Bento XVI Homilias 19408

Nova Iorque, 19 de Abril de 2008: SANTA MISSA CELEBRADA NA CATEDRAL DE SÃO PATRÍCIO

19408

Queridos irmãos e irmãs em Cristo!

É com grande afecto no Senhor que saúdo todos vós que representais os bispos, os sacerdotes e os diáconos, os homens e as mulheres de vida consagrada e os seminaristas dos Estados Unidos. Agradeço ao Cardeal Egan as cordiais boas-vindas e os bons votos que expressou em vosso nome para este início do quarto ano do meu Pontificado. Estou feliz por celebrar esta Missa convosco que fostes escolhidos pelo Senhor, respondestes ao seu chamamento e dedicais a vossa vida à busca da santidade, à difusão do Evangelho e à edificação da Igreja na fé, na esperança e no amor.
Congregados nesta histórica Catedral, como não pensar nos inúmeros homens e mulheres que nos precederam, que trabalharam para o crescimento da Igreja nos Estados Unidos, deixando-nos um duradouro património de fé e de boas obras? Na primeira leitura de hoje, vimos como os Apóstolos, na força do Espírito Santo, saíram do Cenáculo para anunciar as grandes obras de Deus a pessoas de todas as nações e línguas. Neste país, a missão da Igreja incluiu sempre a atracção de pessoas "provenientes de todas as nações que há debaixo do céu" (
Ac 2,5) para uma unidade espiritual, enriquecendo o Corpo de Cristo com a multiplicidade dos seus dons. Enquanto damos graças por estas preciosas bênçãos do passado e consideramos os desafios do futuro, queremos implorar de Deus a graça de um novo Pentecostes para a Igreja que está na América. Possam descer sobre todos os presentes, como que línguas de fogo, fundindo o amor ardente a Deus e ao próximo com o zelo pela propagação do Reino de Deus!

Na segunda leitura da manhã de hoje, São Paulo recorda-nos que a unidade espiritual aquela unidade que reconcilia e enriquece a diversidade encontra a sua origem e o seu modelo supremo na vida do Deus uno e trino. Como comunhão de amor puro e liberdade infinita, a Santíssima Trindade faz nascer incessantemente a vida nova na obra de criação e redenção. Como "povo congregado na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (cf. Lumen gentium LG 4), a Igreja é chamada a proclamar o dom da vida, a salvaguardar a vida e a promover uma cultura da vida. Aqui, nesta Catedral, o nosso pensamento dirige-se naturalmente ao testemunho heróico pelo Evangelho da vida, oferecido pelos saudosos Cardeais Cooke e O'Connor. A proclamação da vida, da vida em abundância, deve ser o coração da nova evangelização. Dado que a verdadeira vida a nossa salvação só pode ser encontrada na reconciliação, na liberdade e no amor, que constituem dons gratuitos de Deus.

Esta é a mensagem de esperança que somos chamados a anunciar e a encarnar num mundo em que o egocentrismo, a avidez, a violência e o cinismo tão frequentemente parecem sufocar o frágil crescimento da graça no coração das pessoas. Com grande perspicácia, Santo Ireneu compreendeu que a exortação de Moisés ao povo de Israel: "Escolhe a vida!" (Dt 30,19) era a razão mais profunda para a nossa obediência a todos os mandamentos de Deus (cf. Adv. Haer. IV, 16, 2-5). Talvez tenhamos perdido de vista que numa sociedade na qual muitos consideram a Igreja legalista e "institucional", o nosso desafio mais urgente é comunicar a alegria que nasce da fé e a experiência do amor de Deus.

Sinto-me particularmente feliz por nos termos reunido na Catedral de São Patrício. Talvez mais do que qualquer outra igreja nos Estados Unidos, este lugar é conhecido e amado como "uma casa de oração para todos os povos" (cf. Is 56,7 Mc 11,17). Todos os dias, milhares de homens, mulheres e crianças entram pelas suas portas e, dentro das suas paredes, encontram a paz. O Arcebispo John Hughes que como no-lo recordou o Cardeal Egan foi o promotor da construção deste venerável edifício, desejou erigi-lo em puro estilo gótico. Ele queria que esta Catedral recordasse à jovem Igreja na América a grande tradição espiritual da qual era herdeira, e que a inspirasse a contribuir com a melhor parte deste património para a edificação do Corpo de Cristo neste país. Gostaria de chamar a vossa atenção para determinados aspectos desta linda estrutura, a qual poderia servir como ponto de partida para uma reflexão sobre as nossas particulares vocações no interior da unidade do Corpo místico.

O primeiro aspecto diz respeito às janelas com vitrais descritivos que inundam o ambiente interno com uma luz mística. Vistas de fora, estas janelas parecem escuras, pesadas e até tétricas. Mas quando se entra na igreja, elas repentinamente adquirem vida; reflectindo a luz que as atravessa, revelam todo o seu esplendor. Muitos escritores aqui na América podemos pensar em Nathaniel Hawthorne utilizaram uma imagem dos vitrais descritivos para ilustrar o mistério da própria Igreja. É somente a partir de dentro, da experiência de fé e de vida eclesial que vemos a Igreja como verdadeiramente é: cheia de graça, resplandecente de beleza e adornada com os múltiplos dons do Espírito. Daqui resulta que nós, que levamos a vida da graça na comunhão da Igreja, somos chamados a atrair todas as pessoas para dentro deste mistério de luz.

Não se trata de uma tarefa fácil, num mundo que tende para ver a Igreja, como aquelas janelas descritivas, "a partir de fora": um mundo que sente profundamente uma necessidade de espiritualidade, mas julga difícil "entrar" no mistério da Igreja. Também para alguns de nós no interior, a luz da fé pode ser atenuada pela rotina e o esplendor da Igreja pode ser ofuscado pelos pecados e pelas debilidades dos seus membros. O ofuscamento pode derivar também dos obstáculos encontrados numa sociedade que por vezes parece ter esquecido Deus e irritar-se diante das exigências mais elementares da moral cristã. Vós, que consagrastes a vossa vida para dar testemunho do amor de Cristo e da edificação do seu Corpo, sabeis graças ao vosso contacto quotidiano com o mundo que vos circunda, como às vezes nos sentimos tentados a ceder à frustração, à decepção e até ao pessimismo em relação ao futuro. Em síntese, nem sempre é fácil ver a luz do Espírito à nossa volta, o esplendor do Senhor ressuscitado que ilumina a nossa vida e infunde uma nova esperança na sua vitória sobre o mundo (cf. Jn 16,33).

Todavia, a palavra de Deus recorda-nos que na fé nós vemos os céus abertos e a graça do Espírito Santo iluminar a Igreja e oferecer uma esperança certa ao nosso mundo. "Senhor, meu Deus", canta o salmista, "se lhes enviais o vosso espírito, voltam à vida. E assim renovais a face da terra" (Ps 105,30 [104], 30). Estas palavra evocam a primeira criação, quando "o espírito de Deus se movia sobre a superfície das águas" (Gn 1,2). E elas impelem o nosso olhar para a frente, rumo à nova criação, ao Pentecostes, quando o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos e instaurou a Igreja como primícias da humanidade redimida (cf. Jn 20,22-23). Estas palavras exortam-nos a uma fé cada vez mais profunda no poder infinito de Deus de transformar toda a situação humana, de criar vida a partir da morte e de iluminar até a noite mais obscura. E fazem-nos pensar numa outra belíssima frase de Santo Ireneu: "Onde se encontra a Igreja, ali está o Espírito de Deus; onde se encontra o Espírito de Deus, ali estão a Igreja e toda a graça" (Adv. Haer. III, 24, 1).

Isto leva-me a fazer outra reflexão sobre a arquitectura desta igreja. Como todas as catedrais góticas, ela é uma estrutura muito complicada, cujas proporções exactas e harmoniosas simbolizam a unidade da criação de Deus. Os artistas medievais muitas vezes representam Cristo, a Palavra criadora de Deus, como um "geómetra" celeste, com o compasso na mão, que ordena o cosmos com sabedoria e determinação infinitas. Uma semelhante imagem não nos faz proventura vir ao pensamento a nossa necessidade de ver todas as coisas com os olhos da fé, para poder deste modo compreendê-las na sua perspectiva mais autêntica, na unidade do plano eterno de Deus? Como sabemos, isto exige uma conversão contínua e o compromisso de "nos renovarmos no Espírito da nossa mente" (cf. Ep 4,23), para adquirirmos uma mentalidade nova e espiritual. Exige também o desenvolvimento daquelas virtudes que tornam cada um de nós capazes de crescer em santidade e produzir frutos espirituais na condição de vida que nos é própria. Não é porventura esta constante conversão "intelectual" tão necessária quanto a conversão "moral" para o nosso crescimento na fé, para o nosso discernimento dos sinais dos tempos e para a nossa contribuição pessoal para vida e a missão da Igreja?

Considero que uma das grandes desilusões que se seguiram ao Concílio Vaticano II, com a sua exortação a um maior compromisso na missão da Igreja pelo mundo, foi para todos nós a experiência de divisão entre diferentes grupos, gerações e membros da mesma família religiosa. Só podemos prosseguir, se juntos fixarmos o olhar em Cristo! Então, à luz da fé descobriremos a sabedoria e a força necessárias para nos abrirmos a pontos de vista que, eventualmente, não coincidem de modo completo com as nossas ideias ou os nossos pressupostos. Assim podemos avaliar os pontos de vista dos outros, quer eles sejam mais jovens ou mais idosos do que nós, e enfim ouvir "aquilo que o Espírito diz", a nós e à Igreja (cf. Ap 2,7). Deste modo, caminharemos juntos rumo àquela verdadeira renovação espiritual desejada pelo Concílio, a única renovação que pode revigorar a Igreja na santidade e na unidade indispensáveis para a proclamação eficaz do Evangelho no mundo de hoje.

Não é porventura esta unidade de visão e de intenções arraigada na fé e no espírito de contínua conversão e sacrifício pessoal o segredo do crescimento surpreendente da Igreja neste país? É suficiente pensar na obra extraordinária realizada por aquele sacerdote americano exemplar, o Venerável Michael McGivney, cuja visão e zelo levaram à fundação dos Cavaleiros de Colombo, ou na herança espiritual de gerações de religiosas, religiosos e presbíteros que, silenciosamente, consagraram a sua vida ao serviço do povo de Deus em inúmeras escolas, hospitais e paróquias.

Aqui, no contexto da nossa necessidade de uma perspectiva assente na fé e de unidade e colaboração no trabalho da edificação da Igreja, gostaria de dizer uma palavra acerca do abuso sexual que causou tanto sofrimento. Já tive a oportunidade de falar disto e do consequente dano para a comunidade dos fiéis. Estimados sacerdotes e religiosos, aqui desejo simplesmente assegurar-vos a minha proximidade espiritual, enquanto procurais responder com esperança cristã aos contínuos desafios apresentados por esta situação. Uno-me a vós, orando a fim de que este seja um tempo de cura para cada indivíduo, e de purificação para cada uma das Igrejas e comunidades religiosas. Além disso, encorajo-vos a cooperar com os vossos bispos, que continuam a trabalhar eficazmente para resolver este problema. O Senhor Jesus Cristo conceda à Igreja que está na América um renovado sentido de unidade e de decisão, enquanto todos bispos, clero, religiosos, religiosas e leigos caminham na esperança e no amor recíproco e pela verdade.

Caros amigos, estas considerações levam-me a uma última observação a propósito desta grande Catedral onde nos encontramos. Como sabemos, a unidade de uma Catedral gótica não é a unidade estática de um templo clássico, mas sim a unidade nascida da tensão dinâmica de diferentes forças que elevam a arquitectura, orientando-a rumo ao céu. Também aqui podemos ver um símbolo da unidade da Igreja que é unidade como São Paulo nos disse de um corpo vivo, composto de muitos membros diferentes, cada qual com o seu papel e a sua determinação. Também aqui vemos a necessidade de reconhecer e respeitar os dons de cada membro do corpo, como "manifestação do Espírito, para proveito comum" (1Co 12,7). Sem dúvida, na estrutura da Igreja desejada por Deus é necessário distinguir entre os dons hierárquicos e os carismáticos (cf. Lumen gentium LG 4). Mas são precisamente a variedade e a riqueza das graças concedidas pelo Espírito que nos convidam constantemente a discernir como estes dons devem ser inseridos de modo justo no serviço da missão da Igreja. Dilectos presbíteros, mediante a ordenação sacramental vós fostes conformados com Cristo, Cabeça do Corpo. Vós, prezados diáconos, fostes ordenados para o serviço deste Corpo. Vós, queridos religiosos e queridas religiosas, tanto contemplativos como dedicados ao apostolado, consagrastes a vossa vida ao seguimento do Mestre divino no amor generoso e na plena fidelidade ao seu Evangelho. Todos vós que hoje apinhais esta Catedral, assim como os vossos irmãos e irmãs idosos, enfermos ou aposentados, que unem as suas orações e os seus sacrifícios ao vosso trabalho, sois chamados a constituir forças de unidade no interior do Corpo de Cristo. Através do vosso testemunho pessoal e da vossa fidelidade ao ministério ou ao apostolado que vos foi confiado, preparais o caminho para o Espírito. Uma vez que o Espírito nunca cessa de infundir os seus dons abundantes, de suscitar novas vocações e renovadas missões, e de orientar a Igreja como o Senhor prometeu no trecho evangélico desta manhã para a Verdade completa (cf. Jn 16,13).

Por conseguinte, elevemos o nosso olhar! E com grande humildade e confiança peçamos ao Espírito que nos torne capazes de crescer todos os dias na santidade que nos há-de transformar em pedras vivas no templo que Ele está a erguer precisamente agora, no meio do mundo. Se quisermos ser verdadeiras forças de unidade, então devemos empenhar-nos a fim de sermos os primeiros a buscar uma reconciliação interior mediante a penitência! Perdoemos as injustiças sofridas e sufoquemos todos os sentimentos de raiva e de contenda! Comprometamo-nos em ser os primeiros a demonstrar a humildade e a pureza de coração necessárias para nos aproximar-nos do esplendor da verdade de Deus! Em fidelidade ao depósito da fé confiado aos Apóstolos (cf. 1Tm 6,20), empenhemo-nos a ser testemunhas jubilosas da força transformadora do Evangelho!

Estimados irmãos e irmãs, em conformidade com as tradições mais nobres da Igreja neste país, sede também os primeiros amigos dos pobres, dos refugiados, dos estrangeiros, dos doentes e de todos os que sofrem! Agi como faróis de esperança, irradiando a luz de Cristo no mundo e animando os jovens a descobrir a beleza de uma vida doada inteiramente ao Senhor e à sua Igreja! Dirijo este apelo de maneira especial aos numerosos seminaristas e aos jovens religiosos e religiosas aqui presentes. Cada um de vós ocupa um lugar particular no meu coração. Nunca esqueçais que sois chamados a dar continuidade, com todo o entusiasmo e a alegria que vos são concedidos pelo Espírito, a uma obra começada por outros, um património que um dia também vós tereis que transmitir a uma nova geração. Trabalhai com generosidade e alegria, porque Aquele que vós servis é o Senhor!

Os pináculos das torres da Catedral de São Patrício são amplamente ultrapassadas pelos arranha-céus do perfil de Manhattan; todavia, no coração desta metrópole agitada elas constituem um sinal vivo que recorda a aspiração constante do espírito humano de se elevar a Deus. Nesta celebração eucarística, queremos dar graças ao Senhor porque nos permite reconhecê-lo na comunhão da Igreja e colaborar com Ele, edificando o seu Corpo místico e transmitindo a sua palavra salvífica como boa nova aos homens e às mulheres do nosso tempo. Em seguida, quando sairmos desta grande igreja, iremos como arautos da esperança para o meio desta cidade e a todos os lugares onde a graça de Deus nos colocou. Deste modo, a Igreja na América conhecerá uma nova Primavera do Espírito e indicará o caminho para aquela outra cidade maior, a nova Jerusalém, cuja luz é o Cordeiro (cf. Ap 21,23), pois Deus está a preparar também agora um banquete de alegria e de vida infinitas para todos os povos.

Amém!



Palavras de agradecimento no final da Santa Missa

Neste momento só posso agradecer-vos o vosso amor à Igreja e a nosso Senhor; agradecer-vos porque doais o vosso amor também ao pobre Sucessor de São Pedro. Procurarei fazer tudo o que for possível para ser um digno sucessor do grande Apóstolo, o qual também era um homem com os seus defeitos e pecados, mas que no final permanece a rocha para a Igreja. E assim também eu com toda a minha espiritual pobreza posso ser, por este período, devido à graça do Senhor, o Sucessor de Pedro.

São também as vossas orações e o vosso amor que me dão a certeza de que o Senhor me ajudará neste meu ministério. Portanto, estou profundamente grato pelo vosso amor, pelas vossas orações. A minha resposta neste momento, por tudo o que me doastes durante a minha visita é a bênção que agora vos concedo, no final desta bonita Celebração.





Yankee Stadium, Bronx, Nova Iorque - V Domingo de Páscoa, 20 de Abril de 2008: CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA

2048

Amados Irmãos e Irmãs em Cristo!

No Evangelho que acabamos de ouvir, Jesus diz aos seus Apóstolos que depositem n'Ele a sua confiança, porque Ele é "o caminho, a verdade e a vida" (
Jn 14,6). Cristo é o caminho que conduz ao Pai, a verdade que dá significado à existência humana, e a fonte daquela vida que é alegria eterna com todos os Santos no Reino dos céus. Levemos a sério o Senhor! Renovemos a fé n'Ele e coloquemos todas as nossas esperanças nas suas promessas!

Com este encorajamento a perseverar na fé de Pedro (cf. Lc 22,32 Mt 16,17), saúdo-vos a todos com grande afecto. Agradeço ao Cardeal Egan as cordiais palavras de boas-vindas que pronunciou em vosso nome. Nesta Missa a Igreja que está nos Estados Unidos celebra o bicentenário da criação das sedes de Nova Iorque, Boston, Filadélfia e Louisville com o desmembramento da sede-mãe de Baltimore. A presença, em volta deste altar, do Sucessor de Pedro, dos seus irmãos Bispos, dos sacerdotes, dos diáconos, dos consagrados e das consagradas, assim como dos fiéis leigos provenientes dos 50 Estados da União, manifesta de modo eloquente a nossa comunhão na fé católica que nos foi transmitida pelos Apóstolos.

A celebração de hoje é também um sinal do crescimento impressionante que Deus concedeu à Igreja no vosso País nos passados duzentos anos. De pequeno rebanho como o descrito na primeira leitura, a Igreja na América foi edificada na fidelidade aos dois mandamentos do amor a Deus e do amor ao próximo. Nesta terra de liberdade e de oportunidades, a Igreja uniu rebanhos muito diferentes na profissão de fé e, através das suas numerosas obras educativas, caritativas e sociais, contribuiu de modo significativo também para o crescimento da sociedade americana no seu conjunto.

Este grande resultado não se obteve sem desafios. A primeira leitura de hoje, dos Actos dos Apóstolos, fala de tensões linguísticas e culturais presentes já no interior da primitiva comunidade eclesial. Ao mesmo tempo, ela mostra o poder da Palavra de Deus, proclamada eficazmente pelos Apóstolos e recebida na fé, para criar uma unidade capaz de transcender as divisões provenientes dos limites e das debilidades humanas. É-nos aqui recordada uma verdade fundamental: que a unidade da Igreja não tem outro fundamento a não ser o da Palavra de Deus, que se tornou carne em Jesus Cristo nosso Senhor. Todos os sinais externos de identidade, todas as estruturas, associações ou programas, por muito válidos ou até essenciais que sejam, existem em última análise apenas para apoiar e promover a unidade mais profunda que, em Cristo, é dom indefectível de Deus à sua Igreja.

Além disso, a primeira leitura mostra como vemos na imposição das mãos sobre os primeiros diáconos, como a unidade da Igreja é "apostólica", isto é, uma unidade visível fundada sobre os Apóstolos, que Cristo escolheu e constituiu como testemunhas da sua ressurreição, e disto nasceu aquilo a que a Escritura chama "a obediência da fé" (Rm 1,5 Ac 6,7).

"Autoridade", "obediência". Para ser francos, estas não são palavras que se pronunciam facilmente hoje. Palavras como estas representam uma "pedra de tropeço" para muitos contemporâneos, sobretudo numa sociedade que justamente dá grande valor à liberdade pessoal. Mas, à luz da nossa fé em Jesus Cristo "o caminho, a verdade e a vida" chegamos a ver o sentido mais pleno, o valor e até a beleza, destas palavras. O Evangelho ensina-nos que a verdadeira liberdade, a liberdade dos filhos de Deus, pode ser encontrada apenas na perda de si que é parte do mistério do amor. Só com a perda de si, diz-nos o Senhor, nos reencontramos verdadeiramente a nós mesmos (cf. Lc 17,33). A verdadeira liberdade floresce quando nos afastamos do jugo do pecado, que ofusca as nossas percepções e enfraquece a nossa determinação, e vê a fonte da nossa felicidade definitiva nele, que é amor infinito, liberdade infinita, vida sem fim. "Na sua vontade está a nossa paz".

A verdadeira liberdade por isso é um dom gratuito de Deus, o fruto da conversão à sua verdade, aquela verdade que nos torna livres (cf. Jn 8,32). E esta liberdade na verdade tem no seu seguimento um novo e liberatório modo de olhar para a realidade. Quando nos colocamos no "pensamento de Cristo" (cf. Ph 2,5), abrem-se-nos novos horizontes! À luz da fé, dentro da comunhão da Igreja, encontramos também a inspiração e a força para nos tornarmos fermento do Evangelho neste mundo. Tornamo-nos luz do mundo, sal da terra (cf. Mt 5,13-14), ao qual está confiado o "apostolado" de conformar as nossas vidas e o mundo no qual vivemos cada vez mais plenamente com o plano salvífico de Deus.

A visão magnífica de um mundo transformado pela verdade libertadora do Evangelho está reflectida na descrição da Igreja que encontramos na segunda leitura de hoje. O Apóstolo diz-nos que Cristo, ressuscitado dos mortos, é a pedra angular de um grande templo que é edificado ainda hoje no Espírito. E nós, membros do seu corpo, mediante o Baptismo tornamo-nos "pedras vivas" daquele templo, participando por graça na vida de Deus, abençoados com a liberdade dos filhos de Deus, e tornados capazes de oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Ele (cf. 1P 2,5). Qual é esta oferta que somos chamados a fazer, a não ser a de dirigir todos os pensamentos, palavras ou actos para a verdade do Evangelho e colocar todas as nossas energias ao serviço do Reino de Deus? Só assim podemos construir com Deus, sobre o fundamento que é Cristo (cf. 1Co 3,11). Só assim podemos edificar algo que seja realmente duradouro. Só assim a nossa vida encontra o significado último e dá frutos duradouros.

Recordamos hoje os duzentos anos de um lavacro na história da Igreja nos Estados Unidos: o seu primeiro grande capítulo do crescimento. Nestes 200 anos o rosto da comunidade católica no vosso País mudou em grande medida. Pensemos nas seguintes ondas de emigrantes cujas tradições tanto enriqueceram a Igreja na América. Pensemos na fé forte que edificou a rede de igrejas, de instituições educativas, de saúde e sociais que há muito tempo são os sinais distintivos da Igreja nesta terra. Pensamos também nos numerosos pais e mães que transmitiram a fé aos filhos, no ministério quotidiano dos numerosos sacerdotes que empregaram a própria vida no cuidado das almas, na contribuição incalculável de numerosos consagrados e consagradas, os quais não só ensinaram às crianças a ler e a escrever, mas inspiraram também neles um desejo de conhecer Deus para toda a vida, amá-lo e servi-lo. Quantos "sacrifícios espirituais agradáveis a Deus" foram oferecidos nos dois séculos transcorridos! Nesta terra de liberdade religiosa os católicos encontraram não só a liberdade de praticar a própria fé mas também de participar plenamente na vida civil, levando consigo as próprias convicções morais na arena pública, cooperando com os vizinhos para forjar uma sociedade democrática vibrante. A celebração hodierna é mais do que uma ocasião de gratidão pelas graças recebidas: é uma chamada a prosseguir com determinação firme a usar sabiamente as bênçãos da liberdade, para edificar um futuro de esperança para as gerações futuras.

"Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, a fim de anunciardes as [Suas] virtudes" (1P 2,9).Estas palavras do apóstolo Pedro não nos recordam apenas a dignidade que nos é própria por graça de Deus, mas são também um desafio a uma fidelidade cada vez maior à herança gloriosa recebida em Cristo (cf. Ep 1,18). Desafiam-nos a examinar as nossas consciências, a purificar os nossos corações, a renovar o compromisso baptismal, a rejeitar satanás e todas as suas promessas vazias. Desafiam-nos a ser um povo da alegria, arautos da esperança que não perece (cf. Rm 5,5) nascida da fé na palavra de Deus e da confiança nas suas promessas.
Todos os dias nesta terra vós e muitos dos vossos vizinhos rezais ao Pai com as mesmas palavras do Senhor: "Venha a nós o Vosso Reino". Esta oração deve forjar a mente e o coração de cada cristão nesta Nação. Deve dar fruto no mundo em que viveis a vossa existência e no modo em que construís a vossa família e a vossa comunidade. Deve criar novos "lugares de esperança" (cf. Spe salvi ss.) nos quais o Reino de Deus se faz presente em todo o seu poder salvífico.

Rezar com fervor pela vinda do Reino significa também estar constantemente alerta aos sinais da sua presença, trabalhando pelo seu crescimento em cada sector da sociedade. Significa enfrentar os desafios do presente e do futuro confiantes na vitória de Cristo e empenhando-se pela difusão do seu Reino. Isto significa não perder a confiança face a resistências, adversidades ou escândalos. Significa superar qualquer separação entre fé e vida, opondo-se aos falsos evangelhos de liberdade e de felicidade. Significa ainda rejeitar a falsa dicotomia entre fé e vida política, porque como afirmou o Concílio Vaticano II, "nenhuma actividade humana, nem sequer as coisas temporais, pode subtrair-se ao domínio de Deus" (Lumen gentium LG 36). Isto significa agir para enriquecer a sociedade e a cultura americana com a beleza e com a verdade do Evangelho, sem nunca perder de vista a grande esperança que dá significado e valor a todas as outras esperanças que inspiram a nossa vida.

É este, queridos amigos, o desafio que o Sucessor de Pedro hoje vos apresenta. Como "raça eleita, sacerdócio real, nação santa", segui com fidelidade as pegadas de quantos vos precederam! Apressai a vinda do Reino de Deus nesta terra! As gerações passadas deixaram-vos uma herança extraordinária. Também nos nossos dias a comunidade católica desta Nação foi grande no testemunho profético em defesa da vida, na educação dos jovens, na solicitude pelos pobres, pelos doentes e pelos estrangeiros. Sobre estas bases sólidas o futuro da Igreja na América deve também hoje iniciar a surgir.

Ontem, não distante daqui, fiquei comovido pela alegria, pela esperança e pelo amor generoso por Cristo que vi no rosto de tantos jovens reunidos em Dunwoodie. Eles são o futuro da Igreja e têm direito a todas as orações e apoio que lhe possamos dar. Assim, desejo concluir acrescentando uma palavra de encorajamento para eles. Queridos jovens amigos, como os sete homens "cheios de Espírito e de sabedoria" aos quais os Apóstolos confiaram o cuidado da jovem Igreja, que também vós vos possais levantar e assumir a responsabilidade que a fé em Cristo vos apresenta! Espero que encontreis a coragem de proclamar Cristo "o mesmo ontem, hoje e sempre" e as verdades perenes que têm fundamento n'Ele (cf. Gaudium et spes GS 10 He 13,8): são verdades que nos tornam livres! Trata-se das únicas verdades que podem garantir o respeito da dignidade e dos direitos de cada homem, mulher e criança no mundo, incluídos os mais indefesos entre os seres humanos, as crianças que ainda estão no seio materno para nascer. Num mundo em que, como o Papa João Paulo II falando neste mesmo lugar nos recordou, Lázaro continua a bater à nossa porta (Homilia no Yankee Stadium, 2 de Outubro 1979, n. 7) fazei de modo que a vossa fé e o vosso amor dêem fruto ao socorrer os pobres, os necessitados e os sem voz. Homens e mulheres jovens da América, insisto convosco: abri os corações à chamada de Deus a segui-lo no sacerdócio e na vida religiosa. Pode haver um sinal de amor maior do que este: seguir as pegadas de Cristo, que se disponibilizou para dar a própria vida pelos seus amigos (cf. Jn 15,13)?

No Evangelho de hoje o Senhor promete aos discípulos que farão obras ainda maiores que as suas (cf. Jn 14,12). Queridos amigos, só Deus na sua providência sabe aquilo que a sua graça ainda deve realizar nas vossas vidas e na vida da Igreja nos Estados Unidos. Entretanto, a promessa de Cristo enche-nos de esperança certa. Por isso, unamos a nossa oração à sua, como pedras vivas daquele templo espiritual que é a sua Igreja una, santa, católica e apostólica. Elevemos os olhos para ele, porque também agora está a preparar um lugar para nós na casa de seu Pai. E fortalecidos pelo Espírito Santo, trabalhemos com renovado zelo pela difusão do seu Reino.

"Bem-aventurados quantos acreditarem" (cf. 1P 2,7). Dirijamo-nos a Jesus! Só Ele é o caminho que conduz à felicidade eterna, a verdade que satisfaz os desejos mais profundos de cada coração, e a vida que oferece alegria e esperança sempre nova a nós e ao nosso mundo. Amém.

Amados irmãos e irmãs no Senhor!

Saúdo-vos com afecto e alegro-me por celebrar esta Santa Missa para agradecer a Deus a celebração biocentenária do momento em que a Igreja Católica começou a desenvolver-se nesta Nação. Olhando para o caminho de fé, não sem dificuldades, percorrido nestes anos, louvamos ao Senhor pelos frutos que a sua Palavra produziu nestas terras e manifestamos-lhe o nosso desejo que Cristo, Caminho, Verdade e Vida, seja sempre mais conhecido e amado.

Aqui, neste País de liberdade, desejo proclamar com vigor que a Palavra de Cristo não elimina as nossas aspirações por uma vida plena e livre, mas revela-nos a nossa verdadeira dignidade de Deus e encoraja-nos a lutar contra tudo o que nos escraviza, começando pelo nosso egoísmo e pelas nossas paixões. Ao mesmo tempo, anima-nos a manifestar a nossa fé mediante a nossa vida de caridade e a fazer com que as nossas comunidades eclesiais sejam todos os dias mais acolhedoras e fraternas.

Sobretudo aos jovens confio a tarefa de fazer seu o grande desafio que crer em Cristo exige, e comprometer-se para que esta fé se manifeste numa proximidade efectiva aos pobres, assim como numa resposta generosa às chamadas que Ele continua a propor para que se deixe tudo e se inicie uma vida de total consagração a Deus e à Igreja, no estado sacerdotal ou religioso.

Queridos irmãos e irmãs, convido-vos a olhar para o futuro com esperança, permitindo que Jesus entre nas vossas vidas. Só Ele é o Caminho que conduz à felicidade que não termina, a Verdade que satisfaz as mais nobres aspirações humanas e a Vida cheia de alegria pelo bem da Igreja e do mundo. Deus vos abençoe!





23 de Abril de 2008: CERIMÓNIA DAS EXÉQUIAS DO CARDEAL ALFONSO LÓPEZ TRUJILLO

23408
Basílica Vaticana


Estimados irmãos e irmãs

"Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, permanece ele só; mas se morrer, dá muito fruto" (
Jn 12,24). O evangelista João prenuncia assim a glorificação de Cristo através do mistério da sua morte na cruz. Neste tempo de Páscoa, precisamente à luz do prodígio da Ressurreição, estas palavras adquirem uma eloquência ainda mais profunda e incisiva. Se é verdade que nelas se sente uma certa tristeza pela iminente despedida dos seus discípulos, é também verdade que Jesus indica o segredo para derrotar o poder da morte. A morte não tem a última palavra, não é o fim de tudo mas, redimida pelo sacrifício da Cruz, já pode ser a passagem para a alegria da vida sem fim. Jesus diz: "Quem se ama a si mesmo, perde-se; mas quem se despreza a si próprio neste mundo, assegura para si a vida eterna" (Jn 12,25). Portanto, se aceitarmos morrer para o nosso egoísmo, se rejeitarmos fechar-nos em nós mesmos e fazemos da nossa vida um dom a Deus e aos irmãos, também nós poderemos conhecer a rica fecundidade do amor. E o amor não morre.

Eis a renovada mensagem de esperança que recebemos hoje da Palavra de Deus, enquanto damos a derradeira saudação ao nosso amado Irmão, Cardeal Alfonso López Trujillo. A sua morte, que chegou quando ele já parecia ter-se recuperado de uma forte crise de saúde começada há mais de um ano, suscitou em todos nós uma profunda emoção. Nos Estados Unidos, onde eu me encontrava em visita pastoral, elevei imediatamente a Deus uma oração em sufrágio pela sua alma e agora, no final da Santa Missa presidida pelo Cardeal Angelo Sodano, Decano do Colégio cardinalício, uno-me com afecto a todos vós para recordar com quanta generosidade o saudoso Purpurado serviu a Igreja e para dar graças ao Senhor pelos numerosos dons com que ele enriqueceu a pessoa e o ministério do nosso saudoso Irmão.

O Arcebispo D. Alfonso López Trujillo foi o mais jovem dos Cardeais quando, no Consistório de 2 de Fevereiro de 1983, o meu venerado Predecessor, João Paulo II pôs na sua cabeça o barrete cardinalício. Nasceu em Villahermosa, Diocese de Ibagué, na Colômbia em 1935, e ainda criança transferiu-se com a família para a Capital, Bogotá onde, já estudante universitário, entrou no seminário maior. Continuou os estudos em Roma e foi ordenado sacerdote em Novembro de 1960. Terminou a sua formação teológica, ensinou filosofia no seminário arquidiocesano e trabalhou durante muitos anos ao serviço de toda a Igreja na Colômbia. Em 1971 foi nomeado pelo Servo de Deus Paulo VI, Bispo Auxiliar de Bogotá; nesses anos exerceu a função de Presidente da Comissão doutrinal do Episcopado colombiano, e pouco depois foi escolhido como Secretário-Geral do CELAM, encargo que desempenhou com reconhecida competência durante muito tempo.

Foi ainda Paulo VI que lhe confiou, em 1978, a função de Coadjutor com direito de sucessão da Arquidiocese de Medellín, da qual depois se tornou Pastor. O seu profundo conhecimento da realidade eclesial latino-americana, amadurecido no prolongado período em que tinha trabalhado como Secretário do CELAM, mereceu-lhe a nomeação como Presidente deste importante Organismo eclesial, que orientou sabiamente de 1979 a 1983. De 1987 a 1990 foi Presidente da Conferência Episcopal Colombiana. Além disso, teve a oportunidade de ampliar o conhecimento das problemáticas da Igreja universal, tendo participado nas três Assembleias do Sínodo dos Bispos, realizadas no Vaticano: em 1974, sobre a evangelização; em 1977, sobre a catequese; e em 1980, sobre a família. E precisamente à família ele será chamado a dedicar de modo particular o seu empenhamento, a partir de 8 de Novembro de 1990, quando João Paulo II o nomeou Presidente do Pontifício Conselho para a Família, cargo que o viu na vanguarda até ao momento da morte.

Como deixar de pôr em evidência, neste instante, o zelo e a paixão com que ele trabalhou durante estes quase 18 anos, realizando uma acção incansável para a tutela e a promoção da família e do matrimónio cristão? Como deixar de lhe agradecer a coragem com que defendeu os valores não negociáveis da vida humana? Todos nós admiramos a sua actividade incansável. Fruto deste seu compromisso é o Lexicon, que constitui um precioso texto de formação para agentes pastorais e um instrumento para dialogar com o mundo contemporâneo sobre temas fundamentais de ética cristã. Não podemos deixar de lhe agradecer a batalha tenaz que empreendeu em defesa da "verdade" do amor familiar e para a difusão do "Evangelho da família". O entusiasmo e a determinação com que trabalhava neste campo eram o fruto da sua experiência pessoal, particularmente ligadas ao calvário que teve de enfrentar a sua mãe, falecida com a idade de 44 anos devido a uma doença muito dolorosa. "Quando no meu trabalho disse ele falo dos ideais do matrimónio e da família, é natural que eu pense na família da qual venho, porque através dos meus pais pude constatar como é possível realizar ambos".

O saudoso Cardeal hauria o seu amor pela verdade do homem e pelo Evangelho da família, da consideração de que cada ser humano e cada família reflectem o mistério de Deus, que é Amor. Permaneceu impresso na memória de todos a sua comovedora intervenção na Assembleia do Sínodo dos Bispos de 1997: foi um verdadeiro cântico à vida. Ele apresentou uma espiritualidade bastante concreta para quantos estão comprometidos na realização do projecto divino sobre a família, e sublinhou o facto de que se a ciência não se dedicar a compreender e a educar para a vida, perderá as mais decisivas batalhas no terreno fascinante e misterioso da engenharia genética.
Se o Cardeal López Trujillo fez da defesa e do amor pela família o compromisso distintivo do seu serviço no Pontifício Conselho do qual era Presidente, foi à afirmação da verdade que ele dedicou toda a sua existência. É o que testemunha um dos seus escritos, em que explica: "Escolhi pessoalmente o mote "Veritas in caritate", porque tudo aquilo que diz respeito à verdade se encontra no centro dos meus estudos". E acrescenta que a verdade no amor foi sempre para ele um "pólo existencial", primeiro quando na Colômbia estava propenso a "encontrar o sentido de uma genuína libertação em âmbito teológico" e, em seguida, aqui em Roma, quando se dedicou a "aprofundar, proclamar e difundir o Evangelho da vida e o Evangelho da família, como colaborador do Santo Padre". Enfim, conclui: "Creio muito no valor desta luta decisiva para a Igreja e para a humanidade, e peço ao Senhor que me conceda a força para não ser indolente, nem cobarde".

Para cumprir a missão que Jesus nos confia, não podemos ser indolentes, nem cobardes. Na segunda Leitura, ouvimos que o Apóstolo Paulo, prisioneiro em Roma, exorta o seu fiel discípulo Timóteo à coragem e à perseverança no testemunho de Cristo, também à custa de ser submetido a duras perseguições, sempre fortalecido pela certeza de que "se com Ele morrermos, também com Ele viveremos. Se nos mantivermos firmes, reinaremos com Ele" (2Tm 2,11-12). A generosidade do saudoso Cardeal, traduzida em múltiplas obras de caridade, especialmente em benefício das crianças em várias regiões do mundo, nos sirva de encorajamento a dedicar todos os nossos recursos físicos e espirituais em favor do Evangelho; nos estimule a trabalhar em defesa da vida humana; e nos ajude a olhar constantemente para a meta da nossa peregrinação terrena. E São João indica-nos qual é esta confortadora meta, oferecendo à nossa contemplação, no trecho do Apocalipse que foi proclamado, a visão de um "novo céu" e de "uma nova terra" (Ap 21,1), e delineando ao nosso olhar os traços proféticos da "cidade santa", a "nova Jerusalém"... já preparada, como uma noiva adornada para o seu esposo" (Ap 21,2).

Venerados Irmãos e caros amigos, jamais afastemos o nosso olhar desta visão: contemplemos a eternidade antegozando, apesar das dificuldades e das tribulações, a alegria da futura "morada de Deus com os homens", onde o nosso Redentor enxugará todas as lágrimas dos nossos olhos, e onde "não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram" (cf. Ap 21,4). A esta morada de luz e de alegria, apraz-nos pensar que já chegou o querido Cardeal Alfonso López Trujillo, por quem agora queremos rezar. Que o acolha Maria, e os anjos e os santos o acompanhem ao Paraíso: a sua alma sedenta de Deus possa finalmente entrar e repousar em paz para sempre, no "santuário" do Amor infinito. Amém!



Bento XVI Homilias 19408