Bento XVI Homilias 20318


Sábado Santo 22 de Março de 2008: VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA

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Basílica de São Pedro




Amados irmãos e irmãs,

No seu discurso de despedida, Jesus anunciou aos discípulos sua morte e ressurreição iminentes, com uma frase misteriosa: «Vou partir, mas voltarei para junto de vós» (
Jn 14,28). Morrer é partir. Embora fique ainda o corpo do morto – este pessoalmente partiu para o desconhecido e não podemos segui-lo (cf. Jn 13,36). Mas, no caso de Jesus, há uma novidade única que muda o mundo. Na nossa morte, a partida é uma realidade definitiva, não há regresso. Pelo contrário Jesus, falando da sua morte, diz: «Vou partir, mas voltarei para junto de vós». É precisamente partindo que Ele vem. A sua partida inaugura um modo totalmente novo e maior da sua presença. Com a sua morte, Jesus entra no amor do Pai. A sua morte é um acto de amor. O amor, porém, é imortal. Por isso, a sua partida transforma-se numa nova vinda, numa forma de presença mais profunda que não acaba mais. Na sua vida terrena, Jesus, como todos nós, estava ligado às condições externas da existência corpórea: a um certo lugar e a um determinado tempo. A corporeidade coloca limites à nossa existência. Não podemos estar contemporaneamente em dois lugares diferentes. O nosso tempo tende a acabar. E entre o “eu” e o “tu” existe o muro da alteridade. Certamente, no amor, podemos de algum modo entrar na existência do outro. Mas permanece a barreira intransponível de sermos diversos. Pelo contrário, Jesus, que agora fica totalmente transformado por meio do acto de amor, está livre de tais barreiras e limites. É capaz não só de passar através das portas externas fechadas, como narram os Evangelhos (cf. Jn 20,19), mas pode também passar através da porta interna entre o “eu” e o “tu”, a porta fechada entre o ontem e o hoje, entre o passado e o amanhã. No dia da sua entrada triunfal em Jerusalém, quando um grupo de Gregos veio pedir para O ver, Jesus respondeu com a parábola do grão de trigo que, para dar muito fruto, deve passar através da morte. Predissera assim o seu próprio destino: Ele não queria simplesmente falar então com este ou aquele Grego durante alguns minutos. Através da sua cruz, mediante a sua partida, por meio da sua morte como o grão de trigo chegaria verdadeiramente até junto dos Gregos, de tal modo que estes pudessem vê-Lo e tocá-Lo na fé. A sua partida torna-se uma vinda no modo universal da presença do Ressuscitado, no qual Ele está presente ontem, hoje e para sempre; em que abraça todos os tempos e lugares. Agora pode ultrapassar também o muro da alteridade que separa o “eu” do “tu”. Assim aconteceu com Paulo, que descreve o processo da sua conversão e do seu Baptismo com estas palavras: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Ga 2,20). Por meio da vinda do Ressuscitado, Paulo obteve uma identidade nova. O seu “eu” fechado abriu-se. Agora vive em comunhão com Jesus Cristo, no grande “eu” dos crentes que se tornaram – segundo definição dele – «um em Cristo» (Ga 3,28).

Queridos amigos, deste modo resulta evidente que as palavras misteriosas de Jesus, no Cenáculo, agora – por meio do Baptismo – se tornam de novo presentes para vós. No Baptismo, o Senhor entra na vossa vida pela porta do vosso coração. Já não estamos um ao lado do outro ou um contra o outro. Ele atravessa todas estas portas. A realidade do Baptismo consiste nisto: Ele, o Ressuscitado, vem; vem até vós e une a sua vida com a vossa conservando-vos dentro do fogo vivo do seu amor. Passais a ser uma unidade: sim, um só com Ele e, deste modo, um só entre vós. Num primeiro momento, isto pode parecer bastante teórico e pouco realista. Mas quanto mais viverdes a vida de baptizados, tanto mais podereis experimentar a verdade desta palavra. As pessoas baptizadas e crentes nunca são verdadeiramente estranhas uma à outra. Podem separar-nos continentes, culturas, estruturas sociais ou mesmo distâncias históricas. Mas, quando nos encontramos, reconhecemo-nos com base no mesmo Senhor, na mesma fé, na mesma esperança e no mesmo amor, que nos formam. Então experimentamos que o fundamento das nossas vidas é o mesmo. Experimentamos que, no mais fundo do nosso íntimo, estamos ancorados à mesma identidade, a partir da qual todas as diferenças exteriores, por maiores que sejam, resultam secundárias. Os crentes nunca são totalmente estranhos um ao outro. Estamos em comunhão por causa da nossa identidade mais profunda: Cristo em nós. Deste modo, a fé é uma força de paz e reconciliação no mundo: fica superada a distância, no Senhor tornamo-nos próximos (cf. Ep 2,13).

Esta natureza íntima do Baptismo como dom de uma nova identidade é representada pela Igreja através de elementos sensíveis. O elemento fundamental do Baptismo é a água; ao lado desta e em segundo lugar, temos a luz, que, na liturgia da Vigília Pascal, sobressai com grande vigor. Lancemos apenas um olhar sobre estes dois elementos. No capítulo conclusivo da Carta aos Hebreus, encontra-se uma afirmação sobre Cristo, na qual não aparece directamente a água, mas, vista na sua ligação com o Antigo Testamento, deixa transparecer o mistério da água e o seu significado simbólico. Diz o texto: «O Deus da paz fez voltar dos mortos o Pastor grande das ovelhas em virtude do sangue de uma aliança eterna» (cf. He 13,20). Ecoa, nesta frase, um trecho do Livro de Isaías, onde Moisés é designado como o pastor que o Senhor fez sair da água, do mar (cf. Is 63,11). Jesus aparece como o novo e definitivo Pastor que leva a cumprimento o que Moisés tinha feito: Ele conduz-nos fora das águas mortíferas do mar, fora das águas da morte. Neste contexto, convém recordar que Moisés tinha sido colocado pela mãe num cesto e deposto no Nilo. Depois, pela providência de Deus, fora tirado para fora da água, trazido da morte à vida, e assim – salvo ele próprio das águas da morte – podia conduzir os outros fazendo-os passar através do mar da morte. Por nós, Jesus desceu às águas obscuras da morte. Mas, em virtude do seu sangue – diz-nos a Carta aos Hebreus – foi feito voltar da morte: o seu amor uniu-se ao do Pai e, assim, da profundidade da morte Ele pôde subir para a vida. Agora eleva-nos a nós da morte para a vida verdadeira. Sim, isto mesmo acontece no Baptismo: Jesus levanta-nos para Ele, atrai-nos para dentro da verdadeira vida. Conduz-nos através do mar frequentemente tão obscuro da história, em cujas confusões e perigos não é raro sentirmo-nos ameaçados de afundar. No Baptismo como que nos toma pela mão, conduz-nos pelo caminho que passa através do Mar Vermelho deste tempo e introduz-nos na vida duradoura, na vida verdadeira e justa. Agarremos bem a sua mão! Suceda o que suceder e implicando mais ou menos connosco, não larguemos a sua mão! Caminharemos então pela via que conduz à vida.

Em segundo lugar, temos o símbolo da luz e do fogo. Gregório de Tours refere o costume, que em diversos lugares se conservou durante muito tempo, de tomar o fogo novo, para a celebração da Vigília Pascal, directamente do sol por meio de um cristal: luz e fogo recebiam-se novamente, por assim dizer, do céu para depois, a partir deles, se acenderem todas as luzes e fogos do ano. Isto é um símbolo do que celebramos na Vigília Pascal. Com a radicalidade do seu amor, no qual se tocaram o coração de Deus e o coração do homem, Jesus tomou verdadeiramente a luz do céu e trouxe-a à terra – a luz da verdade e o fogo do amor que transformam o ser do homem. Ele trouxe a luz, e agora sabemos quem e como é Deus. De igual modo sabemos também como estão as coisas a respeito do homem: o que somos nós e para que fim existimos. Ser baptizados significa que o fogo desta luz desce ao nosso íntimo. Por isso, na Igreja Antiga, o Baptismo era chamado também o Sacramento da Iluminação: a luz de Deus entra em nós; assim nos tornamos nós próprios filhos da luz. Esta luz da verdade que nos aponta o caminho, não deixemos que se apague. Protejamo-la contra todas as forças que pretendem extingui-la para nos lançar novamente na escuridão de Deus e de nós mesmos. De vez em quando a escuridão pode-nos parecer cómoda. Posso esconder-me e passar a minha vida dormindo. Nós, porém, não somos chamados a viver nas trevas, mas na luz. Nas promessas baptismais, por assim dizer acendemos novamente, ano após ano, esta luz: sim, creio que o mundo e a minha vida não provêm do acaso, mas da Razão eterna e do Amor eterno, são criados por Deus omnipotente. Sim, creio que em Jesus Cristo, na sua encarnação, na sua cruz e ressurreição, se manifestou o Rosto de Deus; que, n’Ele, Deus está presente no meio de nós, nos une e conduz para a nossa meta, para o Amor eterno. Sim, creio que o Espírito Santo nos dá a Palavra da verdade e ilumina o nosso coração; creio que, na comunhão da Igreja, nos tornamos todos um só Corpo com o Senhor e, deste modo, vamos ao encontro da ressurreição e da vida eterna. O Senhor deu-nos a luz da verdade. Esta luz é ao mesmo tempo também fogo, força que nos vem de Deus: uma força que não destrói, mas quer transformar os nossos corações, para nos tornarmos verdadeiramente homens de Deus e para que a sua paz se torne operativa neste mundo.

Na Igreja Antiga, havia o costume de o Bispo ou o sacerdote, após a homilia, exortar os crentes exclamando: “Conversi ad Dominum – agora voltai-vos para o Senhor”. Isto significava, antes de mais, que eles se viravam para o Oriente – na direcção donde nasce o sol como sinal de Cristo que volta, saindo ao seu encontro na celebração da Eucaristia. Nos lugares onde isso, por qualquer razão, não era possível fazer-se, os crentes voltavam-se para a imagem de Cristo na ábside ou para a cruz, a fim de se orientarem interiormente para o Senhor. Com efeito, em última análise era deste facto interior que se tratava: da conversio, de voltar a nossa alma para Jesus Cristo e, n’Ele, para o Deus vivo, para a luz verdadeira. Com isto estava ligada também a outra exclamação, que ainda hoje é dirigida à comunidade cristã, antes do Cânone: “Sursum corda – corações ao alto”, fora de todos os enredos das nossas preocupações, dos nossos desejos, das nossas angústias, do nosso alheamento – ao alto, os vossos corações, o vosso íntimo! Nas duas exclamações, somos de algum modo exortados a uma renovação do nosso Baptismo: Conversi ad Dominum – sempre de novo nos devemos afastar das direcções erradas, em que tão frequentemente nos movemos com o nosso pensar e agir. Sempre de novo nos devemos voltar para Ele, que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Sempre de novo nos devemos tornar “convertidos”, com toda a vida voltada para o Senhor. E sempre de novo devemos deixar que o nosso coração seja subtraído à força da gravidade, que o puxa para baixo, e levantá-lo interiormente para o alto: para a verdade e o amor. Nesta hora, agradeçamos ao Senhor, porque Ele, com a força da sua palavra e dos sacramentos sagrados, nos orienta na justa direcção e atrai para o alto o nosso coração. E rezemos-Lhe deste modo: Sim, Senhor, fazei que nos tornemos pessoas pascais, homens e mulheres da luz, repletos do fogo do teu amor. Amen.





Quarta-feira, 2 de Abril de 2008: III ANIVERSÁRIO DA MORTE DO SERVO DE DEUS JOÃO PAULO II

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Praça de São Pedro



Queridos irmãos e irmãs!

A data de 2 de Abril permaneceu impressa na memória da Igreja como o dia da partida deste mundo do servo de Deus o Papa João Paulo II. Revivemos com emoção as horas daquele sábado à noite, quando a notícia da morte foi recebida por uma grande multidão em oração que enchia a Praça de São Pedro. Durante diversos dias a Basílica Vaticana e esta Praça foram verdadeiramente o coração do mundo. Um rio ininterrupto de peregrinos prestou homenagem aos despojos mortais do venerado Pontífice e o seu funeral marcou um ulterior testemunho da estima e do afecto, que ele tinha conquistado no coração de tantíssimos crentes e de pessoas de todas as partes da terra. Como há três anos, também hoje não passaram muitos dias depois da Páscoa. O coração da Igreja ainda está profundamente imerso no mistério da Ressurreição do Senhor. Na verdade, podemos ler toda a vida do meu amado Predecessor, em particular o seu ministério petrino, no sinal de Cristo Ressuscitado. Ele alimentava uma fé extraordinária n'Ele, e com Ele mantinha uma conversação íntima, singular e ininterrupta. Entre as numerosas qualidades humanas e sobrenaturais, de facto tinha a de uma excepcional sensibilidade espiritual e mística. Era suficiente observá-lo quando rezava: imergia-se literalmente em Deus e parecia que tudo o demais naqueles momentos não lhe dissesse respeito. As celebrações litúrgicas viam-no atento ao mistério-em-acto, com uma acentuada capacidade de captar a eloquência da Palavra de Deus no acontecer da história, a nível profundo do desígnio de Deus. A Santa Missa, como repetiu com frequência, era para ele o centro de cada um dos seus dias e de toda a sua existência. A realidade "viva e santa" da Eucaristia dava-lhe a energia espiritual para guiar o Povo de Deus no caminho da história.

João Paulo II faleceu na vigília do segundo Domingo de Páscoa; ao completar-se o "dia que o Senhor fez". A sua agonia durou o espaço desse "dia", neste espaço-tempo novo que é o "oitavo dia", querido pela Santíssima Trindade mediante a obra do Verbo encarnado, morto e ressuscitado. Nesta dimensão espiritual o Papa João Paulo II deu várias vezes provas de se encontrar de certa forma imerso já antes, durante a sua vida, e especialmente no cumprimento da sua missão de Sumo Pontífice. O seu pontificado, no seu conjunto e em muitos momentos específicos, parece-nos de facto como um sinal e um testemunho da Ressurreição de Cristo. O dinamismo pascal, que tornou a existência de João Paulo II uma resposta total à chamada do Senhor, não podia expressar-se sem a participação nos sofrimentos e na morte do divino Mestre e Redentor. "Porque esta palavra é verdadeira afirma o apóstolo Paulo se morrermos por Ele, também com Ele reviveremos; se perseverarmos, reinaremos com Ele" (
2Tm 2,11-12). Desde criança, Karol Wojtyla tinha experimentado a verdade destas palavras, encontrando no seu caminho a cruz, na sua família e no seu povo. Ele decidiu muito cedo carregá-la juntamente com Jesus, seguindo as suas pegadas. Quis ser seu servo fiel até acolher a chamada ao sacerdócio como dom e compromisso de toda a vida. Com Ele viveu e com Ele quis também morrer. E tudo isto através da singular mediação de Maria Santíssima, Mãe da Igreja, Mãe do Redentor, íntima e efectivamente associada ao seu mistério salvífico de morte e ressurreição.

Guiam-nos nesta reflexão reevocativa as Leituras bíblicas há pouco proclamadas: "Não tenhais medo!" (Mt 28,5). As palavras do anjo da ressurreição, dirigidas às mulheres junto do sepulcro vazio, que agora ouvimos, tornaram-se uma espécie de mote nos lábios do Papa João Paulo II, desde o início solene do seu ministério petrino. Repetiu-as várias vezes à Igreja e à humanidade a caminho rumo ao ano 2000, e depois através daquela meta histórica e também sucessivamente, no alvorecer do terceiro milénio. Pronunciou-as sempre com firmeza inflexível, primeiro agitando o báculo pastoral culminante na Cruz e depois, quando as energias físicas iam diminuindo, quase agarrando-se a Ele, até àquela última Sexta-Feira Santa, na qual participou na Via-Sacra da Capela particular estreitando a Cruz entre os braços. Não podemos esquecer o seu último e silencioso testemunho de amor a Jesus. Também aquele eloquente cenário de sofrimento humano e de fé, naquela última Sexta-Feira Santa, indicava aos crentes e ao mundo o segredo de toda a vida cristã. O seu "Não tenhais medo" não se fundava nas forças humanas, nem nos êxitos obtidos, mas unicamente na Palavra de Deus, na Cruz e na Ressurreição de Cristo. À medida que era despojado de tudo, por fim até da própria palavra, esta entrega a Cristo sobressaiu com crescente evidência. Como aconteceu a Jesus, também para João Paulo II no fim as palavras deixaram o lugar ao sacrifício extremo, à doação de si. E a morte foi o selo de uma existência totalmente doada a Cristo, conformada com Ele também fisicamente nas características do sofrimento e do abandono confiante nos braços do Pai celeste. "Deixai que eu vá para o Pai", foram estas testemunha quem estava próximo dele as suas últimas palavras, em cumprimento de uma vida totalmente dedicada ao conhecimento e à contemplação do rosto do Senhor.

Venerados e queridos irmãos, agradeço a todos por vos terdes unido a mim nesta santa Missa de sufrágio pelo amado João Paulo II. Dirijo um pensamento particular aos participantes no primeiro Congresso mundial sobre a Divina Misericórdia, que tem início precisamente hoje, e que pretende aprofundar o seu rico magistério sobre este tema. A misericórdia de Deus disse ele mesmo é uma chave de leitura privilegiada do seu pontificado. Ele queria que a mensagem do amor misericordioso de Deus alcançasse todos os homens e exortava os fiéis a ser suas testemunhas (cf. Homilia em Cracóvia-Lagiewniki, 18/8/2002). Por isso quis elevar às honras dos altares a Irmã Faustina Kowalska, humilde Religiosa que se tornou por misterioso desígnio divino mensageira profética da Divina Misericórdia. O servo de Deus João Paulo II tinha conhecido e vivido pessoalmente as terríveis tragédias do século XX, e durante muito tempo perguntou-se o que poderia impedir o alastramento do mal. De facto, só a Misericórdia Divina é capaz de pôr um limite ao mal; só o amor omnipotente de Deus pode derrotar a prepotência dos malvados e o poder destruidor do egoísmo e do ódio. Por isso, durante a última visita à Polónia, voltando à sua terra natal disse: "Não há outra fonte de esperança para o homem a não ser a misericórdia de Deus" (ibid.).

Damos graças ao Senhor por ter doado à Igreja este seu fiel e corajoso servidor. Louvemos e bendigamos a Bem-Aventurada Virgem Maria por ter velado incessantemente sobre a sua pessoa e sobre a humanidade interia. E enquanto oferecemos pela sua alma eleita o Sacrifício redentor, pedimos-lhe que continue a interceder do Céu por todos nós, por mim de modo especial, que a Providência chamou a reunir a sua inestimável herança espiritual. Possa a Igreja, seguindo os seus ensinamentos e exemplos, prosseguir fielmente e sem sujeições a sua missão evangelizadora, difundindo incansavelmente o amor misericordioso de Cristo, fonte de verdadeira paz para o mundo inteiro. Amém.





Segunda-feira, 7 de Abril de 2008: MEMÓRIA DOS MÁRTIRES CRISTÃOS DO SÉCULO XX - LITURGIA DA PALAVRA

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Basílica de São Bartolomeu na Ilha Tiberina



Queridos irmãos e irmãs

Podemos considerar este nosso encontro na basílica de São Bartolomeu na Ilha Tiberina como uma peregrinação à memória dos mártires do século XX, numerosos homens e mulheres, conhecidos e desconhecidos, que ao longo do século XX, derramaram o seu sangue pelo Senhor. Uma peregrinação guiada pela Palavra de Deus que, como lâmpada para os nossos passos, luz sobre o nosso caminho (cf.
Ps 119,105), ilumina com a sua luz a vida de cada crente. Este templo foi propositadamente destinado, pelo meu Predecessor João Paulo II, a ser lugar da memória dos mártires do séc. XX e por ele foi confiado à Comunidade de Santo Egídio, que este ano dá graças ao Senhor pelo quadragésimo aniversário do seu início. Saúdo com afecto os Senhores Cardeais e os Bispos que quiseram participar nesta liturgia. Saúdo o Prof. Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio, e agradeço-lhe as palavras que me dirigiu; saúdo o Prof. Marco Impagliazzo, Presidente da Comunidade, o Assistente, D. Matteo Zuppi, assim como D. Vincenzo Paglia, Bispo de Terni-Narni-Amelia.

Neste lugar cheio de memórias perguntamo-nos: por que estes nossos irmãos mártires não procuraram salvar a qualquer preço o bem insubstituível da vida? Por que continuaram a servir a Igreja, apesar das graves ameaças e intimidações? Nesta basílica, onde estão conservadas as relíquias do apóstolo Bartolomeu e onde se veneram os despojos de Santo Adalberto, sentimos ressoar o eloquente testemunho de quantos, não só ao longo do século passado, mas desde o início da Igreja vivendo o amor ofereceram no martírio a sua vida a Cristo. No ícone colocado sobre o altar-mor, que representa algumas destas testemunhas da fé, sobressaem as palavras do Apocalipse: "Estes são os que vieram da grande tribulação" (Ap 7,13). Ao ancião que pergunta quem sejam e de onde vêm os que estão vestidos de branco, é respondido que são os que "lavaram os seus vestidos e os branquearam no sangue do Cordeiro" (ibid. Ap 7,13). É uma resposta à primeira vista estranha. Mas na linguagem cifrada do Vidente de Patmos isto contém uma referência clara à cândida chama do amor, que levou Cristo a derramar o seu sangue por nós. Em virtude daquele sangue, fomos purificados. Amparados por aquela chama também os mártires derramaram o seu sangue e purificaram-se no amor: no amor de Cristo que os tornou capazes de se sacrificarem por sua vez no amor. Jesus disse: "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos" (Jn 15,13). Cada testemunha da fé vive este amor "maior" e, a exemplo do Mestre divino, está pronto para sacrificar a vida pelo Reino. Deste modo tornamo-nos amigos de Cristo; assim conformamo-nos com Ele, aceitando o sacrifício até ao extremo, sem pôr limites ao dom do amor e ao serviço da fé.

Detendo-se em frente dos seis altares, que recordam os cristãos vítimas da violência totalitária do comunismo, do nazismo, os que foram mortos na América, na Ásia e na Oceânia, na Espanha e no México, em África, repercorremos idealmente muitas vicissitudes dolorosas do século passado. Muitos morreram no cumprimento da missão evangelizadora da Igreja: o seu sangue misturou-se com o dos cristãos autóctones aos quais foi comunicada a fé. Outros, muitas vezes em condições de minoria, foram mortos por ódio à fé. Por fim muitos foram imolados por não abandonar os necessitados, os pobres, os fiéis que lhes estavam confiados, não temendo ameaças nem perigos. São Bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, fiéis leigos. São tantos! O Servo de Deus João Paulo II, na celebração ecuménica jubilar para os novos mártires, realizada a 7 de Maio de 2000 no Coliseu, disse que estes nossos irmãos e irmãs na fé constituem como que um grande afresco da humanidade cristã do século XX, um afresco de Bem-Aventuranças, vivido até ao derramamento de sangue. E costumava repetir que o testemunho de Cristo até ao derrame de sangue fala com voz mais forte do que as divisões do passado.

É verdade: aparentemente parece que a violência, os totalitarismos, a perseguição, a brutalidade cega se revelem mais fortes, fazendo silenciar a voz das testemunhas da fé, que podem humanamente parecer derrotadas pela história. Mas Jesus ressuscitado ilumina o seu testemunho e compreendemos assim o sentido do martírio. Afirma a propósito Tertuliano: "Plures efficimur quoties metimur a vobis: sanguis martyrum semen christianorum Nós multiplicamo-nos todas as vezes que somos ceifados por vós: o sangue dos mártires é semente de novos cristãos" (Apol., 50, 13: CCL 1, 171). Na derrota, na humilhação de quantos sofrem por causa do Evangelho, age uma força que o mundo não conhece: "quando me sinto fraco exclama São Paulo é então que sou forte" (2Co 12,10). É a força do amor, inerme e vitorioso também na derrota aparente. É a força que desafia e vence a morte.

Também este século XXI iniciou no sinal do martírio. Quando os cristãos são verdadeiramente fermento, luz e sal da terra, tornam-se também eles, como aconteceu com Jesus, objecto de perseguições; como Ele são "sinal de contradição". A convivência fraterna, o amor, a fé, as opções em favor dos mais pequeninos e pobres, que marcam a existência da Comunidade cristã, suscitam por vezes uma repulsa violenta. Como é útil então olhar para o testemunho luminoso de quem nos precedeu no sinal de uma fidelidade heróica até ao martírio! E nesta antiga basílica, graças aos cuidados da Comunidade de Santo Egídio, é conservada e venerada a memória de tantas testemunhas da fé, que foram vítimas em tempos recentes. Queridos amigos da Comunidade de Santo Egídio, olhando para estes heróis da fé, esforçai-vos também vós por imitar a coragem e a perseverança no serviço ao Evangelho, especialmente entre os pobres. Sede construtores de paz e de reconciliação entre quantos são inimigos ou se combatem. Alimentai a vossa fé com a escuta e a meditação da palavra de Deus, com a oração quotidiana, com a participação activa na Santa Missa. A amizade autêntica com Cristo será fonte do vosso amor recíproco. Amparados pelo seu Espírito, podereis contribuir para a construção de um mundo mais fraterno. A Virgem Santa, Rainha dos Mártires, vos ampare e ajude a serdes autênticas testemunhas de Cristo. Amém!




VIAGEM APOSTÓLICA AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

E VISITA À SEDE DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS



Quinta-feira, 17 de Abril de 2008: SANTA MISSA NO NATIONALS PARK STADIUM EM WASHINGTON

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Queridos irmãos e irmãs em Cristo

"A paz esteja convosco!" (
Jn 20,19). Com estas palavras, as primeiras dirigidas pelo Senhor ressuscitado aos seus discípulos, saúdo todos vós na alegria deste tempo pascal. Em primeiro lugar, agradeço a Deus a graça de estar no meio de vós. Estou particularmente grato ao Arcebispo D. Wuerl pelas suas amáveis palavras de boas-vindas.

A nossa Santa Missa hodierna reconduz a Igreja que está nos Estados Unidos até às suas raízes no vizinho Maryland e recorda o bicentenário do primeiro capítulo do seu considerável crescimento o desmembramento por obra do meu Predecessor, o Papa Pio VII, da Diocese originária de Baltimore, e a instauração das Dioceses de Boston, Bardstown (hoje Louisville), Nova Iorque e Filadélfia. Duzentos anos mais tarde, a Igreja na América justamente pode louvar a capacidade das gerações passadas de congregar grupos de imigrantes muito diferentes na unidade da fé católica e num comum compromisso pela difusão do Evangelho. Ao mesmo tempo, a comunidade católica neste país, consciente da sua rica multiplicidade, chegou a apreciar cada vez mais plenamente a importância de cada indivíduo e grupo na oferenda do próprio dom particular ao conjunto. Agora a Igreja nos Estados Unidos é chamada a olhar para o futuro, firmemente arraigada na fé transmitida pelas gerações precedentes e pronta a enfrentar novos desafios desafios não menos exigentes do que aqueles enfrentados pelos vossos antepassados com a esperança que nasce do amor de Deus, derramando nos nossos corações por meio do Espírito Santo (cf. Rm 5,5).

No exercício do meu ministério de Sucessor de Pedro, vim à América para vos confirmar, estimados irmãos e irmãs, na fé dos Apóstolos (cf. Lc 22,32). Vim para proclamar novamente, como São Pedro proclamou no dia do Pentecostes, que Jesus Cristo é Senhor e Messias, ressuscitado da morte, sentado à direita do Pai na glória e constituído Juiz dos vivos e dos mortos (cf. Ac 2,14 ss.). Vim para repetir a urgente exortação dos Apóstolos à conversão para o perdão dos pecados e para implorar do Senhor uma renovada efusão do Espírito Santo sobre a Igreja que está neste país. Como sentimos neste tempo pascal, a Igreja nasceu mediante o arrependimento e a fé no Senhor ressuscitado dons concedidos pelo Espírito Santo. Em todas as épocas, ela é impelida pelo mesmo Espírito a anunciar aos homens e mulheres de todas as raças, línguas e povos (cf. Ap 5,9), a boa nova da nossa reconciliação com Deus em Cristo.

As leituras da Missa hodierna convidam-nos a considerar o crescimento da Igreja na América como um capítulo na maior história da expansão da Igreja, a seguir à descida do Espírito Santo no Pentecostes. Nestas leituras, vemos o vínculo inseparável entre o Senhor ressuscitado, o dom do Espírito para o perdão dos pecados e o mistério da Igreja. Cristo constituiu a sua Igreja sobre o fundamento dos Apóstolos (cf. Ap 21,14), como comunidade visível estruturada, que é comunhão espiritual e ao mesmo tempo corpo místico animado pelos múltiplos dons do Espírito e sacramento de salvação para a humanidade inteira (cf. Lumen gentium LG 8). Em todos os tempos e lugares, a Igreja é chamada a crescer na unidade, mediante uma constante conversão a Cristo, cuja obra redentora é proclamada pelos Sucessores dos Apóstolos e celebrada nos Sacramentos. Além disso, esta unidade comporta uma expansão contínua, porque o Espírito impele os fiéis a proclamar "as grandes obras de Deus" e a convidar todos os povos a entrar na comunidade daqueles que são salvos mediante o sangue de Cristo e receberam a nova vida no seu Espírito.

Depois, rezo a fim de que este aniversário significativo na vida da Igreja nos Estados Unidos e a presença do Sucessor de Pedro no meio de vós sejam para todos os católicos uma ocasião par confirmar a sua unidade na fé apostólica, para oferecer aos seus contemporâneos uma razão convincente da esperança que os inspira (cf. 1P 3,15) e para serem renovados no zelo missionário ao serviço da expansão do Reino de Deus.

O mundo tem necessidade do testemunho! Quem pode negar que o momento presente constitui uma viragem não somente para a Igreja na América, mas também para a sociedade no seu conjunto? Trata-se de uma época de grandes promessas, pois vemos a família humana aproximar-se sempre de formas diferentes, tornando-se cada vez mais interdependente. Todavia, ao mesmo tempo, vemos sinais evidentes de uma crise preocupante nos próprios fundamentos da sociedade: sinais de alienação, raiva e contraposição em muitos dos nossos contemporâneos; violência crescente, debilitamento do sentido moral, vulgarização nos relacionamentos sociais e um aumentado esquecimento de Cristo e de Deus. Inclusivamente a Igreja vê sinais de imensas promessas nas suas numerosas paróquias sólidas e nos movimentos vivazes, no entusiasmo pela fé demonstrado por muitos jovens, no número daqueles que todos os anos abraçam a fé católica e num interesse cada vez maior pela oração e pela catequese. Ao mesmo tempo ela sente, de modo frequentemente doloroso, a presença de divisão e de polarização no seu interior, e descobre também desconcertada que muitos baptizados, em vez de agir como fermento espiritual no mundo, são propensos a abraçar atitudes contrárias à verdade do Evangelho.

"Senhor, enviai o vosso Espírito e renovai a face da terra!" (cf. Ps 104,30). As palavras do Salmo responsorial de hoje são uma oração que, em todos os tempos e lugares, brota do coração da Igreja. Elas recordam-nos que o Espírito Santo foi difundido como primícias de uma nova criação, de "novos céus e uma nova terra" (cf. 2P 3,13 Ap 21,1), em que reinará a paz de Deus e a família humana será reconciliada na justiça e no amor. Ouvimos São Paulo dizer-nos que toda a criação "geme" até aos dias de hoje, esperando aquela liberdade verdadeira, que é a dádiva de Deus aos seus filhos (cf. Rm 8,21-22), uma liberdade que nos torna capazes de viver em conformidade com a sua vontade. Oremos no dia de hoje insistentemente para que a Igreja que está na América seja renovada neste mesmo Espírito e sustentada na sua missão de anunciar o Evangelho a um mundo que tem saudades de uma liberdade genuína (cf. Jn 8,32), de uma felicidade autêntica e da realização das suas aspirações mais profundas!

Desejo agora dirigir uma particular palavra de gratidão e de encorajamento a todos aqueles que enfrentaram o desafio do Concílio Vaticano II, reiterado muitas vezes pelo Papa João Paulo II, e dedicaram a sua vida à Nova Evangelização. Estou grato aos meus irmãos bispos, aos sacerdotes e diáconos, aos religiosos e religiosas, aos pais, professores e catequistas. A fidelidade e a coragem com que a Igreja neste país conseguir enfrentar os desafios de uma cultura cada vez mais secularizada e materialista dependerá em grande parte da vossa fidelidade pessoal à transmissão do tesouro da nossa fé católica. Os jovens têm necessidade de ser ajudados a discernir o caminho que leva à liberdade autêntica: o caminho de uma sincera e generosa imitação de Cristo, a vereda da dedicação à justiça e à paz. Alcançaram-se muitos progressos no desenvolvimento de programas sólidos para a catequese, mas muito mais ainda deve ser feito para formar os corações e as mentes dos jovens no conhecimento e no amor ao Senhor. Os desafios que vêm ao nosso encontro exigem uma instrução ampla e sadia na verdade da fé. No entanto, requerem inclusivamente que se cultive um modo de pensar, uma "cultura" intelectual que seja genuinamente católica, confiante na profunda harmonia entre fé e razão, e preparada para levar a riqueza da visão da fé a entrar em contacto com as questões urgentes que dizem respeito ao porvir da sociedade norte-americana.

Prezados amigos, a minha visita aos Estados Unidos tenciona ser um testemunho de "Cristo, nossa esperança". Os americanos foram sempre um povo da esperança: os vossos antepassados vieram a este país com a expectativa de encontrar uma renovada liberdade e novas oportunidades, enquanto a vastidão do território inexplorado lhes inspirava a esperança de serem capazes de começar completamente de zero, criando uma nova nação sobre novos fundamentos. Sem dúvida, esta expectativa não foi a experiência de todos os habitantes deste país; é suficiente pensar nas injustiças padecidas pelas populações americanas nativas e por quantos, da África, foram trazidos aqui com a força, como escravos. No entanto a esperança, a esperança no futuro, faz profundamente parte do cariz americano. E a virtude cristã da esperança a esperança derramada nos nossos corações por meio do Espírito Santo, a esperança que purifica e corrige de modo sobrenatural as nossas aspirações, orientando-as para o Senhor e para o seu plano de salvação esta mesma esperança caracterizou também, e continua a caracterizar, a vida da comunidade católica neste país.

É no contexto desta esperança nascida do amor e da fidelidade a Deus que reconheço a dor que a Igreja na América experimentou como consequência do abuso sexual de menores. Nenhuma palavra minha poderia descrever a dor e o prejuízo causados por tal abuso. É importante que a quantos sofreram seja reservada uma amorosa atenção pastoral. Nem posso descrever de modo adequado o dano que se verificou no interior da comunidade da Igreja. Já foram envidados grandes esforços para enfrentar de modo honesto e justo esta trágica situação e para garantir que as crianças que nosso Senhor ama de modo tão profundo (cf. Mc 10,14) e que são o nosso maior tesouro possam crescer num ambiente seguro. Estes cuidados para salvaguardar as crianças devem continuar. Ontem falei sobre este tema com os vossos bispos. Hoje encorajo cada um de vós a fazer tudo o que lhe for possível para promover a purificação e a reconciliação, e para ajudar quantos foram feridos. Além disso, peço-vos que ameis os vossos sacerdotes e que os confirmeis no excelente trabalho que realizam. E sobretudo rezai a fim de que o Espírito Santo infunda os seus dons na Igreja, as dádivas que levam à conversão, ao perdão e ao crescimento na santidade.

Como ouvimos na segunda leitura, São Paulo fala de uma espécie de oração que se eleva das profundidades dos nossos corações com suspiros demasiado profundos para ser expressos com palavras, com "gemidos" (cf. Rm 8,26), sugeridos pelo Espírito Santo. Esta é uma oração que aspira, no meio do castigo, pelo cumprimento das promessas de Deus. É uma oração de esperança inesgotável, mas também de perseverança paciente e, não raro, acompanhada do sofrimento pela verdade. Através desta oração, participamos no mistério da própria debilidade e sofrimento de Cristo, enquanto confiamos firmemente na vitória da sua Cruz. Que a Igreja na América, mediante esta oração, siga cada vez mais o caminho da conversão e da fidelidade às exigências do Evangelho! E que todos os católicos experimentem a consolação da esperança e os dons da alegria e da força, concedidos pelo Espírito.

No trecho evangélico de hoje, o Senhor ressuscitado oferece aos Apóstolos o dom do Espírito Santo e concede-lhes a autoridade de perdoar os pecados. Mediante o poder invencível da graça de Cristo, confiado a frágeis ministros humanos, a Igreja renasce continuamente e a cada um de nós é dada a esperança de um novo início. Confiemos no poder do Espírito Santo de inspirar a conversão, de curar todas as feridas, de superar cada divisão e de suscitar vida e liberdade novas! Quanta necessidade temos de tais dons! E como estão ao nosso alcance, particularmente no Sacramento da Penitência! A força libertadora deste Sacramento, em que a nossa sincera profissão do pecado encontra a palavra misericordiosa de perdão e de paz da parte de Deus, tem necessidade de ser redescoberta e feita própria por cada um dos católicos. Em grande parte, a renovação da Igreja na América e no mundo depende da renovação da prática da penitência e do crescimento na santidade: ambos são inspirados e realizados por este Sacramento.

"Fomos salvos na esperança!" (Rm 8,24). Enquanto a Igreja nos Estados Unidos dá graças pelas bênçãos dos passados duzentos anos, convido-vos, bem como as vossas famílias e cada uma das paróquias e comunidades religiosas a confiar no poder da graça de criar um futuro promissor para o Povo de Deus neste país. Em nome do Senhor Jesus, peço-vos que suprimais toda a divisão e que trabalheis com alegria para preparar um caminho para Ele, na fidelidade à sua palavra e na conversão constante à sua vontade. Convido-vos sobretudo a continuar a ser fermento de esperança evangélica na sociedade norte-americana, tendo em vista levar a luz e a verdade do Evangelho à tarefa de criar um mundo cada vez mais justo e livre para as gerações vindouras.

Quem tem esperança, deve viver diversamente (cf. Spe salvi, )! Que vós possais, mediante as vossas orações, mediante o testemunho da vossa fé e através da fecundidade da vossa caridade, indicar o caminho para aquele vasto horizonte de esperança que Deus, também agora, está a abrir para a sua Igreja, aliás, para a humanidade inteira: a visão de um mundo reconciliado e renovado em Jesus Cristo, nosso Salvador. A Ele, toda a honra e glória, agora e para sempre.

Amém!
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Dilectos irmãos e irmãs de língua espanhola:

Desejo saudar-vos com as mesmas palavras que Cristo ressuscitado dirigiu aos Apóstolos: "A paz esteja convosco!" (Jn 20,19). Que a alegria de saber que o Senhor triunfou sobre a morte e o pecado vos ajude a ser, onde quer que vos encontreis, testemunhas do seu amor e semeadores daquela esperança que Ele veio trazer-nos e que jamais desilude. Não vos deixeis vencer pelo pessimismo, pela inércia ou pelos problemas. Antes de tudo, fiéis aos compromissos assumidos no baptismo, aprofundai todos os dias o conhecimento de Jesus Cristo e deixai que o vosso coração seja conquistado pelo seu amor e pelo seu perdão.

A Igreja que se encontra nos Estados Unidos, acolhendo no seu seio muitos dos seus filhos emigrantes, foi crescendo graças também à vitalidade do testemunho de fé dos fiéis de expressão espanhola. Por isso, o Senhor chama-vos a perseverar, contribuindo para o futuro da Igreja neste país e para a difusão do Evangelho. Somente se permanecerdes unidos a Cristo e entre vós, o vosso testemunho evangelizador será credível e expressar-se-á em copiosos frutos de paz e de reconciliação no meio de um mundo muitas vezes assinalado por divisões e embates. A Igreja espera muito de vós. Não a desiludais no vosso compromisso generoso. "Aquilo que recebestes de graça, dai também de graça!" (Mt 10,8).

Amém!




Bento XVI Homilias 20318