Bento XVI Homilias 20708


Sexta-feira, 15 de Agosto de 2008: SANTA MISSA NA SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA

15808

Paróquia Pontifícia de S. Tomás de Vilanova, Castel Gandolfo



Estimados irmãos e irmãs

Todos os anos, no meio do Verão, se comemora a Solenidade da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria, a mais antiga festa mariana. É uma ocasião para nos elevarmos com Maria às alturas do espírito, onde se respira o ar puro da vida sobrenatural e se contempla a beleza mais autêntica, a da santidade. O clima da celebração hodierna está inteiramente impregnado de alegria pascal. "Hoje assim canta a antífona do Magnificat Maria subiu ao Céu: alegrai-vos, com Cristo Ela reina para sempre. Aleluia!". Este anúncio fala-nos de um acontecimento totalmente único e extraordinário, mas que está destinado a encher de esperança e de felicidade o coração de cada ser humano. Com efeito, Maria é a primícia da humanidade nova, a criatura em que o mistério de Cristo encarnação, morte, ressurreição e ascensão ao Céu já teve o seu pleno efeito, resgatando-a da morte e levando-a de corpo e alma ao reino da vida imortal. Por isso a Virgem Maria, como recorda o Concílio Vaticano II, constitui para nós um sinal de esperança segura e de consolação (cf. Lumen gentium
LG 68). A festa hodierna impele-nos a elevar o olhar ao céu. Não se trata de um céu feito de ideias abstractas, nem sequer de um céu imaginário criado pela arte, mas do céu da realidade autêntica, que é o próprio Deus: Deus é o céu. E Ele é a nossa meta, a meta e a morada eterna, de onde vimos e para a qual tendemos.

São Germano, Bispo de Constantinopla no século VIII, num discurso pronunciado na festa da Assunção, dirigindo-se à celeste Mãe de Deus, assim se expressava: "Tu és Aquela que, por meio da tua carne imaculada, uniste a Cristo o povo cristão... Como toda a pessoa sequiosa corre à fonte, assim também toda a alma corre a Ti, manancial de amor, e como todo o homem aspira a viver, a ver a luz que não conhece ocaso, assim também cada cristão aspira a entrar na luz da Santíssima Trindade, onde Tu já entraste". Estes são os sentimentos que nos animam no dia de hoje, enquanto contemplamos Maria na glória de Deus. Quando Ela adormeceu para este mundo, despertando no céu, na realidade simplesmente seguiu pela última vez o Filho Jesus na sua viagem mais longa e decisiva, na sua passagem "deste mundo para o Pai" (Jn 13,1).

Como Ele, juntamente com Ele, partiu deste mundo voltando "para a casa do Pai" (cf. Jn 14,2). E tudo isto não está distante de nós, como talvez pudesse parecer num primeiro momento, porque todos nós somos filhos do Pai, de Deus, todos nós somos irmãos de Jesus e todos nós somos também filhos de Maria, nossa Mãe. E todos nós estamos orientados para a felicidade. A felicidade para a qual todos nós tendemos é Deus, e assim todos nós estamos a caminho daquela felicidade, que chamamos Céu, que na realidade é Deus. E Maria nos ajude, nos encoraje a fazer com que cada momento da nossa existência seja um passo neste êxodo, neste caminho rumo a Deus. Assim, nos ajude a tornar presente também a realidade do céu, a grandeza de Deus, na vida do nosso mundo. No fundo não é este o dinamismo pascal do homem, de cada homem que deseja tornar-se celeste, totalmente feliz, em virtude da Ressurreição de Cristo? E não é porventura este o início e a antecipação de um movimento que diz respeito a cada ser humano e ao cosmos inteiro? Aquela de quem Deus tinha tomado a sua carne, e cujo coração fora trespassado por uma espada no Calvário, encontrava-se associada por primeiro e de modo singular ao mistério desta transformação, para a qual todos nós tendemos, muitas vezes também nós trespassados pela espada do sofrimento neste mundo.

A nova Eva seguiu o novo Adão no sofrimento, na Paixão e deste modo também na alegria definitiva. Cristo é a primícia, mas a sua carne ressuscitada é inseparável da carne da sua Mãe terrena, Maria, e nela toda a humanidade está envolvida na Assunção a Deus, e com Ela toda a criação, cujos gemidos e sofrimentos são como diz São Paulo as dores do parto da nova humanidade. Nascem assim os novos céus e a nova terra, onde já não haverá pranto, nem lamentações, porque não haverá mais morte (cf. Ap 21,1-4).

Como é grandioso o mistério de amor que hoje se repropõe à nossa contemplação! Cristo venceu a morte com a omnipotência do seu amor. Só o amor é omnipotente. Este amor impeliu Cristo a morrer por nós e assim a vencer a morte. Sim, unicamente o amor faz entrar no reino da vida! E Maria entrou após o Filho, associada à sua glória, depois que foi associada à sua paixão. Entrou com um ímpeto irrefreável, conservando depois de si mesma o caminho aberto para todos nós. É por isso que no dia de hoje a invocamos. "Porta do céu", "Rainha dos anjos" e "Refúgio dos pecadores". Sem dúvida, não são os raciocínios que nos fazem compreender estas realidades tão sublimes, mas sim a fé simples, pura, e o silêncio da oração que nos põe em contacto com o Mistério que nos ultrapassa infinitamente. A oração ajuda-nos a falar com Deus e a sentir como o Senhor fala ao nosso coração.

Peçamos a Maria que nos conceda hoje o dom da sua fé, a fé que nos faça viver já nesta dimensão entre o finito e o infinito, a fé que transforma também o sentimento do tempo e do transcorrer da nossa existência, aquela fé na qual sentimos intimamente que a nossa vida não se encontra encerrada no passado, mas orientada para o futuro, para Deus, aonde Cristo e, depois dele, Maria nos precederam.

Contemplando Nossa Senhora da Assunção no céu compreendemos melhor que a nossa vida de todos os dias, não obstante seja marcada por provações e dificuldades, corre como um rio rumo ao oceano divino, para a plenitude da alegria e da paz. Entendemos que o nosso morrer não é o fim, mas o ingresso na vida que não conhece a morte. O nosso crepúsculo no horizonte deste mundo é um ressurgir na aurora do mundo novo, do dia eterno.

"Maria, enquanto nos acompanhas nas dificuldades do nosso viver e morrer diários, conserva-nos constantemente orientados para a verdadeira pátria da bem-aventurança. Ajuda-nos a fazer como Tu fizeste".

Amados irmãos e irmãs, queridos amigos que na manhã de hoje participais nesta celebração, dirijamos em conjunto esta oração a Maria. Diante do triste espectáculo de tanta alegria falsa e, contemporaneamente, de tanta dor angustiada que se difunde pelo mundo, temos que aprender dela a tornar-nos sinais de esperança e de consolação, temos que anunciar com a nossa vida a Ressurreição de Cristo.

"Ajuda-nos Tu, ó Mãe, fúlgida Porta do céu, Mãe da Misericórdia, nascente através da qual brotou a nossa vida e a nossa alegria, Jesus Cristo.

Amém!".




Domingo, 7 de Setembro de 2008: VISITA PASTORAL A CAGLIARI

CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA DIANTE DO SANTUÁRIO DE NOSSA SENHORA DE BONÁRIA NA SARDENHA

7908

Queridos irmãos e irmãs!

O espectáculo mais bonito que um povo pode oferecer é sem dúvida o da própria fé. Neste momento verifico pessoalmente uma manifestação comovedora da fé que vos anima, e por isto desejo expressar-vos imediatamente a minha admiração. Aceitei de bom grado o convite para vir a esta vossa lindíssima Ilha por ocasião do centenário da proclamação de Nossa Senhora de Bonária como vossa Principal Padroeira. Hoje, juntamente com a visão da maravilhosa natureza que nos circunda, vós ofereceis-me a da devoção fervorosa que sentis pela Virgem Santíssima. Obrigado por este bonito testemunho!

Saúdo-vos a todos com grande afecto, começando pelo Arcebispo de Cágliari, D. Giuseppe Mani, Presidente da Conferência Episcopal sarda, ao qual agradeço as palavras afáveis pronunciadas no início da santa Missa também em nome dos outros Bispos, aos quais dirijo o meu cordial pensamento, e da inteira comunidade eclesial que vive na Sardenha. Obrigado sobretudo pelo empenho com que quisestes preparar esta minha visita pastoral. E vejo que efectivamente tudo foi preparado de modo perfeito. Saúdo as Autoridades civis e em particular o Presidente da Câmara Municipal, que me dirigirá a saudação em seu nome e em nome da cidade. Saúdo as outras Autoridades presentes e a elas expresso o meu reconhecimento pela colaboração generosamente oferecida à organização da minha visita aqui na Sardenha. Desejo ainda saudar os sacerdotes, de modo especial a Comunidade dos Padres Mercedários, os diáconos, os religiosos e as religiosas, os responsáveis das associações e dos movimentos eclesiais, os jovens e todos os fiéis, com uma recordação cordial pelos idosos centenários, que pude saudar ao entrar na igreja, e quantos estão unidos a nós espiritualmente ou através da rádio e da televisão. De modo totalmente especial, saúdo os doentes e os que sofrem, com um pensamento particular pelos mais pequenos.

Estamos no dia do Senhor, o Domingo, mas dada a circunstância particular a liturgia da Palavra propôs-nos leituras próprias das celebrações dedicadas à Bem-Aventurada Virgem. Trata-se, em particular, dos textos previstos para a festa da Natividade de Maria, que há séculos foi estabelecida a 8 de Setembro, data em que em Jerusalém foi consagrada a basílica construída em cima da casa de Santa Ana, mãe de Nossa Senhora. São leituras que de facto contêm sempre a referência ao mistério do nascimento. Antes de tudo, na primeira leitura, o oráculo maravilhoso do profeta Miqueias sobre Belém, no qual se anuncia o nascimento do Messias. Ele, diz-nos o oráculo, será descendente do rei David, betlemita como Ele, mas a sua figura excederá os limites do humano: "as suas origens" diz "são da antiguidade", perdem-se nos tempos mais distantes, ultrapassam o eterno; a sua grandeza chegará "até aos extremos confins da terra" e tais serão também os confins da paz (cf.
Mi 5,1-4). O advento deste "Ungido do Senhor", que marcará o início da libertação do povo, é definido pelo profeta com uma expressão enigmática: "quando aquela que deverá dar à luz, der à luz" (Mi 5,2).Assim, a liturgia que é escola privilegiada da fé nos ensina a reconhecer no nascimento de Maria uma ligação directa com a do Messias, Filho de David.

O Evangelho, uma página do apóstolo Mateus, propos-nos precisamente a narração do nascimento de Jesus. Mas o Evangelista fá-lo preceder da exposição da genealogia, que ele coloca no início do seu Evangelho como um prólogo. Também aqui o papel de Maria na história da salvação sobressai em toda a sua evidência: o ser de Maria é totalmente relativo a Cristo, em particular à sua encarnação. "Jacob gerou a José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo" (Mt 1,16). Torna-se evidente a descontinuidade que existe no esquema da genealogia: não se lê "gerou", mas "Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo". Precisamente nisto se capta a beleza do desígnio de Deus, que respeitando o humano o fecunda a partir de dentro, fazendo desabrochar da humilde Virgem de Nazaré o fruto mais bonito da sua obra criadora e redentora. O Evangelista coloca depois na cena a figura de José, o seu drama interior, a sua fé robusta e a sua exemplar rectidão. Por detrás dos seus pensamentos e das suas deliberações há o amor a Deus e a vontade firme de lhe obedecer. Mas como não sentir que a perturbação e depois a oração e a decisão de José são movidos, ao mesmo tempo, pela estima e pelo amor à sua esposa prometida? A beleza de Deus e a de Maria são, no coração de José, inseparáveis; ele sabe que entre elas não pode haver contradição; procura em Deus a resposta e encontra-a na luz da Palavra e do Espírito Santo: "Eis que conceberá e dará à luz um filho; e chama-l'O-ão Emmanuel, que quer dizer: Deus connosco" (Mt 1,23 cf. Is 7,14).

Assim podemos, mais uma vez, contemplar o lugar que Maria ocupa no desígnio salvífico de Deus, aquele "desígnio" que reencontramos na segunda leitura, tirada da Carta aos Romanos. Aqui o apóstolo Paulo expressa em dois versículos de singular densidade a síntese do que é a existência humana sob o ponto de vista meta-histórico: uma parábola de salvação que parte de Deus e a Ele chega de novo: uma parábola totalmente movida e governada pelo seu amor. Trata-se de um desígnio salvífico totalmente permeado pela liberdade divina, que contudo espera uma contribuição fundamental da liberdade humana: a correspondência da criatura ao amor do Criador. E é aqui, neste espaço da liberdade humana, que percebemos a presença da Virgem Maria, sem que ela seja explicitamente nomeada: de facto ela é, em Cristo, primícia e modelo dos "que amam a Deus" (Rm 8,28). Na predestinação de Jesus está inscrita a predestinação de Maria, assim como a de cada pessoa humana. O "eis-me" do Filho encontra o "eis-me" da Mãe (cf. He 10,6), assim como o "eis-me" de todos os filhos adoptivos no Filho, precisamente de todos nós.

Queridos amigos de Cágliari e da Sardenha, também o vosso povo, graças à fé em Cristo e mediante a maternidade espiritual de Maria e da Igreja, foi chamado a inserir-se na "genealogia" espiritual do Evangelho. Na Sardenha o cristianismo chegou não com as espadas dos conquistadores ou por imposição estrangeira, mas germinou do sangue dos mártires que aqui doaram a sua vida como acto de amor a Deus e aos homens. Foi nas vossas minas que ressoou pela primeira vez a Boa Nova levada pelo Papa Ponciano e pelo presbítero Hipólito e por tantos irmãos condenados ad metalla pela sua fé em Cristo. Assim também Saturnino, Gavino, Proto e Januário, Simplício, Luxório, Efísio e Antíoco foram testemunhas da dedicação total a Cristo como verdadeiro Deus e Senhor. O testemunho do martírio conquistou um ânimo orgulhoso como o dos sardos, instintivamente refractário a tudo o que vinha do mar. Do exemplo dos mártires ganhou vigor o bispo Lucífero de Cágliari, que defendeu a ortodoxia contra o arianismo e se opôs, juntamente com Eusébio de Vercelli, também ele de Cágliari, à condenação de Atanásio no Concílio de Milão de 335, e por isto ambos, Lucífero e Eusébio, foram condenados ao exílio, um exílio muito duro. A Sardenha nunca foi terra de heresias; o seu povo manifestou sempre fidelidade filial a Cristo e à Sé de Pedro. Sim, queridos amigos, no suceder-se das invasões e das dominações, a fé em Cristo permaneceu na alma das vossas populações como elemento constitutivo da vossa própria identidade sarda.

Depois dos mártires, no século V, chegaram da África romana numerosos Bispos que, não tendo aderido à heresia ariana, tiveram que sofrer o exílio. Ao vir para a Ilha, eles trouxeram consigo a riqueza da sua fé. Foram mais de cem Bispos que, sob a guia de Fulgêncio de Ruspe, fundaram mosteiros e intensificaram a evangelização. Juntamente com as relíquias gloriosas de Agostinho, trouxeram a riqueza da sua tradição litúrgica e espiritual, das quais vós ainda conservais os vestígios. Assim a fé radicou-se cada vez mais no coração dos fiéis até se tornar cultura e dar frutos de santidade. Inácio de Láconi, Nicolau de Gésturi são os santos nos quais a Sardenha se reconhece. A mártir Antónia Masina, a contemplativa Gabriella Sagheddu e a irmã da caridade Giuseppina Nicóli são a expressão de uma juventude capaz de seguir grandes ideais. Esta fé simples e corajosa, continua a viver nas vossas comunidades, nas vossas famílias, onde se respira o perfume evangélico das virtudes próprias da vossa terra: a fidelidade, a dignidade, a discrição, a sobriedade, o sentido do dever.

E depois, obviamente, o amor a Nossa Senhora. Estamos de facto hoje aqui para comemorar um grande acto de fé, que os vossos pais realizaram confiando a própria vida à Mãe de Cristo, quando a escolheram como Padroeira máxima da Ilha. Na época não podiam saber que o século XX teria sido muito difícil, mas foi sem dúvida precisamente nesta consagração a Maria que encontraram em seguida a força para enfrentar as dificuldades que incumbiram, especialmente com as duas guerras mundiais. Só podia ser assim. A vossa Ilha, queridos amigos da Sardenha, não podia ter outra protectora a não ser Nossa Senhora. Ela é a Mãe, a Filha e a Esposa por excelência: Sa Mama, Fiza, Isposa de su Segnore", como gostais de cantar. A Mãe que ama, protege, aconselha, conforta, dá a vida, para que a vida nasça e perdure. A Filha que honra a sua família, sempre atenta às necessidades dos irmãos e das irmãs, solícita ao tornar a sua casa bela e acolhedora. A Esposa capaz de amor fiel e paciente, de sacrifício e de esperança. Na Sardenha estão dedicadas a Maria 350 igrejas e santuários. Um povo de mães reflecte-se na humilde jovem de Nazaré, que com o seu "sim" permitiu que o Verbo se fizesse carne.

Sei bem que Maria está no vosso coração. Depois de cem anos queremos hoje agradecer-lhe a sua protecção e renovar-lhe a nossa confiança, reconhecendo nela a "Estrela da nova evangelização", em cuja escola aprender como levar Cristo Salvador aos homens e às mulheres contemporâneos. Maria vos ajude a levar Cristo às famílias, pequenas igrejas domésticas e células da sociedade, hoje necessitadas como nunca de confiança e de apoio quer a nível espiritual quer social. Ajude-vos a encontrar as estratégias pastorais oportunas para fazer com que Cristo seja encontrado pelos jovens, que por sua natureza possuem um novo impulso, mas são com frequência vítimas do niilismo difundido, sequiosos de verdade e de ideais precisamente quando parece que os negam. Ela vos torne capazes de evangelizar o mundo do trabalho, da economia, da política, que precisa de uma nova geração de leigos cristãos comprometidos, capazes de procurar com competência e rigor moral soluções de desenvolvimento sustentável. Em todos estes aspectos do compromisso cristão podeis contar sempre com a guia e o apoio da Virgem Santa. Confiemo-nos portanto à sua materna intercessão.

Maria é porto, refúgio e protecção para o povo sardo, que tem em si a força do carvalho. Passam as tempestades mas ela resiste; infurecem os incêndios mas ela germina de novo; vem a seca e ela ainda vence. Renovemos portanto com alegria a nossa consagração a uma Mãe tão solícita. As gerações dos Sardos, disto tenho a certeza, continuarão a subir ao Santuário de Bonária para invocar a protecção da Virgem. Nunca permanecerá desiludido quem se confia a Nossa Senhora de Bonária, Mãe misericordiosa e poderosa. Maria, Rainha da Paz e estrela da esperança, intercede por nós. Amém!






Quarta-feira, 10 de Setembro de 2008: CAPELA PAPAL NAS EXÉQUIAS DO CARDEAL ANTONIO INNOCENTI

PALAVRAS DO PAPA BENTO XVI NO FINAL DA CELEBRAÇÃO

10908

Altar da Cátedra, Basílica Vaticana


Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Queridos irmãos e irmãs!

Reunistes-vos em volta do altar do Senhor para acompanhar com a celebração do Sacrifício eucarístico, no qual se revive o Mistério pascal, a última viagem do amado Cardeal Antonio Innocenti. Ao dirigir a cada um de vós a minha cordial saudação, agradeço em particular ao Cardeal Sodano que, como Decano do Colégio Cardinalício, presidiu à Santa Missa exequial. Todos recordamos com afecto o nosso saudoso Irmão, e isto torna a nossa oração ainda mais fervorosa e sentida. Sobretudo anima-nos a fé no Senhor ressuscitado, que é fonte de vida eterna para quantos crêem n'Ele e o seguem com amor.

O amado Defunto teve uma longa vida, empregue ao serviço do Senhor: já nos primeiros anos da adolescência ele se colocou no seguimento de Jesus, entrando no Seminário Episcopal de Fiésole. Apraz-nos recordá-lo à luz da bela expressão do Eclesiástico, contida no início da primeira Leitura: "Meu filho, se entrares para o serviço de Deus, prepara a tua alma para a provação. Humilha o teu coração e sê constante, não te perturbes no tempo do infortúnio" (
Si 2,1-2). Como para Jesus, assim para quantos são chamados a segui-lo mais de perto, a vida interna se torna um combate espiritual, que se enfrenta e se vence correspondendo generosa e alegremente à graça de Deus e à sua indefectível fidelidade. "Confia em Deus e Ele te salvará" (Si 2,6), exorta o Eclesiástico; e ainda: "Vós, que temeis o Senhor, confiai n'Ele" (Si 2,8). Mas ao mesmo tempo sugere também atitudes de sabedoria: "Aceita tudo o que te acontecer, e nas vicissitudes da tua humilhação tem paciência, porque no fogo se prova o ouro e os homens agradáveis a Deus no caminho da humilhação" (Si 2,4-5). Fé e sabedoria de vida, estreitamente enlaçadas, caracterizam o estilo do discípulo do Senhor e de modo particular do seu ministério ordenado, até chegar àquela conformação total, que o apóstolo Paulo confessava de si próprio: "Mihi vivere Christus est" (Ph 1,21). Com a extraordinária concisão que o Espírito Santo lhe inspirava, São Paulo resume nestas palavras a forma perfeita da existência cristã: é um estar com Jesus, um ser n'Ele a tal ponto que esta comunhão supera o limiar de separação entre a vida terrena e o além, de modo que a própria morte do corpo já não é uma perda mas "um lucro" (ibid. Ph 1,21).

Trata-se naturalmente de uma meta, que está sempre de certa forma diante de nós, mas que contudo já podemos como o Apóstolo antecipar nesta vida, sobretudo graças ao sacramento da Eucaristia, vínculo real de comunhão com Cristo morto e ressuscitado. Se a Eucaristia se torna forma da nossa existência, então verdadeiramente para nós viver é Cristo e morrer equivale a passar plenamente para Ele e para a vida trinitária de Deus, onde será plena também a comunhão com os nossos irmãos. "Quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue fica em Mim e Eu nele... o que come deste pão, viverá eternamente" (Jn 6,56 Jn 6,58). As palavras do Senhor Jesus, que ressoaram nesta liturgia, são luz de fé e de esperança e conferem à nossa oração de sufrágio um fundamento sólido e seguro. Aquele fundamento sobre o qual o Cardeal Innocenti construiu a sua vida.

Originário de Poppi, na Diocese de Fiésole e província de Arezzo, recebeu a Ordenação sacerdotal em 1938 e, depois de uma significativa experiência pastoral no mundo do trabalho, foi enviado para Roma a fim de se especializar em teologia e em direito. Regressando à Diocese, ensinou no Seminário e assistiu o Bispo nas visitas pastorais durante a segunda guerra mundial. Naquele dramático período, distinguiu-se por abnegação e generosidade ao ajudar o povo e salvar quantos estavam destinados à deportação. Por isso foi também preso e condenado ao fuzilamento, mas quando já estava diante do pelotão de execução a ordem foi revogada. Depois da guerra, completou os estudos teológicos em Roma, e o então Substituto da Secretaria de Estado, D. Giovanni Battista Montini, convidou-o a frequentar a Pontifícia Academia Eclesiástica. Entrou portanto no serviço diplomático da Santa Sé. Teve a ocasião de conhecer diversos países em África, na Europa e no Médio Oriente, sem nunca esquecer a sua profunda e genuína inspiração sacerdotal, prodigalizando-se a favor dos irmãos, infundindo coragem e alimentando em todos a fé e a esperança cristã.

Nomeado Representante Pontifício no Paraguai, recebeu a Ordenação episcopal em 1968. Depois foi chamado de novo a Roma a fim de assumir o cargo de Secretário da Congregação para os Sacramentos e o Culto Divino. Sucessivamente, em 1980, foi enviado como Núncio Apostólico na Espanha, onde por duas vezes recebeu o meu venerado predecessor João Paulo II em visita pastoral. Em Maio de 1985, ele criou-o Cardeal e a partir daquele momento o nosso saudoso Irmão foi inserido ainda mais profundamente na vida da Igreja de Roma. Com um novo e mais elevado título ele continuou a prestar a sua apreciada colaboração ao Sumo Pontífice, como Prefeito da Congregação para o Clero, Presidente da Pontifícia Comissão para a preservação do património artístico e histórico da Igreja e da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei.

Apraz-me concluir esta breve reflexão referindo-me ao moto episcopal do Cardeal Antonio Innocenti: "Lucem spero fide". Palavras muito apropriadas neste momento; palavras que ele, às pessoas que lhe estavam próximas, disse ter levado sempre no coração depois que, desde adolescente, tinha recebido o dom da vocação sacerdotal. Agora que passou o último limiar, rezemos para que a fé e a esperança deixem o lugar à "maior de todas" as realidades, a caridade, que "nunca terá fim" (1Co 13,8 1Co 13,13). Demos graças pelo dom de o termos conhecido e por todos os benefícios que, nele e através dele, o Senhor concedeu à santa Igreja. Ao invocar para este nosso Irmão a materna intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, recomendemos a alma eleita ao Pai da vida, para que o acolha no seu reino de luz e de paz.





VIAGEM APOSTÓLICA À FRANÇA POR OCASIÃO DO 150º ANIVERSÁRIO DAS APARIÇÕES DE LOURDES (12 - 15 DE SETEMBRO DE 2008)




Sexta-feira, 12 de Setembro de 2008: CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS COM OS SACERDOTES, OS RELIGIOSOS, AS RELIGIOSAS, OS SEMINARISTAS E OS DIÁCONOS

12908

Catedral de Notre-Dame, Paris



Dilectos Irmãos Cardeais e Bispos,
Senhores Cónegos do Cabido,
Senhores Capelães de Notre-Dame,
Amados sacerdotes e diáconos,
Caros amigos das Igrejas e das Comunidades eclesiais não católicas,
Queridos irmãos e irmãs,

Bendito seja Deus que permite encontrarmo-nos neste lugar tão querido ao coração dos parisienses e de todos os franceses. Bendito seja Deus que nos concede a graça de Lhe oferecermos em homenagem a nossa oração vespertina, elevando para Ele o louvor que merece com as palavras que a liturgia da Igreja herdou da liturgia sinagogal praticada por Cristo e seus primeiros discípulos. Sim, bendito seja Deus que vem em nossa ajuda – in adiutorium nostrum – para fazermos subir até Ele a oblação do sacrifício dos nossos lábios.

Encontramo-nos aqui na igreja-mãe da diocese de Paris, a catedral de Notre-Dame, que se levanta no coração da cidade como sinal vivo da presença de Deus no meio dos homens. O meu Predecessor Alexandre III pôs a sua primeira pedra e os Papas Pio VII e João Paulo II honraram-na com a sua visita, sentindo-me feliz por me colocar agora no seu séquito, eu que já tinha vindo aqui há um quarto de século pronunciar uma conferência sobre a catequese. À vista da beleza do edifício onde nos reunimos, é difícil não prorromper em acções de graças Àquele que criou a matéria e também o espírito. Os cristãos de Lutécia tinham já construído uma catedral dedicada a Santo Estêvão, primeiro mártir, mas depois tornou-se demasiado pequena e progressivamente, entre os séculos XII e XIV, foi substituída por aquela que admiramos nos nossos dias. A fé da Idade Média edificou as catedrais, e os vossos antepassados vieram aqui louvar a Deus, confiar-Lhe as próprias esperanças e exprimir-Lhe o seu amor. Grandes acontecimentos religiosos e civis tiveram lugar neste santuário, onde os arquitectos, os pintores, os escultores e os músicos deram o melhor de si mesmos. Basta recordar, entre muitos outros, os nomes do arquitecto Jean de Chelles, do pintor Charles Le Brun, do escultor Nicolas Coustou e dos organistas Louis Vierne e Pierre Cochereau. A arte, caminho para Deus, e a oração coral, louvor da Igreja ao Criador, ajudaram Paul Claudel, que veio aqui assistir às Vésperas do dia de Natal de 1886, a encontrar o caminho para uma experiência pessoal de Deus. É significativo que Deus tenha iluminado a sua alma precisamente durante o canto do Magnificat, quando a Igreja escuta o cântico da Virgem Maria, Santa Padroeira destes lugares, que recorda ao mundo que o Omnipotente exaltou os humildes (cf.
Lc 1,52). Teatro de conversões menos conhecidas mas nem por isso menos reais, púlpito onde pregadores do Evangelho, como os Padres Lacordaire, Monsabré e Samson, souberam transmitir a chama da própria paixão às mais variadas assembleias de ouvintes, a Catedral de Notre-Dame permanece justamente um dos monumentos mais célebres do património do vosso país. As relíquias da Vera Cruz e da Coroa de Espinhos, que acabei de venerar como é costume desde São Luís para cá, receberam hoje um digno escrínio, que constitui a oferta do espírito dos homens ao Amor criador.

Sob as abóbadas desta histórica Catedral, testemunha do intercâmbio incessante que Deus quis estabelecer entre Si mesmo e os homens, acabou de ressoar a Palavra para ser a matéria do nosso sacrifício da tarde, sublinhado pela oblação do incenso que torna visível o nosso louvor a Deus. Providencialmente, as palavras do Salmista descrevem a emoção da nossa alma com uma precisão tal que não teríamos ousado sequer imaginar: «Alegrei-me quando me disseram: “Vamos para a casa do Senhor!”» (Ps 121,1). Laetatus sum in his quae dicta sunt mihi: a alegria do Salmista, encerrada nas próprias palavras do Salmo, difunde-se nos nossos corações e aí suscita um eco profundo. A nossa alegria é ir à casa do Senhor, porque, como nos ensinaram os Padres, esta casa não é senão o símbolo concreto da Jerusalém do Alto, aquela que desce até nós (cf. Ap 21,2) para nos oferecer a mais bela das moradas. «Se nela habitarmos – escreve Santo Hilário de Poitier –, somos concidadãos dos santos e membros da família de Deus, porque é a casa de Deus» (Tract. in Psal. 121, 2). E Santo Agostinho acrescenta: «Este Salmo aspira à Jerusalém celeste... É um cântico dos degraus, que não são feitos para pessoas que descem mas que sobem... No nosso exílio suspiramos, na pátria gozaremos; mas entretanto, durante o exílio, encontramos companheiros que já viram a cidade santa e convidam-nos a correr para ela» (Enarr. in Psal. 121, 2). Durante estas Vésperas, queridos amigos, com o pensamento e em oração unimo-nos às vozes inumeráveis de quantos, homens e mulheres, cantaram este Salmo precisamente aqui, antes de nós, ao longo de séculos e séculos. Unimo-nos a estes peregrinos que subiam para Jerusalém e os degraus do seu Templo, unimo-nos aos milhares de homens e mulheres que compreenderam que a sua peregrinação na terra haveria de encontrar a sua meta no céu, a Jerusalém eterna, tendo posto a sua confiança em Cristo para conseguirem chegar lá. Na realidade, que alegria saber que estamos circundados de maneira invisível por uma tal multidão de testemunhas!

O nosso caminho para a Cidade santa não seria possível, se não o percorrêssemos na Igreja, germe e prefiguração da Jerusalém do Alto. «Se o Senhor não constrói a casa, em vão labutam os seus construtores» (Ps 126,1). Quem mais poderia ser este Senhor, senão nosso Senhor Jesus Cristo? Foi Ele que fundou a Igreja, que a construiu sobre a rocha, sobre a fé do apóstolo Pedro. Como diz sempre Santo Agostinho, «é o próprio Jesus Cristo, nosso Senhor, que edifica a sua casa. Muitos labutam na sua construção, mas se Ele não intervém na construção, em vão labutam os construtores» (Enarr. in Psal. 126, 2). Pois bem, queridos amigos, Agostinho interroga-se sobre quem possam ser estes trabalhadores, ao que ele mesmo responde: «Aqueles que na Igreja pregam a Palavra de Deus, todos os ministros dos sacramentos divinos. Todos nós corremos, todos trabalhamos, todos edificamos»; mas é somente Deus que, em nós, «edifica, que exorta e incute temor, que abre o intelecto e guia para a fé o vosso sentimento» (Ibidem). De que maravilha se reveste a nossa acção ao serviço da Palavra divina! Somos os instrumentos do Espírito; Deus tem a humildade de passar através de nós para difundir a sua Palavra. Tornamo-nos a sua voz, depois de termos estendido o ouvido para a sua boca. Pomos a sua Palavra nos nossos lábios, para a transmitir ao mundo. A oferenda da nossa oração é-Lhe agradável e serve para Ele Se comunicar a quantos encontramos. Na verdade, como diz Paulo aos Efésios: «Ele abençoou-nos com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo» (Ep 1,3), porque nos escolheu para sermos suas testemunhas até aos confins da terra, tendo-nos para isso eleito ainda antes da nossa concepção através de um dom misterioso da sua graça.

A sua Palavra, o Verbo, que desde sempre esteve junto d’Ele (cf. Jn 1,1), nasceu de uma Mulher, nasceu sob a Lei, «para resgatar aqueles que estavam submetidos à Lei, a fim de que fôssemos adoptados como filhos» (Ga 4,4-5). O Filho de Deus encarnou no seio de uma Mulher, de uma Virgem. A vossa catedral é um vivo hino de pedra e de luz em louvor deste acto único da história da humanidade: a Palavra eterna de Deus que entra na história dos homens na plenitude dos tempos, para os resgatar mediante a oferta de Si mesmo no sacrifício da Cruz. As nossas liturgias da terra, inteiramente dedicadas a celebrar este acto único da história, não conseguirão nunca expressar totalmente a sua densidade infinita. Sem dúvida, a beleza dos ritos nunca será bastante procurada, nem suficientemente cuidada nem assaz elaborada, porque nada é demasiado belo para Deus, que é a Beleza infinita. As nossas liturgias terrestres não poderão ser senão um pálido reflexo da liturgia que se celebra na Jerusalém do céu, ponto de chegada da nossa peregrinação na terra. Possam, porém, as nossas celebrações aproximar-se o mais possível dela, permitindo-nos antegozá-la!

Desde agora, é-nos dada a Palavra de Deus para ser a alma do nosso apostolado, a alma da nossa vida de sacerdotes. Cada manhã a Palavra desperta-nos. Cada manhã o próprio Senhor «abre-nos os ouvidos» (Is 50,5), com os salmos do Ofício de Leituras e das Laudes. E no decurso do dia inteiro, a Palavra de Deus torna-se matéria da oração de toda a Igreja, que assim deseja dar testemunho da sua fidelidade a Jesus Cristo. Segundo a célebre fórmula de São Jerónimo, que será retomada durante a XII Assembleia do Sínodo dos Bispos no próximo mês de Outubro: «Ignorar as Escrituras é ignorar Cristo» (Prólogo do Comentário a IS). Estimados irmãos sacerdotes, não tenhais medo de consagrar uma parte considerável do vosso tempo à leitura, à meditação da Escritura e à oração do Ofício Divino. Quase sem dardes por isso, a Palavra lida e meditada na Igreja age em vós e transforma-vos. Ela, enquanto manifestação da Sabedoria de Deus, se se tornar «companheira» da vossa vida, acabará por ser vossa «conselheira de boas acções», vosso «conforto nas preocupações e nos sofrimentos» (Sg 8,9).

«A Palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes», como escreve o autor da Carta aos Hebreus (He 4,12). A vós, queridos seminaristas, que vos preparais para receber o sacramento da Ordem a fim de participardes na tríplice tarefa de ensinar, reger e santificar, esta Palavra é entregue como um bem precioso. Graças a ela, se a meditardes diariamente, entrareis na própria vida de Cristo que sois chamados a difundir ao vosso redor. Através da sua palavra, o Senhor Jesus instituiu o santíssimo sacramento do seu Corpo e Sangue; com a sua palavra, curou os doentes, expulsou os demónios, perdoou os pecados; mediante a sua palavra, revelou aos homens os mistérios escondidos do Reino. Vós sois destinados a tornar-vos depositários desta Palavra eficaz, que cumpre o que diz. Conservai sempre em vós o gosto pela Palavra de Deus! Aprendei, graças a ela, a amar todos aqueles que encontrardes ao longo do vosso caminho. Ninguém é demais na Igreja, ninguém! Nela todos podem e devem encontrar o seu próprio lugar.

E vós, estimados diáconos, que sois colaboradores eficazes dos Bispos e dos sacerdotes, continuai a amar a Palavra de Deus: vós proclamais o Evangelho no coração da celebração eucarística; comentais-lo na catequese que dirigis aos vossos irmãos e irmãs: colocai-o no centro da vossa vida, do serviço ao próximo, de toda a vossa diaconia. Sem procurar ocupar o lugar dos sacerdotes, mas ajudando-os com amizade e eficiência, sabei ser testemunhas vivas da força infinita da Palavra divina!

Quanto aos religiosos, religiosas e todas as pessoas consagradas, vivem a título particular da Sabedoria de Deus, expressa mediante a sua Palavra. Queridos consagrados, a profissão dos conselhos evangélicos configurou-vos Àquele que, por nós, Se fez pobre, obediente e casto. A vossa única riqueza – a única, a bem dizer, que superará os séculos e o véu da morte – é precisamente a Palavra do Senhor. Ele mesmo disse: «O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão» (Mt 24,35). A vossa obediência é, etimologicamente, uma escuta, considerando que a palavra «obedecer» deriva do latim ob-audire, que significa estender o ouvido para algo ou para alguém. Obedecendo, estendeis a vossa alma para Aquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. Jn 14,6), e que vos diz, como Bento ensinava aos seus monges: «Ouve, filho, as instruções do mestre e presta atenção com o ouvido do teu coração» (Prólogo da Regra). Enfim, deixai-vos purificar todos os dias por Aquele que nos disse: «Todo o ramo que dá fruto, Ele [o Pai] poda-o para que dê ainda mais fruto» (Jn 15,2). A pureza da Palavra de Deus é o modelo da vossa própria castidade; garante a sua fecundidade espiritual.

Com confiança indefectível na força de Deus que nos redimiu «na esperança» (cf. Rm 8,24) e que quer fazer de nós um único rebanho sob a guia de um só pastor, Jesus Cristo, rezo pela unidade da Igreja. Saúdo novamente com respeito e afecto os representantes das Igrejas cristãs e das Comunidades eclesiais, que vieram rezar fraternalmente connosco as Vésperas nesta catedral. A força da Palavra de Deus é tão grande, que todos nós podemos ser confiados a ela, como na sua época fez São Paulo, nosso intercessor privilegiado no corrente ano. Ao despedir-se em Mileto dos anciãos da cidade de Éfeso, ele não hesitava em confiá-los «a Deus e à palavra da sua graça» (Ac 20,32), alertando-os contra toda a forma de divisão. É o sentido desta unidade da Palavra de Deus, sinal, penhor e garantia da unidade da Igreja, que peço ardentemente ao Senhor que faça crescer em nós: não existe amor na Igreja sem o amor pela Palavra, não há Igreja sem unidade em redor de Cristo Redentor, não existem frutos de redenção sem amor a Deus e ao próximo, segundo os dois mandamentos que resumem toda a Sagrada Escritura.

Amados irmãos e irmãs, temos em Maria Santíssima o mais belo exemplo de fidelidade à Palavra divina. Esta fidelidade foi tão grande que se fez Encarnação: «Eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1,38) – disse Ela com confiança absoluta. A nossa oração da tarde retoma o Magnificat d’Aquela que todas as gerações chamarão bem-aventurada, porque acreditou no cumprimento das palavras que lhe tinham sido ditas da parte do Senhor (cf. Lc 1,45); contra toda a esperança Ela esperou na ressurreição do seu Filho; amou a humanidade a ponto de à mesma ser dada por Mãe (cf. Jn 19,27). Maria «sente-Se verdadeiramente em casa na Palavra de Deus, dela sai e a ela volta com naturalidade. Fala e pensa com a Palavra de Deus; esta torna-se palavra d’Ela, e a sua palavra nasce da Palavra de Deus» (Enc. Deus caritas est ). Podemos dizer-lhe com serenidade: «Santa Maria, Mãe de Deus, Mãe nossa, ensinai-nos a crer, esperar e amar convosco. Indicai-nos o caminho para o seu reino» (Enc. Spe salvi, ). Amen.







Bento XVI Homilias 20708