Bento XVI Homilias 15908

Segunda-feira, 15 de Setembro de 2008: SANTA MISSA COM OS DOENTES

15908

Sagrado da Basílica de Nossa Senhora do Rosário, Lourdes





Amados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Queridos doentes, prezados acompanhantes e enfermeiros,
Caros irmãos e irmãs!

Ontem celebrámos a Cruz de Cristo, instrumento da nossa salvação, que nos revela em plenitude a misericórdia do nosso Deus. A Cruz é realmente o lugar onde se manifesta perfeitamente a compaixão de Deus pelo nosso mundo. Hoje, ao celebrarmos a memória de Nossa Senhora das Dores, contemplamos Maria que partilha a compaixão do Filho pelos pecadores. Como afirmava São Bernardo, a Mãe de Cristo entrou na Paixão do Filho através da sua compaixão (cf. Homilia do Domingo na Oitava da Assunção). Ao pé da Cruz cumpre-se a profecia de Simeão: o seu coração de Mãe é trespassado (cf.
Lc 2,35) pelo suplício infligido ao Inocente, nascido da sua carne. Tal como Jesus chorou (cf. Jn 11,35), também Maria terá certamente chorado diante do corpo torturado do Filho. Todavia, a sua discrição impede-nos de medir o abismo da sua dor; a profundidade desta aflição é apenas sugerida pelo tradicional símbolo das sete espadas. Como sucedeu com seu Filho Jesus, é possível afirmar que este sofrimento levou-A também a Ela à perfeição (cf. He 2,10), de modo a torná-La capaz de acolher a nova missão espiritual que o Filho Lhe confia imediatamente antes de “entregar o espírito” (cf. Jn 19,30): tornar-Se a Mãe de Cristo nos seus membros. Naquela hora, através da figura do discípulo amado, Jesus apresenta cada um dos seus discípulos à Mãe dizendo-Lhe: “Eis o teu filho” (cf. Jn 19,26-27).

Maria vive hoje na alegria e glória da Ressurreição. As lágrimas derramadas ao pé da Cruz transformaram-se num sorriso que nada mais apagará, embora permaneça intacta a sua compaixão materna por nós. Atesta-o a intervenção da Virgem Maria em nosso socorro ao longo da história e não cessa de suscitar por Ela, no povo de Deus, uma confidência inabalável: a oração Memorare (“Lembrai-Vos”) exprime muito bem este sentimento. Maria ama cada um dos seus filhos, concentrando a sua atenção de modo particular naqueles que, como o Filho d’Ela na hora da Paixão, se acham mergulhados no sofrimento; ama-os, simplesmente porque são seus filhos, por vontade de Cristo na Cruz.

O Salmista, vislumbrando de longe este vínculo materno que une a Mãe de Cristo e o povo crente, profetiza a respeito da Virgem Maria: “Os grandes do povo procurarão o teu sorriso” (Ps 44,13). E assim, solicitados pela Palavra inspirada da Escritura, sempre os cristãos procuraram o sorriso de Nossa Senhora, aquele sorriso que os artistas, na Idade Média, tão prodigiosamente souberam representar e engrandecer. Este sorriso de Maria é para todos: no entanto, dirige-se de modo especial para os que sofrem, a fim de que nele possam encontrar conforto e alívio. Procurar o sorriso de Maria não é uma questão de sentimentalismo devoto ou antiquado; antes, é a justa expressão da relação viva e profundamente humana que nos liga Àquela que Cristo nos deu por Mãe.

Desejar contemplar este sorriso da Virgem não é de forma alguma deixar-se dominar por uma imaginação descontrolada. A própria Escritura nos revela tal sorriso nos lábios de Maria, quando canta o Magnificat: “A minha alma glorifica ao Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador” (Lc 1,46-47). Quando a Virgem Maria dá graças ao Senhor, toma-nos por suas testemunhas. Maria, como que por antecipação, partilha com os futuros filhos, que somos nós, a alegria que mora no seu coração, para que uma tal alegria se torne também nossa. E cada proclamação do Magnificat faz de nós testemunhas do seu sorriso. Aqui em Lourdes, durante a aparição de 3 de Março de 1858, Bernadete contemplou de maneira muito especial este sorriso de Maria. Foi esta a primeira resposta dada pela Bela Senhora à jovem vidente, que queria saber a sua identidade. Antes de apresentar-Se-lhe alguns dias mais tarde como “a Imaculada Conceição”, Maria fez-lhe conhecer antes de mais nada o seu sorriso, como se tal fosse a porta mais apropriada para a revelação do seu mistério.

No sorriso da mais eminente de todas as criaturas, que a nós se dirige, reflecte-se a nossa dignidade de filhos de Deus, uma dignidade que nunca se extingue em quem está doente. Aquele sorriso, verdadeiro reflexo da ternura de Deus, é a fonte duma esperança invencível. Acontece infelizmente – bem o sabemos – que o sofrimento prolongado quebre os equilíbrios melhor consolidados duma vida, abale as mais firmes certezas da confiança e chegue por vezes até a fazer desesperar do sentido e valor da vida. Há combates que o homem não pode sustentar sozinho, sem a ajuda da graça divina. Quando a palavra já não consegue encontrar expressões adequadas, subentra a necessidade duma presença carinhosa: procuramos então a solidariedade não só daqueles que compartilham o nosso próprio sangue ou estão ligados connosco por vínculos de amizade, mas também a solidariedade de quantos se acham intimamente unidos a nós pelo laço da fé. E quem de mais íntimo poderíamos nós ter além de Cristo e da sua santa Mãe, a Imaculada? Mais do que qualquer outrem, Eles são capazes de nos compreender e perceber a dureza do combate que travamos contra o mal e o sofrimento. A Carta aos Hebreus, referindo-se a Cristo, afirma que Ele não é alguém incapaz de “compadecer-Se das nossas fraquezas; pelo contrário, Ele mesmo foi provado em tudo” (He 4,15).

Queria, humildemente, dizer àqueles que sofrem e a quantos lutam e se sentem tentados a virar as costas à vida: Voltai-vos para Maria! No sorriso da Virgem, encontra-se misteriosamente escondida a força para continuar o combate contra a doença e a favor da vida. Junto d’Ela, encontra-se igualmente a graça para aceitar, sem medo nem mágoa, a despedida deste mundo na hora querida por Deus.

Quão justa era a intuição daquela bela figura espiritual francesa que foi o Padre Jean-Baptiste Chautard, quando, na obra A alma de todo o apostolado, propunha ao cristão fervoroso frequentes “trocas de olhar com a Virgem Maria”! Sim, procurar o sorriso da Virgem Maria não é um pio infantilismo; é a inspiração – diz o Salmo 44 – daqueles que são “os grandes do povo” (Ps 44,13). “Os grandes”, entenda-se, na ordem da fé, aqueles que possuem a maturidade espiritual mais elevada e sabem por isso reconhecer a sua fraqueza e pobreza diante de Deus. Naquela manifestação muito simples de ternura que é o sorriso, apercebemo-nos de que a nossa única riqueza é o amor que Deus nos tem e que passa através do Coração d’Aquela que Se tornou nossa Mãe. Procurar este sorriso significa em primeiro lugar perceber a gratuidade do amor; significa também saber suscitar este sorriso com o nosso empenho em viver segundo a palavra do seu dilecto Filho, tal como a criança procura suscitar o sorriso da mãe fazendo aquilo que é do agrado dela. E nós sabemos o que agrada a Maria pelas palavras que Ela mesma dirigiu aos serventes em Caná: “Fazei o que Ele vos disser” (Jn 2,5).

O sorriso de Maria é uma fonte de água viva. “Do seio daquele que acredite em Mim – disse Jesus –, correrão rios de água viva” (Jn 7,38). Maria é Aquela que acreditou e, do seu seio, correram rios de água viva, que vêm regar a história dos homens. A fonte indicada por Maria a Bernadete, aqui em Lourdes, é o sinal humilde desta realidade espiritual. Do seu coração de crente e de mãe corre uma água viva que purifica e cura. Inúmeros são aqueles que, mergulhando nas piscinas de Lourdes, descobriram e experimentaram a doce maternidade da Virgem Maria, agarrando-se a Ela para melhor se prenderem ao Senhor! Na sequência litúrgica desta festa de Nossa Senhora das Dores, Maria é honrada sob o título de “Fons amoris”, “Fonte de amor”. Realmente, do coração de Maria, brota um amor gratuito que suscita uma resposta filial, chamada a aperfeiçoar-se sem cessar. Como toda a mãe, e melhor do que qualquer outra mãe, Maria é a educadora do amor. É por isso que tantos doentes vêm aqui, a Lourdes, para dessedentar-se nesta “Fonte de amor” e deixar-se conduzir até à única fonte da salvação, o seu Filho, Jesus Salvador.

Cristo dispensa a sua salvação através dos sacramentos e, de modo especial, às pessoas que estão doentes ou são portadoras de qualquer deficiência, através da graça da Unção dos Enfermos. Para cada um, o sofrimento é sempre um estranho. Não nos habituamos nunca à sua presença. Por isso é difícil suportá-lo, e mais difícil ainda – como fizeram algumas grandes testemunhas da santidade de Cristo – acolhê-lo como parte integrante da própria vocação, ou aceitar, segundo a expressão de Bernadete, “tudo sofrer em silêncio para comprazer Jesus”. Para se poder dizer isto, é necessário ter percorrido já um longo caminho em união com Jesus. Em contrapartida, é possível imediatamente desde já abandonar-se à misericórdia de Deus tal como esta se manifesta por meio da graça do sacramento dos doentes. A própria Bernadete, no decurso duma existência frequentemente marcada pela doença, recebeu este sacramento quatro vezes. A graça própria deste sacramento consiste em acolher em si mesmo Cristo médico. Cristo, porém, não é médico à maneira do mundo. Para nos curar, Ele não fica fora do sofrimento que se experimenta; mas alivia-o vindo habitar naquele que está atingido pela doença, para a suportar e viver com ele. A presença de Cristo vem quebrar o isolamento que a dor provoca. O homem deixa de carregar sozinho a sua provação, mas enquanto membro sofredor de Cristo, fica conformado a Ele que Se oferece ao Pai e n’Ele participa no parto da nova criação.

Sem a ajuda do Senhor, o jugo da doença e do sofrimento pesa cruelmente. Recebendo o sacramento dos doentes, não desejamos levar outro jugo que não seja o de Cristo, fortalecidos pela promessa que Ele nos fez, isto é, que o seu jugo será fácil de levar e leve o seu peso (cf. Mt 11,30). Convido as pessoas que vão receber a Unção dos doentes durante esta Missa a abrirem-se a uma tal esperança.

O Concílio Vaticano II apresentou Maria como a figura na qual está compendiado todo o mistério da Igreja (cf. LG 63-65). A sua vida pessoal apresenta o perfil da Igreja, sendo esta convidada a estar atenta como Ela às pessoas que sofrem. Dirijo uma saudação afectuosa aos componentes do Serviço de Saúde e Enfermagem, bem como a todas as pessoas que por diversos títulos, nos hospitais e noutras instituições, contribuem para o cuidado dos doentes com competência e generosidade. De igual modo ao pessoal de acolhimento, aos maqueiros e aos acompanhantes que, originários de todas as dioceses de França e de mais longe ainda, se prodigalizam ao longo de todo o ano à volta dos doentes que vêm em peregrinação a Lourdes, quero dizer quão precioso é o seu serviço. Eles são os braços da Igreja, humilde serva. Desejo enfim encorajar aqueles que, em nome da sua fé, acolhem e visitam os doentes, de modo particular nas capelanias dos hospitais, nas paróquias ou, como aqui, nos santuários. Possais vós sentir sempre, nesta importante e delicada missão, o apoio eficaz e fraterno das vossas comunidades! E, neste sentido, saúdo e agradeço também de modo particular meus irmãos no episcopado, os bispos franceses, os bispos estrangeiros e os sacerdotes que, todos eles, são acompanhadores dos enfermos e dos homens marcados pelo sofrimento no mundo. Obrigado pelo vosso serviço junto ao Senhor que sofre.

O serviço de caridade que prestais é um serviço mariano. Maria confia-vos o seu sorriso, para que vós próprios vos torneis, na fidelidade a seu Filho, fontes de água viva. Aquilo que estais fazendo, fazeis-lo em nome da Igreja, de quem Maria é a imagem mais pura. Possais vós levar o seu sorriso a todos!

Ao concluir, desejo unir-me à oração dos peregrinos e dos doentes e retomar juntamente convosco um pedaço da oração a Maria feita para a celebração deste Jubileu:

Porque Vós sois o sorriso de Deus, o reflexo da luz de Cristo, a habitação do Espírito Santo,

porque Vós escolhestes Bernadete na sua miséria, Vós que sois a estrela da manhã, a porta do céu e a primeira criatura ressuscitada,

Nossa Senhora de Lourdes”, com os nossos irmãos e as nossas irmãs cujos corações e corpos estão a sofrer, nós Vos rezamos!




Domingo, 21 de Setembro de 2008: CELEBRAÇÃO DA SANTA MISSA COM DEDICAÇÃO DO ALTAR DA CATEDRAL DE ALBANO

21908


Caros irmãos e irmãs

A hodierna Celebração é rica como nunca de símbolos e a Palavra de Deus que foi proclamada ajuda-nos a compreender o significado e o valor de quanto estamos a realizar. Na primeira leitura ouvimos a narração da purificação do Templo e da dedicação do novo altar dos holocaustos, por obra de Judas Macabeu em 164 a.C, três anos depois do Templo ter sido profanado por Antioco Epifane (cf.
1M 4,52-59). Em recordação daquele acontecimento, foi instituída a festa da dedicação, que durava oito dias. Esta festa, inicialmente ligada ao Templo onde o povo ia em procissão para oferecer sacrifícios, era também animada pela iluminação das casas e, sob esta forma, sobreviveu depois da destruição de Jerusalém.

O Autor sagrado ressalta, com razão, a alegria e o júbilo que caracterizaram aquele acontecimento. Mas queridos irmãos e irmãs, como deve ser grande a nossa alegria, conscientes de que no altar, que nos preparamos para consagrar, todos os dias vai ser oferecido o sacrifício de Cristo! Neste altar Ele continuará a imolar-se, no sacramento da Eucaristia, pela nossa salvação e do mundo inteiro. No Mistério eucarístico, que se renova em cada altar, Jesus torna-se realmente presente. A sua presença dinâmica arrebata-nos para nos fazer seus, para nos assimiliar a si; atrai-nos com o vigor do seu amor, levando-nos a sair de nós mesmos para nos unirmos a Ele, fazendo de nós um só com Ele.

A presença real de Cristo faz de cada um de nós a sua "casa", e todos juntos formamos a sua Igreja, o edifício espiritual de que também São Pedro fala. "Aproximai-vos do Senhor, a pedra viva rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus escreve o Apóstolo. Do mesmo modo vós também, como pedras vivas, entrai na construção de um templo espiritual, formando um sacerdócio santo, destinado a oferecer sacrifícios espirituais por meio de Jesus Cristo" (1P 2,4-5). Quase desenvolvendo esta bonita metáfora, Santo Agostinho observa que mediante a fé os homens são como madeiras e pedras extraídas dos bosques e dos montes para a construção; depois, através do baptismo, da catequese e da pregação, são desbastadas, esquadrejadas e alisadas; mas só se tornam casa do Senhor, quando são acompanhadas pela caridade. Quando os fiéis estão reciprocamente ligados segundo uma determinada ordem, mútua e intimamente justapostos e unidos, quando são vinculados pela caridade tornam-se verdadeiramente casa de Deus que não tem medo de desabar (cf. Serm., 336).

Portanto, o amor de Cristo, a caridade que "jamais passará" (1Co 13,8), é a energia espiritual que une quantos participam no mesmo sacrifício e se alimentam do único Pão partido para a salvação do mundo. Com efeito, é porventura possível comunicar com o Senhor, se não comunicamos entre nós? Então, como podemos apresentar-nos diante do altar de Deus divididos, afastados uns dos outros? Este altar, sobre o qual daqui a pouco se renovará o sacrifício do Senhor, seja para vós amados irmãos e irmãs, um convite constante ao amor; aproximar-vos-eis dele sempre com o coração disposto a acolher o amor e a difundi-lo, a receber e a conceder o perdão.

A este propósito, oferece-nos uma importante lição de vida o trecho evangélico que há pouco foi proclamado (cf. Mt 5,23-24). É um breve, mas urgente e incisivo apelo à reconciliação fraterna, reconciliação indispensável para apresentar dignamente a oferenda ao altar; uma exortação que retoma o ensinamento já presente na pregação profética. Efectivamente, também os profetas denunciavam com vigor a inutilidade daqueles gestos de culto, desprovidos de correspondentes disposições morais, especialmente nos relacionamentos com o próximo (cf. Is 1,10-20 Am 5,21-27 Mi 6,6-8). Por conseguinte, cada vez que vos aproximais do altar para a Celebração eucarística, que a vossa alma se abra ao perdão e à reconciliação fraternal, prontos para aceitar as desculpas de quantos vos feriram e, por vossa vez prontos para perdoar.

Na liturgia romana o sacerdote, realizando a oferenda do pão e do vinho, inclinado sobre o altar reza abnegadamente: "Humildes e arrependidos, recebei-nos, ó Senhor: que seja do vosso agrado o nosso sacrifício que hoje se realiza diante de Vós". Prepara-se deste modo para entrar, com toda a assembleia dos fiéis, no âmago do mistério eucarístico, no cerne daquela liturgia celestial à qual se refere a segunda leitura, tirada do Apocalipse. São João apresenta um anjo que oferece "uma grande quantidade de incenso para arder, juntamente com as preces de todos os santos, sobre o altar de ouro que está diante do trono de Deus" (cf. Ap 8,3). O altar do sacrifício torna-se, de certa forma, o ponto de encontro entre o Céu e a terra; o centro, poderíamos dizer, da única Igreja que é celeste e ao mesmo tempo peregrina na terra, onde entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus, os discípulos do Senhor anunciam a sua paixão e morte até que Ele venha na glória (cf. Lumen gentium LG 8). Aliás, cada Celebração eucarística já antecipa o triunfo de Cristo sobre o pecado e sobre o mundo, mostrando no mistério o esplendor da Igreja, "esposa imaculada do Cordeiro imaculado; Cristo amou-a e por Ela se entregou a fim de a santificar" (Ibid., LG 6).

Estas reflexões são suscitadas em nós pelo rito que nos preparamos para celebrar nesta vossa Catedral, que hoje admiramos na sua beleza renovada e que, com razão, desejais continuar a tornar cada vez mais hospitaleira e decorosa. Um compromisso que empenha todos vós e que, em primeiro lugar, exige de toda a Comunidade diocesana o crescimento na caridade e na dedicação apostólica e missionária. De forma concreta, trata-se de testemunhar com a vida a vossa fé em Cristo e a confiança total que nele depositais. Trata-se também de cultivar a comunhão eclesial que é antes de tudo um dom, uma graça, fruto do amor livre e gratuito de Deus, ou seja, algo divinamente eficaz, sempre presente e activo na história, para além de toda a aparência contrária. No entanto, a comunhão eclesial constitui também uma tarefa confiada à responsabilidade de cada um. Que o Senhor vos permita viver uma comunhão cada vez mais convicta e diligente, na colaboração e na co-responsabilidade a todos os níveis: entre presbíteros, consagrados e leigos, entre as diversas comunidades cristãs do vosso território, entre as várias agregações laicais.

Dirijo agora a minha cordial saudação ao vosso Bispo, D. Marcello Semeraro, a quem agradeço o convite e as amáveis expressões de boas-vindas com que desejou receber-me em nome de todos vós. Expresso-lhe sentimentos de bons votos, na celebração do décimo aniversário da sua consagração episcopal. Dirijo uma especial saudação ao Cardeal Angelo Sodano, Decano do Colégio Cardinalício, Titular desta vossa Diocese Suburbicária, que no dia de hoje se une à nossa alegria. Saúdo os demais Prelados aqui presentes, os presbíteros, as pessoas consagradas, os jovens, os idosos, as famílias, as crianças e os enfermos, enquanto abraço com carinho todos os fiéis da Comunidade diocesana espiritualmente aqui congregada. Uma saudação às Autoridades que nos honram com a sua presença e, em primeiro lugar, o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Albano, a quem também estou reconhecido pelas distintas palavras que me dirigiu no início da Santa Missa. Invoco sobre todos a salvaguarda celeste de São Pancrácio, Titular desta Catedral, e do Apóstolo São Mateus, de quem a liturgia hodierna faz memória.

Invoco, de modo particular, a intercessão maternal da Bem-Aventurada Virgem Maria. Neste dia, que coroa os esforços, os sacrifícios e o compromisso por vós realizados para dotar esta Catedral de um renovado espaço litúrgico, com oportunas intervenções que incluíram a Cátedra episcopal, o Ambão e o Altar, que Maria vos conceda escrever nesta nossa época mais uma página de santidade quotidiana e popular, acrescentando-se àquelas que ao longo dos séculos caracterizaram a vida da Igreja de Albano. Indubitavelmente, como o vosso Pastor recordou, não faltam dificuldades, desafios e problemas, mas também são grandes as esperanças e as oportunidades para anunciar e testemunhar o amor de Deus. O Espírito do Senhor ressuscitado, que é o Espírito do Pentecostes, vos abra aos seus horizontes de esperança e alimente em vós o impulso missionário rumo aos vastos horizontes da nova evangelização. Oremos por esta intenção, dando continuidade à nossa Celebração eucarística.





Domingo, 5 de Outubro de 2008: CAPELA PAPAL PARA A ABERTURA DA XII ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS

51008
Basílica de São Paulo fora dos Muros





Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Estimados irmãos e irmãs

A primeira Leitura, tirada do livro do profeta Isaías, assim como a página do Evangelho segundo Mateus, propuseram à nossa assembleia litúrgica uma sugestiva imagem alegórica da Sagrada Escritura: a imagem da vinha, da qual já ouvimos falar nos domingos precedentes. A perícope inicial da narração evangélica faz referência ao "cântico da vinha", que encontramos em Isaías. Trata-se de um cântico ambientado no contexto outonal da vindima: uma pequena obra-prima da poesia hebraica, que devia ser muito familiar para os ouvintes de Jesus e da qual, como de outras referências dos profetas (cf.
Os 10,1 Jr 2,21 Ez 17,3-10 Ez 19,10-14 Ps 79,9-17), se compreendia muito bem que a vinha indicava Israel. À sua vinha, ao povo que escolheu para si, Deus reserva os mesmos cuidados que um esposo fiel prodigaliza à sua esposa (cf. Ez 16,1-14 Ep 5,25-33).

A imagem da vinha, juntamente com a das bodas, descreve portanto o desígnio divino da salvação, enquanto se apresenta como uma comovedora alegoria da aliança de Deus com o seu povo. No Evangelho, Jesus retoma o cântico de Isaías, mas adapta-o aos seus ouvintes e à nova hora da história da salvação. Dá-se ênfase não tanto à sua vinha, como sobretudo aos vinhateiros, aos quais os "servos" do dono pedem, em seu nome, o valor da renda. Porém, os servos são maltratados e até mortos. Como não pensar nas vicissitudes do povo eleito e na sorte reservada aos profetas enviados por Deus? No final, o proprietário da vinha faz a última tentativa: envia o seu próprio filho, convencido de que pelo menos a ele dariam ouvidos. No entanto, acontece o contrário: os vinhateiros matam-no precisamente porque é o filho, ou seja, o herdeiro, persuadidos de poder deste modo tomar posse da vinha facilmente. Portanto, assistimos a um salto de qualidade em relação à acusação de violação da justiça social, que sobressai do cântico de Isaías. Aqui vemos claramente que o desprezo pela ordem dada pelo dono se transforma em desprezo para com ele mesmo: não se trata da simples desobediência a um preceito divino, mas da verdadeira e própria rejeição de Deus: manifesta-se o mistério da Cruz.

Aquilo que é denunciado pela página evangélica interpela o nosso modo de pensar e de agir. Não fala somente da "hora" de Cristo, do mistério da Cruz naquele momento, mas da presença da Cruz em todos os tempos. De modo especial, interpela os povos que receberam o anúncio do Evangelho. Se contemplamos a história, somos obrigado a registrar não raramente a insensibilidade e a rebelião de cristãos incoerentes. Como consequência disto, Deus, mesmo sem jamais deixar de cumprir a sua promessa de salvação, muitas vezes teve que recorrer ao castigo. É espontâneo pensar, neste contexto, no primeiro anúncio do Evangelho, do qual nasceram comunidades cristãs inicialmente florescentes, que em seguida desapareceram e hoje são recordadas somente nos livros de história. Não poderia porventura acontecer a mesma coisa também nesta nossa época? Nações outrora ricas de fé e de vocações agora estão a perder a identidade que lhes é própria, sob a influência deletéria e destruidora de uma certa cultura moderna. Há quem, tendo decidido que "Deus morreu", se declara a si mesmo como "deus", considerando-se o único artífice do próprio destino, o proprietário absoluto do mundo. Descartando Deus e deixando de esperar a salvação dele, o homem julga que pode fazer o que lhe agrada e que pode pôr-se como única medida de si mesmo e do seu próprio agir. Mas quando o homem elimina Deus do seu próprio horizonte, declara Deus "morto", é verdadeiramente mais feliz? Torna-se realmente mais livre? Quando os homens se proclamam donos absolutos de si mesmos e únicos senhores da criação, podem verdadeiramente construir uma sociedade onde reinem a liberdade, a justiça e a paz? Não acontece, pelo contrário como a crónica diária demonstra amplamente que se ampliam o arbítrio do poder, os interesses egoístas, a injustiça e a exploração, a violência em todas as suas expressões? No final, a conclusão é que o homem fica mais só e a sociedade mais dividida e confusa.

No entanto, nas palavras de Jesus há uma promessa: a vinha não será destruída. Enquanto abandona ao seu destino os vinhateiros infiéis, o dono não se desapega da sua vinha e confia-a a outros seus servos fiéis. Isto indica que, se em algumas regiões a fé definha a ponto de se extinguir, sempre haverá outros povos prontos para a acolher. Precisamente por isso Jesus, ao citar o Salmo 117 [118]: "A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular" (Ps 117,22), assegura que a sua morte não será a derrota de Deus. Depois de morto, Ele não permanecerá no túmulo e, aliás, precisamente aquela que dará a impressão de ser uma derrota total, assinalará o início de uma vitória definitiva. A sua dolorosa paixão e morte na Cruz será seguida da glória da Ressurreição. Então, a vinha continuará a produzir uvas e será confiada pelo seu dono "a outros camponeses, que lhe entregarão os frutos na devida altura" (Mt 21,41).

A imagem da vinha, com as suas implicações morais, doutrinais e espirituais, voltará no discurso da Última Ceia: quando, despedindo-se dos Apóstolos, o Senhor disser: "Eu sou a verdadeira videira e meu Pai é o agricultor. Todo o ramo que em mim não dá fruto, Ele corta-o e poda todo aquele que dá fruto, para que dê mais fruto" (Jn 15,1-2). A partir do acontecimento pascal, a história da salvação conhecerá portanto uma mudança decisiva, e serão protagonistas aqueles "outros camponeses" que, enxertados como rebentos em Cristo, verdadeira videira, darão abundantes frutos de vida eterna (cf. Oração da Colecta). Entre estes "camponeses" encontramo-nos também nós, enxertados em Cristo, que quis tornar-se Ele mesmo a "verdadeira videira". Peçamos ao Senhor que nos dá o seu Sangue, que se nos dá a si mesmo na Eucaristia, a fim de que nos ajude a "dar fruto" para a vida eterna e para esta nossa época.

A consoladora mensagem que tiramos destes textos bíblicos é a certeza de que o mal e a morte não têm a última palavra, mas no final quem vence é Cristo. Sempre! A Igreja não se cansa de proclamar esta Boa Nova, como acontece também no dia de hoje, nesta Basílica dedicada ao Apóstolo das nações, que foi o primeiro a difundir o Evangelho em vastas regiões da Ásia Menor e da Europa. Renovaremos de modo significativo este anúncio durante a XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que tem como tema: "A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja". Aqui gostaria de saudar com afecto cordial todos vós, venerados Padres sinodais, e quantos participam neste encontro como peritos, auditores, e convidados especiais. Além disso, estou feliz por acolher os Delegados fraternos das demais Igrejas e Comunidades eclesiais. Ao Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos e aos seus colaboradores dirijo a expressão do reconhecimento de todos nós pelo trabalho importante levado a cabo durante estes meses, juntamente com os bons votos pelos trabalhos que os aguardam nas próximas semanas.

Quando Deus fala, exige sempre uma resposta; a sua obra de salvação requer a cooperação do homem; o seu amor espera correspondência. Queridos irmãos e irmãs, que nunca aconteça o que é narrado pelo texto bíblico a propósito da vinha: "Esperou que desse uvas, mas só produziu agraços" (cf. Is 5,2). Somente a Palavra de Deus pode transformar profundamente o coração do homem, e por isso é importante que com ela entrem numa intimidade cada vez maior os fiéis individualmente e as comunidades. A Assembleia sinodal prestará atenção a esta verdade fundamental para a vida e a missão da Igreja. Alimentar-se da Palavra de Deus é para ela tarefa primária e fundamental. Com efeito, se o anúncio do Evangelho constitui a sua razão de ser e a sua missão, é indispensável que a Igreja conheça e viva aquilo que anuncia, para que a sua pregação seja credível, não obstante as debilidades e as pobrezas dos homens que a compõem. Além disso, sabemos que o anúncio da Palavra, a escola de Cristo, tem como seu conteúdo o Reino de Deus (cf. Mc 1,14-15), mas o Reino de Deus é a própria pessoa de Jesus que, com a suas palavras e as suas obras, oferece a salvação aos homens de todas as épocas. É interessante, a este propósito, a consideração de São Jerónimo: "Quem não conhece as Escrituras, não conhece o poder de Deus, nem a sua sabedoria, Ignorar as Escrituras significa ignorar Cristo" (Prólogo ao comentário do profeta Isaías: PL 24, 17).

Neste Ano paulino, ouviremos ressoar com particular urgência o clamor do Apóstolo das nações: "Ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho!" (1Co 9,16); clamor este que, para cada cristão, se torna um convite insistente para se colocar ao serviço de Cristo. "A messe é grande!" (Mt 9,37), repete ainda hoje o Mestre Divino: muitos indivíduos ainda não O encontraram e estão à espera do primeiro anúncio do seu Evangelho; outros, embora tenham recebido uma formação cristã, debilitaram-se no próprio entusiasmo e conservam com a Palavra de Deus um contacto apenas superficial; outros ainda afastaram-se da prática da fé e têm necessidade de uma nova evangelização. Além disso, não faltam pessoas de sentimentos rectos que formulam interrogações essenciais a respeito do sentido da vida e da morte, perguntas às quais somente Cristo pode oferecer respostas satisfatórias. Deste modo, torna-se indispensável que os cristãos de todos os continentes estejam prontos para responder a quem quer que pergunte a razão da sua esperança (cf. 1P 3,15), anunciando com alegria a Palavra de Deus e vivendo o Evangelho de maneira incondicional.

Venerados e caros Irmãos, que o Senhor nos ajude a interrogar-nos em conjunto, durante as próximas semanas de trabalhos sinodais, sobre o modo de tornar cada vez mais eficaz o anúncio do Evangelho nesta nossa época. Todos nós sentimos como é necessário colocar no âmago da nossa vida a Palavra de Deus, acolher Cristo como nosso único Redentor, como Reino de Deus em pessoa, para fazer com que a sua luz resplandeça em todos os âmbitos da humanidade: da família à escola, à cultura, ao trabalho, ao tempo livre e aos demais sectores da sociedade e da nossa própria vida. Participando na Celebração eucarística, sentimos sempre o vínculo estreito que existe entre o anúncio da Palavra de Deus e o Sacrifício eucarístico: é o próprio Mistério que se oferece à nossa contemplação. Eis por que motivo "a Igreja como esclarece o Concílio Vaticano II sempre venerou as Sagradas Escrituras, como o próprio Corpo do Senhor, não deixando sobretudo na Sagrada Liturgia, de tomar o pão da vida, tanto da mesa da Palavra de Deus, como do Corpo de Cristo, e de o distribuir aos fiéis". Com razão, o Concílio conclui: "Assim como a vida da Igreja recebe incremento com a frequente renovação do Mistério eucarístico, assim também é lícito esperar um novo impulso da vida espiritual pela crescente veneração da Palavra de Deus, que "permanece para sempre"" (Dei Verbum DV 21 DV 26).

Que o Senhor nos conceda aproximar-nos com fé da dúplice mesa da Palavra e do Corpo e Sangue de Cristo. Que nos obtenha esta dádiva Maria Santíssima, que "conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração" (Lc 2,19). Que Ela nos ensine a ouvir as Escrituras e a meditá-las num processo interior de amadurecimento, que nunca separe a inteligência do coração. Venham em nossa ajuda também os Santos, de modo particular o Apóstolo Paulo, que durante o corrente ano vamos descobrindo como intrépida testemunha e arauto da Palavra de Deus.

Amém!




Bento XVI Homilias 15908