Bento XVI Homilias 23408


VI Domingo de Páscoa, 27 de Abril de 2008: SANTA MISSA PARA A ORDENAÇÃO PRESBITERAL DE 29 DIÁCONOS

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Prezados irmãos e irmãs

Hoje realiza-se para nós, de modo inteiramente particular, a palavra que diz: "Multiplicastes a alegria, aumentastes o júbilo" (
Is 9,2). Com efeito, à alegria de celebrar a Eucaristia no dia do Senhor acrescentam-se a exultação espiritual do tempo de Páscoa, que já chegou ao sexto domingo, e sobretudo a festa da Ordenação de novos Sacerdotes. Juntamente convosco, saúdo com carinho os 29 Diáconos que, daqui a pouco, serão ordenados Presbíteros. Manifesto o profundo reconhecimento a quantos os orientaram no seu caminho de discernimento e de preparação, e convido todos vós a dar graças a Deus pela dádiva destes Sacerdotes à Igreja. Apoiemo-los com a intensa oração durante a presente celebração, em espírito de ardente louvor ao Pai que os chamou, ao Filho que os atraiu a si e ao Espírito que os formou. Geralmente, a Ordenação dos novos Sacerdotes tem lugar no 4º Domingo de Páscoa, chamado Domingo do Bom Pastor, que é também o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, mas este ano não foi possível, porque eu estava prestes a partir para a visita pastoral aos Estados Unidos da América. O ícone do Bom Pastor parece ser aquele que esclarece, mais que todos os outros, o papel e o ministério do presbítero na comunidade cristã. No entanto também os trechos bíblicos, que a liturgia hodierna oferece à nossa meditação, iluminam sob outro ponto de vista a missão do sacerdote.

A primeira Leitura, tirada do capítulo 8 dos Actos dos Apóstolos, narra a missão do diácono Filipe em Samaria. Gostaria de chamar imediatamente a atenção para a frase que encerra a primeira parte deste texto: "E houve grande alegria naquela cidade" (Ac 8,8). Esta expressão não transmite uma ideia, um conceito teológico, mas refere-se a um acontecimento de circunstância, algo que mudou a vida das pessoas: numa determinada cidade de Samaria, no período que se seguiu à violenta perseguição contra a Igreja em Jerusalém (cf. Ac 8,1), chegou a acontecer algo que causou "grande alegria". Então, o que tinha acontecido? O Autor sagrado narra que, para escapar da perseguição desencadeada em Jerusalém contra aqueles que se tinham convertido ao cristianismo, todos os discípulos, excepto os Apóstolos, abandonaram a Cidade santa e dispersaram-se pelos seus arredores. Deste acontecimento doloroso derivou, de maneira misteriosa e providencial, um renovado impulso à difusão do Evangelho. Entre aqueles que se tinham dispersado estava também Filipe, um dos sete diáconos da Comunidade, diáconos como vós dilectos Ordenandos, ainda que de modalidades indubitavelmente diferentes, porque na estação irrepetível da Igreja nascente, os Apóstolos e os diáconos eram dotados do Espírito Santo com um poder extraordinário, tanto na pregação como na acção taumatúrgica. Pois bem, aconteceu que os habitantes da localidade samaritana, de que se fala neste capítulo dos Actos dos Apóstolos, acolheram por unanimidade o anúncio de Filipe e, graças à adesão deles ao Evangelho, ele conseguiu curar muitos enfermos. Nessa cidade de Samaria, no meio de uma população tradicionalmente desprezada e como que excomungada pelos judeus, ressoou o anúncio de Cristo que abriu à alegria o coração de quantos O acolheram com confiança. Eis por que motivo, por conseguinte salienta São Lucas naquela cidade "houve uma grande alegria".

Estimados amigos, esta é também a vossa missão: anunciar o Evangelho a todos, para que todos experimentem a alegria de Cristo e haja alegria em cada cidade. O que pode ser mais belo do que isto? O que pode ser maior e mais entusiasmante do que cooperar para propagar no mundo a Palavra de vida, do que comunicar a água viva do Espírito Santo? Anunciar e testemunhar a alegria: este é o núcleo central da vossa missão, queridos diáconos que daqui a pouco sereis sacerdotes. O Apóstolo Paulo chama os ministros do Evangelho "servidores da alegria". Aos cristãos de Corinto, na segunda Leitura, ele escreve: "Não porque pretendamos dominar a vossa fé: queremos apenas contribuir para a vossa alegria, porque quanto à fé estais firmes" (2Co 1,24). São palavras programáticas para cada sacerdote. A fim de serdes colaboradores da alegria dos outros, num mundo muitas vezes triste e negativo, é necessário que o fogo do Evangelho arda dentro de vós, que em vós habite a alegria do Senhor. Somente então podereis ser mensageiros e multiplicadores desta alegria, transmitindo-a a todos, especialmente a quantos estão tristes e desanimados.

Voltemos à primeira Leitura, que nos oferece outro elemento de meditação. Ali fala-se de um encontro de oração, que tem lugar precisamente na cidade samaritana evangelizada pelo diácono Filipe. Quem a preside são os Apóstolos Pedro e João, duas "colunas" da Igreja, vindos de Jerusalém para visitar esta nova comunidade e para a confirmar na fé. Graças à imposição das suas mãos, o Espírito Santo desceu sobre quantos tinham sido baptizados. Podemos ver neste episódio um primeiro testemunho do rito da "Confirmação", o segundo Sacramento da iniciação cristã. Também para nós aqui reunidos, a referência ao gesto ritual da imposição das mãos é mais significativo que nunca. Efectivamente, é o gesto fulcral também do rito de Ordenação, mediante o qual daqui a pouco conferirei aos candidatos a dignidade presbiteral. É um sinal inseparável da oração, da qual constitui um prolongamento silencioso. Sem pronunciar palavra, o Bispo consagrante e depois dele os outros sacerdotes impõem as mãos na cabeça dos Ordenandos, expressando assim a invocação a Deus para que derrame o seu Espírito sobre eles e os transforme, tornando-os partícipes do Sacerdócio de Cristo. Trata-se de poucos segundos, um tempo brevíssimo, mas repleto de extraordinária densidade espiritual.

Caros Ordenandos, no futuro deveis voltar sempre a este momento, a este gesto que nada contém de mágico e no entanto é tão rico de mistério, porque aqui se encontra a origem da vossa nova missão. Nessa oração silenciosa tem lugar o encontro entre duas liberdades: a liberdade de Deus, que age através do Espírito Santo, e a liberdade do homem. A imposição das mãos exprime concretamente a modalidade específica deste encontro: a Igreja, personalizada pelo Bispo em pé com as mãos estendidas, pede ao Espírito Santo que consagre o candidato; de joelhos, o diácono recebe a imposição das mãos e confia-se a esta mediação. O conjunto de gestos é importante, mas infinitamente mais importante é o movimento espiritual, invisível, que ele exprime; movimento bem evocado pelo santo silêncio, que abarca tudo dentro e fora.

Também na perícope evangélica voltamos a encontrar este misterioso "movimento" trinitário, que leva o Espírito Santo e o Filho a permanecerem nos discípulos. Aqui, o próprio Jesus promete que pedirá ao Pai que mande aos seus o Espírito, definido como "outro Paráclito" (Jn 14,16), termo grego que equivale ao latino "ad-vocatus", advogado defensor. Com efeito, o primeiro Paráclito é o Filho encarnado, que veio para defender o homem do acusador por antonomásia, que é satanás. No momento em que Cristo, tendo cumprido a sua missão, volta ao Pai, Este envia o Espírito como Defensor e Consolador, para que permaneça sempre com os fiéis, habitando dentro deles. Assim, graças à mediação do Filho e do Espírito Santo, entre Deus Pai e os discípulos instaura-se uma íntima relação de reciprocidade: "Eu estou em meu Pai, vós em mim e Eu em vós" (Jn 14,20). Porém, tudo isto depende de uma condição que Cristo põe claramente no início: "Se me amardes" (Jn 14,15), e que no final repete: "Aquele que me ama, será amado pelo meu Pai, e Eu amá-lo-ei e manifestar-me-ei a ele" (Jn 14,21). Sem o amor por Jesus, que se realiza na observância dos seus mandamentos, a pessoa exclui-se do movimento trinitário e começa a fechar-se em si mesma, perdendo a capacidade de receber e comunicar Deus.

"Se me amardes". Prezados amigos, Jesus pronunciou estas palavras durante a última Ceia, no momento em que, contextualmente, instituía a Eucaristia e o Sacerdócio. Não obstante tenham sido dirigidas aos Apóstolos, num certo sentido elas são destinadas a todos os seus sucessores e aos sacerdotes, que constituem os colaboradores mais próximos dos sucessores dos Apóstolos. Hoje voltamos a ouvi-las como um convite a viver cada vez mais coerentemente a nossa vocação na Igreja: queridos Ordenandos, vós escutais estas palavras com particular emoção, porque precisamente hoje Cristo vos torna partícipes do seu Sacerdócio. Acolhei-as com fé e com amor! Deixai que se imprimam no vosso coração, deixai que vos acompanhem ao longo do caminho de toda a vossa existência. Não as esqueçais, não as percais pela vereda! Voltai a lê-las, meditai-as com frequência e sobretudo rezai com elas. Assim, permanecei fiéis ao amor de Cristo, e compreendereis com alegria sempre nova como esta Palavra divina "caminhará" convosco e "crescerá" em vós.

Mais uma observação sobre a segunda Leitura: foi tirada da primeira Carta de Pedro, junto do sepulcro do qual nos encontramos e a cuja intercessão gostaria de vos confiar de maneira especial. Faço minhas e transmito-vos com afecto as suas palavras: "Venerai Cristo Senhor nos vossos corações e estai sempre prontos a responder [...] a todo aquele que vos perguntar a razão da vossa esperança" (1P 3,15). Venerai Cristo Senhor nos vossos corações: ou seja, cultivai uma pessoal relação de amor com Ele, Amor primeiro e maior, único e totalizador, dentro do qual viver, purificar, iluminar e santificar todos os outros relacionamentos. A "vossa esperança" está ligada a esta "adoração", a este amor de Cristo que, como dizíamos, mediante o Espírito permanece em nós. A nossa esperança, a vossa esperança é Deus, em Jesus e no Espírito. Esperança que a partir de hoje se torna em vós "esperança sacerdotal", a de Jesus Bom Pastor, que habita em vós e dá forma às vossas aspirações segundo o seu Coração divino: esperança de vida e de perdão para as pessoas que forem confiadas aos vossos cuidados pastorais; esperança de santidade e de fecundidade apostólica para vós e para toda a Igreja; esperança de abertura à fé e ao encontro com Deus para quantos se aproximarem de vós na sua busca da verdade; esperança de paz e de alívio para os sofredores e para os feridos da vida.

Caríssimos, estes são os meus bons votos no dia de hoje, tão significativo para vós: que a esperança arraigada na fé possa tornar-se cada vez mais vossa! E que possais ser cada vez mais suas testemunhas e seus dispensadores sábios e generosos dóceis e fortes, respeitosos e convictos. Que vos acompanhe nesta missão e vos salvaguarde sempre a Virgem Maria, que vos exorto a acolher novamente, como fez o Apóstolo João aos pés da Cruz, como Mãe e Estrela da vossa vida e do vosso sacerdócio. Amém!





Domingo, 11 de Maio de 2008: SOLENIDADE DE PENTECOSTES

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Basílica Vaticana



Amados irmãos e irmãs

São Lucas insere a narração do evento do Pentecostes, que ouvimos na primeira Leitura, no segundo capítulo dos Actos dos Apóstolos. O capítulo é introduzido pela expressão: "Quando chegou o dia do Pentecostes, encontravam-se todos reunidos no mesmo lugar" (
Ac 2,1). São palavras que fazem referência ao quadro precedente, em que Lucas descreveu a pequena companhia dos discípulos, que se reunia assiduamente em Jerusalém depois da Ascensão ao céu de Jesus (cf. Ac 1,12-14). É uma descrição rica de pormenores: o lugar "onde habitavam" o Cenáculo é um ambiente "no andar de cima"; os onze Apóstolos são enumerados por nome, e os primeiros três são Pedro, João e Tiago, as "colunas" da comunidade; juntamente com eles são mencionadas "algumas mulheres", "Maria, a Mãe de Jesus" e os "irmãos dele", já integrados nesta nova família, fundamentada não já em vínculos de sangue, mas na fé em Cristo.

A este "novo Israel" alude claramente o número total das pessoas, que era de "cerca de cento e vinte", múltiplo do "doze" do Colégio apostólico. O grupo constitui uma autêntica "qahal", uma "assembleia" segundo o modelo da primeira Aliança, a comunidade convocada para ouvir a voz do Senhor e caminhar pelas suas veredas. O Livro dos Actos sublinha o facto de que "todos estavam unidos pelo mesmo sentimento, entregando-se assiduamente à oração" (Ac 1,14). Por conseguinte, a oração é a principal actividade da Igreja nascente, mediante a qual ela recebe a sua unidade do Senhor, deixando-se orientar pela sua vontade, como demonstra também a opção de tirar à sorte para escolher aquele que passará a ocupar o lugar de Judas (cf. Ac 1,25).

Esta comunidade encontrava-se reunida no mesmo lugar, o Cenáculo, na manhã da festa judaica do Pentecostes, festa da Aliança, em que se fazia memória do evento do Sinai quando Deus, mediante Moisés, tinha proposto que Israel se tornasse a sua propriedade no meio de todos os povos, para ser sinal da sua santidade (cf. Ex 19). Segundo o Livro do Êxodo, aquela antiga aliança foi acompanhada por uma terrificante manifestação de poder da parte do Senhor: "Todo o monte Sinai lê-se fumegava, porque o Senhor havia descido sobre ele no meio de chamas. O fumo que se elevava era como o de um forno, e todo o monte estremecia violentamente" (Ex 19,18). Voltamos a encontrar os elementos do vento e do fogo no Pentecostes do Novo Testamento, mas sem ressonâncias de medo. Em particular, o fogo adquire a forma de línguas que se pousam sobre cada um dos discípulos, que "ficaram todos cheios de Espírito Santo" e, em virtude de tal efusão, "começaram a falar outras línguas" (Ac 2,4). Trata-se de um verdadeiro e próprio "baptismo" de fogo da comunidade, uma espécie de nova criação. No Pentecostes, a Igreja é constituída não por uma vontade humana, mas pela força do Espírito de Deus. E é imediatamente claro como este Espírito dá vida a uma comunidade que é uma só e, ao mesmo tempo, universal, superando deste modo a maldição de Babel (cf. Gn 11,7-9). Com efeito somente o Espírito Santo, que cria unidade no amor e na aceitação recíproca das diversidades, pode libertar a humanidade da tentação constante de uma vontade de poder terreno que quer dominar e uniformizar tudo.

"Societas Spiritus", sociedade do Espírito: assim Santo Agostinho chama a Igreja num dos seus sermões (71, 19, 32: PL 38, 462). No entanto, já antes dele Santo Ireneu tinha formulado uma verdade que me apraz recordar: "Onde está a Igreja, ali está o Espírito de Deus, e onde está o Espírito de Deus, ali estão a Igreja e todas as graças, e o Espírito é a verdade; afastar-se da Igreja significa rejeitar o Espírito" e, por conseguinte, "excluir-se da vida" (Adv. Haer. III, 24, 1). A partir do evento do Pentecostes manifesta-se plenamente esta união entre o Espírito de Cristo e o seu Corpo místico, ou seja, a Igreja. Gostaria de reflectir sobre um aspecto peculiar da acção do Espírito Santo, isto é, sobre o entrelaçamento entre multiplicidade e unidade. Disto fala a segunda Leitura, discorrendo sobre a harmonia dos diversos carismas na comunhão do mesmo Espírito. Mas já na narração dos Actos, que ouvimos, este entrelaçamento revela-se com extraordinária evidência. No evento do Pentecostes torna-se clarividente que à Igreja pertencem múltiplas línguas e diferentes culturas; na fé, elas podem compreender-se e fecundar-se reciprocamente. São Lucas quer claramente transmitir uma ideia fundamental, ou seja, que no próprio acto do seu nascimento a Igreja já é "católica", universal. Ela fala desde o início todas as línguas, porque o Evangelho que lhe é confiado, está destinado a todos os povos, em conformidade com a vontade e o mandato de Cristo ressuscitado (cf. Mt 28,19). A Igreja que nasce no Pentecostes não constitui, acima de tudo, uma comunidade particular a Igreja de Jerusalém mas sim a Igreja universal, que fala as línguas de todos os povos. Sucessivamente, dela hão-de nascer outras comunidades em todas as regiões do mundo, Igrejas particulares que são, todas e sempre, realizações da una e única Igreja de Cristo. Por conseguinte, a Igreja católica não é uma federação de Igrejas, mas uma única realidade: a prioridade ontológica cabe à Igreja universal. Uma comunidade que, neste sentido, não fosse católica não seria nem sequer Igreja.

A este propósito, é necessário acrescentar mais um aspecto: o da visão teológica dos Actos dos Apóstolos a respeito do caminho da Igreja de Jerusalém até Roma. Entre os povos representados em Jerusalém no dia do Pentecostes, Lucas cita também os "estrangeiros de Roma" (Ac 2,10). Naquele momento Roma ainda estava distante, era "estrangeira" para a Igreja nascente: ela constituía o símbolo do mundo pagão em geral. Todavia, a força do Espírito Santo guiará os passos das testemunhas, "até aos extremos confins da terra" (Ac 1,8), até Roma. O livro dos Actos dos Apóstolos termina precisamente quando São Paulo, através de um desígnio providencial, chega à capital do império e aí anuncia o Evangelho (cf. Ac 28,30-31). Deste modo, o caminho da Palavra de Deus, encetado em Jerusalém, alcança a sua meta, porque Roma representa o mundo inteiro e portanto encarna a ideia lucana da catolicidade. Realizou-se a Igreja universal, a Igreja católica, que é a continuação do povo da eleição e torna próprias a sua história e a missão.

Nesta altura, e para concluir, o Evangelho de João oferece-nos uma palavra, que concorda muito bem com o mistério da Igreja criada pelo Espírito. Esta é a palavra que saiu duas vezes da boca de Jesus ressuscitado, quando apareceu no meio dos discípulos no Cenáculo na noite de Páscoa: "Shalom a paz esteja convosco!" (Jn 20,19 Jn 20,21). A expresão "shalom" não é uma simples saudação; é muito mais: é o dom da paz prometida (cf. Jn 14,27) e conquistada por Jesus ao preço do seu sangue, é o fruto da sua vitória na luta contra o espírito do mal. Portanto, trata-se de uma paz "não como o mundo a oferece", mas como somente Deus a pode conceder.

Nesta solenidade do Espírito e da Igreja, queremos dar graças a Deus por ter concedido ao seu povo, escolhido e formado no meio de todos os povos, o bem inestimável da paz, da sua paz! Ao mesmo tempo renovemos a tomada de consciência da responsabilidade que está vinculada a este dom: a responsabilidade da Igreja de ser, constitucionalmente, sinal e instrumento da paz de Deus para todos os povos. Procurei ser portador desta mensagem, indo recentemente à sede da Organização das Nações Unidas, para dirigir a minha palavra aos representantes dos povos. Mas não devemos pensar somente nestes acontecimentos "no vértice". A Igreja realiza o seu serviço à paz de Cristo, sobretudo na presença e acção comuns no meio dos homens, com a pregação do Evangelho e com os sinais de amor e de misericórdia que a acompanham (cf. Mc 16,20).

Naturalmente, entre estes sinais é necessário ressaltar de maneira prioritária o Sacramento da Reconciliação, que Cristo instituiu no mesmo momento em que comunicou aos discípulos a sua paz e o seu Espírito. Como ouvimos na página evangélica, Jesus soprou sobre os Apóstolos e disse-lhes: "Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos" (Jn 20,21-23). Como é importante e, infelizmente, de forma insuficiente compreendido o dom da Reconciliação, que pacifica dos corações! A paz de Cristo só se difunde através dos corações renovados de homens e de mulheres reconciliados, que se tornaram servidores da justiça, prontos a espalhar pelo mundo a paz unicamente com a força da verdade, sem fazer compromissos com a mentalidade do mundo, porque o mundo não pode doar a paz de Cristo: eis como a Igreja pode ser fermento daquela reconciliação que provém de Deus. Só pode sê-lo, se permanecer dócil ao Espírito e der testemunho do Evangelho, se carregar a Cruz como e com Jesus. É precisamente isto que testemunham os santos e as santas de todos os tempos!

Amados irmãos e irmãs, que à luz desta Palavra de vida se torne ainda mais ardente e intensa a oração, que no dia de hoje elevamos a Deus em união espiritual com a Virgem Maria. A Virgem da escuta, a Mãe da Igreja, obtenha para as nossas comunidades e para todos os cristãos uma renovada efusão do Espírito Santo Paráclito. "Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terrae Enviai o vosso Espírito; tudo será recriado e renovareis a face da terra". Amém!





VISITA PASTORAL A SAVONA E GÉNOVA


Sábado, 17 de Maio de 2008: CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA NA PRAÇA DO POVO EM SAVONA

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Queridos irmãos e irmãs!

É para mim uma grande alegria encontrar-me entre vós e celebrar para vós a Eucaristia, na festa solene da Santíssima Trindade. Saúdo com afecto o vosso Pastor, D. Vittorio Lupi, ao qual agradeço as palavras com que, no início da celebração, me apresentou à Comunidade diocesana, e ainda mais pelos sentimentos de caridade e de esperança pastoral que manifestou. Agradeço também ao Senhor Presidente Municipal a saudação cordial que me quis dirigir em nome de toda a Cidade. Saúdo as Autoridades civis, os sacerdotes, os religiosos, os diáconos, os responsáveis de associações, movimentos e comunidades eclesiais. A todos renovo em Cristo os meus votos de graça e paz.

Nesta solenidade a liturgia convida-nos a louvar a Deus não simplesmente por uma maravilha por Ele realizada, mas pelo modo como Ele é; pela beleza e pela bondade do seu ser, do qual provém o seu agir. Somos convidados a contemplar, por assim dizer, o Coração de Deus, a sua realidade mais profunda, que é a de ser Unidade na trindade, máxima e profunda Comunhão de amor e de vida. Toda a Sagrada Escritura nos fala d'Ele. Aliás, é Ele mesmo que nos fala de Si nas Escrituras e se revela, como Criador do universo e Senhor da história. Hoje ouvimos um trecho do Livro do Êxodo no qual o que é totalmente excepcional Deus até proclama o próprio nome! Fá-lo na presença de Moisés, com o qual falava face a face, como com um amigo. E qual é este nome de Deus? Todas as vezes nos comove ouvi-lo: "Javé! Javé! Deus misericordioso e clemente, vagaroso em encolerizar-se, cheio de bondade e de fidelidade" (
Ex 34,6). São palavras humanas, mas sugeridas e quase pronunciadas pelo Espírito Santo. Elas dizem-nos a verdade sobre Deus: eram verdadeiras ontem, são verdadeiras hoje e serão verdadeiras para sempre; fazem-nos ver com os olhos da mente o rosto do Invisível, dizem-nos o nome do Inefável. Este nome é misericórdia, Graça, Fidelidade.

Queridos amigos, encontrando-me aqui em Savona, como não deixar de me alegrar juntamente convosco pelo facto de este nome ser precisamente aquele com que se apresentou a Virgem Maria, aparecendo a 18 de Março de 1536 a um camponês, filho desta terra? "Nossa Senhora da Misericórdia" é o título com que é venerada e dela temos há alguns anos uma grande imagem também nos Jardins do Vaticano. Mas Maria não falava de si, nunca fala de si, mas sempre de Deus, e fá-lo com este nome tão antigo e sempre novo; misericórdia, que é sinónimo de amor, de graça. Está aqui toda a essência do cristianismo, porque é a essência do próprio Deus. Deus é Uno porque é totalmente e só Amor, mas precisamente sendo Amor é abertura, acolhimento, diálogo; e na sua relação connosco, homens pecadores, é misericórdia, compaixão, graça, perdão. Deus criou tudo para a existência e a sua vontade é sempre e unicamente vida.

Para quem se encontra em perigo, é salvação. Ouvimo-lo há pouco no Evangelho de João: "Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o Seu Filho unigénito, para que todo o que n'Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jn 3,16): neste doar-se de Deus na Pessoa do Filho está em acção toda a Trindade: o Pai que põe à nossa disposição o que tem de mais querido; o Filho que, de acordo com o Pai, se despoja da sua glória para se doar a nós; o Espírito que sai do abraço divino pacífico para irrigar os desertos da humanidade. Para esta obra da sua misericórdia Deus, dispondo-se a assumir a nossa carne, quis ter necessidade de um "sim" humano, do "sim" de uma mulher que se tornasse a Mãe do seu Verbo encarnado, Jesus, o Rosto humano da divina Misericórdia. Maria tornou-se assim e permanece para sempre a "Mãe da Misericórdia", como se fez conhecer também aqui, em Savona.

No decorrer da história da Igreja, a Virgem Maria mais não fez do que convidar os seus filhos a voltar para Deus, a confiar-se a Ele na oração, a bater com confiante insistência à porta do seu Coração misericordioso. Na verdade, Ele mais não deseja do que derramar sobre o mundo a superabundância da sua Graça. "Misericórdia e não justiça" implorou Maria, sabendo que certamente junto do seu Filho Jesus teria sido ouvida, mas de igual modo consciente da necessidade da conversão do coração dos pecadores. Por isso convidou à oração e à penitência. Portanto, a minha visita a Savona, no dia da Santíssima Trindade, é antes de tudo uma peregrinação, mediante Maria, às fontes da fé, da esperança e do amor. Uma peregrinação que é também memória e homenagem ao meu venerado predecessor Pio VII, cuja dramática vicissitude está indissoluvelmente ligada a esta cidade e ao seu Santuário mariano. À distância de dois séculos, venho renovar a expressão do reconhecimento da Santa Sé e de toda a Igreja pela fé, o amor e a coragem com que os vossos concidadãos apoiaram o Papa na sua residência forçada, que lhe foi imposta por Napoleão Bonaparte, nesta Cidade. Conservam-se numerosos testemunhos das manifestações de solidariedade prestados ao Pontífice pelos habitantes de Savona, por vezes também com risco pessoal. São vicissitudes que os cidadãos desta cidade hoje podem recordar com orgulho. Como justamente observou o vosso Bispo, aquela página obscura da história da Europa tornou-se, pela força do Espírito Santo, rica de graças e de ensinamentos, também para os nossos dias. Ela ensina-nos a coragem para enfrentar os desafios do mundo: materialismo, relativismo, laicismo, sem nunca ceder a compromissos, dispostos a pagar pessoalmente para permanecer fiéis ao Senhor e à sua Igreja. O exemplo de firmeza serena dado pelo Papa Pio VII convida-nos a conservar inalterada nas provações a confiança em Deus, conscientes de que Ele, mesmo se permite à sua Igreja momentos difíceis, nunca a abandona. A vicissitude vivida pelo grande Pontífice na vossa terra convida-nos a ter sempre confiança na intercessão e na assistência materna de Maria Santíssima.

A aparição da Virgem, num momento trágico da história de Savona e a experiência terrível que aqui enfrentou o Sucessor de Pedro concorrem para transmitir às gerações cristãs deste nosso tempo uma mensagem de esperança, encorajam-nos a ter confiança nos instrumentos da Graça que o Senhor põe à nossa disposição em todas as situações. E entre estes meios de salvação, gostaria de recordar antes de tudo a oração: a oração pessoal, familiar e comunitária. Na hodierna festa da Trindade apraz-me ressaltar a dimensão do louvor, da contemplação, da adoração. Penso nas jovens famílias e gostaria de as convidar a não ter receio de experimentar, desde os primeiros anos de matrimónio, um estilo simples de oração doméstica, favorecido pela presença das crianças pequenas, que têm muita facilidade de se dirigirem espontaneamente ao Senhor e a Nossa Senhora. Exorto as paróquias e as associações a dar tempo e espaço à oração, porque as actividades são pastoralmente estéreis se não forem precedidas, acompanhadas e amparadas constantemente pela oração.

E que dizer da Celebração eucarística, especialmente da Missa dominical? O Dia do Senhor está justamente no centro da atenção pastoral dos Bispos italianos: o Domingo deve ser redescoberto na sua raiz cristã, a partir da celebração do Senhor Ressuscitado, encontrado na Palavra de Deus e reconhecido no partir do Pão eucarístico. E depois também o Sacramento da Reconciliação exige que seja reavaliado como meio fundamental para o crescimento espiritual e para poder enfrentar com força e coragem os desafios actuais. Juntamente com a oração e com os Sacramentos, outros inseparáveis instrumentos de crescimento são as obras de caridade a serem praticadas com fé viva. Sobre este aspecto da vida cristã quis deter-me também na Encíclica Deus caritas est. No mundo moderno, que com frequência faz da beleza e da eficiência física um ideal que deve ser perseguido de qualquer forma, como cristãos somos chamados a encontrar o rosto de Jesus Cristo, "o mais belo dos filhos do homem" (Ps 44,3), precisamente nas pessoas que sofrem e são excluídas. Infelizmente, são numerosas hoje as emergências morais e materiais que nos preocupam. A este propósito, aproveito de bom grado a ocasião para dirigir uma saudação aos presos e ao pessoal do Instituto penitenciário "Santo Agostinho" de Savona, que há tempos vivem uma situação de particular mal-estar. Dirijo uma saudação de igual modo calorosa aos doentes internados no Hospital, nas Casas de cura ou nas habitações privadas.

Desejo dirigir uma palavra particular a vós, queridos sacerdotes, para expressar apreço pelo vosso trabalho silencioso e pela empenhativa fidelidade com que o desempenhais. Queridos irmãos em Cristo, acreditai sempre na eficiência do vosso quotidiano serviço sacerdotal! Ele é precioso aos olhos de Deus e dos fiéis, e o seu valor não pode ser quantificado em números nem estatísticas: os resultados conhecê-los-emos só no Paraíso! Muitos de vós estais em idade avançada: isto faz-me pensar naquele trecho maravilhoso do profeta Isaías, que diz: "Os adolescentes cansam-se, fatigam-se, e os jovens robustos podem vacilar, mas aqueles que confiam no Senhor renovam, as suas forças; têm asas como a águia, e voam velozmente, sem se cansar, e correm sem desfalecer" (Is 40,30-31). Juntamente com os diáconos ao serviço da diocese, vivei a comunhão com o Bispo e entre vós, experimentando-a numa colaboração activa, no apoio recíproco e numa coordenada pastoral partilhada. Dai continuidade ao testemunho corajoso e jubiloso do vosso serviço. Ide em busca do povo, como fazia o Senhor Jesus: na visita às famílias, no contacto com os doentes, no diálogo com os jovens, tornando-vos presentes em todos os ambientes de trabalho e de vida. A vós, queridos religiosos e religiosas, aos quais agradeço a presença, digo de novo que o mundo precisa do vosso testemunho e da vossa oração. Vivei a vossa vocação na fidelidade quotidiana e fazei da vossa vida uma oferenda agradável a Deus: a Igreja está-vos grata e encoraja-vos a perseverar no vosso serviço.

Desejo dirigir uma especial e calorosa saudação naturalmente a vós jovens! Queridos amigos, ponde a vossa juventude ao serviço de Deus e dos fiéis. Seguir Cristo exige sempre a coragem de ir contracorrente. Mas vale a pena: este é o caminho da verdadeira realização pessoal e portanto da verdadeira felicidade. Com Cristo experimenta-se de facto que "há mais alegria em dar do que em receber" (Ac 20,35). Eis por que vos encorajo a levar a sério o ideal da santidade. Um conhecido escritor francês deixou-nos numa das suas obras uma frase que hoje gostaria de vos recomendar: "Há uma só tristeza: a de não ser santos" (Léon Bloy, La femme pauvre, II, 27). Queridos jovens, ousai comprometer a vossa vida em opções corajosas, não sozinhos, naturalmente, mas com o Senhor! Dai a esta Cidade o impulso e o entusiasmo que derivam da vossa experiência viva de fé, uma experiência que não mortifica as expectativas da vida humana, mas as exalta na participação na mesma experiência de Cristo.

E isto é válido também para os cristãos em idade mais avançada. Os meus votos para todos vós são por que a fé no Deus Uno e Trino infunda em cada comunidade o fervor do amor e da esperança, a alegria de se amarem entre irmãos e de se porem humildemente ao serviço uns dos outros. É este o "fermento" que faz crescer a humanidade, a luz que brilha no mundo. Maria Santíssima, Mãe de Misericórdia, juntamente com todos os vossos Santos Padroeiros, vos ajude a trasformar em vida vivida a exortação do Apóstolo, que há pouco ouvimos. Com grande afecto a faço minha: "Sede alegres, trabalhai na vossa perfeição, confortai-vos, tende um mesmo sentir, vivei em paz. E o Deus do amor estará convosco" (2Co 13,11). Amém!






Bento XVI Homilias 23408