Bento XVI Homilias 9907


Domingo, 23 de Setembro de 2007: MISSA DURANTE A VISITA PASTORAL À DIOCESE SUBURBICÁRIA DE VELLETRI-SEGNI

23907

Queridos irmãos e irmãs!

Voltei de bom grado entre vós para presidir esta solene celebração eucarística, aceitando o vosso repetido convite. Voltei com alegria para me encontrar com a vossa comunidade diocesana, que por diversos anos foi de modo particular também a minha e que é para mim sempre querida. Saúdo-vos a todos com afecto. Saúdo, em primeiro lugar, o Senhor Cardeal Francis Arinze, que me sucedeu como Cardeal Titular desta Diocese; saúdo o vosso Pastor, o querido D. Vincenzo Apicella, ao qual agradeço as bonitas palavras de boas-vindas com as quais me recebeu em vosso nome. Saúdo os demais Bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, agentes de pastoral, os jovens e quantos estão activamente comprometidos nas paróquias, movimentos, associações e nas várias actividades diocesanas. Saúdo o Comissário da Prefeitura de Velletri, os Presidentes Municipais da Diocese de Velletri-Segni e as outras Autoridades civis e militares, que nos honram com a sua presença.

Saúdo quantos vieram de outras partes, em particular da Alemanha, da Baviera, para se unirem a nós neste dia de festa. Laços de amizade unem a minha terra natal com a vossa: disto dá testemunho a coluna de bronze que me foi oferecida em Marktl am Inn em Setembro do ano passado, por ocasião da viagem apostólica na Alemanha. Recentemente foi-me oferecida, como já disse, por cem municípios da Baviera, quase uma similar desta coluna que será colocada aqui em Velletri, como ulterior sinal do meu afecto e da minha benevolência. Ela será o sinal da minha presença espiritual entre vós. A este propósito desejo agradecer os doadores, o escultor e os presidentes municipais que vejo aqui presentes com tantos amigos. Obrigado a todos vós!

Queridos irmãos e irmãs, sei que vos preparastes para esta minha visita através de um intenso caminho espiritual, adoptando como lema um versículo muito significativo da Primeira Carta de João: "Nós reconhecemos e cremos no amor que Deus nos tem" (
1Jn 4,6). Deus caritas est, Deus é amor: com estas palavras inicia a minha primeira Encíclica, que diz respeito ao centro da nossa fé: a imagem cristã de Deus e a consequente imagem do homem e do seu caminho. Alegro-me por terdes escolhido como guia do itinerário espiritual e pastoral da Diocese precisamente esta expressão: "Nós reconhecemos e cremos no amor que Deus nos tem". Acreditamos no amor: esta é a essência do cristianismo. A nossa assembleia litúrgica de hoje não pode deixar de se centralizar sobre esta verdade essencial, sobre o amor de Deus, capaz de imprimir à existência humana uma orientação e um valor absolutamente novos. O amor é a essência do Cristianismo, que torna o crente e a comunidade cristã fermento de esperança e de paz em todos os ambientes, atentos especialmente às necessidades dos pobres e dos necessitados. E é esta a nossa missão comum: ser fermento de esperança e de paz, porque cremos no amor. O amor faz viver a Igreja, e dado que ele é eterno, fá-la vivê-lo sempre até ao fim dos tempos.

Nos domingos passados, São Lucas, o evangelista que mais que os outros se preocupa por mostrar o amor que Jesus tem pelos pobres, ofereceu-nos diversos temas de reflexão sobre os perigos de um excessivo apego ao dinheiro, aos bens materiais e a tudo o que nos impede de viver em plenitude a nossa vocação para amar Deus e os irmãos. Também hoje, através de uma parábola que provoca em nós uma certa admiração porque se fala de um administrador desonesto que é elogiado (cf. Lc 16,1-13), vendo bem, o Senhor reserva-nos um sério e muito saudável ensinamento. Como sempre o Senhor inspira-se em acontecimentos da vida quotidiana: narra sobre um administrador que está para ser despedido pela desonesta gestão dos negócios do seu patrão e, para garantir o seu futuro, procura com astúcia pôr-se de acordo com os devedores. É sem dúvida um desonesto, mas astuto: o Evangelho não no-lo apresenta como modelo para seguir na sua desonestidade, mas como um exemplo a ser imitado pela sua habilidade previdente. De facto, a breve parábola concluiu-se com estas palavras: "O senhor elogiou o administrador desonesto por ter procedido prudentemente" (Lc 16,8).

Mas que nos quer dizer Jesus com esta parábola? Com esta conclusão surpreendente? À parábola do administrador infiel, o evangelista faz seguir uma breve série de afirmações e de advertências sobre a relação que devemos ter com o dinheiro e com os bens desta terra. São pequenas frases que convidam a uma opção que pressupõe uma decisão radical, uma constante tensão interior. Na realidade, a vida é sempre uma opção: entre honestidade e desonestidade, entre fidelidade e infidelidade, entre egoísmo e altruísmo, entre bem e mal. É incisiva e peremptória a conclusão do trecho evangélico: "Servo algum pode servir a dois senhores; ou há-de aborrecer a um e amar o outro, ou dedicar-se-á a um e desprezará o outro". Com efeito, diz Jesus: "É preciso decidir-se.

Não podeis servir a Deus e ao dinheiro" (Lc 16,13): Mamon é uma palavra de origem fenícia que evoca segurança económica e sucesso nos negócios; poderíamos dizer que na riqueza é indicado o ídolo ao qual se sacrifica tudo para alcançar o próprio sucesso material e assim este sucesso económico torna-se o verdadeiro deus de uma pessoa. É necessária portanto uma decisão fundamental entre Deus e mamon, é necessária a escolha entre lógica do lucro como critério último no nosso agir e a lógica da partilha e da solidariedade. A lógica do lucro, se é prevalecente, incrementa a desproporção entre pobres e ricos, assim como uma exploração destruidora do planeta. Quando, ao contrário, prevalece a lógica da partilha e da solidariedade, é possível corrigir a rota e orientá-la para um desenvolvimento equitativo, para o bem comum de todos. Na realidade, trata-se da decisão entre o egoísmo e o amor, entre a justiça e a desonestidade, ou seja, entre Deus e Satanás. Se amar Cristo e os irmãos não é considerado como uma espécie de acessório e superficial, mas antes como a finalidade verdadeira e última de toda a nossa existência, é preciso saber fazer opções básicas, estar dispostos a renúncias radicais, e se necessário ao martírio. Hoje, como ontem, a vida do cristão exige a coragem de ir contra a corrente, de amar como Jesus, que chegou ao sacrifício de si na cruz.

Podemos então dizer, parafraseando uma consideração de Santo Agostinho, que por meio das riquezas terrenas devemos conquistar as verdadeiras e eternas: de facto, se há quem está pronto a qualquer tipo de desonestidade para se garantir um bem-estar material sempre aleatório, muito mais nós cristãos nos devemos preocupar por prover à nossa felicidade eterna com os bens desta terra (cf. Sermo 359, 10). Mas, a única maneira de fazer frutificar para a eternidade os nossos talentos e capacidades pessoais assim como as riquezas que possuímos é partilhá-las com os irmãos, mostrando-nos deste modo bons administradores de quanto Deus nos confia. Diz Jesus: "Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é infiel no pouco também é infiel no muito" (Lc 16,10-11).

Da mesma opção fundamental que se deve fazer todos os dias fala hoje na primeira leitura o profeta Amós. Com palavras fortes, ele estigmatiza um estilo de vida típico de quem se deixa absorver por uma busca egoísta do proveito de todos os modos possíveis e que se traduz numa sede de lucro, num desprezo dos pobres e numa exploração da sua situação em próprio benefício (cf. Am 4,5). O cristão deve rejeitar com energia tudo isto, abrindo o coração, ao contrário, a sentimentos de generosidade autêntica. Uma generosidade que, como exorta o apóstolo Paulo na segunda Leitura, se exprime num amor sincero a todos e se manifesta na oração. Na realidade, é um gesto grandioso de caridade rezar pelos outros. O Apóstolo convida em primeiro lugar a rezar pelos que desempenham tarefas de responsabilidade na comunidade civil, porque ele explica das suas decisões, se tendem para realizar o bem, derivam consequências positivas, garantindo a paz e "uma vida calma e tranquila com toda a piedade e dignidade" para todos (1Tm 2,2). Portanto, nunca falte a nossa oração, contributo espiritual para a edificação de uma Comunidade eclesial fiel a Cristo e à construção de uma sociedade mais justa e solidária.

Queridos irmãos e irmãs, rezemos em particular para que a vossa comunidade diocesana, que está suportando uma série de transformações, devido à transferência de muitas famílias jovens provenientes de Roma, ao desenvolvimento do sector "terciário" e ao estabelecimento nos centros históricos de muitos imigrados, conduza uma acção pastoral cada vez mais orgânica e partilhada, seguindo as indicações que o vosso Bispo está a oferecer com evidente sensibilidade pastoral. Em relação a isto, revelou-se oportuna como nunca a sua Carta Pastoral do passado mês de Dezembro com o convite a colocar-se na escuta atenta e perseverante da Palavra de Deus, dos ensinamentos do Concílio Vaticano II e do Magistério da Igreja. Coloquemos nas mãos de Nossa Senhora das Graças, cuja imagem está conservada e é venerada nesta vossa bonita Catedral, todos os vossos propósitos e projectos pastorais. A protecção materna de Maria acompanhe o caminho de vós aqui presentes e de quantos não puderam participar na nossa Celebração eucarística de hoje. De modo especial, vele a Virgem Santa sobre os doentes, os idosos, as crianças, e sobre quantos se sentem sós e abandonados ou se encontram em particulares necessidades. Maria nos livre da ambição das riquezas, e faça com que erguendo para o céu as mãos livres e puras, demos graças a Deus com toda a nossa vida (cf. Colecta). Amém!





Sábado, 29 de Setembro de 2007: ORDENAÇÃO EPISCOPAL A SEIS NOVOS BISPOS NA FESTA DOS ARCANJOS MIGUEL, GABRIEL E RAFAEL

29907


Queridos irmãos e irmãs!

Estamos reunidos em volta do altar do Senhor para uma circunstância ao mesmo tempo solene e feliz: a Ordenação episcopal de seis novos Bispos, chamados a desempenhar funções diversas ao serviço da única Igreja de Cristo. Eles são Mons. Mieczyslaw Mokrzycki, Mons. Francesco Brugnaro, Mons. Gianfranco Ravasi, Mons. Tommaso Caputo, Mons. Sergio Pagano, e Mons. Vincenzo Di Mauro. Dirijo a todos a minha cordial saudação com um abraço fraterno. Dirijo uma saudação particular a Mons. Mokrzycki que, juntamente com o actual Cardeal Stanislaw Dziwisz, serviu durante muitos anos como secretário o Santo Padre João Paulo II e depois da minha eleição para Sucessor de Pedro, também foi meu secretário com grande humildade, competência e dedicação. Com ele saúdo o amigo do Papa João Paulo II, o Cardeal Marian Jaworski, ao qual Mons. Mokrzycki dará a sua ajuda como Coadjutor. Saúdo também os Bispos latinos da Ucrânia, que estão aqui em Roma para a sua visita "ad limina Apostolorum". O meu pensamento dirige-se também aos Bispos greco-católicos, alguns dos quais encontrei na passada segunda-feira, e à Igreja ortodoxa da Ucrânia. Desejo a todos as bênçãos do Céu pelas suas fadigas que visam manter activa na sua Terra e transmitir às futuras gerações a força restabelecedora do Evangelho de Cristo.

Celebramos esta Ordenação episcopal na festa dos três Arcanjos que na Escritura são mencionados pelo nome: Miguel, Gabriel e Rafael. Isto faz-nos recordar que na antiga Igreja já no Apocalipse os Bispos eram classificados como "anjos" da sua Igreja, expressando deste modo uma correspondência íntima entre o ministério do Bispo e a missão do Anjo. A partir da tarefa do Anjo pode-se compreender o serviço do Bispo. Mas o que é um Anjo? A Sagrada Escritura e a tradição da Igreja deixam-nos entrever dois aspectos. Por um lado, o Anjo é uma criatura que está diante de Deus, orientada, com todo o seu ser para Deus. Os três nomes dos Arcanjos terminam com a palavra "El", que significa "Deus". Deus está inscrito nos seus nomes, na sua natureza. A sua verdadeira natureza é a existência em vista d'Ele e para Ele. Explica-se precisamente assim também o segundo aspecto que caracteriza os Anjos: eles são mensageiros de Deus. Trazem Deus aos homens, abrem o céu e assim abrem a terra. Exactamente porque estão junto de Deus, podem estar também muito próximos do homem. De facto, Deus é mais íntimo a cada um de nós de quanto o somos nós próprios. Os Anjos falam ao homem do que constitui o seu verdadeiro ser, do que na sua vida com muita frequência está velado e sepultado. Eles chamam-no a reentrar em si mesmo, tocando-o da parte de Deus. Neste sentido também nós, seres humanos, deveríamos tornar-nos sempre de novo anjos uns para os outros anjos que nos afastam dos caminhos errados e nos orientam sempre de novo para Deus. Se a Igreja antiga chama os Bispos "anjos" da sua Igreja, pretende dizer precisamente o seguinte: "os próprios Bispos devem ser homens de Deus, devem viver orientados para Deus. "Multum orat pro populo" "Reza muito pelo povo", diz o Breviário da Igreja a propósito dos santos Bispos. O Bispo deve ser um orante, alguém que intercede pelos homens junto de Deus. Quanto mais o fizer, tanto mais compreende também as pessoas que lhe estão confiadas e pode tornar-se para elas um anjo um mensageiro de Deus, que as ajuda a encontrar a sua verdadeira natureza, a si mesmas, e a viver a ideia que Deus tem delas.

Tudo isto se torna ainda mais claro se olharmos agora para as figuras dos três Arcanjos cuja festa a Igreja celebra hoje. Antes de tudo está Miguel. Encontramo-lo na Sagrada Escritura sobretudo no Livro de Daniel, na Carta do Apóstolo São Judas Tadeu e no Apocalipse. Deste Arcanjo tornam-se evidentes nestes textos duas funções. Ele defende a causa da unicidade de Deus contra a soberba do dragão, da "serpente antiga", como diz João. É a perene tentativa da serpente de fazer crer aos homens que Deus deve desaparecer, para que eles se possam tornar grandes; que Deus é um obstáculo para a nossa liberdade e que por isso devemos desfazer-nos dele. Mas o dragão não acusa só Deus. O Apocalipse chama-o também "o acusador dos nossos irmãos, que os acusava de dia e de noite diante de Deus" (
Ap 12,10). Quem põe Deus de lado, não enobrece o homem, mas priva-o da sua dignidade. Então o homem torna-se um produto defeituoso da evolução. Quem acusa Deus, acusa também o homem. A fé em Deus defende o homem em todas as suas debilidades e insuficiências: o esplendor de Deus resplandece sobre cada indivíduo. É tarefa do Bispo, como homem de Deus, fazer espaço para Deus no mundo contra as negações e defender assim a grandeza do homem. E o que se poderia dizer e pensar de maior sobre o homem a não ser que o próprio Deus se fez homem? A outra função de Miguel, segundo a Escritura, é a de protector do Povo de Deus (cf. Da 10,21 Da 12,1). Queridos amigos, sede verdadeiramente "anjos da guarda" das Igrejas que vos serão confiadas! Ajudai o povo de Deus, que deveis preceder na sua peregrinação, a encontrar a alegria na fé e a aprender o discernimento dos espíritos: a acolher o bem e a recusar o mal, a permanecer e tornar-se sempre mais, em virtude da esperança da fé, pessoas que amam em comunhão com Deus-Amor.

Encontramos o Arcanjo Gabriel sobretudo na preciosa narração do anúncio a Maria da encarnação de Deus, como nos refere São Lucas (Lc 1,26-38). Gabriel é o mensageiro da encarnação de Deus. Ele bate à porta de Maria e, através dela, o próprio Deus pede a Maria o seu "sim" para a proposta de se tornar a Mãe do Redentor: dar a sua carne humana ao Verbo eterno de Deus, ao Filho de Deus. Repetidas vezes o Senhor bate às portas do coração humano. No Apocalipse diz ao "anjo" da Igreja de Laodiceia e, através dele, aos homens de todos os tempos: "Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele" (Ap 3,20). O Senhor está à porta à porta do mundo e à porta de cada um dos corações. Ele bate para que o deixemos entrar: a encarnação de Deus, o seu fazer-se carne deve continuar até ao fim dos tempos. Todos devem estar reunidos em Cristo num só corpo: dizem-nos isto os grandes hinos sobre Cristo na Carta aos Efésios e na Carta aos Colossenses. Cristo bate.

Também hoje Ele tem necessidade de pessoas que, por assim dizer, lhe põem à disposição a própria carne, que lhe doam a matéria do mundo e da sua vida, servindo assim para a unificação entre Deus e o mundo, para a reconciliação do universo. Queridos amigos, compete-vos bater à porta dos corações dos homens, em nome de Cristo. Entrando vós mesmos em união com Cristo, podereis também assumir a função de Gabriel: levar a chamada de Cristo aos homens.

São Rafael é-nos apresentado sobretudo no Livro de Tobias como o Anjo ao qual é confiada a tarefa de curar. Quando Jesus envia os seus discípulos em missão, com a tarefa do anúncio do Evangelho está sempre ligada a de curar. O bom Samaritano, acolhendo e curando a pessoa ferida que jaz à beira da estrada, torna-se silenciosamente uma testemunha do amor de Deus. Este homem ferido, com necessidade de curas, somos todos nós. Anunciar o Evangelho, já em si é curar, porque o homem precisa sobretudo da verdade e do amor. Do Arcanjo Rafael são referidas no Livro de Tobias duas tarefas emblemáticas de cura. Ele cura a comunhão importunada entre homem e mulher. Cura o seu amor. Afasta os demónios que, sempre de novo, rasgam e destroem o seu amor. Purifica a atmosfera entre os dois e confere-lhes a capacidade de se receberem reciprocamente para sempre. Na narração de Tobias esta cura é referida com imagens legendárias.

No Novo Testamento, a ordem do matrimónio, estabelecido na criação e ameaçado de muitas formas pelo pecado, é curado pelo facto de que Cristo o acolhe no seu amor redentor. Ele faz do matrimónio um sacramento: o seu amor, que por nós subiu à cruz, é a força restauradora que, em todas as confusões, dá a capacidade da reconciliação, purifica a atmosfera e cura as feridas. Ao sacerdote é confiada a tarefa de guiar os homens sempre de novo ao encontro da força reconciliadora do amor de Cristo. Deve ser o "anjo" curador que os ajuda a ancorar o seu amor no sacramento e a vivê-lo com empenho sempre renovado a partir dele. Em segundo lugar, o Livro de Tobias fala da cura dos olhos cegos. Todos sabemos quanto estamos hoje ameaçados pela cegueira para Deus. Como é grande o perigo de que, perante tudo o que sabemos sobre as coisas materiais e que somos capazes de fazer com elas, nos tornamos cegos para a luz de Deus. Curar esta cegueira mediante a mensagem da fé e o testemunho do amor, é o serviço de Rafael confiado dia após dia ao sacerdote e de modo especial ao Bispo. Assim, somos espontaneamente levados a pensar também no sacramento da Reconciliação, no sacramento da Penitência que, no sentido mais profundo da palavra, é um sacramento de cura. A verdadeira ferida da alma, de facto, o motivo de todas as outras nossas feridas, é o pecado. E só se existe um perdão em virtude do poder de Deus, em virtude do poder do amor de Cristo, podemos ser curados, podemos ser remidos.

"Permanecei no meu amor", diz-nos hoje o Senhor no Evangelho (Jn 15,9). No momento da Ordenação episcopal Ele di-lo de modo particular a vós, queridos amigos. Permanecei no seu amor! Permanecei naquela amizade com Ele cheia de amor que Ele neste momento vos doa de novo! Então a vossa vida dará fruto um fruto que permanece (Jn 15,16). Para que isto vos seja concedido, todos rezamos por vós neste momento, queridos irmãos. Amém.




Domingo, 21 de Outubro de 2007: VISITA PASTORAL A NÁPOLES

21107
DURANTE A SOLENE CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA

Praça do Plebiscito




Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Autoridades
Caros irmãos e irmãs

Foi com grande alegria que aceitei o convite para visitar a comunidade cristã que vive nesta histórica cidade de Nápoles. Ao vosso Arcebispo, Cardeal Crescenzio Sepe, transmito o meu abraço fraterno e um agradecimento especial pelas palavras que, também no vosso nome, me dirigiu no início desta solene Celebração eucarística. Enviei-o para junto da vossa Comunidade, porque conheço o seu zelo apostólico, e estou feliz por constatar que vós o estimais pelos seus dotes de mente e de coração. Saúdo com afecto os Bispos Auxiliares e o presbitério diocesano, assim como os religiosos, as religiosas e as demais pessoas consagradas, os catequistas e os leigos, de modo particular os jovens activamente comprometidos nas várias iniciativas pastorais, apostólicas e sociais. Cumprimento as ilustres Autoridades civis e militares que nos honram com a sua presença, a começar pelo Presidente do Conselho dos Ministros, pelo Presidente da Câmara Municipal de Nápoles e pelos Presidentes da Província e da Região. A todos vós, congregados nesta Praça diante da monumental Basílica dedicada a São Francisco de Paula, cujo quinto centenário da morte se celebra no corrente ano, dirijo o meu pensamento cordial, que de bom grado faço extensivo a quantos nos acompanham através da rádio e da televisão, especialmente às comunidades de clausura, às pessoas idosas, àquelas que se encontram nos hospitais, nas prisões e àqueles com os quais não me poderei encontrar nesta minha breve permanência napolitana. Em síntese, saúdo toda a família dos fiéis e todos os cidadãos de Nápoles: amados amigos, estou no meio de vós para compartilhar convosco a Palavra e o Pão da Vida. E o mau tempo não nos desencoraja, pois Nápoles é sempre bonita!

Meditando sobre as Leituras bíblicas deste domingo e pensando na realidade de Nápoles, fiquei impressionado com o facto de que hoje a Palavra de Deus tem como tema principal a oração, aliás, "a necessidade de rezar sem jamais se cansar", como diz o Evangelho (cf.
Lc 18,1). À primeira vista, esta poderia parecer uma mensagem não muito pertinente, fictícia e pouco incisiva em relação a uma realidade social com tantos problemas como a vossa. No entanto, reflectindo sobre ela, compreende-se que esta Palavra contém em si uma mensagem que certamente vai contra a corrente, mas destinada a iluminar profundamente a consciência desta vossa Igreja e desta vossa Cidade. Resumi-la-ia deste modo: a força, que silenciosamente e sem clamores, muda o mundo e o transforma no Reino de Deus, é a fé e a expressão da fé é a oração. Quando a fé está repleta de amor a Deus, reconhecido como Pai bom e justo, a oração faz-se perseverante e insistente, tornando-se um suspiro do espírito, um brado da alma que penetra o Coração de Deus. Deste modo, a oração torna-se a maior força de transformação do mundo. Diante de realidades sociais difíceis e complicadas, como certamente é também a vossa, é necessário revigorar a esperança, que se alicerça na fé e se exprime numa prece infatigável. É a oração que conserva acesa a chama da fé. Como pudemos ouvir no final do Evangelho, Jesus pergunta: "Quando o Filho do homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?" (Lc 18,8). Trata-se de uma pergunta que nos faz pensar.

Qual será a nossa resposta a esta inquietante interrogação? Hoje, queremos repetir em conjunto e com coragem humilde: Senhor, a vossa vinda ao meio de nós nesta celebração dominical encontra-nos congregados com a chama da fé acesa. Acreditamos e confiamos em Vós! Aumentai a nossa fé!

As Leituras bíblicas que ouvimos apresentam-nos alguns modelos nos quais nos devemos inspirar nesta nossa profissão de fé, que é sempre também uma profissão de esperança, uma vez que a fé é esperança, pois abre a terra à força divina e à força do bem. Trata-se das figuras da viúva, que encontramos na parábola evangélica, e a de Moisés, de que fala o livro do Êxodo. A viúva do Evangelho (cf. Lc 18,1-8) faz pensar nos "pequeninos", nos últimos, mas também em numerosas pessoas simples e justas, que sofrem devido às prepotências, se sentem impotentes diante do perdurar do mal-estar social e são tentadas pelo desânimo. Jesus reitera-lhes: observai com que tenacidade esta pobre viúva insiste e, no final, é ouvida por um juiz desonesto! Como poderíeis pensar que o vosso Pai celestial, bom, fiel e poderoso, que deseja somente o bem dos seus filhos, não vos haverá de render justiça no tempo devido? A fé assegura-nos que Deus ouve a nossa oração e nos atende no momento oportuno, não obstante a experiência quotidiana pareça desmentir esta certeza. Com efeito, diante de certos acontecimentos de crónica, ou de numerosas dificuldades da vida, de que os jornais nem sequer chegam a falar, brota espontaneamente do coração a súplica do antigo profeta: "Até quando, Senhor, pedirei socorro, sem que me escuteis.

Até quando clamarei: "Violência!", sem que me salveis?" (Ha 1,2). A resposta a esta premente invocação é uma só: Deus não pode mudar as situações sem a nossa conversão, e a nossa verdadeira conversão tem início com o "clamor" da alma, que implora perdão e salvação. Por conseguinte, a oração cristã não é expressão de fatalismo nem de inércia mas, pelo contrário, é o oposto da evasão da realidade, do intimismo consolatório: é força de esperança, máxima expressão da fé no poder de Deus, que é Amor e não nos abandona. A oração que Jesus nos ensinou, culminada no Getsémani, tem a índole da "competição", ou seja da luta, porque se põe com determinação ao lado do Senhor para combater a injustiça e vencer o mal com o bem; é a arma dos pequeninos e dos pobres de espírito, que rejeitam qualquer tipo de violência. Aliás, respondem-lhe com a violência evangélica, dando assim testemunho de que a verdade do Amor é mais forte que o ódio e a morte.

Isto sobressai também da primeira Leitura, a célebre narração da batalha entre os israelitas e os amalecitas (cf. Ex 17,8-13). O que determinou a sorte daquele árduo conflito foi precisamente a oração dirigida com fé ao Deus verdadeiro. Enquanto Josué e os seus homens enfrentavam os adversários no campo, Moisés estava no cimo da colina com as mãos levantadas, na posição da pessoa em oração. Estas mãos erguidas do grande comandante garantiram a vitória de Israel. Deus estava com o seu povo, desejava a sua vitória, mas condicionava esta sua intervenção às mãos levantadas de Moisés. Parece incrível, mas é assim: Deus tem necessidade das mãos erguidas do seu servo! Os braços levantados de Moisés fazem pensar nos braços de Jesus na Cruz: braços abertos e pregados, com que o Redentor venceu a batalha decisiva contra o inimigo infernal. A sua luta, as suas mãos elevadas para o Pai e abertas para o mundo exigem outros braços, outros corações que continuem a oferecer-se com o seu próprio amor, até ao fim do mundo. Dirijo-me de maneira particular a vós, dilectos Pastores da Igreja que está em Nápoles, enquanto faço minhas as palavras que São Paulo dirige a Timóteo e que pudemos ouvir na segunda Leitura: permanecei firmes naquilo que aprendestes e estai convictos disto. Anunciai a palavra, insisti em todas as ocasiões, oportuna e inoportunamente, admoestai, repreendei e exortai com toda a magnanimidade e doutrina (cf. 2Tm 3,14 2Tm 3,16 2Tm 4,2). E como Moisés na montanha, também vós perseverai na oração pelos fiéis e com os fiéis confiados aos vossos cuidados pastorais, para que em conjunto possais enfrentar todos os dias a boa batalha do Evangelho.

E agora, interiormente iluminados pela Palavra de Deus, voltemos a considerar a realidade da vossa Cidade, onde não faltam energias sadias e gente boa, culturalmente preparada e com um profundo sentido da família. Porém, para muitos não é simples viver: há numerosas situações de pobreza, de carência de alojamentos, de desemprego ou subemprego, de falta de perspectivas futuras. Além disso, há também o triste fenómeno da violência. Não se trata apenas do repreensível número de crimes cometidos pela "camorra", mas inclusive do facto de que a violência infelizmente tende a tornar-se uma mentalidade difundida, insinuando-se no tecido da vida social, nos bairros históricos do centro e nas periferias novas e anónimas, com o risco de atrair especialmente os jovens, que crescem em ambientes onde prosperam a ilegalidade, a clandestinidade e a cultura do arranjar-se.

Então, como é importante intensificar os esforços em vista de uma séria estratégia de prevenção que vise a escola e o trabalho, e que ajude os jovens a gerirem o tempo livre! É necessária uma intervenção que empenhe todos na luta contra todas as formas de violência, começando a partir da formação das consciências e transformando as mentalidades, as atitudes e os comportamentos de todos os dias. Formulo este convite a todos os homens e mulheres de boa vontade, enquanto se realiza aqui em Nápoles o encontro entre os líderes religiosos para a paz, que tem como tema: "Para um mundo sem violência Religiões e culturas em diálogo".

Prezados irmãos e irmãs, o amado Papa João Paulo II visitou Nápoles pela primeira vez em 1979: era, como hoje, domingo 21 de Outubro! Depois, veio aqui pela segunda vez, em Novembro de 1990: uma visita que promoveu o renascimento da esperança. A missão da Igreja consiste em nutrir sempre a fé e a esperança do povo cristão. É isto que está a realizar com zelo apostólico também o vosso Arcebispo, que recentemente escreveu uma Carta pastoral com um título significativo: "O sangue e a esperança". Sim, a verdadeira esperança nasce somente do Sangue de Cristo e do sangue derramado por Ele. Há sangue que é sinal de morte; mas há sangue que exprime amor e vida: o Sangue de Jesus e dos Mártires, como o do vosso amado Padroeiro São Januário, é manancial de vida nova. Gostaria de concluir, fazendo minha uma expressão contida na Carta pastoral do vosso Arcebispo, que reza assim: "A semente da esperança é talvez a menor, mas pode dar vida a uma árvore frondosa e produzir muitos frutos".

Em Nápoles esta semente existe e actua, apesar dos problemas e das dificuldades. Oremos ao Senhor para que faça crescer na comunidade cristã uma fé autêntica e uma esperança sólida, capaz de contrastar com eficácia o desencorajamento e a violência. Certamente, Nápoles tem necessidade de intervenções políticas adequadas, mas antes ainda de uma profunda renovação espiritual; precisa de fiéis que voltem a depositar plena confiança em Deus e, com a sua ajuda, que se comprometam para difundir os valores do Evangelho na sociedade. Peçamos para isto a ajuda de Maria e dos vossos Santos Protectores, em particular de São Januário.
Amém!







Segunda-feira, 5 de Novembro de 2007: CAPELA PAPAL EM SUFRÁGIO PELOS CARDEAIS E PRELADOS FALECIDOS DURANTE O ANO

51107

Venerados e dilectos Irmãos

Depois de ter comemorado todos os fiéis defuntos na sua celebração litúrgica, encontramo-nos segundo a tradição nesta Basílica vaticana para oferecer o Sacrifício eucarístico em sufrágio pelos Cardeais e Bispos que, ao longo do ano, chamados pelo Senhor, deixaram este mundo. Recordo com carinho fraterno os nomes dos saudosos Purpurados: Salvatore Pappalardo, Frédéric Etsou-Nzabi Bamungwabi, António Maria Javierre, Ângelo Felici, Jean-Marie Lustiger, Edouard Gagnon, Adam Kozlowiecki e Rosalio José Castillo Lara. Pensando na pessoa e no ministério de cada um deles, não obstante o pesar da separação, elevemos a Deus sentidas acções de graça pelo dom que neles Ele ofereceu à Igreja e por todo o bem que, com a sua ajuda, eles conseguiram realizar. De igual modo, confiemos ao Pai eterno os Patriarcas, os Arcebispos e os Bispos defuntos, expressando também para eles o nosso reconhecimento em nome de toda a Comunidade católica.

A prece de sufrágio da Igreja "apoia-se", por assim dizer, na oração do próprio Jesus, que pudemos ouvir no trecho evangélico: "Pai, quero que onde Eu estiver, estejam também comigo aqueles que Tu me enviaste" (
Jn 17,24). Jesus refere-se aos seus discípulos, de modo particular aos Apóstolos, que estão ao seu lado durante a última Ceia. Contudo, a oração do Senhor estende-se a todos os discípulos de todos os tempos. Com efeito, pouco antes, Ele disse: "Não rogo somente por eles, mas também por aqueles que hão-de crer em mim" (Jn 17,20). E se ali rezava para que todos sejam "um só... para que assim o mundo creia" (Jn 17,21), aqui podemos igualmente ouvir que Ele reza ao Pai a fim de poder ter consigo, na morada da sua glória eterna, todos os discípulos mortos no sinal da fé.

"Aqueles que Tu me enviaste": esta é uma bonita definição do cristão como tal, mas que obviamente pode ser aplicada de modo particular a quantos Deus Pai escolheu entre os fiéis, em vista de os destinar para seguir o seu Filho mais de perto. À luz destas palavras do Senhor, o nosso pensamento neste momento dirige-se, de maneira especial, aos venerados Irmãos pelos quais nós estamos a oferecer a presente Eucaristia. São homens que o Pai "enviou" a Cristo. Tirando-os do mundo, daquele "mundo" que "não O conheceu" (Jn 17,25), chamou-os a tornarem-se amigos de Jesus. Esta foi a graça mais preciosa de toda a sua vida. Sem dúvida, foram homens com diferentes características, tanto pelas vicissitudes pessoais como pelo ministério exercido; porém, todos receberam em comum o elemento mais importante: a amizade com o Senhor Jesus. Receberam-na como sorte na terra, como sacerdotes, e agora, para além da morte, participam nos céus desta "herança incorruptível, imaculada e indefectível" (1P 1,4). Durante a sua existência temporal, Jesus fez-lhes conhecer o nome de Deus, admitindo-os à participação no amor da Santíssima Trindade. O amor do Pai pelo Filho entrou neles, e deste modo a própria Pessoa do Filho, em virtude do Espírito Santo, permaneceu em cada um deles (cf. Jn 17,26): uma experiência de comunhão divina que, por sua natureza, tende a ocupar a existência inteira, em vista de a transfigurar e preparar para a glória da vida eterna.

É consolador e salutar, na oração pelos defuntos, meditar sobre a confiança de Jesus no seu Pai e assim deixar-se envolver pela luz tranquila deste abandono absoluto do Filho à vontade do seu "Abbá". Jesus sabe que o Pai está sempre com Ele (cf. Jn 8,29) e que juntos são um só (cf. Jn 10,30) Ele sabe que a própria morte deve ser um "baptismo", ou seja, uma "imersão" no amor de Deus (cf. Lc 12,50), e vai ao encontro dela com a certeza de que o Pai realizará nele a antiga profecia que ouvimos hoje na primeira leitura bíblica: "Dar-nos-á de novo a vida em dois dias / ao terceiro dia levantar-nos-á / e viveremos na sua presença" (Os 6,2). Este oráculo do profeta Oseias refere-se ao povo de Israel e expressa a confiança no socorro do Senhor: uma confiança que por vezes o povo, infelizmente, desmentiu por inconstância e superficialidade, chegando mesmo a abusar da benevolência divina. Ao contrário, na Pessoa de Jesus, o amor a Deus Pai torna-se plenamente sincero, autêntico e fiel. Ele assume em si toda a realidade do antigo Israel e leva-a ao seu cumprimento.

O "nós" do povo concentra-se no "eu" de Jesus, nomeadamente nos seus reiterados anúncios da paixão, morte e ressurreição, quando revela de maneira aberta aos discípulos aquilo que o espera em Jerusalém: deverá ser rejeitado pelos chefes, aprisionado, condenado à morte e, no terceiro dia, ressuscitado (cf. Mt 16,21). Esta singular confiança de Cristo passou para nós mediante o dom do Espírito Santo à Igreja, do qual começamos a fazer parte com o Sacramento do Baptismo. O "eu" de Jesus torna-se um novo "nós", e o "nós" da sua Igreja, quando se comunica àqueles que são incorporados nele mediante o Baptismo. E esta identificação é revigorada em quantos, por um especial chamamento do Senhor, foram configurados com Ele na Ordem sagrada.

O Salmo responsorial pôs nos nossos lábios o anseio arrebatador de um levita que, longe de Jerusalém e do templo, deseja ali regressar para estar novamente diante do Senhor (cf. Ps 41,1-3). "A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo! / Quando poderei contemplar a face de Deus?" (Ps 42,3 [41], 3). Esta sede contém uma verdade que não atraiçoa, uma esperança que não desilude.

Trata-se de uma sede que, também através da noite mais obscura, ilumina o caminho para a fonte da vida, como cantava com expressões admiráveis São João da Cruz. O Salmista reserva espaço às lamentações da alma, mas no centro e no final do seu hino admirável um estribilho repleto de confiança: "Por que estás triste, minha alma, / e te perturbas? Confia em Deus: ainda O hei-de louvar. / Ele é o meu Deus e Salvador" (Ps 42,6). Na luz de Cristo e do seu mistério pascal, estas palavras revelam toda a sua verdade maravilhosa: nem sequer a morte pode tornar vã a esperança de quem crê, porque Cristo entrou em nós no santuário do céu e quer conduzir-nos para lá, depois de nos ter preparado um lugar (cf. Jn 14,1-3).

Com esta fé e esta esperança, os nossos queridos e saudosos Irmãos recitaram tal Salmo numerosas vezes. Como sacerdotes, experimentaram toda a sua ressonância existencial, assumindo também sobre si as acusações e os desprezos de quantos, a quem crê, dizem na hora da prova: "Onde está o teu Deus?". Agora, no final do seu exílio terrestre, eles chegaram à pátria. Seguindo o caminho aberto pelo seu Senhor ressuscitado, não entraram num templo construído pelas mãos do homem, mas no próprio céu (cf. He 9,24). Ali, juntamente com a Bem-Aventurada Virgem Maria e com todos os Santos, possam eles contemplar finalmente nisto consiste a nossa oração o rosto de Deus e cantar eternamente os seus louvores. Amém!



Bento XVI Homilias 9907