diferente que a palavra "adoração" tem em grego e em latim. A palavra grega ressoa proskynesis.

Ela significa o gesto da submissão, o reconhecimento de Deus como a nossa verdadeira medida, cuja norma aceitamos seguir. Significa que liberdade não quer dizer gozar a vida, considerar-se absolutamente autónomos, mas orientar-se segundo a medida da verdade e do bem, para, desta forma, nos tornarmos nós próprios verdadeiros e bons. Este gesto é necessário, mesmo se a nossa ambição de liberdade num primeiro momento resiste a esta perspectiva. Fazê-la completamente nossa só será possível na segunda passagem que a Última Ceia nos apresenta. A palavra latina para adoração é ad-oratio contacto boca a boca, beijo, abraço e, por conseguinte, fundamentalmente amor. A submissão torna-se união, porque Aquele ao qual nos submetemos é Amor. Assim, submissão adquire um sentido, porque não nos impõe coisas alheias, mas liberta-nos em função da verdade mais íntima do nosso ser.

Voltemos de novo à Última Ceia. A novidade que ali se verificou, estava na nova profundidade da antiga oração de bênção de Israel, que desde então se torna a palavra da transformação e nos concede a participação na "hora" de Cristo. Jesus não nos deixou a tarefa de repetir a Ceia pascal que, de resto, como aniversário, não é repetível a nosso bel-prazer. Deixou-nos a tarefa de entrar na sua "hora". Entramos nela mediante a palavra do poder sagrado da consagração uma transformação que se realiza mediante a oração de louvor, que nos coloca em continuidade com Israel e com toda a sua história da salvação, e ao mesmo tempo nos dá a novidade para a qual tendia por sua íntima natureza aquela oração. Esta oração chamada pela igreja "oração eucarística" realiza a Eucaristia. Ela é palavra de poder, que transforma os dons da terra de maneira totalmente nova na doação de si da parte de Deus e envolve-nos neste processo de transformação. Eis por que chamamos a este acontecimento Eucaristia, que é a tradução da palavra hebraica beracha agradecimento, louvor, bênção, e assim transformação a partir do Senhor: presença da sua "hora".

A hora de Jesus é a hora em que o amor vence. Por outras palavras: foi Deus que venceu, porque Ele é Amor. A hora de Jesus quer tornar-se a nossa hora e tornar-se-á a nossa hora se nós, mediante a celebração da Eucaristia, nos deixarmos envolver por aquele processo de transformações que o Senhor tem por finalidade. A Eucaristia deve tornar-se o centro da nossa vida. Não é positivismo ou ambição de poder, se a Igreja nos diz que a Eucaristia faz parte do domingo. Na manhã de Páscoa, primeiro as mulheres e depois os discípulos tiveram a graça de ver o Senhor. Daquele momento em diante eles souberam que agora o primeiro dia da semana, o domingo, teria sido o seu dia, o dia de Cristo. O dia do início da criação tornava-se o dia da renovação da criação. Criação e redenção caminham juntas. Por isso o domingo é tão importante.

É belo que hoje, em muitas culturas, o domingo seja um dia livre ou, juntamente com o sábado, constitua até o chamado "fim-de-semana" livre. Contudo, este tempo livre permanece vazio se nele não está Deus. Queridos amigos! Algumas vezes, num primeiro momento, pode parecer bastante incómodo ter que programar no domingo também a Missa. Mas se vos empenhardes, verificareis depois que é precisamente isto que dá o justo centro ao tempo livre. Não vos deixeis dissuadir de participar na Eucaristia dominical e de ajudar também os outros a descobri-la. Sem dúvida, para que dela emane a alegria da qual temos necessidade, devemos aprender a compreendê-la cada vez mais nas suas profundidades, devemos aprender a amá-la. Comprometámo-nos neste sentido vale a pena! Descubramos a profunda riqueza da liturgia da Igreja e a sua verdadeira grandeza: não somos nós que fazemos festa para nós, mas ao contrário é o próprio Deus vivo que nos prepara uma festa. Com o amor pela Eucaristia redescobrireis também o sacramento da Reconciliação, no qual a bondade misericordiosa de Deus permite sempre um novo início para a nossa vida.

Quem descobriu Cristo deve conduzir a Ele os outros. Uma grande alegria não se pode ter para si.

É preciso transmiti-la. Em vastas partes do mundo existe hoje um estranho esquecimento de Deus. Parece que tudo caminha igualmente sem Ele. Mas existe, ao mesmo tempo, também um sentimento de frustração, de insatisfação de tudo e de todos. É espontâneo exclamar: não é possível que esta seja a vida! Deveras, não. E assim, juntamente com o esquecimento de Deus existe um "boom" do religioso. Não quero desacreditar tudo o que existe neste contexto. Pode existir nisto também a alegria sincera da descoberta. Mas para dizer a verdade, não raramente a religião se torna quase um produto de consumo. Escolhe-se aquilo de que se gosta, e alguns sabem até tirar dela um proveito. Mas a religião procurada a seu "bel-prazer" no fim não nos ajuda. É cómoda, mas no momento da crise abandona-nos a nós próprios. Ajudai, queridos amigos, os homens a descobrir a verdadeira estrela que nos indica o caminho: Jesus Cristo! Procuremos nós próprios conhecê-lo sempre melhor para poder de maneira convincente guiar também os outros para Ele. Por isso, é tão importante o amor pela Sagrada Escritura e, por conseguinte, é importante conhecer a fé da Igreja que nos apresenta o sentido da Escritura. É o Espírito Santo que guia a Igreja na sua fé crescente e que a fez e faz penetrar cada vez mais nas profundezas da verdade (cf. Jn 16,13). João Paulo II, o querido Papa João Paulo II, deixou-nos uma obra maravilhosa, na qual a fé dos séculos está explicada de maneira sintética: o Catecismo da Igreja Católica. Eu mesmo pude, recentemente apresentar o Compêndio desse Catecismo, que foi eleborado também a pedido do defunto Papa. São dois livros fundamentais que gostaria de recomendar a todos vós.

Obviamente, os livros sozinhos não são suficientes. Formai comunidades com base na fé! Nos últimos decénios surgiram movimentos e comunidades nas quais a força do Evangelho se faz sentir com vivacidade. Procurai a comunhão na fé como companheiros de caminho que, juntos, continuam a seguir o caminho da grande peregrinação que os Magos do Oriente, como pioneiros, nos indicaram. A espontaneidade das novas comunidades é importante, mas é também importante conservar a comunhão com o Papa e com os Bispos. São eles que garantem que não se anda à procura de caminhos privados, mas que se está a viver, ao contrário, naquela grande família de Deus que o Senhor fundou com os doze Apóstolos.

Devo voltar mais uma vez à Eucaristia. "Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo" diz São Paulo (1Co 10,17). Com isto pretende dizer: porque recebemos o mesmo Senhor e Ele nos acolhe e nos atrai para dentro de si, somos uma só coisa também entre nós. Isto deve manifestar-se na vida. Deve mostrar-se na capacidade do perdão.

Deve manifestar-se na sensibilidade pelas necessidades do próximo. Deve manifestar-se na disponibilidade para partilhar. Deve manifestar-se no compromisso pelo próximo, tanto pelo que está perto como pelo que está externamente distante, mas que nos diz sempre respeito de perto.

Hoje, existem formas de voluntariado, modelos de serviço recíproco, dos quais precisamente a nossa sociedade tem urgente necessidade. Não devemos, por exemplo, abandonar os idosos na sua solidão, não podemos ignorar quantos sofrem. Se pensamos e vivemos em virtude da comunhão com Cristo, então abrem-se os nossos olhos. Então deixaremos de nos adaptar a ir vivendo preocupados unicamente com nós próprios, mas veremos onde e como somos necessários. Vivendo e agindo assim bem depressa nos daremos conta de que é muito mais belo ser úteis e estar à disposição do próximo do que preocupar-se unicamente das comodidades que nos são oferecidas. Sei que vós, como jovens, aspirais pelas coisas grandes, que quereis comprometer-vos por um mundo melhor. Demonstrai-o aos homens, demonstrai-o ao mundo, que aguarda precisamente este testemunho dos discípulos de Jesus Cristo e que, sobretudo mediante o vosso amor, poderá descobrir a estrela que nós seguimos.

Caminhemos em frente com Cristo e vivamos a nossa vida como verdadeiros adoradores de Deus! Amém.



Domingo, 2 de Outubro de 2005: CONCELEBRAÇÃO DE ABERTURA DA XI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO

21005

Irmãos no Episcopado

e no Sacerdócio!
Queridos Irmãos e Irmãs!


A leitura tirada do profeta Isaías e o Evangelho deste dia expõem diante dos nossos olhos uma das grandes imagens da Sagrada Escritura: a figura da videira. Na Sagrada Escritura, o pão representa tudo aquilo de que o homem tem necessidade para a sua vida quotidiana. A água dá fertilidade à terra: é o dom fundamental, que torna possível a vida. O vinho, por sua vez, exprime a excelência da criação, dá-nos a festa em que ultrapassamos os limites da quotidianidade: o vinho "alegra o coração", diz o Salmo. Assim o vinho, e com ele a videira, tornaram-se imagem também do dom do amor, em que podemos fazer alguma experiência do sabor do Divino. E assim a leitura do profeta, que acabámos de ouvir, começa como cântico de amor: Deus criou uma vinha para si esta é uma imagem da história de amor pela humanidade, do seu amor por Israel, que Ele escolheu para si. Portanto, o primeiro pensamento das leituras hodiernas é este: no homem, criado à sua imagem, Deus infundiu a capacidade de amar e, por conseguinte, a capacidade de amar também Ele mesmo, o seu Criador. Com o cântico de amor do profeta Isaías, Deus deseja falar ao coração do seu povo e também a cada um de nós. "Criei-te à minha imagem e semelhança", diz-nos. "Eu mesmo sou o amor, e tu és a minha imagem, na medida em que em ti brilha o esplendor do amor, na medida em que me respondes com amor". Deus espera-nos. Ele quer ser amado por nós: um apelo semelhante não deveria, talvez, tocar o nosso coração? Precisamente nesta hora em que celebramos a Eucaristia, em que inauguramos o Sínodo sobre a Eucaristia, Ele vem ao nosso encontro, vem ao meu encontro. Encontrará Ele uma resposta? Ou acontece connosco como aconteceu com a vinha, da qual Deus diz em Isaías: "Ele esperou que produzisse uva, mas ela produziu uva azeda"? A nossa vida cristã não é, porventura, muitas vezes mais vinagre do que vinho? Autocomiseração, conflito e indiferença?

Com isto chegámos, automaticamente, ao segundo pensamento fundamental das leituras hodiernas.

Elas falam em primeiro lugar da bondade da criação de Deus e da grandeza da eleição com que Ele nos procura e nos ama. Mas depois falam também da história que aconteceu sucessivamente do fracasso do homem. Deus tinha plantado videiras excelentes e, todavia, amadureceu a uva azeda.

Perguntamo-nos: em que consiste esta uva azeda? A uva boa que Deus esperava diz o profeta consistiria na justiça e na rectidão. A uva azeda é, ao contrário, a violência, o derramamento de sangue e a opressão, que fazem as pessoas gemer sob o jugo da injustiça. No Evangelho, a imagem muda: a videira produz uva boa, mas os arrendatários conservam-na para si mesmos. Não estão dispostos a entregá-la ao proprietário. Espancam e matam os seus mensageiros e matam também o seu filho. A sua motivação é simples: querem tornar-se eles mesmos proprietários; apoderam-se daquilo que não lhes pertence. No Antigo Testamento, em primeiro plano há a acusação pela violação da justiça social, pelo desprezo do homem por parte do homem. Porém, no fundo revela-se que, com o desprezo da Torah, do direito doado por Deus, é o próprio Deus que é desprezado; deseja-se somente gozar do próprio poder. Este aspecto é salientado plenamente na parábola de Jesus: os arrendatários não querem ter um patrão e estes arrendatários constituem um reflexo também para nós. Nós homens, a quem a criação, por assim dizer, é confiada para ser administrada, usurpamo-la. Queremos ser os seus senhores, pessoalmente e sozinhos. Desejamos possuir o mundo e a nossa própria vida de modo ilimitado. Deus é um obstáculo para nós. Ou faz-se dele uma simples frase devota, ou Ele é totalmente negado, banido da vida pública, a ponto de perder todo o significado. A tolerância que, por assim dizer, admite Deus como opinião particular, mas que lhe rejeita o domínio público, a realidade do mundo e da nossa vida, não é tolerância mas hipocrisia. Porém, lá onde o homem se torna o único senhor do mundo e proprietário de si mesmo, não pode existir a justiça. Lá só pode predominar o arbítrio do poder e dos interesses. Sem dúvida, pode-se expulsar o Filho para fora da vinha e matá-lo, para gozar egoistamente sozinho dos frutos da terra. Mas assim a vinha transforma-se muito cedo num terreno inculto, devastado pelos javalis, como nos diz o Salmo responsorial (cf.
Ps 79,14).

Assim, chegamos ao terceiro elemento das leituras hodiernas. Tanto no Antigo como no Novo Testamento, o Senhor anuncia o juízo à vinha infiel. O juízo que Isaías previa realizou-se nas grandes guerras e exílios, por obra dos Assírios e dos Babilónicos. O juízo anunciado pelo Senhor Jesus refere-se sobretudo à destruição de Jerusalém no ano 70. Mas a ameaça de juízo diz respeito também a nós, à Igreja na Europa, à Europa e ao Ocidente em geral. Com este Evangelho, o Senhor brada também aos nossos ouvidos as palavras que, no Apocalipse, dirigiu à Igreja de Éfeso: "Se não... te arrependeres, virei ter contigo e retirarei o teu candelabro da sua posição" (Ap 2,5). Também de nós pode ser tirada a luz, e agimos bem se deixarmos ressoar esta admoestação em toda a sua seriedade na nossa alma, bradando ao mesmo tempo ao Senhor: "Ajuda-nos a converter-nos! Concede-nos a todos a graça de uma verdadeira renovação! Não permitas que se apague a tua luz no meio de nós! Reforça a nossa fé, a nossa esperança e o nosso amor, para podermos produzir bons frutos!".

Porém, nesta altura surge em nós a pergunta: "Mas não há qualquer promessa, qualquer palavra de conforto na leitura e na página evangélica de hoje? A última palavra é a ameaça?". Não! Há a promessa, e esta é a última e essencial palavra. Ouvimo-la no versículo do Aleluia, tirado do Evangelho de João: "Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse produz muito fruto" (Jn 15,5). Com estas palavras do Senhor, João explica-nos o último, o verdadeiro êxito da história da vinha de Deus. Deus não fracassa. No final Ele vence, vence o amor. Uma alusão velada a isto já se encontra na parábola da vinha, proposta pelo Evangelho de hoje e nas suas palavras conclusivas. Também ali a morte do Filho não é o fim da história, embora não seja directamente narrada. Mas Jesus exprime esta morte mediante uma nova imagem tirada do Salmo: "A pedra que os construtores rejeitaram transformou-se em pedra angular..." (Mt 21,42 Ps 117,22). Da morte do Filho nasce a vida, forma-se um novo edifício, uma nova vinha. Ele, que em Caná mudou a água em vinho, transformou o seu sangue no vinho do verdadeiro amor e assim transforma o vinho no seu sangue. No cenáculo, antecipou a sua morte e transformou-a no dom de si mesmo, num acto de amor radical. O seu sangue é dom, é amor, e por isso é o verdadeiro vinho que o Criador esperava. Deste modo, o próprio Cristo tornou-se a videira, e esta videira produz sempre bom fruto: a presença do seu amor por nós, que é indestrutível.

Assim, estas parábolas levam finalmente ao mistério da Eucaristia, em que o Senhor nos oferece o pão da vida e o vinho do seu amor, e nos convida para a festa do amor eterno. Nós celebramos a Eucaristia, conscientes de que o seu preço foi a morte do Filho o sacrifício da sua vida, que nela permanece presente. Cada vez que comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos a morte do Senhor até que Ele venha, diz São Paulo (cf. 1Co 11,26). Mas sabemos também que desta morte brota a vida, porque Jesus a transformou num gesto oblativo, num acto de amor, mudando-a assim no íntimo: o amor venceu a morte. Na Sagrada Eucaristia, a partir da Cruz Ele atrai-nos todos a si (cf. Jn 12,32) e torna-nos ramos da videira, que é Ele mesmo. Se permanecermos unidos a Ele, então também nós produziremos fruto, então também de nós não sairá mais o vinagre da auto-suficiência, do descontentamento em relação a Deus e à sua criação, mas o vinho bom da alegria de Deus e do amor ao próximo. Rezemos ao Senhor para que nos conceda a sua graça, para que nas três semanas do Sínodo que estamos a começar não somente digamos belas palavras sobre a Eucaristia, mas sobretudo para que vivamos da sua força.

Invoquemos este dom por intermédio de Maria, prezados Padres sinodais, a quem saúdo com grande afecto, juntamente com as diversas Comunidades das quais vindes e que aqui representais, para que dóceis ao Espírito Santo possamos ajudar o mundo a tornar-se em Cristo e com Cristo a fecunda videira de Deus.
Amém!



Terça-feira, 18 de Outubro de 2005: EXÉQUIAS DO CARDEAL GIUSEPPE CAPRIO

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"Não se perturbe o vosso coração... vou preparar um lugar" (Jn 14,1 Jn 14,2). As palavras do Senhor Jesus iluminam-nos e confortam-nos, queridos e venerados Irmãos, nesta hora de triste oração, que nos vê reunidos à volta dos despojos mortais do saudoso Cardeal Giuseppe Caprio, ao qual damos a nossa extrema saudação. No sábado passado ele deixou-nos, no final de uma longa peregrinação terrena, que o conduziu de uma pequena cidade da Irpínia a várias partes do mundo e especialmente a Roma, ao serviço da Santa Sé, pela qual despendeu a sua vida. No seu testamento reencontramos a confiança serena à qual Cristo convida os seus discípulos. Precisamente no início ele escreve: "Agradeço à Santíssima Trindade ter-me criado, remido e feito nascer numa família pobre de meios materiais, mas rica de virtudes cristãs, que desde os primeiros anos da minha juventude me ensinou a amar a Deus e a obedecer à sua lei".


"Agradeço à Santíssima Trindade...": não se encontra porventura nestas palavras a síntese da vida de um cristão? No final das jornadas terrenas, a alma recolhe-se numa atitude de gratidão íntima e comovida, reconhecendo tudo como dom e preparando-se para o abraço definitivo com Deus-Amor. É o mesmo sentimento de profunda confiança no Senhor da qual nos falou a primeira Leitura, tirada do Livro do Sirácide: "Vós que temeis o Senhor, esperai a sua misericórdia; / ... confiai nele / ... contai com a prosperidade, / a alegria eterna e a misericórdia" (Si 2,7 Si 2,9). O temor ao Senhor é o princípio e a plenitude da sabedoria (cf. Si 1,12 Si 1,14). Daqui brota a paz (cf. Si 1,16), sinónimo por sua vez daquela felicidade realizada e eterna que é fruto da misericórdia divina. Quem vive no santo temor do Senhor encontra a verdadeira paz e, como diz ainda o Sirácide, "no dia da sua morte será abençoado" (Si 1,13). Deus, na sua misericórdia, perdoe qualquer eventual culpa do amado Cardeal Caprio e o receba no seu reino de luz e de paz, porque este nosso irmão procurou servir fielmente a santa Igreja.

"Meu filho, se entrares para o serviço de Deus... conserva-te unido a Ele e não te separes, para teres bom êxito no teu momento derradeiro" (Si 2,1 Si 2,3). O jovem Giuseppe Caprio, proveniente de Lapìo, apresentou-se para servir o Senhor no Seminário de Benevento. Ali iniciou os estudos, que continuou em Roma, na Universidade Gregoriana, obtendo o Diploma em teologia e a Licenciatura em Direito Canónico, e em 1938 foi ordenado sacerdote. Lemos no testamento: "Agradeço [a Deus] com o coração repleto de confusão e de reconhecimento, ter-me chamado ao sacerdócio". Também nós, na oração, nos associamos neste momento à sua acção de graças, enquanto nos preparamos para oferecer pela sua alma o sacrifício eucarístico, centro e forma da vida sacerdotal. Apraz-me pensar, especialmente nestes dias em que toda a Igreja está como que concentrada no mistério eucarístico, que precisamente ali, no altar, a vida e o ministério do Cardeal Caprio encontraram o seu ponto de profunda unidade, nas diversas deslocações que para ele comportou o serviço diplomático da Santa Sé. De Roma a Nanquim, a Bruxelas, a Saigon, a Taipé, a Nova Deli e, por fim de novo a Roma. A presença de Cristo ressuscitado foi certamente o conforto nos momentos mais difíceis, como, em particular, o período de domicílio forçado na Nunciatura em Nanquim, em 1951, e a sucessiva obrigação de deixar a China. No seu testamento ele escreve: "elevo o meu pensamento reconhecido e devoto ao Sumo Pontífice, que me concedeu a insigne honra de o representar em tantos países e os quais sempre servi com fidelidade e amor filial". Não foi porventura da Eucaristia que o Cardeal Caprio pôde haurir a energia espiritual para aceitar dia após dia a missão que lhe foi confiada pelos Superiores e para a cumprir com amor até ao final?

"Pax in virtute": o saudoso Cardeal Caprio escolheu este mote quando, em 1961, o beato Papa João XXIII o nomeou Arcebispo. Depois de ter participado no Concílio Vaticano II, transcorreu um breve período como pró-Núncio na Índia, e depois regressou a Roma para o serviço directo à Sé Apostólica em importantes cargos, entre os quais o de Substituto da Secretaria de Estado e de Presidente da Administração do Património. Dele foram reconhecidas a visão de conjunto dos problemas da Igreja e a preocupação constante em considerar os aspectos administrativos na sua relação com os interesses superiores, em plena adesão ao espírito do Concílio.

"Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram" (1Co 15,20). A luz de Jesus ressuscitado ilumina as trevas da morte, "último inimigo" (1Co 15,26), ao qual devemos pagar a dívida contraída pelo pecado original, mas que já não domina os crentes, porque o Senhor a venceu de uma vez para sempre. Em Cristo, todos receberão a vida; cada um na sua ordem: primeiro Cristo, que é primícias; depois, com a sua vinda, os que são de Cristo (cf. 1Co 15,22-23). A liturgia aplica este trecho paulino à Virgem Maria na solenidade da sua Assunção ao Céu.

Apraz-me testemunhar aqui a devoção mariana do Cardeal Giuseppe Caprio, como sobressai no seu testamento: "Confio escreve a minha alma à Santíssima Virgem de Pompeia, a fim de que, ao apresentá-la ao seu Filho Jesus Cristo, me obtenha o perdão e a misericórdia". Façamos nossa esta sua oração no actual momento de sofrimento e de profunda esperança. Com afecto e gratidão acompanhamos este nosso irmão na última viagem rumo ao Oriente verdadeiro, isto é, rumo a Cristo, sol sem ocaso, com a plena confiança de que Deus o receberá de braços abertos, reservando-lhe um lugar preparado para os seus amigos, servos fiéis do Evangelho e da Igreja.




Bento XVI Homilias 29605