Bento XVI Homilias 18105


Domingo 23 de outubro de 2005: SOLENE CONCLUSÃO DA XI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS, DO ANO DA EUCARISTIA

E CANONIZAÇÃO DOS BEATOS: JOSÉ BILCZEWSKI, CAETANO CATANOSO, SIGISMUNDO GORAZDOWSKI, ALBERTO HURTADO CRUCHAGA, FÉLIX DE NICÓSIA

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Praça de São Pedro

Dia Missionário Mundial




Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio!
Queridos irmãos e irmãs!

Neste XXX Domingo do tempo comum, a nossa Celebração eucarística enriquece-se de diversos motivos de agradecimento e de súplica a Deus. Concluem-se contemporaneamente o Ano da Eucaristia e a Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, dedicada precisamente ao mistério eucarístico na vida e na missão da Igreja, enquanto serão daqui a pouco proclamados santos cinco Beatos: o Bispo José Bilczewski, os presbíteros Caetano Catanoso, Sigismundo Gorazdowski e Alberto Hurtado Cruchaga, e o religioso Capuchinho Félix de Nicósia. Além disso celebra-se hoje o Dia Missionário Mundial, encontro anual que desperta na Comunidade eclesial o impulso para a missão. Dirijo com alegria a minha saudação a todos os presentes, aos Padres Sinodais em primeiro lugar, e depois aos peregrinos vindos de várias nações, juntamente com os seus Pastores, para festejar os novos Santos. A liturgia de hoje convida-nos a contemplar a Eucaristia como fonte de santidade e alimento espiritual para a nossa missão no mundo: este sumo "dom e mistério" manifesta e comunica a plenitude do amor de Deus.

A Palavra do Senhor, que há pouco ressoou no Evangelho, recorda-nos que no amor se resume toda a lei divina. O dúplice mandamento do amor de Deus e do próximo contém os dois aspectos de um único dinamismo do coração e da vida. Assim, Jesus leva a cumprimento a revelação antiga, sem acrescentar um mandamento inédito, mas realizando em si mesmo e na própria acção salvífica a síntese viva das duas grandes palavras da antiga Aliança: "Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração..." e "Amarás o próximo como a ti mesmo" (cf.
Dt 6,5 Lv 19,18). Na Eucaristia nós contemplamos o Sacramento desta síntese viva da lei: Cristo entrega-nos em si mesmo a plena realização do amor a Deus e do amor aos irmãos. Ele comunica-nos este seu amor quando nos alimentamos do seu Corpo e do seu Sangue. Pode então realizar-se em nós quanto escreve São Paulo aos Tessalonicenses na segunda Leitura de hoje: "convertestes-vos dos ídolos de Deus, para servirdes o Deus vivo e verdadeiro" (1Th 1,9). Esta conversão é o princípio do caminho de santidade que o cristão está chamado a realizar na sua existência. O santo é aquele que, sentindo-se de tal forma atraído pela beleza de Deus e pela sua perfeita verdade, progressivamente por ele é transformado. Por esta beleza e verdade está pronto a renunciar a tudo, também a si mesmo. Para ele é suficiente o amor de Deus, que experimenta no serviço humilde e abnegado do próximo, sobretudo de quantos não são capazes de retribuir. Como é providencial, nesta perspectiva, o facto de que hoje a Igreja indique a todos os seus membros cinco novos Santos que, alimentados por Cristo, Pão vivo, se converteram ao amor e por ele orientaram toda a sua existência! Em diversas situações e com vários carismas, eles amaram o Senhor com todo o coração e ao próximo como a si mesmos "tendo-vos assim tornado modelo para todos os crentes" (1Th 1,6-7).

O santo José Bilczewski foi um homem de oração. A Santa Missa, a Liturgia das Horas, a meditação, o rosário e as outras práticas de piedade marcavam as suas jornadas. Dedicava um tempo particularmente longo à adoração eucarística.

Também o santo Sigismundo Gorazdowski se tornou famoso pela devoção fundada na celebração e na adoração da Eucaristia. Viver a oferta de Cristo estimulou-o a dedicar-se aos doentes, aos pobres e aos necessitados.

O profundo conhecimento teológico, a fé e a devoção eucarística de José Bilczeski fizeram dele um exemplo para os sacerdotes e uma testemunha para todos os fiéis.

Sigismundo Gorazdowski, ao fundar a Associação dos sacerdotes, a Congregação das Irmãs de São José e muitas outras instituições caritativas, deixou-se sempre guiar pelo espírito de comunhão, que se revela plenamente na Eucaristia.

"Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração... Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Mt 22,37 Mt 22,39). Foi este o programa de vida do santo Alberto Hurtado, que se quis identificar com o Senhor e amar os pobres com o seu amor. A formação que recebeu na Companhia de Jesus, consolidada pela oração e pela adoração da Eucaristia, levou-o a deixar-se conquistar por Cristo, sendo um verdadeiro contemplativo na acção. No amor e na entrega total à vontade de Deus encontrou a força para o apostolado. Fundou El Hogar de Cristo para os mais necessitados e para os sem-tecto, oferecendo-lhes um ambiente familiar cheio de calor humano. No seu ministério sacerdotal ele sobressaía pela sua sensibilidade e disponibilidade para com o próximo, sendo uma imagem viva do mestre "manso e humilde de coração". No final dos seus dias, entre as grandes dores da enfermidade, ainda teve forças para repetir: "Estou contente, Senhor, estou contente", expressando assim a alegria com que sempre viveu.

São Caetano Catanoso foi cultor e apóstolo da Sagrada Face de Cristo. "A Sagrada Face afirmava é a vida. Ele é a minha força". Com uma feliz intuição ele conjugou esta devoção à piedade eucarística. Assim se expressava: "Se queremos adorar a Face real de Jesus... encontramo-lo na divina Eucaristia, onde o Corpo e Sangue de Jesus Cristo se esconde sob o branco véu da Hóstia a Face de Nosso Senhor". A Missa quotidiana e a frequente adoração do Sacramento do altar foram a alma do seu sacerdócio: com fervor e incansável caridade pastoral ele dedicou-se à pregação, à catequese, ao ministério das Confissões, aos pobres, aos doentes, ao cuidado das vocações sacerdotais. Às Irmãs Verónicas da Sagrada Face, que ele fundou, transmitiu o espírito de caridade, de humildade e de sacrifício, que animou toda a sua existência.

São Félix de Nicósia amava repetir em todas as circunstâncias, alegres e tristes: "Seja por amor de Deus". Assim podemos compreender bem quanto era intensa e concreta nele a experiência do amor de Deus revelado aos homens em Cristo. Este humilde Frade capuchinho, ilustre filho da terra da Sicília, austero e penitente, fiel às mais genuínas expressões da tradição franciscana, foi gradualmente plasmado e transformado pelo amor de Deus, vivido e concretizado no amor ao próximo. Frei Félix ajuda-nos a descobrir o valor das pequenas coisas que enriquecem a vida e ensina-nos a colher o sentido da família e do serviço aos irmãos, mostrando-nos que a alegria verdadeira e duradoura, pela qual aspira o coração de cada ser humano, é fruto do amor.

Queridos e venerados Padres Sinodais, durante três semanas vivemos juntos um clima de renovado fervor eucarístico. Gostaria agora, convosco e em nome de todo o Episcopado, de enviar uma saudação fraterna aos Bispos da Igreja na China. Com profundo pesar sentimos a falta dos seus representantes. Contudo, desejo garantir a todos os Prelados chineses que os acompanhamos com a oração, assim como aos seus sacerdotes e fiéis. O difícil caminho das comunidades, confiadas aos seus cuidados pastorais, está presente no nosso coração: ela não permanecerá sem fruto, porque é uma participação no Mistério pascal, para glória do Pai. Os trabalhos sinodais permitiram que aprofundássemos os aspectos salientes deste mistério dado à Igreja desde o início. A contemplação da Eucaristia deve estimular todos os membros da Igreja, em primeiro lugar os sacerdotes, ministros da Eucaristia, a reavivar o seu compromisso de fidelidade. Sobre o mistério eucarístico, celebrado e adorado, funda-se o celibato que os presbíteros receberam como dom precioso e sinal do amor indiviso a Deus e ao próximo. Também para os leigos a espiritualidade eucarística deve ser o motor interior de todas as actividades e dicotomia alguma é admissível entre a fé e a vida na sua missão de animação cristã do mundo. Ao concluir-se o Ano da Eucaristia, como não dar graças a Deus pelos numerosos dons concedidos à Igreja neste tempo? E como não retomar o convite do amado Papa João Paulo II a "recomeçar a partir de Cristo"? Como os discípulos de Emaús que, acalentados no coração pela palavra do Ressuscitado e iluminados pela sua presença viva reconhecida ao partir do pão, regressaram sem hesitações a Jerusalém e tornaram-se anunciadores da ressurreição de Cristo, também nós retomamos o nosso caminho animados pelo desejo ardente de testemunhar o mistério deste amor que dá esperança ao mundo.

Coloca-se bem nesta perspectiva eucarística o hodierno Dia Missionário Mundial, para a qual o venerado Servo de Deus João Paulo II deu como tema de reflexão: "Missão: Pão repartido para a vida do mundo". A Comunidade eclesial quando celebra a Eucaristia, sobretudo no dia do Senhor, consciencializa-se cada vez mais de que o sacrifício de Cristo é "para todos" (Mt 26,28) e que a Eucaristia estimula o cristão a ser "pão repartido" para os outros, a comprometer-se por um mundo mais justo e fraterno. Ainda hoje, perante as multidões, Cristo continua a exortar os seus discípulos: "dai-lhes vós mesmos de comer" (Mt 14,16) e, em seu nome, os missionários anunciam e testemunham o Evangelho, por vezes até com o sacrifício da vida. Queridos amigos, todos devemos recomeçar a partir da Eucaristia. Ajuda-nos Maria, Mulher eucarística, a inamorarmo-nos dela; ajuda-nos a "permanecer" no amor de Cristo, para sermos por Ele intimamente renovados. Dócil à acção do Espírito e atenta às necessidades dos homens, a Igreja será então, cada vez mais, farol de luz, de verdadeira alegria e de esperança, realizando plenamente a sua missão de "sinal e instrumento... da unidade de todo o género humano" (Lumen gentium LG 1).




Sexta-feira, 11 de Novembro de 2005: CONCELEBRAÇÃO EM SUFRÁGIO PELOS CARDEAIS E BISPOS FALECIDOS DURANTE O ANO

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Senhores Cardeais

Venerados Irmãos no Episcopado
e no Presbiterado

O mês de Novembro assume uma sua peculiar tonalidade espiritual pelos dois dias com que inicia: a Solenidade de Todos os Santos e a Comemoração de todos os fiéis defuntos. O mistério da comunhão dos santos ilumina de modo particular este mês e toda a parte final do ano litúrgico, orientando a meditação sobre o destino terreno do homem à luz da Páscoa de Cristo. Nela tem o seu fundamento aquela esperança que, como diz são Paulo, é tal que "não desilude" (cf.
Rm 5,5).

A celebração hodierna insere-se neste contexto, no qual a fé sublima sentimentos profundamente inscritos no coração humano. A grande família da Igreja encontra nestes dias um tempo de graça, e vive-o, segundo a sua vocação, estreitando-se em oração junto do Senhor e oferecendo o seu Sacrifício redentor em sufrágio dos fiéis defuntos. De modo particular, nós hoje oferecemo-lo pelos Cardeais e Bispos que nos deixaram durante o último ano.

Fiz parte por muito tempo do Colégio Cardinalício, do qual também fui decano por dois anos e meio. Portanto, sinto-me particularmente ligado a esta singular comunidade, que tive a honra de presidir também nos dias inesquecíveis a seguir ao falecimento do amado Papa João Paulo II. Ele deixou-nos, entre outros muito luminosos, o exemplo muito precioso da oração, e também neste momento nós recolhemos a sua herança espiritual, conscientes de que a sua intercessão continua ainda mais intensa do Céu. Nos últimos doze meses os venerados Irmãos Cardeais que passaram "para a outra margem" são cinco: Juan Carlos Aramburu, Jan Pieter Schotte, Corrado Bafile, Jaime Sin e, há menos de um mês, Giuseppe Caprio. Hoje confiamos ao Senhor, juntamente com as suas almas, as dos Arcebispos e Bispos que, neste mesmo período, concluíram a sua jornada terrena. Elevemos juntos a oração por cada um deles, na luz da Palavra que Deus nos dirigiu nesta liturgia.

O trecho do livro do Sirácide contém primeiro uma exortação à perseverança nas provações e, por conseguinte, um convite à confiança em Deus. Ao homem que atravessa as vicissitudes da vida, a Sabedoria recomenda: "Conserva-te unido a Ele ao Senhor e não te separes, para teres bom êxito no teu momento derradeiro" (Si 2,3). Quem se coloca ao serviço do Senhor e dedica a sua vida ao mistério eclesial não está livre das provas, aliás, encontra as mais insidiosas, como demonstra amplamante a experiência dos santos. Mas viver no temor de Deus liberta o coração de qualquer receio e emerge-o no abismo do seu amor. "Vós que temeis o Senhor, confiai nele... contai com a prosperidade, a alegria eterna e a misericórdia" (Si 2,8-9).

Este convite à confiança relaciona-se directamente com o início da perícope do Evangelho de são João há pouco proclamada: "Não se perturbe o vosso coração diz Jesus aos Apóstolos na Última Ceia credes em Deus; crede também em mim" (Jn 14,1). O coração humano, sempre inquieto enquanto não encontrar um porto seguro na sua peregrinação, alcança finalmente a sólida rocha onde parar e repousar. Quem confia em Jesus, põe em Deus a sua confiança. De facto, Deus é verdadeiro Homem, mas nele podemos ter fé total e incondicionada, porque como afirma ele próprio após ter-se dirigido a Filipe ele está no Pai e o Pai está nele (cf. Jn 14,10). Nisto, Deus veio verdadeiramente ao nosso encontro. Nós, seres humanos, temos necessidade de um amigo, de um irmão que nos pegue pela mão e nos acompanhe até à "casa do Pai" (Jn 14,2); precisamos de alguém que conheça bem o caminho. E Deus, no seu amor "superabundante" (Ep 2,4), enviou o seu Filho, não só para o indicar a nós, mas para se fazer ele mesmo o "caminho" (Jn 14,6).

"Ninguém pode ir até ao Pai senão por por mim" (Jn 14,6), afirma Jesus. Aquele "ninguém" não admite excepções; mas, considerando bem, é o equivalente de outra palavra, que Jesus pronunciou ainda na Última Ceia quando, tomando o cálice, disse: "Este é o Meu sangue, sangue da Aliança, que vai ser derramado por muitos, para perdão dos pecados" (Mt 26,28). Também os "lugares" na casa do Pai são "muitos", no sentido de que junto de Deus há lugar para "todos" (cf. Jn 14,2).

Jesus é o caminho aberto para "todos"; não existem outros. E os que parecem "outros", na medida em que são autênticos, ou reconduzem a Ele, ou não levam à vida. Por conseguinte, é inestimável o dom que o Pai fez à humanidade enviando o Filho unigénito. A este dom corresponde uma responsabilidade, que é tanto maior quanto mais estreita é a relação que dele deriva com Jesus. "A quem muito foi dado diz o Senhor muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito será pedido" (Lc 12,48). Por este motivo, enquanto damos graças a Deus por todos os benefícios que ele concedeu aos nossos Irmãos defuntos, oferecemos por eles os merecimentos da paixão e morte de Cristo, para que preencham as lacunas devidas à fragilidade humana.

O Salmo responsorial (121/122) e a segunda Leitura (1Jn 3,1-2) dilatam os nossos corações com a admiração da esperança, à qual fomos chamados. O Salmista faz-nos cantá-la como hino a Jerusalém, convidando-nos a imitar espiritualmente os peregrinos que "subiam" à cidade santa e, depois de um longo caminho, chegavam cheios de alegria às suas portas: "Que alegria quando me disseram: / "Vamos para a casa do Senhor"! / Os nossos pés detêm-se / às tuas portas, ó Jerusalém" (Ps 121,1-2). O Apóstolo João, na sua Primeira Carta, expressa-a comunicando-nos a certeza, repleta de gratidão, de nos termos tornado filhos de Deus e, ao mesmo tempo, a expectativa da manifestação plena desta realidade: "Agora já somos filhos de Deus, mas não se manifestou ainda o que havemos de ser... quando Ele se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque o veremos tal como Ele é" (1Jn 3,2).

Venerados e amados Irmãos, com o coração voltado para este mistério de salvação, oferecemos a Divina Eucaristia pelos Purpurados e Prelados que há pouco nos precederam na passagem derradeira para a vida eterna. Invocamos a intercessão de são Pedro e da Bem-Aventurada Virgem Maria, para que os acolham na casa do Pai, na confiante esperança de poder um dia unirmo-nos a eles para gozar da plenitude da vida e da paz. Amém.



26 de Novembro de 2005: NA CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS DO I DOMINGO DO ADVENTO

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Queridos Irmãos e Irmãs!

Com a celebração das Primeiras Vésperas do I Domingo do Advento iniciamos um novo Ano Litúrgico. Ao cantarmos juntos os Salmos, elevamos os nossos corações a Deus, colocando-nos numa atitude espiritual que caracteriza este tempo de graça: a "vigília na oração" e a "alegria no louvor" (cf. Missal Romano, Prefácio do Advento II/A). Seguindo o exemplo de Maria Santíssima, que nos ensina a viver em religiosa escuta da palavra de Deus, detenhamo-nos na breve Leitura bíblica há pouco proclamada. Trata-se de dois versículos contidos na parte conclusiva da Primeira Carta de são Paulo aos Tessalonicenses (
1Th 5,23-24). O primeiro exprime os bons votos do Apóstolo à comunidade; o segundo oferece, por assim dizer, a garantia do seu cumprimento. O bom voto consiste em que cada um seja santificado por Deus e se conserve irrepreensível em toda a sua pessoa "espírito, alma e corpo" para a vinda final do Senhor Jesus; a garantia que isto possa acontecer é oferecida pela fidelidade do próprio Deus, que não deixará de realizar a obra iniciada nos crentes. Esta primeira Carta aos Tessalonicenses é a primeira de todas as cartas de são Paulo, escrita provavelmente no ano 51. Nesta sua primeira carta sente-se, ainda mais do que nas outras, o coração pulsante do Apóstolo, o seu amor paterno, aliás podemos dizer materno, por esta nova comunidade. E sente-se também a sua ansiosa preocupação para que não se apague a fé desta Igreja nova, circundada por um contexto cultural em muitos sentidos contrário a fé. Assim Paulo conclui a sua Carta com um desejo, poderíamos até dizer com uma oração. O conteúdo da oração que ouvimos é que sejam santos e irrepreensíveis no momento da vinda do Senhor. A palavra central desta oração é "vinda". Devemos perguntarmo-nos: o que quer dizer vinda do Senhor? Em grego é "parusia", em latim "adventus": "advento", "vinda". O que é esta vinda? Envolve-nos ou não?

Para compreender o significado desta palavra e, portanto, da oração do Apóstolo por esta comunidade e pelas comunidades de todos os tempos também por nós devemos olhar para a pessoa graças à qual se realizou de modo único, singular, a vinda do Senhor: a Virgem Maria.

Maria pertencia àquela parte do povo de Israel que na época de Jesus esperava com todo o coração a vinda do salvador. Pelas palavras, pelos gestos narrados no Evangelho, podemos ver como realmente Ela vivia imersa nas palavras dos Profetas, estava inteiramente à espera da vinda do Senhor. Contudo, não podia imaginar como teria sido realizada esta vinda. Talvez esperasse uma vinda na glória. Muito surpreendente foi para ela o momento em que o Arcanjo Gabriel entrou na sua casa e lhe disse que o Senhor, o Salvador, queria encarnar-se no seu ventre, por ela e através dela, queria realizar a sua vinda. Podemos imaginar a trepidação da Virgem Maria com um grande acto de fé, de obediência, diz sim: "Eis a escrava do Senhor". E assim, tornou-se "morada" do Senhor, verdadeiro "templo" no mundo e "porta" através da qual o Senhor entrou na terra.

Dissemos que esta vinda é singular: "a" vinda do Senhor. Todavia, não há somente a última vinda no final dos tempos: num certo sentido o Senhor deseja vir sempre através de nós. E bate à porta do nosso coração: estás disposto a conceder-me a tua carne, o teu tempo, a tua vida? Esta é a voz do Senhor, que quer entrar também no nosso tempo, quer entrar através de nós. Ele procura também uma morada viva, a nossa vida pessoal. Eis a vinda do Senhor. Queremos novamente aprender isto no tempo do Advento: o Senhor possa vir também através de nós.

Portanto, podemos dizer que esta oração, este bom voto expresso pelo Apóstolo contém uma verdade fundamental, que ele procura inculcar nos fiéis da comunidade por ele fundada e que podemos resumir desta maneira: Deus chama-nos à comunhão consigo, que se realizará plenamente com a vinda de Cristo, e Ele mesmo se compromete a fazer com que cheguemos preparados a este encontro final e decisivo. O futuro, por assim dizer, está contido no presente, ou melhor, na presença de Deus, do seu amor indefectível, que não nos deixa sozinhos, não nos abandona nem sequer por um momento, como um pai e uma mãe nunca deixam de seguir os próprios filhos no seu caminho de crescimento. Diante de Cristo que vem, o homem sente-se interpelado com todo o seu ser, que o Apóstolo resume nos termos "espírito, alma e corpo", indicando assim a inteira pessoa humana, como unidade articulada de dimensão somática, psíquica e espiritual. A santificação é dom de Deus e iniciativa sua, mas o ser humano é chamado a corresponder com todo o seu ser, sem que nada dele seja excluído.

É precisamente o Espírito Santo, que no ventre da Virgem formou Jesus, Homem perfeito, quem realiza na pessoa humana o admirável projecto de Deus, transformando antes de tudo o coração e, a partir deste centro, todo o resto. Assim, em cada pessoa se resume a inteira obra da criação e da redenção, que Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, está a realizar desde o início até ao fim do cosmos e da história. E como na história da humanidade, a primeira vinda de Cristo está no centro e a sua vinda gloriosa no final, cada existência pessoal está chamada a comparar-se com Ele de modo misterioso e multiforme durante a peregrinação terrena, para se encontrar "nele" no momento do seu retorno.

Maria Santíssima, Virgem fiel, nos ajude a fazer deste tempo do advento e de todo o novo Ano litúrgico um caminho de autêntica santificação, para louvor e glória de Deus Pai, Filho e Espírito Santo.



8 de Dezembro de 2005: NO 40º ANIVERSÁRIO DO ENCERRAMENTO DO CONCÍLIO VATICANO II E SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO

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Amados Irmãos no Episcopado

e no Sacerdócio
Queridos Irmãos e Irmãs!

Há quarenta anos, no dia 8 de Dezembro de 1965, na Praça diante desta Basílica de São Pedro, o Papa Paulo VI concluiu solenemente o Concílio Vaticano II. Ele tinha sido inaugurado, segundo a vontade de João XXIII, no dia 11 de Outubro de 1962, então festa da Maternidade de Maria, e teve o seu encerramento no dia da Imaculada. Uma moldura mariana circunda o Concílio. Na realidade, é muito mais do que uma moldura: é uma orientação de todo o seu caminho. Remete-nos, como então remetia os Padres do Concílio, para a imagem da Virgem à escuta, que vive na Palavra de Deus, que conserva no seu coração as palavras que lhe vêm de Deus e, reunindo-as como num mosaico, aprende a compreendê-las (cf.
Lc 2,19 Lc 2,51); remete-nos para a grande Crente que, repleta de confiança, se coloca nas mãos de Deus, abandonando-se à sua vontade; remete-nos para a Mãe humilde que, quando a missão do Filho o exige, se põe de lado e, ao mesmo tempo, para a mulher corajosa que, enquanto os discípulos fogem, permanece aos pés da cruz. No seu discurso por ocasião da promulgação da Constituição conciliar sobre a Igreja, Paulo VI tinha qualificado Maria como "tutrix huius Concilii" "protectora deste Concílio" (cf. Oecumenicum Concilium Vaticanum II, Constitutiones Decreta Declarationes, Cidade do Vaticano 1966, pág. 983) e, com uma alusão inconfundível à narração do Pentecostes, transmitido por Lucas (cf. Ac 1,12-14), disse que os Padres se tinham reunido na sala do Concílio "cum Maria, Matre Iesu" e, também no seu nome, dele agora sairiam (Ibid., pág.985).

Permanece indelével na minha memória o momento em que, ouvindo as suas palavras: "Mariam Sanctissimam declaramus Matrem Ecclesiae" "declaramos Maria Santíssima Mãe da Igreja", espontânea e repentinamente os Padres se levantaram das suas cadeiras e aplaudiram de pé, prestando homenagem à Mãe de Deus, à nossa Mãe, à Mãe da Igreja. Efectivamente, com este título o Papa resumia a doutrina mariana do Concílio e oferecia a chave para a sua compreensão.

Maria não se coloca somente numa relação singular com Cristo, o Filho de Deus que, como homem, quis tornar-se seu filho. Permanecendo totalmente unida a Cristo, Ela pertence também de modo integral a nós. Sim, podemos dizer que Maria está próxima de nós como nenhum outro ser humano, porque Cristo é homem para os homens e todo o seu ser é um "ser para nós". Como Cabeça, dizem os Padres, Cristo é inseparável do seu Corpo que é a Igreja, formando juntamente com ela, por assim dizer, um único sujeito vivo. A Mãe da Cabeça é também a Mãe de toda a Igreja; ela é, por assim dizer, totalmente despojada de si mesma; entregou-se inteiramente a Cristo e, com Ele, é entregue como dom a todos nós. Com efeito, quanto mais a pessoa humana se entrega, tanto mais se encontra a si mesma.

O Concílio queria dizer-nos isto: Maria está tão entrelaçada no grande mistério da Igreja, que ela e a Igreja são inseparáveis, da mesma forma que ela e Cristo são inseparáveis. Maria reflecte a Igreja, antecipa-a na sua pessoa e, em todas as turbulências que afligem a Igreja sofredora e fatigante, permanece sempre a sua estrela da salvação. Ela é o seu verdadeiro centro em que confiamos, embora muitas vezes a sua periferia pesa na nossa alma. No contexto da promulgação da Constituição sobre a Igreja, o Papa Paulo VI esclareceu tudo isto mediante um novo título arraigado de modo profundo na Tradição, precisamente com a intenção de iluminar a estrutura interior do ensinamento sobre a Igreja, que se desenvolveu no Concílio. O Concílio Vaticano II devia expressar-se acerca dos componentes institucionais da Igreja: sobre os Bispos e sobre o Pontífice, sobre os sacerdotes, os leigos e os religiosos na sua comunhão e nos seus relacionamentos; devia descrever a Igreja a caminho que, "contendo pecadores no seu próprio seio, (é) simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação..." (Lumen gentium LG 8). Mas este aspecto "petrino" da Igreja está incluído no "mariano". Em Maria, a Imaculada, encontramos a essência da Igreja de modo não deformado. Dela devemos aprender a tornarmo-nos nós mesmos "almas eclesiais", assim se expressavam os Padres, para podermos também nós, segundo a palavra de são Paulo, apresentar-nos "imaculados" diante do Senhor, assim como Ele quis que fôssemos desde o princípio (cf. Col 1,21 Ep 1,4).

Mas agora devemos perguntar-nos: o que significa "Maria, a Imaculada"? Este título tem algo a dizer-nos? A liturgia hodierna esclarece-nos o conteúdo desta palavra com duas imagens grandiosas. Em primeiro lugar, há a maravilhosa narração do anúncio a Maria, a Virgem de Nazaré, da vinda do Messias. A saudação do Anjo é tecida com fios do Antigo Testamento, especialmente do profeta Sofonias. Ele faz ver que Maria, humilde mulher de província que vem de uma estirpe sacerdotal e traz em si o grande património sacerdotal de Israel, é "o santo resto" de Israel ao qual os profetas, em todos os períodos de dificuldade e de trevas, fizeram referência. Nela está presente o verdadeiro Sião, a morada pura e viva de Deus. O Senhor habita nela, e nela encontra o lugar do seu repouso. Ela é a casa viva de Deus, que não habita em edifícios de pedra, mas no coração do homem vivo. Ela é o rebento que, na obscura noite invernal da história, brota do tronco abatido de David. É nela que se cumpre a palavra do Salmo: "A terra produziu o seu fruto" (Ps 67,7). Ela é o botão do qual deriva a árvore da redenção e dos redimidos. Deus não fracassou, como podia parecer já no início da história com Adão e Eva, ou durante o período do exílio babilónico, e como novamente parecia no tempo de Maria, quando Israel se tornou definitivamente um povo sem importância, numa região ocupada, com poucos sinais reconhecíveis da sua santidade. Deus não fracassou. Na humildade da casa de Nazaré vive o Israel santo, o resto puro. Deus salvou e salva o seu povo. Do tronco abatido resplandece de novo a sua história, tornando-se uma nova força que orienta e impregna o mundo. Maria é o Israel santo; ela diz "sim" ao Senhor, coloca-se plenamente à sua disposição e assim torna-se o templo vivo de Deus.

A segunda imagem é muito mais difícil e obscura. Esta metáfora tirada do Livro do Génesis fala-nos de uma grande distância histórica, e somente com dificuldade pode ser esclarecida; somente durante a história foi possível desenvolver uma compreensão mais profunda daquilo que ali é mencionado. Prediz-se que durante toda a história continuará a luta entre o homem e a serpente, ou seja, entre o homem e os poderes do mal e da morte. Porém, é também prenunciado que "a estirpe" da mulher um dia vencerá e esmagará a cabeça da serpente, da morte; prenuncia-se que a linhagem da mulher e nela a mulher e a própria mãe vencerá e que assim, mediante o homem, Deus vencerá. Se, juntamente com a Igreja crente e orante, nos colocarmos à escuta diante deste texto, então poderemos começar a compreender o que é o pecado original, o pecado hereditário, e também o que é a tutela contra este pecado hereditário, o que é a redenção.

Qual é o quadro que nesta página nos é apresentado? O homem não confia em Deus. Ele tentado pelas palavras da serpente, alimenta a suspeita de que Deus, em última análise, tira algo da sua vida, que Deus é um concorrente que limita a nossa liberdade e que nós só seremos plenamente seres humanos, quando O tivermos posto de lado; em síntese, somente deste modo podemos realizar na plenitude a nossa liberdade. O homem vive na suspeita de que o amor de Deus cria uma dependência e que é necessário libertar-se desta dependência para ser plenamente ele mesmo. O homem não deseja receber de Deus a sua existência e a plenitude da sua vida. Quer haurir ele mesmo, da árvore da ciência, o poder de plasmar o mundo, de se fazer deus elevando-se ao nível d'Ele e de vencer com as próprias forças a morte e as trevas. Não quer contar com o amor, que não lhe parece confiável; ele conta unicamente com a ciência, dado que ela lhe confere o poder.

Em vez de visar o amor, tem como objectivo o poder com que deseja ter nas suas mãos, de modo autónomo, a própria vida. E ao fazê-lo, confia na mentira e não na verdade, e assim mergulha com a sua vida no vazio, na morte. Amor não é dependência, mas dom que nos faz viver. A liberdade de um ser humano é a liberdade de um ser limitado e, portanto, ela mesma é limitada. Só a podemos possuir como liberdade compartilhada, na comunhão das liberdades: a liberdade pode desenvolver-se unicamente se vivermos do modo justo uns com os outros, e uns para os outros.

Nós vivemos do modo justo, se vivermos segundo a verdade do nosso ser, ou seja, segundo a vontade de Deus. Porque a vontade de Deus não é para o homem uma lei imposta a partir de fora, que o obriga, mas a medida intrínseca da sua natureza, uma medida que está inscrita nele e que o torna imagem de Deus e, assim, criatura livre. Se nós vivermos contra o amor e contra a verdade contra Deus então destruir-nos-emos uns aos outros e aniquilaremos o mundo. Então, não encontraremos a vida, mas defenderemos o interesse da morte. Tudo isto é narrado com imagens imortais na história do pecado original e da expulsão do homem do Paraíso terrestre.

Estimados irmãos e irmãs! Se reflectirmos sinceramente sobre nós mesmos e sobre a nossa história, devemos dizer que com esta narração se descreve não só a história do princípio, mas a história de todos os tempos, e que todos trazemos dentro de nós próprios uma gota do veneno daquele modo de pensar explicado nas imagens do Livro da Génesis. A esta gota de veneno, chamamos pecado original. Precisamente na festa da Imaculada Conceição manifesta-se em nós a suspeita de que uma pessoa que não peque de modo algum, no fundo, seja tediosa; que falte algo na sua vida: a dimensão dramática do ser autónomo; que faça parte do verdadeiro ser homem, a liberdade de dizer não, o descer às trevas do pecado e o desejar realizar sozinho; que somente então seja possível desfrutar até ao fim toda a vastidão e a profundidade do nosso ser homens, do ser verdadeiramente nós mesmos; que devemos pôr à prova esta liberdade também contra Deus, para nos tornarmos realmente nós próprios. Em síntese, pensamos que o mal no fundo seja bem, que dele temos necessidade, pelo menos um pouco, para experimentar a plenitude do ser. Julgamos que Mefistófeles o tentador tem razão, quando diz que é a força "que deseja sempre o mal e realiza sempre o bem" (J.W. v. Goethe, Fausto I, 3). Pensamos que pactuar com o mal, reservando para nós mesmos um pouco de liberdade contra Deus, em última análise, seja um bem, talvez até necessário.

Contudo, quando olhamos para o mundo à nossa volta, podemos ver que não é assim, ou seja, que o mal envenena sempre, que não eleva o homem mas o rebaixa e humilha, que não o enobrece, não o torna mais puro nem mais rico, mas o prejudica e faz com que se torne menor. É sobretudo isto que devemos aprender no dia da Imaculada: o homem que se abandona totalmente nas mãos de Deus não se torna um fantoche de Deus, uma maçadora pessoa consencientemente; ele não perde a sua liberdade. Somente o homem que confia totalmente em Deus encontra a verdadeira liberdade, a grande e criativa vastidão da liberdade do bem. O homem que recorre a Deus não se torna menor, mas maior, porque graças a Deus e juntamente com Ele se torna grande, divino, verdadeiramente ele mesmo. O homem que se coloca nas mãos de Deus não se afasta dos outros, retirando-se na sua salvação particular; pelo contrário, só então o seu coração desperta verdadeiramente e ele torna-se uma pessoa sensível e por isso benévola e aberta.

Quanto mais próximo de Deus o homem está, tanto mais próximo está dos homens. Vemo-lo em Maria. O facto de Ela estar totalmente junto de Deus é a razão pela qual se encontra também próxima dos homens. Por isso, pode ser a Mãe de toda a consolação e de toda a ajuda, uma Mãe à qual, em qualquer necessidade, todos podem dirigir-se na própria debilidade e no próprio pecado, porque Ela tudo compreende e para todos constitui a força aberta da bondade criativa. É nela que Deus imprime a sua própria imagem, a imagem daquela que vai à procura da ovelha perdida, até às montanhas e até ao meio dos espinhos e das sarças dos pecados deste mundo, deixando-se ferir pela coroa de espinhos destes pecados, para salvar a ovelha e para a reconduzir a casa. Como Mãe que se compadece, Maria é a figura antecipada e o retrato permanente do Filho. E assim vemos que também a imagem da Virgem das Dores, da Mãe que compartilha o sofrimento e o amor, é uma verdadeira imagem da Imaculada. Mediante o ser e o sentir juntamente com Deus, o seu coração alargou-se. Nela a bondade de Deus aproximou-se e aproxima-se muito de nós. Assim, Maria está diante de nós como sinal de consolação, de encorajamento e de esperança. Ela dirige-se a nós, dizendo: "Tem a coragem de ousar com Deus! Tenta! Não tenhas medo d'Ele! Tem a coragem de arriscar com a fé! Tem a coragem de arriscar com a bondade!

Tem a coragem de arriscar com o coração puro! Compromete-te com Deus, e então verás que precisamente assim a tua vida se há-de tornar ampla e iluminada, não tediosa, mas repleta de surpresas infinitas, porque a bondade infinita de Deus jamais se esgota!".

Neste dia de festa, queremos agradecer ao Senhor o grande sinal da sua bondade, que nos concedeu em Maria, sua Mãe e Mãe da Igreja. Queremos pedir-lhe que ponha Maria no nosso caminho, como luz que nos ajuda a tornar-nos também nós luz e a levar esta luz pelas noites da história. Amém!



Bento XVI Homilias 18105