Bento XVI Homilias 10208


Quarta-feira de Cinzas, 6 de Fevereiro de 2008: SANTA MISSA, BÊNÇÃO E IMPOSIÇÃO DAS CINZAS

60208

PROCISSÃO PENITENCIAL DA BASÍLICA DE SANTO ANSELMO À BASÍLICA DE SANTA SABINA NO AVENTINO
Basílica de Santa Sabina



Queridos irmãos e irmãs!

Se o Advento é por excelência o tempo que nos convida a esperar no Deus-que-vem, a Quaresma renova-nos na esperança n'Aquele que nos faz passar da morte para a vida. São dois tempos de purificação di-lo também a cor litúrgica que têm em comum mas de modo especial a Quaresma, totalmente orientada para o mistério da Redenção, é definida "caminho de verdadeira conversão" (Oração da colecta). No início deste itinerário penitencial, gostaria de me deter brevemente para reflectir sobre a oração e sobre o sofrimento como aspectos qualificantes do tempo litúrgico quaresmal, enquanto dediquei à prática da esmola a Mensagem para a Quaresma, publicada na semana passada. Na Encíclica Spe salvi, indiquei a oração e o sofrimento, juntamente com o agir e o juízo, como "lugares de aprendizagem e prática da esperança". Portanto, poderíamos afirmar que o período quaresmal, precisamente porque convida à oração, à penitência e ao jejum, constitui uma ocasião providencial para tornar mais viva e firme a nossa esperança.

A oração alimenta a esperança, porque nada como rezar com fé exprime a realidade de Deus na nossa vida. Também na solidão da provação mais dura, nada e ninguém podem impedir que eu me dirija ao Pai, "no escondimento" do meu coração, onde só Ele "vê", como diz Jesus no Evangelho (cf.
Mt 6,4 Mt 6,6 Mt 6,18). Vêm à mente dois momentos da existência terrena de Jesus que se colocam no início e quase no final da sua vida pública: os quarenta dias no deserto, sobre os quais se inspira o tempo quaresmal, e a agonia no Getsémani ambos são essencialmente momentos de oração. Oração solitária a sós com o Pai no deserto, oração repleta de "angústia mortal" no Horto das Oliveiras. Mas tanto na primeira como na segunda circunstância, é rezando que Cristo desmascara os enganos do tentador e o derrota. A oração demonstra-se assim a primeira e principal "arma" para "enfrentar vitoriosamente o combate contra o espírito do mal" (Oração da colecta).

A oração de Cristo alcança o seu ápice na cruz, expressando-se naquelas últimas palavras que os evangelistas recolheram. Onde parece lançar um brado de desespero: "Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonaste?" (Mt 27,46 Mc 15,34 cf. Ps 21,1), na realidade Cristo faz sua a invocação de quem, cercado sem possibilidade de fuga pelos inimigos, pode recorrer unicamente a Deus e, além de qualquer possibilidade humana, experimenta a sua graça e salvação. Não há portanto contradição entre a lamentação: "Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonaste?", e as palavras cheias de confiança filial: "Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito" (Lc 23,46 cf. Ps 30,6). Também estas palavras são tiradas de um Salmo, o 30, súplica dramática de uma pessoa que, abandonada por todos, se recomenda confiante a Deus. A oração implorante cheia de esperança é, portanto, o leitmotiv da Quaresma, e faz-nos experimentar Deus como única âncora de salvação. Mesmo quando é colectiva, a oração do povo de Deus é voz de um só coração e de uma só alma, é diálogo a sós, como a comovedora imploração da rainha Ester quando o seu povo está para ser exterminado: "Meu Senhor, meu único rei, assisti-me no meu desamparo, porque não tenho outro socorro senão Vós, porque o perigo é iminente" (Est 14,3). Face a um "grande perigo" é necessária uma esperança que pode contar com Deus.

A oração é um crisol no qual as nossas expectativas e aspirações são expostas à luz da Palavra de Deus, são imersas no diálogo com Aquele que é a verdade, e saem livres de mentiras escondidas e de compromissos com diversas formas de egoísmo (cf. Spe salvi, ). Sem a dimensão da oração, o eu humano acaba por ser eco da voz de Deus, corre o risco de se reduzir a espelho do eu, de modo que o diálogo interior se torna um monólogo, dando motivos para numerosas justificações. Por isso, a oração é garantia de abertura aos outros: quem se torna livre para Deus e para as suas exigências, abre-se contemporaneamente para o outro, para o irmão que bate à porta do seu coração e pede para ser ouvido, pede atenção, perdão, por vezes correcção mas sempre na caridade fraterna. A verdadeira oração nunca é egocêntrica, mas sempre centrada no próximo.

Como tal ela impele o orante ao "êxtase" da caridade, à capacidade de sair de si para se tornar próximo do outro no serviço humilde e abnegado. A verdadeira oração é o motor do mundo, porque o mantém aberto a Deus. Por isso, sem oração não há esperança, mas apenas ilusão. De facto, não é a presença de Deus que aliena o homem, mas a sua ausência: sem o verdadeiro Deus, Pai do Senhor Jesus Cristo, as esperanças tornam-se ilusões que induzem a evadir-se da realidade. Falar com Deus, permanecer na sua presença, deixar-se iluminar e purificar pela sua Palavra, introduz-nos ao contrário no coração da realidade, no íntimo Motor do porvir cósmico, introduz-nos por assim dizer no coração pulsante do universo.

Em relação harmoniosa com a oração, também o jejum e a esmola podem ser considerados lugares de aprendizagem e prática da esperança cristã. Os Padres e os escritores antigos gostam de ressaltar que estas três dimensões da vida evangélica são inseparáveis, se fecundam reciprocamente e dão tanto mais fruto quanto mais se corroboram reciprocamente. Graças à acção comum da oração, do jejum e da esmola, a Quaresma no seu conjunto forma os cristãos para serem homens e mulheres de esperança, a exemplo dos santos.

Gostaria agora de me deter também sobre o sofrimento dado que, como escrevi na Encíclica Spe salvi "a grandeza da humanidade determina-se essencialmente na relação com o sofrimento e com quem sofre. Isto vale tanto para o indivíduo como para a sociedade" (Spe salvi, ). A Páscoa, para a qual se projecta a Quaresma, é o mistério que dá sentido ao sofrimento humano, a partir da superabundância da com-paixão de Deus, realizada em Jesus Cristo. Portanto, o caminho quaresmal, todo irradiado pela luz pascal, faz-nos reviver o que aconteceu no coração divino-humano de Cristo quando subia a Jerusalém pela última vez, para se oferecer a si mesmo em expiação (cf. Is 53,10). O sofrimento e a morte desceram como as trevas à medida que Ele se aproximava da Cruz, mas fez-se viva também a chama do amor. O sofrimento de Cristo está de facto todo imbuído pela luz do amor (cf. Spe salvi, ): o amor do Pai que permite que o Filho vá confiante ao encontro do seu último "baptismo", como Ele mesmo define o ápice da sua missão (cf. Lc 12,50). Aquele Baptismo de dor e de amor, Jesus recebeu-o para nós, para toda a humanidade. Sofreu pela verdade e pela justiça, trazendo à história dos homens o evangelho do sofrimento, que é a outra face do evangelho do amor. Deus não pode padecer, mas pode e deseja com-padecer. Da paixão de Cristo pode entrar em cada sofrimento humano a con-solatio, "a consolação do amor solidário de Deus, surgindo assim a estrela da esperança" (Spe salvi, ).

Assim como para a oração, também para o sofrimento a história da Igreja é muito rica de testemunhas que se consumiram pelos outros sem se poupar, à custa de duros sofrimentos. Quanto maior é a esperança que nos anima, tanto maior é também em nós a capacidade de sofrer por amor da verdade e do bem, oferecendo com alegria as pequenas e as grandes fadigas de cada dia e inserindo-as no grande com-padecer de Cristo (cf. ibid., ). Ajude-nos neste caminho de perfeição evangélica Maria, que, com o Filho, precisamente nestes dias, recordando o 150º aniversário das aparições da Virgem de Lourdes, somos levados a meditar sobre o mistério da partilha de Maria com os sofrimentos da humanidade; ao mesmo tempo somos encorajados a obter conforto do "tesouro de compaixão" (ibid. ) da Igreja, para o qual ela contribuiu mais do que qualquer outra criatura. Iniciemos portanto a Quaresma em união espiritual com Maria, que "prosseguiu no caminho de fé" no seguimento do seu Filho (cf. Lumen gentium LG 58) e precede sempre os discípulos no percurso rumo à luz pascal. Amém!





Domingo, 24 de Fevereiro de 2008: VISITA PASTORAL À PARÓQUIA ROMANA DE SANTA MARIA LIBERTADORA NO BAIRRO "TESTACCIO"

24208
Queridos irmãos e irmãs!

Seguindo o exemplo dos meus venerados Predecessores, os Servos de Deus Paulo VI e João Paulo II, que visitaram a vossa paróquia respectivamente a 20 de Março de 1966 e a 14 de Janeiro de 1979, também eu hoje vim entre vós para me encontrar com a vossa comunidade e presidir à Celebração eucarística nesta vossa bonita igreja dedicada a Santa Maria Libertadora. Vim numa circunstância muito singular, o centenário da consagração da actual igreja e a transferência do título da paróquia de Santa Maria da Providência, que já existia neste vosso bairro "Testaccio", para Santa Maria Libertadora. Foi São Pio X quem confiou aos Filhos espirituais de Dom Bosco a paróquia, e eles, sob a guia incansável do primeiro discípulo de São João Bosco, o beato Dom Michele Rua, construíram a igreja na qual agora nos encontramos. Na realidade, os Salesianos já desempenhavam a sua actividade social e apostólica aqui no "Testaccio", bairro que conservou uma sua específica identidade territorial e cultural. De facto, mesmo encontrando-nos no centro da metrópole romana, persistem entre as pessoas relacionamentos familiares e, mesmo tendo mudado um pouco a situação nos últimos vinte anos, permanecem fortes o radicamento do povo no seu território, a identidade de bairro e o apego às tradições religiosas. Sei, por exemplo, que a vossa festa patronal de Santa Maria Libertadora reúne todos os anos muitos concidadãos e famílias que por vários motivos se transferiram para outras partes.

Queridos amigos, vim de bom grado partilhar a vossa alegria pelo acontecimento jubilar que estais a celebrar, e que eu quis enriquecer com a possibilidade de lucrar a indulgência plenária durante todo o ano centenário. Saúdo-vos a todos com afecto. Saúdo antes de tudo o Cardeal Vigário, o Bispo Auxiliar do Sector Centro, D. Ernesto Mandara, e o vosso Pároco, Pe. Manfredo Leone. Agradeço de coração a ele e aos coirmãos salesianos o serviço pastoral que juntos prestam à vossa paróquia, e estou-lhes grato pelas gentis palavras que me dirigiu em nome de todos vós. Saúdo além disso os hóspedes do Estudantado salesiano para sacerdotes, que tem sede nos edifícios paroquiais, e as diversas comunidades religiosas presentes no território: as Filhas de Maria Auxiliadora, as Filhas da Divina Providência e as Irmãs do Bom Pastor. Saúdo os Cooperadores, as Cooperadoras e os ex-Alunos salesianos, as Associações paroquiais, os vários grupos comprometidos na animação da catequese, da liturgia, da caridade e da leitura e aprofundamento da Palavra de Deus, a Confraria de Santa Maria Libertadora, os grupos que reúnem os jovens e os que favorecem o encontro e a formação dos noivos e esposos e das famílias mais maduras. Dirijo uma saudação afectuosa às crianças do catecismo e a quantos frequentam o Oratório da paróquia e das Filhas de Maria Auxiliadora. Depois gostaria de fazer extensivo o meu pensamento a todos os habitantes do bairro, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade. Recordo todos e cada um nesta Santa Missa.

Queridos irmãos e irmãs, pergunto agora juntamente convosco: o que nos diz o Senhor num aniversário importante para a vossa paróquia? Nos textos bíblicos deste terceiro Domingo da Quaresma, encontram-se úteis motivos de meditação muito indicados para esta significativa circunstância. Através do símbolo da água, que encontramos na primeira leitura e no trecho evangélico da Samaritana, a palavra de Deus transmite-nos uma mensagem sempre viva e actual: Deus tem sede da nossa fé e quer que encontremos n'Ele a fonte da nossa autêntica felicidade. O risco de cada crente é o de praticar uma religiosidade não autêntica, de não procurar em Deus a resposta às expectativas mais íntimas do coração, aliás, de usar Deus como se estivesse ao serviço dos nossos desejos e projectos.

Vemos na primeira leitura o povo hebreu que sofre no deserto por falta de água e, tomado pelo desencorajamento, como noutras circunstâncias, se lamenta e reage de modo violento. Chega a revoltar-se contra Moisés, chega quase a revoltar-se contra Deus. Narra o autor sagrado: "Provocaram o Senhor, dizendo: "O senhor está ou não no meio de nós"?" (
Ex 17,7). O povo exige que Deus venha ao encontro das próprias expectativas e exigências, em vez de se abandonar confiante nas suas mãos, e na prova perde a confiança n'Ele. Quantas vezes isto acontece também na nossa vida; em quantas circunstâncias, em vez de nos conformarmos docilmente com a vontade divina, gostaríamos que Deus realizasse os nossos desígnios e satisfizesse todas as nossas expectativas; em quantas ocasiões a nossa fé se manifesta frágil, a nossa confiança fraca, a nossa religiosidade contaminada por elementos mágicos e meramente terrenos. Neste tempo quaresmal, enquanto a Igreja nos convida a percorrer um itinerário de verdadeira conversão, acolhamos com humilde docilidade a admoestação do Salmo responsorial: "Não torneis duros os vossos corações como em Meriba, como no dia de Massa, no deserto, quando os vossos pais Me provocaram, Me provaram e me puderam ver nas minhas acções" (Ps 94,8-9).

O simbolismo da água volta com grande eloquência na célebre página evangélica que narra o encontro de Jesus com a Samaritana em Sicar, junto do poço de Jacob. Captamos imediatamente um vínculo entre o poço construído pelo grande patriarca de Israel para garantir a água à sua família e a história da salvação na qual Deus dá à humanidade a água que jorra para a vida eterna. Se há uma sede física indispensável para viver nesta terra, existe no homem também uma sede espiritual que só Deus pode satisfazer. Isto transparece claramente do diálogo entre Jesus e a mulher que veio tirar água do poço de Jacob. Tudo começa com o pedido de Jesus: "Dá-me de beber" (cf. Jn 4,5-7). À primeira impressão parece um simples pedido de um pouco de água, num meio-dia ensolarado. Na realidade, com este pedido dirigido a uma mulher samaritana entre judeus e samaritanos não havia boas relações Jesus dá início na sua interlocutora a um caminho interior que faz sobressair nela o desejo de algo mais profundo. Santo Agostinho comenta: "Aquele que pedia de beber, tinha sede da fé daquela mulher" (In Io ev. Tract. XV, 11: PL 35, 1514). De facto, a um certo ponto, é a própria mulher que pede água a Jesus (cf. Jn 4,15), manifestando assim que em cada pessoa há uma necessidade inata de Deus e da salvação que só Ele pode satisfazer. Uma sede de infinito que só pode ser saciada com a água que Jesus oferece, a água viva do Espírito. Daqui a pouco ouviremos no prefácio estas palavras: Jesus "pediu à mulher da Samaria água para beber, para lhe proporcionar o grande dom da fé, e desta fé teve uma sede tão ardente que acendeu nela a chama do amor de Deus".

Queridos irmãos e irmãs, no diálogo entre Jesus e a Samaritana vemos traçado o percurso espiritual que cada um de nós, que cada comunidade cristã está chamada a redescobrir e a percorrer constantemente. Proclamada neste tempo quaresmal, esta página evangélica assume um valor particularmente importante para os catecúmenos já próximos do Baptismo. Este terceiro domingo da Quaresma está de facto ligado ao chamado "primeiro escrutínio", que é um rito sacramental de purificação e de graça. A Samaritana torna-se assim figura do catecúmeno iluminado e convertido pela fé, que deseja a água viva e é purificado pela palavra e pela acção do Senhor. Mas também nós, já baptizados, mas sempre a caminho para nos tornarmos verdadeiros cristãos, encontramos neste episódio evangélico um estímulo para redescobrir a importância e o sentido da nossa vida cristã, o verdadeiro desejo que vive em nós. Jesus quer levar-nos, como fez com a Samaritana, a professar a nossa fé n'Ele com força para que possamos depois anunciar e testemunhar aos nossos irmãos a alegria do encontro com Ele e as maravilhas que o seu amor realiza na nossa existência. A fé nasce do encontro com Jesus, reconhecido e acolhido como o Revelador definitivo e o Salvador. Quando o Senhor conquista o coração da Samaritana, a sua existência transforma-se e ela vai imediatamente sem hesitações comunicar a boa nova ao seu povo (cf. Jn 4,29).

Queridos irmãos e irmãs da Paróquia de Santa Maria Libertadora! O convite de Cristo a deixarmo-nos envolver pela sua exigente proposta evangélica ressoa com vigor esta manhã para cada membro da vossa comunidade paroquial. Santo Agostinho dizia que Deus tem sede da nossa sede d'Ele, isto é, deseja ser desejado! Quanto mais o ser humano se afasta de Deus tanto mais Ele o segue com o seu amor misericordioso. A liturgia estimula-nos hoje, tendo em consideração também o tempo quaresmal que estamos a viver, a rever a nossa relação com Jesus, a procurar o seu rosto sem nos cansarmos. E isto é indispensável para que vós, queridos amigos, possais continuar, no vosso contexto cultural e social, a obra de evangelização e de educação humana e cristã desempenhada há mais de um século por esta paróquia, que conta entre os seus párocos também o Venerável Luis Maria Olivares. Abri cada vez mais o coração a uma acção pastoral missionária, que estimule cada cristão a encontrar as pessoas em particular os jovens e as famílias onde vivem, trabalham, transcorrem o tempo livre, para lhes anunciar o seu amor misericordioso de Deus. Sei que estais a prestar uma análoga atenção e solicitude ao cuidado das vocações ao sacerdócio e à vida consagrada, propondo às crianças, aos jovens e às famílias o tema vocacional, que é de primária importância para o futuro da Igreja. Encorajo-vos depois a perseverar no compromisso educativo, que constitui o carisma típico de cada paróquia salesiana. O Oratório, a escola, os momentos de catequese e oração sejam animados por educadores autênticos, isto é, por testemunhas próximas com o seu coração especialmente às crianças, aos adolescentes e aos jovens. Santa Maria Libertadora, por vós tão amada e venerada, que juntamente com o seu esposo José educou Jesus menino e adolescente, proteja as famílias, os religiosos e as religiosas na sua tarefa de formadores e lhes conceda a alegria, como desejava Dom Bosco, de ver crescer neste bairro "cristãos bons e cidadãos honestos". Amém!







V Domingo de Quaresma, 9 de Março de 2008: SANTA MISSA NO XXV ANIVERSÁRIO DO CENTRO INTERNACIONAL JUVENIL SÃO LOURENÇO

9308
Igreja de São Lourenço “in Piscibus”, Roma




Senhores Cardeais

Venerados irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Caros irmãos e irmãs

É para mim uma grande alegria poder comemorar juntamente convosco, nesta bonita igreja românica, o 25º aniversário do Centro Internacional Juvenil São Lourenço, desejado pelo amado Papa João Paulo II nos arredores da Basílica de São Pedro e por ele inaugurado no dia 13 de Março de 1983. A Santa Missa que aqui se celebra todas as sextas-feiras à noite constitui para muitos jovens, provenientes de várias regiões do mundo para estudar nas universidades romanas, um importante encontro espiritual e uma significativa ocasião para entrar em contacto com Cardeais e Bispos da Cúria Romana, mas também com Bispos dos cinco continentes de passagem por Roma para as respectivas visitas ad Limina. Como quisestes recordar, não poucas vezes também eu vim aqui para celebrar a Eucaristia quando era Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, e era sempre uma bonita experiência encontrar-me com rapazes e moças de muitas regiões da terra, que neste Centro encontram um importante ponto de acolhimento e de referência.

E é precisamente a vós, queridos jovens, que dirijo sobretudo a minha cordial saudação, agradecendo-vos o caloroso acolhimento que me reservastes. Além disso, saúdo todos vós que quisestes intervir nesta solene e igualmente familiar celebração. Saúdo de modo especial os Senhores Cardeais e os Prelados aqui presentes. Entre eles, permiti-me citar o Cardeal Paul Josef Cordes, Titular desta igreja de São Lourenço "in Piscibus", bem como o Cardeal Stanislaw Rylko, Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos, a quem agradeço as amáveis palavras de boas-vindas que me dirigiu no início da Santa Missa, juntamente com os dois porta-vozes dos jovens. Saúdo D. Josef Clemens, Secretário do mesmo Pontifício Conselho, o grupo de jovens sacerdotes e seminaristas que animam este Centro sob a guia do Departamento dos Jovens deste Conselho, e quantos a vários níveis oferecem a sua contribuição. Refiro-me às Associações, aos Movimentos e às Comunidades que aqui representais, com uma menção especial à Comunidade do Emanuel, que há vinte anos coordena com grande fidelidade as diversas iniciativas e que criou uma Escola de Missão em Roma, da qual provêm alguns dos jovens aqui presentes. Além disso, saúdo os capelães e os voluntários que aqui trabalharam nos passados vinte e cinco anos ao serviço da juventude. A todos e a cada um, dirijo a minha carinhosa saudação.

Agora, venhamos ao Evangelho deste dia, dedicado a um tema importante, fundamental: o que é a vida? O que é a morte? Como viver? Como morrer? Para nos fazer compreender melhor este mistério da vida e a resposta de Jesus, São João usa para esta única realidade da vida duas palavras diferentes, para indicar as diversas dimensões da realidade "vida": a palavra bíos e a palavra zoé. Como se compreende facilmente, bíos significa este grande biocosmos, esta biosfera, que vai das células primitivas individuais até às associações mais organizadas, já desenvolvidas; esta grande árvore da vida, em que todas as possibilidades desta realidade bíos se desenvolveram. O homem pertence a esta árvore da vida; ele faz parte deste cosmos da vida que começa com um milagre: na matéria inerte desenvolve-se um centro vital, a realidade que nós denominamos organismo.

No entanto, embora faça parte deste grande microcosmos, o homem transcende-o porque também faz parte daquela realidade que São João define como zoé. É um novo nível da vida, em que o ser se abre ao conhecimento. Sem dúvida, o homem é sempre homem, com toda a sua dignidade, mesmo que viva em estado de coma, ainda que esteja na fase de embrião, mas se ele vive apenas biologicamente, não são realizadas e desenvolvidas todas as potencialidades do seu ser. O homem é chamado a abrir-se a novas dimensões. Ele é um ser que conhece. Sem dúvida, também os animais conhecem, mas somente as realidades que são interessantes para a sua vida biológica. O conhecimento do homem vai mais além; ele quer conhecer tudo, toda a realidade, a realidade na sua totalidade; quer saber o que é este seu ser e o que é o mundo. Tem sede de um conhecimento do infinito, deseja chegar à nascente da vida, quer beber desta fonte e encontrar a própria vida.

Assim, chegamos a uma segunda dimensão: o homem não é somente um ser que conhece; ele vive em relacionamento de amizade e de amor. Além da dimensão do conhecimento da verdade e do ser, inseparavelmente desta existe a dimensão do relacionamento e do amor. E aqui o homem aproxima-se em maior medida da fonte da vida, da qual quer beber para ter vida em abundância, para ter a própria vida. Poderíamos dizer que toda a ciência, sobretudo a medicina, é uma única e grandiosa luta pela vida. No fim de contas, a medicina é a procura da oposição à morte, é a busca da imortalidade. No entanto, podemos porventura encontrar um remédio que nos garanta a imortalidade? É precisamente esta a questão do Evangelho hodierno. Procuremos imaginar que o remédio chegue a encontrar a receita contra a morte, a receita da imortalidade. Mesmo neste caso, tratar-se-ia ainda de um remédio inserida na biosfera, indubitavelmente um remédio útil também para a nossa vida espiritual e humana, mas por si só um remédio limitada a esta biosfera. É fácil imaginar o que aconteceria, se a vida biológica do homem não conhecesse ocaso, se fosse imortal: viveríamos num mundo envelhecido, um mundo cheio de idosos, um mundo que não reservaria mais espaço aos jovens, à renovação da vida. Deste modo, compreendemos que este não pode ser o tipo de imortalidade ao qual aspiramos; não é esta a possibilidade de beber da fonte da vida, que todos nós desejamos.

Precisamente nesta altura em que, por um lado, compreendemos que não podemos esperar um prolongamento infinito da vida biológica e todavia, por outro, desejamos beber da própria fonte da vida para gozar de uma vida sem fim, é exactamente nesta altura que o Senhor intervém e nos fala no Evangelho, dizendo: "Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá para sempre". "Eu sou a Ressurreição!": beber da fonte da vida significa entrar em comunhão com este amor infinito, que é a fonte da vida. Encontrando Cristo, entramos em contacto, aliás em comunhão com a própria vida e já atravessamos o limiar da morte porque, para além da vida biológica, entramos em contacto com a verdadeira vida.

Os Padres da Igreja definiram a Eucaristia como remédio da imortalidade. E é assim, porque na Eucaristia nós entramos em contacto, aliás em comunhão com o corpo ressuscitado de Cristo; entramos no espaço da vida já ressuscitada, da vida eterna. Entramos em comunhão com este corpo, que é animado pela vida imortal, e vivemos assim desde já e para sempre, no espaço da própria vida. E de tal forma, este Evangelho é também uma profunda interpretação do que significa a Eucaristia, convidando-nos a viver realmente da Eucaristia para podermos ser deste modo transformados na comunhão do amor. Esta é a vida verdadeira. No Evangelho de João, o Senhor diz: "Vim para que tenham vida, e a tenham em abundância". Vida em abundância não significa, como alguns julgam, consumir tudo, ter tudo e poder realizar tudo o que se deseja. Em tal caso, viveríamos para as coisas mortas, viveríamos para a morte. Vida em abundância significa estar em comunhão com a vida verdadeira, com o amor infinito. É assim que entramos realmente na abundância da vida, tornando-nos portadores da vida inclusivamente para os outros.

Os prisioneiros de guerra que viveram na Rússia durante mais de dez anos, expostos ao frio e à fome, quando regressaram disseram: "Pude sobreviver, porque sabia que esperavam por mim. Sabia que havia pessoas que me aguardavam, que eu era necessário e esperado". Este amor que os aguardava foi o eficaz remédio da vida contra todos os males. Na realidade, todos nós somos esperados. O Senhor espera por nós, e não só nos aguarda: está presente e estende-nos a sua mão. Aceitemos a mão do Senhor e peçamos-lhe para viver verdadeiramente, para viver a abundância da vida e assim poder comunicar também aos nossos contemporâneos a vida autêntica, a vida em abundância. Amém!






Quinta-feira, 13 de Março de 2008: CELEBRAÇÃO DA PENITÊNCIA COM OS JOVENS DA DIOCESE DE ROMA

13308

EM PREPARAÇÃO PARA A XXIII JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

Basílica Vaticana



Queridos jovens de Roma!

Também este ano, na proximidade do Domingo de Ramos, encontramo-nos para nos preparar para a celebração da XXIII Jornada Mundial da Juventude que, como sabeis, terá o seu ápice no Encontro dos jovens de todo o mundo em Sydney de 15 a 20 do próximo mês de Julho. Já há muito tempo conheceis o tema desta Jornada. Ele foi extraído das palavras há pouco escutadas na primeira leitura: "Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas" (
Ac 1,8). Encontrarmo-nos reunidos hoje assume, não por acaso, a forma de uma liturgia penitencial, com a celebração das confissões individuais.

Por que "não por acaso"? Pode-se deduzir a resposta daquilo que escrevi na minha primeira Encíclica. Nela realcei que no início do ser cristão há o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo (cf. Deus caritas est ). Justamente para favorecer este encontro preparastes-vos para abrir os vossos corações a Deus, confessando os vossos pecados e recebendo, através da acção do Espírito Santo e mediante o ministério da Igreja, o perdão e a paz. É dessa maneira que se dá espaço à presença em nós do Espírito Santo, a terceira Pessoa da Santíssima Trindade que é a "alma" e o "respiro vital" da vida cristã: o Espírito torna-nos capazes "de amadurecer uma compreensão de Jesus cada vez mais profunda e alegre e, contemporaneamente, de realizar uma prática eficaz do Evangelho" (Mensagem para a XXIII JMJ, 1).

Quando eu era Arcebispo de München-Freising, numa meditação sobre o Pentecostes, inspirei-me num filme intitulado Seelenwanderung (Metempsicose), para explicar qual é a acção do Espírito Santo numa alma. O filme narra sobre duas pessoas simples que, pela sua bondade, não conseguiam fazer progressos na vida. Certa vez a um deles veio uma ideia: não tendo nada para vender, resolveu vender a alma. Ela foi adquirida a pouco preço e colocada numa caixa. A partir daquele momento, com sua grande surpresa, tudo na sua vida mudou. Iniciou uma rápida ascensão, tornou-se cada vez mais rico, obteve grandes honras e no final da sua vida tornou-se cônsul, com muito dinheiro e bens. A partir do momento em que se libertou da sua alma não teve mais algum respeito nem humanidade. Agiu sem escrúpulos, pensando somente no lucro e no sucesso. O homem nada mais contava. Ele próprio já não tinha uma alma. O filme concluía demonstra de maneira impressionante como por detrás da fachada do sucesso se esconde com frequência uma existência vazia.

Aparentemente, o homem nada perdeu, mas faltava-lhe a alma e com ela faltava tudo. É óbvio prosseguia naquela meditação que o ser humano não pode literalmente deitar fora a própria alma, porque é ela que o torna pessoa. De facto, de qualquer forma ele permaneceu pessoa humana. E no entanto, teve a assustadora possibilidade de ser desumano, de permanecer pessoa vendendo e perdendo ao mesmo tempo a própria humanidade. A distância entre a pessoa humana e o ser desumano é imensa, e no entanto não se pode demonstrar; é o aspecto realmente essencial, mas aparentemente sem importância (cf. Suchen, was droben ist. Meditationem das Jahr hindurch, LEV, 1985).

Também o Espírito Santo, que está na origem da criação e que graças ao Mistério da Páscoa desceu abundantemente sobre Maria e os Apóstolos no dia de Pentecostes, não é evidente aos olhos externos. Se penetra na pessoa, ou não, não se pode ver nem demonstrar; mas este facto transforma e renova toda a perspectiva da existência humana. O Espírito Santo não muda as situações exteriores da vida, mas as interiores. Na noite de Páscoa Jesus, aparecendo aos discípulos, "soprou sobre eles e disse: "recebei o Espírito Santo"" (Jn 20,22). De modo ainda mais evidente o Espírito desceu sobre os Apóstolos no dia de Pentecostes, como vento que se lança vigoroso e em forma de línguas de fogo. Também nesta noite o Espírito descerá nos nossos corações, para perdoar os pecados e renovar-nos interiormente revestindo-nos de uma força que nos tornará também, como os Apóstolos, audazes ao anunciar que "Cristo morreu e ressuscitou!".

Portanto, queridos amigos, preparemo-nos com um sincero exame de consciência para nos apresentar àqueles a quem Cristo confiou o ministério da reconciliação. Com ânimo arrependido confessemos os nossos pecados, propondo-nos seriamente a não os repetir, sobretudo, propondo-nos a permanecer sempre no caminho da conversão. Deste modo experimentaremos a verdadeira alegria: aquela que deriva da misericórdia de Deus, se derrama nos nossos corações e nos reconcilia com Ele. Esta alegria é contagiosa! "Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós recita o versículo bíblico escolhido como tema da XXIII Jornada Mundial da Juventude e sereis minhas testemunhas" (Ac 1,8). Fazei-vos portadores desta alegria que vem ao receber os dons do Espírito Santo, dando na vossa vida testemunho dos frutos do Espírito: "Caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança" (Ga 5,22), assim São Paulo na carta aos Gálatas enumera os frutos do Espírito Santo.

Recordai sempre que sois "templo do Espírito"; deixai que Ele habite em vós e obedecei docilmente às suas indicações, para dar a vossa contribuição para a edificação da Igreja (cf. 1Co 12,7) e compreender para qual tipo de vocação o Senhor vos chama. Também hoje o mundo tem necessidade de sacerdotes, de homens e mulheres consagrados, de esposos cristãos. Para responder à vocação através de uma destas vias sede generosos, procurai ajuda com o recurso do sacramento da confissão e da prática da direcção espiritual no vosso caminho de cristãos coerentes. Procurai em particular abrir sinceramente o vosso coração a Jesus, o Senhor, para lhe oferecer o vosso "sim" incondicionado.

Queridos jovens, esta cidade de Roma está nas vossas mãos. A vós compete a tarefa de a tornar mais bonita inclusive espiritualmente com o vosso testemunho de vida vivida na graça de Deus e na ausência do pecado, aderindo a tudo o que o Espírito Santo vos chama a ser, na Igreja e no mundo. Tornareis visível assim a graça da misericórdia superabundante de Cristo, que brotou do seu lado trespassado por nós na cruz. O Senhor Jesus lava-nos dos pecados, cura-nos das nossas culpas e fortalece-nos para não sucumbir na luta contra o pecado e no testemunho do seu amor.

Há vinte e cinco anos o amado Servo de Deus João Paulo II inaugurou, não distante desta Basílica, o Centro Internacional Juvenil São Lourenço: uma iniciativa espiritual que se unia com tantas outras presentes na Diocese de Roma, para favorecer o acolhimento dos jovens, a troca de experiências e de testemunho da fé e, sobretudo, a oração que nos faz descobrir o amor de Deus. Naquela ocasião, João Paulo II disse: "Quem se deixa preencher por este amor o amor de Deus não pode negar por mais tempo a sua culpa. A "perda do sentido do pecado" deriva em última análise da "perda mais radical e profunda do sentido de Deus"" (Homilia na inauguração do Centro Internacional Juvenil "São Lourenço", ed. port. de L'Osservatore Romano, n. 13, de 27.3.1983, pág. 9). E acrescenta: "Aonde se há-de ir neste mundo, com o pecado e a culpa, sem a Cruz? A Cruz toma sobre si toda a miséria do mundo, que nasce do pecado. Revela-se como sinal de graça. Recolhe a nossa solidariedade e encoraja-nos ao sacrifício pelos outros" (Ibid.).

Queridos jovens, esta experiência se renove hoje para vós: olhai para a Cruz neste momento e recebamos o amor de Deus que nos é doado pela Cruz, pelo Espírito Santo que vem do Lado trespassado do Senhor e, como disse o Papa João Paulo II: "Tornai-vos, vós próprios, redentores para os jovens do mundo" (Ibid.).

Divino Coração de Jesus, do qual brotou Sangue e Água como fonte de misericórdia para nós, confiamos em Ti. Amém!






Bento XVI Homilias 10208