Bento XVI Homilias 25109


Quarta-feira de Cinzas, 25 de Fevereiro de 2009: SANTA MISSA, BÊNÇÃO E IMPOSIÇÃO DAS CINZAS

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ESTAÇÃO E PROCISSÃO PENITENCIAL DA IGREJA DE SANTO ANSELMO À BASÍLICA DE SANTA SABINA


Basílica de Santa Sabina



Amados irmãos e irmãs

Hoje, Quarta-Feira de Cinzas porta litúrgica que introduz na Quaresma os textos predispostos para a celebração delineiam, ainda que resumidamente, toda a fisionomia do tempo quaresmal. A Igreja preocupa-se por nos mostrar qual deve ser a orientação do nosso espírito e oferece-nos os subsídios divinos para percorrer com decisão e coragem, já iluminados pelo fulgor do Mistério pascal, o singular itinerário espiritual que estamos a encetar.

"Convertei-vos a mim de todo o vosso coração". O apelo à conversão sobressai como tema predominante em todos os componentes da liturgia hodierna. Na antífona de entrada já se diz que o Senhor esquece e perdoa os pecados de quantos se convertem; na colecta convida-se o povo cristão a rezar para que cada um empreenda "um caminho de verdadeira conversão". Na primeira Leitura, o profeta Joel exorta a converter-se ao Pai "de todo o vosso coração, com jejuns, com lágrimas e com gemidos... porque Ele é bom e compassivo, clemente e misericordioso, inclinado a arrepender-se do castigo que inflige" (
Jl 2,12-13). A promessa de Deus é clara: se o povo ouvir o convite a converter-se, Deus fará triunfar a sua misericórdia e os seus amigos serão cumulados de inúmeros favores. Com o Salmo responsorial, a assembleia litúrgica faz suas as invocações do Salmo 50, pedindo ao Senhor que crie em nós "um coração puro", que renove em nós "um espírito recto". Há depois, a página evangélica em que Jesus, alertando-nos contra o caruncho da vaidade que leva à ostentação e à hipocrisia, à superficialidade e à autocomplacência, reitera a necessidade de nutrir a rectidão do coração. Ele mostra, ao mesmo tempo, o meio para crescer nesta pureza de intenção: cultivar a intimidade com o Pai celeste.

Particularmente agradável neste ano jubilar, comemorativo do bimilénio do nascimento de São Paulo, chega a nós a palavra da segunda Carta aos Coríntios: "Suplicamos-vos, pois, em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus" (2Co 5,20). Este convite do Apóstolo ressoa como um ulterior estímulo a levar a sério o apelo quaresmal à conversão. Paulo experimentou de maneira extraordinária o poder da graça de Deus, a graça do Mistério pascal de que a própria Quaresma vive. Ele apresenta-se-nos como "embaixador" do Senhor. Então, quem melhor do que ele pode ajudar-nos a percorrer de maneira frutuosa este itinerário de conversão interior? Na primeira Carta a Timóteo, escreve: "Jesus Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro", e acrescenta: "Por isso alcancei misericórdia, a fim de que Jesus mostrasse, primeiro em mim, toda a sua magnanimidade, e para que assim servisse de exemplo àqueles que haviam de crer nele para a vida eterna" (1Tm 1,15-16). Portanto, o Apóstolo está consciente de ter sido escolhido como exemplo, e esta sua exemplaridade diz respeito precisamente à conversão, à transformação da sua vida que se verificou graças ao amor misericordioso de Deus. "Embora eu fosse outrora blasfemo, perseguidor e injuriador reconhece ele alcancei misericórdia... e a graça de nosso Senhor superabundou" (Ibid., 1Tm 1,13-14). Toda a sua pregação e, antes ainda, toda a sua existência missionária foram sustentadas por um impulso interior reconduzível à experiência fundamental da "graça". "Pela graça de Deus, sou o que sou escreve aos Coríntios ... tenho trabalhado mais do que todos eles [os Apóstolos], não eu, mas a graça de Deus que está comigo" (1Co 15,10). Trata-se de uma consciência que sobressai em cada um dos seus escritos e funcionou como uma "alavanca" interior sobre a qual Deus pôde agir para o fazer progredir rumo a confins sempre novos, não só geográficos mas também espirituais.

São Paulo reconhece que tudo nele é obra da graça divina, mas não esquece que é necessário aderir livremente ao dom da vida nova recebida no Baptismo. No texto do capítulo 6 da Carta aos Romanos, que será proclamado durante a Vigília pascal, escreve: "Não reine, pois, o pecado no vosso corpo mortal, de modo que obedeçais à concupiscência. Não façais dos vossos membros armas de injustiça ao serviço do pecado; oferecei-vos antes a Deus, como ressuscitados dentre os mortos, e os vossos membros, como armas de justiça ao serviço de Deus" (Rm 6,12-13). Nestas palavras encontra conteúdo todo o programa da Quaresma, segundo a sua intrínseca perspectiva baptismal. Por um lado, afirma-se a vitória de Cristo sobre o pecado, que se realizou de uma vez por todas com a sua morte e ressurreição; por outro, somos exortados a não oferecer os nossos membros ao pecado, ou seja a não conceder, por assim dizer, espaço de desforra ao pecado. A vitória de Cristo espera que o discípulo a faça sua, e isto acontece antes de tudo com o Baptismo mediante o qual, unidos a Jesus, nos tornamos "ressuscitados dentre os mortos". Porém, a fim de que Cristo possa reinar plenamente nele, o baptizado deve seguir fielmente os seus ensinamentos; nunca deve abaixar a guarda, para não permitir que o adversário recupere de alguma forma o terreno.

Mas como completar a vocação baptismal, como ser vitorioso na luta entre a carne e o espírito, entre o bem e o mal, luta que caracteriza a nossa existência? No trecho evangélico de hoje o Senhor indica-nos três meios úteis: a oração, a esmola e o jejum. A este propósito, também na experiência e nos escritos de São Paulo encontramos referências úteis. Acerca da oração, ele exorta a "perseverar" e a "velar nela com a acção de graças" (cf. Rm 12,12 Col 4,2), a "rezar ininterruptamente" (1Th 5,17). Jesus está no fundo do nosso coração. A relação com Ele está presente, e permanece presente mesmo quando falamos, agimos segundo os nossos deveres profissionais. Por isso, na oração há a presença interior do nosso coração da relação com Deus, que se torna cada vez também oração explícita. No que diz respeito à esmola, são certamente importantes as páginas dedicadas à grande colecta em favor dos irmãos pobres (cf. 2Co 8-9), mas é necessário sublinhar que para ele a caridade é o ápice da vida do crente, o "vínculo da perfeição": "Acima de tudo escreve aos Colossenses revesti-vos da caridade que é vínculo da perfeição" (Col 3,14). Do jejum não fala expressamente, mas exorta com frequência à sobriedade, como característica de quem é chamado a viver na expectativa vigilante do Senhor (cf. 1Th 5,6-8 Tt 2,12). É interessante também a sua referência àquele "agonismo" espiritual, que exige temperança: "Aquele que se prepara para a luta abstém-se de tudo, a fim de alcançar uma coroa corruptível; nós, porém, para alcançar uma coroa incorruptível" (1Co 9,25).

Eis, pois, a vocação dos cristãos: ressuscitados com Cristo, eles passaram através da morte e a sua vida já está escondida com Cristo em Deus (cf. Col 3,1-2). Para viver esta "nova" existência em Deus é indispensável nutrir-se da Palavra de Deus. Só assim podemos realmente estar unidos a Deus, viver na sua presença, se nos mantivermos em diálogo com Ele. Jesus di-lo claramente, quando responde à primeira das três tentações no deserto, citando o Deuteronómio: "Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus" (Mt 4,4 cf. Dt 8,3). São Paulo recomenda: "A palavra de Cristo permaneça em vós abundantemente, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros com salmos, hinos e cânticos espirituais" (Col 3,16). Também nisto, o Apóstolo é acima de tudo testemunha: as suas Cartas são a prova eloquente do facto de que ele vivia em diálogo permanente com a Palavra de Deus: pensamento, acção, oração, teologia, pregação, exortação, tudo nele era fruto da Palavra, recebida desde a juventude na fé judaica, plenamente revelada aos seus olhos pelo encontro com Cristo morto e ressuscitado, pregada pelo resto da vida durante a sua "corrida" missionária. A ele foi revelado que Deus pronunciou em Jesus Cristo a Palavra definitiva, Ele mesmo, Palavra de salvação que coincide com o mistério pascal: o dom de si na cruz, que depois se torna ressurreição, porque o amor é mais forte do que a morte. Assim, São Paulo podia concluir: "Quanto a mim, Deus me livre de me gloriar, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo" (Ga 6,14). Em Paulo, a Palavra fez-se vida, e a sua única glória é Cristo crucificado e ressuscitado.

Queridos irmãos e irmãs, enquanto nos dispomos para receber as cinzas no na cabeça, em sinal de conversão e de penitência, abramos o coração à acção vivificadora da Palavra de Deus. A Quaresma, caracterizada por uma escuta mais frequente desta Palavra, por uma alegria mais intensa, por um estilo de vida austero e penitencial, seja estímulo à conversão e ao amor sincero pelos irmãos, especialmente os mais pobres e necessitados. Que nos acompanhe o Apóstolo Paulo, nos guie Maria, Virgem atenta da escuta, Serva humilde do Senhor. Assim, renovados no espírito, poderemos chegar a celebrar a Páscoa com alegria. Amém!





VIAGEM APOSTÓLICA AOS CAMARÕES E ANGOLA (17-23 DE MARÇO DE 2009)



Quinta-feira, 19 de Março de 2009: CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA POR OCASIÃO DA PUBLICAÇÃO DO INSTRUMENTUM LABORIS DA II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA DO SÍNODO

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Estádio Amadou Ahidjo de Yaoundé



Amados Irmãos no Episcopado,
Queridos irmãos e irmãs!

Louvado seja Jesus Cristo que hoje nos reuniu neste Estádio, para nos fazer penetrar mais profundamente na sua vida. Jesus Cristo reúne-nos neste dia em que a Igreja, aqui nos Camarões como em toda a terra, celebra a festa de São José, esposo da Virgem Maria. Começo por desejar uma festa feliz a todos aqueles que, como eu, receberam a graça de ter este belo nome e peço a São José que lhes conceda uma protecção especial guiando-os para o Senhor Jesus Cristo todos os dias da sua vida. Saúdo também as paróquias, as escolas e os colégios, as instituições que têm o nome de São José. Agradeço a D. Tonyé Bakot, Arcebispo de Yaoundé, as suas amáveis palavras e dirijo uma calorosa saudação aos representantes das Conferências Episcopais da África que vieram a esta cidade para a publicação do Instrumentum laboris da Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos.

Como podemos entrar na graça específica deste dia? Daqui a pouco, na conclusão da Missa, a liturgia desvendar-nos-á o ponto culminante da nossa meditação, quando nos convidar a dizer: «Por este alimento recebido no vosso altar, Senhor, saciastes a vossa família, feliz por festejar São José; defendei-a sempre com a vossa protecção e velai pelos dons que lhe concedestes». Como vedes, pedimos ao Senhor para guardar sempre a Igreja sob a sua constante protecção – e fá-lo! –, precisamente como José protegeu a sua família e velou sobre os primeiros anos de Jesus menino.

O Evangelho acaba de no-lo recordar. O Anjo tinha-lhe dito: «Não temas receber Maria, tua esposa» (
Mt 1,20), e foi exactamente o que ele realizou: «Fez como lhe ordenara o Anjo do Senhor» (Mt 1,24). Por que motivo quis São Mateus anotar esta fidelidade às palavras recebidas do mensageiro de Deus, senão para nos convidar a imitar esta fidelidade cheia de amor?

A primeira leitura que acabámos de ouvir não fala explicitamente de São José, mas ensina-nos muitas coisas a respeito dele. O profeta Natã vai dizer a David, por ordem do próprio Senhor: «Estabelecerei em teu lugar um descendente que nascerá de ti» (2S 7,12). David deve aceitar morrer sem ver a realização desta promessa, que se há-de cumprir «quando chegar ao termo dos [seus] dias» e «repousar com os [seus] pais». Vemos, assim, que um dos anseios mais vivos do homem, ou seja, ser testemunha da fecundidade da sua acção, nem sempre é atendido por Deus. Penso naqueles de vós que são pais e mães de família: cultivam muito legitimamente o desejo de dar o melhor de si mesmos aos seus filhos e querem vê-los chegar a um verdadeiro sucesso. Todavia é preciso não fazer-se ilusões sobre tal sucesso: o que Deus pede a David é que tenha confiança n’Ele. David não verá com os próprios olhos o seu sucessor, aquele que terá um trono «estável para sempre» (2S 7,16), porque este sucessor anunciado sob o véu da profecia é Jesus. David teve confiança em Deus. De igual modo, José tem confiança em Deus, quando ouve o Anjo, seu mensageiro, dizer-lhe: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou é fruto do Espírito Santo» (Mt 1,20). Na história, José é o homem que deu a Deus a maior prova de confiança, precisamente face a um anúncio tão assombroso.

E vós, queridos pais e mães de família que me ouvis, tendes confiança em Deus que faz de vós os pais e as mães dos seus filhos de adopção? Aceitais que Ele conte convosco para transmitir aos vossos filhos os valores humanos e espirituais que recebestes e que hão-de fazê-los viver no amor e no respeito do seu santo Nome? Neste nosso tempo, em que tantas pessoas sem escrúpulos procuram impor o reino do dinheiro desprezando os mais indigentes, deveis estar muito atentos. A África em geral e os Camarões em particular correm perigo se não reconhecem o Verdadeiro Autor da Vida! Irmãos e irmãs dos Camarões e da África, que recebestes de Deus tantas qualidades humanas, tende cuidado das vossas almas! Não vos deixeis fascinar por falsas glórias e falsos ideais! Crede, sim, continuai a crer que Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, é o único que vos ama como vós o esperais, a crer que Ele é o único que pode satisfazer-vos, que pode dar estabilidade às vossas vidas. Cristo é o único caminho de Vida.

Só Deus podia dar a José a força para dar crédito às palavras do Anjo. Só Deus vos dará, amados irmãos e irmãs que sois casados, a força de educar a vossa família como Ele o quer. Pedi-Lho! Deus gosta que se Lhe peça o que Ele quer dar. Pedi-Lhe a graça de um amor verdadeiro e cada vez mais fiel, à imagem do seu amor. Como magnificamente diz o Salmo, o seu «amor está edificado para todo o sempre e a [sua] fidelidade alicerçada nos céus» (Ps 88,3).

No vosso país e no resto da África, tal como noutros continentes, a família conhece efectivamente um período difícil que a sua fidelidade a Deus ajudará a superar. Alguns valores da vida tradicional foram perturbados. As relações entre as gerações alteraram-se de tal maneira que já não favorecem como antes a transmissão dos conhecimentos antigos e da sabedoria herdade dos antepassados. Muitas vezes, assiste-se a um êxodo rural comparável ao que viveram numerosos períodos humanos. A qualidade dos vínculos familiares resulta profundamente afectada. Desenraizados e fragilizados, os membros da jovens gerações, muitas vezes sem um verdadeiro trabalho, procuram remédio para a sua vida infeliz refugiando-se em paraísos efémeros e artificiais importados, que, como se sabe, nunca chegam a assegurar ao homem uma felicidade profunda e duradoura. Às vezes o homem africano é constrangido a fugir para fora de si mesmo e a abandonar tudo o que constituía a sua riqueza interior. Confrontado com o fenómeno duma urbanização galopante, ele abandona a sua terra, física e moralmente, não já como Abraão para responder ao chamamento do Senhor, mas para uma espécie de exílio interior que o afasta do seu próprio ser, dos seus irmãos e irmãs de sangue e do próprio Deus.

Trata-se de uma fatalidade, de uma evolução inevitável? Certamente não! Mais do que nunca, devemos «esperar contra toda a esperança» (Rm 4,18). Quero aqui prestar homenagem, com admiração e reconhecimento, ao notável trabalho realizado por inúmeras associações que encorajam a vida de fé e a prática da caridade. Deus as cumule de graças! Encontrem na Palavra de Deus um renovado vigor para levar a bom termo todos os seus projectos ao serviço de um desenvolvimento integral da pessoa humana na África, nomeadamente nos Camarões.

A primeira prioridade consistirá em dar novamente sentido ao acolhimento da vida como dom de Deus. Segundo a Sagrada Escritura tal como na melhor sabedoria do vosso continente, a chegada de uma criança é uma graça, uma bênção de Deus. Hoje a humanidade é convidada a mudar o seu olhar: com efeito, todo o ser humano, mesmo o mais humilde e pobre, é criado «à imagem e semelhança de Deus» (Gn 1,27). Deve viver! A morte não deve prevalecer sobre a vida! A morte não terá jamais a última palavra!

Filhos e filhas da África, não tenhais medo de crer, esperar e amar, não tenhais medo de dizer que Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida, e que só por Ele podemos ser salvos. São Paulo é o autor inspirado que o Espírito Santo concedeu à Igreja para ser o «mestre dos gentios» (1Tm 2,7), quando nos diz que Abraão, «esperando contra toda a esperança, acreditou que havia de ser pai de muitas nações, conforme tinha sido anunciado: “Assim será a tua descendência”» (Rm 4,18).

«Esperando contra toda a esperança»: não é uma magnífica definição do cristão? A África é chamada à esperança através de vós e em vós. Com Cristo Jesus, que calcou o solo africano, a África pode tornar-se o continente da esperança. Todos nós somos membros dos povos que Deus deu como descendência a Abraão. Cada um e cada uma de vós é pensado, querido e amado por Deus. Cada um e cada uma de nós tem a sua função a desempenhar no plano de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Se o desânimo vos invadir, pensai na fé de José; se a inquietação se apoderar de vós, pensai na esperança de José, descendente de Abraão que esperava contra toda a esperança; se a aversão ou o ódio vos penetrar, pensai no amor de José, que foi o primeiro homem a descobrir o rosto humano de Deus na pessoa do menino concebido pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria. Bendigamos a Cristo por Se ter feito tão solidário connosco e dêmos-Lhe graças por nos ter dado José como exemplo e modelo do amor para com Ele.

Amados irmãos e irmãs, de todo o coração vos repito: como José, não tenhais medo de tomar Maria convosco, isto é, não temais de amar a Igreja. Maria, mãe da Igreja, ensinar-vos-á a seguir os seus Pastores, a amar os vossos bispos, os vossos presbíteros, os vossos diáconos e os vossos catequistas, e a seguir aquilo que vos ensinam e a rezar pelas suas intenções. Vós que sois casados, olhai o amor de José por Maria e por Jesus; vós que vos preparais para o casamento, respeitai a vossa ou o vosso futuro cônjuge como fez José; vós que vos consagrastes a Deus no celibato, reflecti sobre a doutrina da Igreja nossa Mãe: «A virgindade e o celibato por amor do Reino de Deus não só não se contrapõem à dignidade do matrimónio, mas pressupõem-na e confirmam-na. O matrimónio e a virgindade são os dois modos de exprimir e de viver o único mistério da Aliança de Deus com o seu povo» (Redemptoris custos, 20).

Queria ainda dirigir uma exortação particular aos pais de família, uma vez que São José é o seu modelo. Este santo revela o mistério da paternidade de Deus sobre Cristo e sobre cada um de nós. São José pode ensinar-lhes o segredo da sua própria paternidade, ele que velou pelo Filho do Homem. Também cada pai recebe de Deus os seus filhos, criados à semelhança e imagem d’Ele. São José foi o esposo de Maria. Também cada pai de família se vê confiar-lhe o mistério da mulher através da própria esposa. Como São José, queridos pais de família, respeitai e amai a vossa esposa, e guiai os vossos filhos, com amor e a vossa vigilante presença, para Deus onde eles devem estar (cf. Lc 2,49).

Finalmente, a todos os jovens aqui presentes, dirijo uma palavra amiga e encorajadora: diante das dificuldades da vida, não percais a coragem! A vossa existência tem um valor infinito aos olhos de Deus. Deixai-vos agarrar por Cristo, aceitai dar-Lhe o vosso amor e – porque não! – vós mesmos no sacerdócio ou na vida consagrada. É o serviço mais alto. Às crianças que já não têm um pai ou que vivem abandonadas na miséria da estrada, àquelas que foram violentamente separadas dos seus pais, maltratadas e abusadas, e incorporadas à força em grupos militares que imperam em alguns países, quero dizer: Deus ama-vos, não vos esquece e São José vos protege. Invocai-o com confiança.

Deus vos abençoe e guarde a todos. Conceda-vos a graça de caminhar fielmente para Ele. Dê a estabilidade às vossas vidas para recolher o fruto que Ele espera de vós. Faça de vós testemunhas do seu amor aqui, nos Camarões, e até aos confins da terra. Com fervor, peço-Lhe que vos faça saborear a alegria de Lhe pertencer, agora e pelos séculos dos séculos. Amen.




Sábado, 21 de Março de 2009: CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA COM OS BISPOS, OS SACERDOTES, OS RELIGIOSOS E AS RELIGIOSAS, OS MOVIMENTOS ECLESIAIS E OS CATEQUISTAS DE ANGOLA E SÃO TOMÉ

21309

Igreja de São Paulo, Luanda



Queridos irmãos e irmãs,
Amados trabalhadores da vinha do Senhor!

Como ouvimos, os filhos de Israel diziam uns para os outros: «Procuremos conhecer o Senhor». Animavam-se com estas palavras, vendo-se submersos de tribulações. Estas caíram sobre eles – explica o profeta –, porque viviam na ignorância de Deus; o seu coração era pobre de amor. E o único médico capaz de o curar era o Senhor. Mais, foi Ele, como bom médico, que abriu a ferida, para a chaga sarar. E o povo decide-se: «Vinde, voltemos para o Senhor. Se Ele nos feriu, Ele nos curará» (
Os 6,1). Assim puderam encontrar-se a miséria humana com a Misericórdia divina, que nada mais deseja senão acolher os miseráveis.

Vemo-lo na página do Evangelho proclamada: «Dois homens subiram ao templo para orar»; de lá, um «desceu justificado para sua casa e o outro não» (Lc 18,10 Lc 18,14). Este último expusera todos os seus méritos diante de Deus, quase fazendo d’Ele um seu devedor. No fundo, não sentia necessidade de Deus, embora Lhe dê graças porque lhe concedeu ser tão perfeito e «não como este publicano». Mas será precisamente o publicano a descer para casa justificado. Consciente dos seus pecados, que o fazem estar de cabeça baixa – na realidade, porém, todo voltado para o Céu –, tudo espera do Senhor: «Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador» (Lc 18,13). Bate à porta da Misericórdia, que se abre e o justifica, «porque – conclui Jesus – todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado» (Lc 18,14).

De Deus, rico em Misericórdia, fala-nos por experiência própria São Paulo, patrono da cidade de Luanda e desta magnífica igreja, construída há quase cinquenta anos. Quis assinalar o bimilenário do nascimento de São Paulo com o Jubileu Paulino em curso, para dele aprendermos a conhecer melhor Jesus Cristo. Eis o testemunho que o apóstolo nos deixou: «É digna de fé esta palavra e merecedora de toda a aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo salvar os pecadores, e eu sou o primeiro deles. Mas, se alcancei misericórdia, foi para que em mim, primeiramente, Jesus Cristo mostrasse toda a sua paciência. Eu era um exemplo para os que viriam a acreditar n’Ele, a fim de alcançarem a vida eterna» (1Tm 1,15-16). E, com o passar dos séculos, o número de agraciados não parou de aumentar. Tu e eu, somos um deles. Dêmos graças a Deus porque nos chamou a entrar nesta procissão dos tempos para fazer-nos avançar para o futuro. Seguindo aqueles que seguiram Jesus, com eles seguimos o próprio Cristo e assim entramos na Luz.

Amados irmãos e irmãs, é uma grande alegria poder encontrar-me hoje no meio de vós, meus companheiros de jornada na vinha do Senhor; dela cuidais diariamente, preparando o vinho da Misericórdia divina e derramando-o nas feridas do vosso povo tão atribulado. O Senhor Dom Gabriel Mbilingi fez-se intérprete das vossas esperanças e fadigas nas amáveis palavras de boas-vindas que me dirigiu. Com ânimo grato e cheio de esperança, saúdo a todos vós – mulheres e homens dedicados à causa de Jesus Cristo – que aqui vos encontrais e quantos representais: bispos, presbíteros, consagradas e consagrados, seminaristas, catequistas, líderes dos mais variados movimentos e associações desta amada Igreja de Deus. Desejo aqui fazer menção das religiosas contemplativas, presença invisível mas extremamente fecunda para os passos de todos nós. Seja-me permitida enfim uma palavra particular de saudação aos Salesianos e aos fiéis desta paróquia de São Paulo que nos acolhem na sua igreja, não tendo para isso hesitado em ceder-nos o lugar que habitualmente lhes cabe na assembleia litúrgica. Soube que se reuniram no campo adjacente e espero, no fim desta Eucaristia, vê-los e abençoá-los, mas desde já lhes digo: «Muito obrigado! Deus suscite entre vós e por vós muitos apóstolos que sigam as pegadas do vosso Padroeiro».

Fundamental na vida de Paulo foi o seu encontro com Jesus, quando ia a caminho de Damasco: Cristo aparece-lhe como luz deslumbrante, fala-lhe, conquista-o. O apóstolo viu Jesus ressuscitado, ou seja, o homem na sua estatura perfeita. Dá-se então nele uma inversão de perspectiva, passando a ver tudo a partir desta estatura final do homem em Jesus: o que antes lhe parecia essencial e fundamental, agora para ele não passa de «lixo»; já não é «lucro», mas perda, porque agora só conta a vida em Cristo (cf. Ph 3,7-8). Não se trata simplesmente de uma maturação do «eu» de Paulo, mas de morte para si mesmo e de ressurreição em Cristo: morreu nele uma forma de existência; uma forma nova nasceu nele com Jesus ressuscitado.

Meus irmãos e amigos, «procuremos conhecer o Senhor» ressuscitado! Como sabeis, Jesus, homem perfeito, é também o nosso Deus verdadeiro. N’Ele, Deus tornou-Se-nos visível, para nos fazer participantes da sua vida divina. E assim, com Ele, inaugurou-se uma nova dimensão do ser, da vida, na qual se integrou também a matéria, e através da qual surge um mundo novo. Mas, este salto de qualidade da história universal que Jesus fez por nós e para nós, concretamente como chega ao ser humano, permeando a sua vida e arrebatando-a para o Alto? Chega a cada um de nós através da fé e do baptismo. De facto, este sacramento é morte e ressurreição, transformação numa vida nova, a ponto de a pessoa baptizada poder afirmar com Paulo: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Ga 2,20). Vivo, mas já não sou eu. De certo modo, é-me tirado o meu eu, para ser integrado num Eu maior; tenho ainda o meu eu, mas transformado e aberto aos outros por meio da minha inserção no Outro: em Cristo adquiro o meu novo espaço de vida. E o que é feito de nós? Responde Paulo: Vós tornastes-vos um em Cristo Jesus (cf. Ga 3,28).

E, mediante o nosso ser cristificado por obra e graça do Espírito de Deus, se vai completando a gestação do Corpo de Cristo na história. Neste momento, apraz-me recuar com o pensamento quinhentos anos atrás, ou seja, aos anos 1506 e sucessivos, quando nestas terras, então visitadas pelos portugueses, se levantou o primeiro reino cristão subsaariano, graças à fé e determinação do rei Dom Afonso I Mbemba-a-Nzinga, que reinou desde o referido ano de 1506 até 1543, ano em que faleceu; o reino permaneceu oficialmente católico nos séculos XVI a XVIII e com embaixador em Roma. Vedes como duas etnias muito diferentes – banta e lusíada – puderam encontrar na religião cristã uma plataforma de entendimento, esforçando-se por que esse entendimento perdurasse e as divergências – que as houve, e graves – não afastassem os dois reinos! De facto, o baptismo faz com que todos os crentes sejam um só em Cristo.

Hoje cabe a vós, irmãos e irmãs, na senda destes heróicos e santos mensageiros de Deus, oferecer Cristo ressuscitado aos vossos compatriotas. Muitos deles vivem no temor dos espíritos, dos poderes nefastos de que se crêem ameaçados; desnorteados, chegam a condenar meninos da rua e até os mais velhos, porque – dizem – são feiticeiros. Quem pode ir ter com eles para lhes anunciar que Cristo venceu a morte e todos esses poderes obscuros (cf. Ep 1,19-23 Ep 6,10-12)? Objectam alguns: «Por que motivo não os deixamos em paz? Eles têm a sua verdade; nós, a nossa. Convivamos pacificamente, deixando cada um como é, realizando do melhor modo a sua autenticidade». Mas, se estamos convencidos e temos a experiência de que, sem Cristo, a vida é incompleta, falta uma realidade – e a realidade fundamental –, devemos também estar convencidos de que não fazemos injustiça a ninguém se lhe mostrarmos Cristo e lhe oferecermos a possibilidade de encontrar, deste modo, também a sua verdadeira autenticidade, a alegria de ter encontrado a vida. Antes, devemos fazê-lo, é obrigação nossa oferecer a todos esta possibilidade de alcançarem a vida eterna.

Venerados e amados irmãos e irmãs, digamos-lhes como o povo israelita: «Vinde, voltemos para o Senhor. Se Ele nos feriu, Ele nos curará». Ajudemos a encontrar-se a miséria humana com a Misericórdia divina. O Senhor faz-nos seus amigos, entrega-Se a nós, entrega-nos o seu Corpo na Eucaristia, entrega-nos a sua Igreja. E então devemos ser verdadeiramente seus amigos, ter com Ele um só sentir, querer aquilo que Ele quer e não querer aquilo que Ele não quer. O próprio Jesus disse: «Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando» (Jn 15,14). Seja este o nosso propósito comum: fazermos, todos juntos, a sua santa vontade: «Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura» (Mc 16,15). Abracemos a sua vontade, como fez São Paulo: «Anunciar o Evangelho (…) é uma obrigação que me foi imposta. Ai de mim se não evangelizar!» (1Co 9,16).




Domingo, 22 de Março de 2009: CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA COM OS BISPOS DA I.M.B.I.S.A. (ASSOCIAÇÃO INTER-REGIONAL DOS BISPOS DA ÁFRICA AUSTRAL)

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Esplanada de Cimangola, Luanda





Amados irmãos,

quero incluir nesta Eucaristia uma particular oração de sufrágio pelos dois jovens que ontem perderam a vida na entrada para o Estádio dos Coqueiros. Confiemo-los a Jesus para que os acolha no seu Reino. Aos seus familiares e amigos, exprimo a minha solidariedade e o mais vivo pesar até porque vieram para me encontrar. Ao mesmo tempo rezo pelos feridos desejando-lhes pronto restabelecimento; abandonemos-nos aos desígnios insondáveis de Deus!

Senhores Cardeais,
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Amados irmãos e irmãs em Cristo!

«Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna» (
Jn 3,16). Estas palavras enchem-nos de alegria e de esperança, enquanto aguardamos o cumprimento das promessas de Deus. Motivo de particular alegria para mim, hoje, é poder como Sucessor do Apóstolo Pedro celebrar esta Missa convosco, meus irmãos e irmãs em Cristo vindos das várias regiões de Angola, de São Tomé e Príncipe e de muitos outros países. Com grande afecto no Senhor, saúdo as comunidades católicas de Luanda, Bengo, Cabinda, Benguela, Huambo, Huíla, Kuando Kubango, Kunene, Kwanza Norte, Kwanza Sul, Lunda Norte, Lunda Sul, Malanje, Namibe, Moxico, Uíje e Zaire.

De modo particular saúdo os meus Irmãos no Episcopado, os membros da Associação Inter-regional dos Bispos da África Austral reunidos à volta deste altar do Sacrifício do Senhor. Agradeço ao Presidente da CEAST, Dom Damião Franklin, as suas amáveis palavras de boas-vindas e, na pessoa dos respectivos Pastores, saúdo todos os fiéis do Botswana, Lesoto, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Suazilândia e Zimbabue.

A primeira leitura de hoje ecoa com uma ressonância particular no coração do Povo de Deus em Angola. É uma mensagem de esperança dirigida ao Povo eleito exilado longe do seu país, um convite para regressar a Jerusalém e reconstruir o templo do Senhor. A expressiva descrição da destruição e da ruína causadas pela guerra reflecte a experiência pessoal de tantas pessoas neste país a braços com as consequências terríveis da guerra civil. É bem verdade que a guerra pode destruir tudo o que tem valor (cf. 2Ch 36,19): famílias, comunidades inteiras, o fruto das canseiras humanas, as esperanças que guiam e sustentam a sua vida e o seu trabalho. Trata-se, infelizmente, de uma experiência demasiado familiar a toda a África: a força destrutiva da guerra civil, a queda na voragem do ódio e da vingança, a delapidação dos esforços de gerações de gente boa. Quando a Palavra do Senhor – uma Palavra que visa a edificação dos indivíduos, das comunidades e da família humana inteira – é transcurada e a lei de Deus é ridicularizada, desprezada e achincalhada (cf. 2Ch 36,16), o resultado só pode ser destruição e injustiça: a humilhação da nossa humanidade comum e a traição da nossa vocação de filhos e filhas do Pai misericordioso, irmãos e irmãs do seu dilecto Filho.

Confortemo-nos, pois, com as palavras consoladoras que ouvimos na primeira leitura! O apelo a voltar e a reconstruir o templo de Deus tem um significado particular para cada um de nós. São Paulo, de quem celebramos o bimilenário do nascimento este ano, diz que «nós somos o templo do Deus vivo» (2Co 6,16). Como sabemos, Deus habita nos corações de todas as pessoas que, tendo posto a sua confiança em Cristo, renasceram no Baptismo e tornaram-se templos do Espírito Santo. E agora, na unidade do Corpo de Cristo que é a Igreja, Deus chama-nos a reconhecer o poder da sua presença em nós, a acolher o dom do seu amor e do seu perdão e a ser mensageiros deste amor misericordioso no meio das nossas famílias e comunidades, na escola e no lugar de trabalho, em todo o sector da vida social e política.

Aqui, em Angola, este Domingo está reservado como dia de oração e sacrifício pela reconciliação nacional. O Evangelho ensina-nos que a reconciliação – uma verdadeira reconciliação – só pode ser fruto de uma conversão, de uma mudança do coração, de um novo modo de pensar. Ensina-nos que só a força do amor de Deus pode mudar os nossos corações e fazer-nos triunfar sobre o poder do pecado e da divisão. Quando estávamos «mortos pelos nossos pecados» (cf. Ep 2,5), o seu amor e a sua misericórdia deram-nos a reconciliação e a vida nova em Cristo. Tal é o núcleo da doutrina do Apóstolo Paulo, sendo importante para nós trazer à memória que só a graça de Deus pode criar um coração novo em nós. Só o seu amor pode mudar o nosso «coração de pedra» (Ez 11,19) e tornar-nos capazes de construir antes que demolir. Só Deus pode fazer novas todas as coisas.

Vim à África precisamente para proclamar esta mensagem de perdão, de esperança e de uma nova vida em Cristo. Há três dias, em Yaoundé, tive a alegria de tornar público o Instrumentum laboris da Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, que será dedicada ao tema: A Igreja em África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz. Hoje peço-vos para rezardes, em união com todos os nossos irmãos e irmãs da África inteira, por esta intenção: para que cada cristão deste grande continente experimente o toque salutar do amor misericordioso de Deus e a Igreja em África se torne «lugar de autêntica reconciliação para todos, graças ao testemunho dado pelos seus filhos e filhas» (Ecclesia in Africa, ).

Queridos amigos, esta é a mensagem que o Papa vos traz, para vós e vossos filhos. Recebestes a força do Espírito Santo para ser construtores de um futuro melhor para o vosso amado país. No baptismo, foi-vos concedido o Espírito para serdes arautos do Reino de Deus, Reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz (cf. Missal Romano, Prefácio de Cristo Rei). No dia do vosso baptismo, recebestes a luz de Cristo. Sede fiéis a este dom, certos de que o Evangelho pode revigorar, purificar e nobilitar os profundos valores humanos da vossa cultura originária e das vossas tradições: famílias solidárias, profundo sentido religioso, celebração festiva do dom da vida, apreço pela sabedoria dos mais velhos e pelas aspirações do jovens. Além disso, sede agradecidos pela luz de Cristo! Mostrai-vos reconhecidos com aqueles que vo-la trouxeram: gerações e gerações de missionários que tanto contribuíram, e contribuem, para o desenvolvimento humano e espiritual deste país. Senti-vos agradecidos pelo testemunho de tantos pais e professores cristãos, de catequistas, presbíteros, religiosas e religiosos, que sacrificaram a sua vida pessoal para vos transmitir este tesouro precioso. E abraçai o desafio que vos coloca este grande património. Reparai que a Igreja em Angola e na África inteira está destinada a ser, perante o mundo, um sinal daquela unidade a que é chamada toda a família humana mediante a fé em Cristo Redentor.

No Evangelho de hoje, há palavras pronunciadas por Jesus que causam uma certa impressão: diz-nos Ele que a sentença de Deus sobre o mundo já foi pronunciada (cf. Jn 3,19ss). A luz já veio ao mundo; mas os homens preferiram as trevas à luz, porque as suas obras eram más. Oh como são grandes as trevas em tantas partes do mundo! E as nuvens do mal obscureceram tragicamente também a África, incluindo esta amada nação angolana. Pensemos no flagelo da guerra, nos frutos terríveis do tribalismo e das rivalidades étnicas, na avidez que corrompe o coração do homem, reduz à escravidão os pobres e priva as gerações futuras dos recursos de que terão necessidade para criar uma sociedade mais solidária e justa: uma sociedade verdadeira e autenticamente africana no seu estro e nos seus valores. E que dizer daquele insidioso espírito de egoísmo que fecha os indivíduos em si mesmos, divide as famílias e, espezinhando os grandes ideais de generosidade e abnegação, conduz inevitavelmente ao hedonismo, à fuga para falsas utopias através do uso da droga, à irresponsabilidade sexual, ao enfraquecimento do vínculo matrimonial, à destruição das famílias e à eliminação de vidas humanas inocentes por meio do aborto?

Mas a palavra de Deus é uma palavra de esperança sem limites. «Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, (…) para que o mundo seja salvo por Ele» (Jn 3,16 Jn 3,17). Deus nunca nos considera um caso perdido. Continua a convidar-nos para erguermos os olhos para um futuro de esperança, e promete-nos a força para o realizar. Como diz São Paulo na segunda leitura de hoje, Deus criou-nos em Cristo Jesus para levarmos uma vida justa, uma vida em que pratiquemos boas obras segundo a sua vontade (cf. Ep 2,10). Deu-nos os seus mandamentos, não como um fardo, mas como fonte de liberdade: liberdade de nos tornarmos homens e mulheres cheios de sabedoria, mestres de justiça e de paz, pessoas que têm confiança nos outros e procuram o seu verdadeiro bem. Deus criou-nos para vivermos na luz e sermos luz para o mundo em redor. Assim no-lo diz Jesus, no Evangelho de hoje: «Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus» (Jn 3,21).

«Praticai, pois, a verdade». Irradiai a luz da fé, da esperança e do amor nas vossas famílias e comunidades. Sede testemunhas da verdade santa que torna livres homens e mulheres. Vós sabeis, por amarga experiência, que o trabalho de reconstrução – ao contrário da repentina fúria devastadora do mal – é penosamente lento e duro. Requer tempo, fadiga e perseverança: deve começar nos nossos corações, nos pequenos sacrifícios quotidianos necessários para sermos fiéis à lei de Deus, nos pequenos gestos pelos quais demonstramos de amar os nossos vizinhos – os nossos vizinhos todos sem olhar a raça, etnia ou língua – com a disponibilidade de colaborar com eles para construir, juntos, sobre bases duradouras. Fazei com que as vossas paróquias se tornem comunidades onde a luz da verdade de Deus e a força do amor reconciliador de Cristo não sejam apenas celebradas, mas manifestadas em obras concretas de caridade. E não tenhais medo! Ainda que isto signifique ser um «sinal de contradição» (Lc 2,34) face a comportamentos duros e a uma mentalidade que vê os outros mais como instrumentos a usar do que como irmãos e irmãs a amar, respeitar e ajudar ao longo do caminho da liberdade, da vida e da esperança.

Permiti-me concluir com uma palavra dirigida particularmente aos jovens angolanos e a todos os jovens da África. Queridos jovens amigos, vós sois a esperança do futuro do vosso país, a promessa de um amanhã melhor. Começai, desde hoje, a crescer na vossa amizade com Jesus, que é «o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jn 14,6): uma amizade nutrida e aprofundada através da oração humilde e perseverante. Procurai conhecer a vontade de Deus a vosso respeito, ouvindo diariamente a sua palavra e permitindo à sua lei de modelar a vossa vida e as vossas relações. Deste modo, tornar-vos-eis profetas sábios e generosos do amor salvífico de Deus; tornar-vos-eis evangelizadores dos vossos próprios colegas, levando-os por meio do vosso exemplo pessoal a apreciar a beleza e a verdade do Evangelho e a ter esperança num futuro plasmado pelos valores do Reino de Deus. A Igreja precisa do vosso testemunho. Não tenhais medo de responder generosamente ao chamamento que Deus vos faz para O servir quer como sacerdotes, religiosas ou religiosos, quer como pais cristãos ou em tantas outras formas de serviço que a Igreja vos propõe.

Amados irmãos e irmãs! No final da primeira leitura de hoje, Ciro, rei da Pérsia, inspirado por Deus, convida o povo eleito a regressar à sua amada pátria e reconstruir o Templo do Senhor. Que estas palavras inspiradas sejam um apelo a todo o Povo de Deus que vive em Angola e na África Austral: Coragem! Ponde-vos a caminho! (cf. 2Ch 36,23). Olhai o futuro com esperança, confiai nas promessas de Deus e vivei na sua verdade. Deste modo, construireis algo destinado a permanecer e deixareis às gerações futuras uma herança duradoura de reconciliação, justiça e paz. Amen.





Bento XVI Homilias 25109