Bento XVI Homilias 51008


Quinta-feira, 9 de Outubro de 2008: SANTA MISSA POR OCASIÃO DO 50º ANIVERSÁRIO DA MORTE DO SERVO DE DEUS PAPA PIO XII

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Basílica Vaticana





Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Queridos irmãos e irmãs!

O trecho do livro do Sirácide e o prólogo da Primeira Leitura de São Pedro, proclamados como primeira e segunda leitura, oferecem-nos significativos temas de reflexão nesta celebração eucarística, durante a qual recordamos o meu venerado predecessor, o Servo de Deus Pio XII. Transcorreram exactamente cinquenta anos depois da sua morte, que se verificou nas primeiras horas do dia 9 de Outubro de 1958. O Sirácide, como ouvimos, recordou a quantos desejam seguir o Senhor que devem preparar-se para enfrentar provações, dificuldades e sofrimentos. Para não lhes sucumbir ele admoesta é preciso um coração recto e constante, fidelidade a Deus e paciência juntamente com inflexível determinação em prosseguir no caminho do bem. O sofrimento apura o coração do discípulo do Senhor, como o ouro purificado na fornalha. "Aceita tudo o que te acontecer escreve o autor sagrado e nas vicissitudes da tua humilhação tem paciência, porque no fogo se prova o ouro e os homens agradáveis a Deus, no caminho da humilhação" (
Si 2,4-5).

São Pedro, por seu lado, na perícope que nos foi proposta, dirigindo-se aos cristãos da comunidade da Ásia Menor que estavam submetidos a tormentos por "diversas provações", vai ainda mais além: pede-lhes que sejam, não obstante, "cheios de alegria" (1P 1,6). De facto, a prova é necessária, observa ele, "para que o valor da vossa fé, muito mais preciosa que o ouro perecível, o qual se prova pelo fogo destinado a perecer e contudo purificado com o fogo seja digna de louvor, de glória e de honra quando Jesus Cristo se manifestar" (1P 1,7). E depois, pela segunda vez, exorta-os a rejubilar, aliás a exultar "de alegria inefável e gloriosa" (1P 1,8). A razão profunda deste júbilo espiritual consiste no amor a Jesus e na certeza da sua presença invisível. É Ele quem torna a fé e a esperança dos crentes inabaláveis também nas fases mais complicadas e duras da existência.

À luz destes textos bíblicos podemos ler a vicissitude terrena do Papa Pacelli e o seu longo serviço à Igreja que iniciou em 1901 sob Leão XIII, e que continuou com São Pio X, Bento XV e Pio XI. Estes textos bíblicos ajudam-nos sobretudo a compreender qual tenha sido a fonte à qual ele foi buscar coragem e paciência no seu ministério pontifício, desempenhado nos anos atormentados da segunda guerra mundial e no período seguinte, não menos complexo, da reconstrução e das difíceis relações internacionais que passaram à história com a qualificação significativa de "guerra fria".

Miserere mei Deus, secundum magnam misericordiam tuam": com esta invocação do Salmo 50/51 Pio XII iniciava o seu testamento. E prosseguia: "Estas palavras que, ciente de ser imerecedor e ímpar, pronunciei no momento em que dei, emocionado, a minha aceitação à eleição para Sumo Pontífice, com muito mais fundamento o repito agora". Faltavam dois anos para a sua morte. Abandonar-se nas mãos misericordiosas de Deus: foi esta a atitude que cultivou constantemente este meu venerado Predecessor, o último Papa nascido em Roma e pertencente a uma família ligada há muitos anos à Santa Sé. Na Alemanha, onde desempenhou a função de Núncio Apostólico, primeiro em Munique e depois em Berlim até 1929, deixou atrás de si uma grata memória, sobretudo por ter colaborado com Bento XV na tentativa de impedir "o massacre inútil" da Guerra Mundial, e por ter advertido desde o seu surgir o perigo constituído pela monstruosa ideologia nacional-socialista com a sua perniciosa raiz antisemita e anticatólica. Criado Cardeal em Dezembro de 1929, e tendo-se tornado pouco depois Secretário de Estado, foi durante nove anos fiel colaborador de Pio XI, numa época marcada pelos totalitarismos: o fascista, o nazista e o comunista soviético, condenados respectivamente pelas Encíclicas Não temos necessidade, Mit Brennender Sorge e Divini Redemptoris.

"Quem ouve a minha palavra e crê.... tem a vida eterna" (Jn 5,24). Esta certeza dada por Jesus, que ouvimos no Evangelho, faz-nos pensar nos momentos mais difíceis do pontificado de Pio XII quando, vendo o esvaecer de qualquer certeza humana, sentia grande necessidade, também através de um constante esforço ascético, de aderir a Cristo, única certeza que não passa. A Palavra de Deus torna-se assim luz para o seu caminho, um caminho no qual o Papa Pacelli confortou refugiados e perseguidos, teve que enxugar lágrimas de dor e chorar as inúmeras vítimas da guerra. Só Cristo é verdadeira esperança do homem; só confiando n'Ele o coração humano se pode abrir ao amor que vence o ódio. Esta consciência acompanhou Pio XII no seu ministério de Sucessor de Pedro, ministério que iniciou precisamente quando se adensavam sobre a Europa e sobre o resto do mundo as nuvens ameaçadoras de um novo conflito mundial, que ele procurou evitar de todas as formas: "É iminente o perigo, mas ainda estamos a tempo. Nada está perdido com a paz. Tudo se perde com a guerra", gritou na sua radiomensagem de 24 de Agosto de 1939 (AAS, XXXI, 1939, p. 334).

A guerra pôs em evidencia o amor que sentia pela sua "amada Roma", amor testemunhado pela intensa obra de caridade que promoveu em defesa dos perseguidos, sem qualquer distinção de religião, etnia, nacionalidade, nem pertença política. Quando, estando a cidade ocupada, lhe foi repetidamente aconselhado deixar o Vaticano para se pôr em salvo, a sua resposta foi sempre idêntica e decidida: "Não deixarei Roma nem o meu lugar, mesmo que tivesse que morrer" (cf. Summarium, p. 186). Os familiares e outras testemunhas referiram ainda as suas privações no que respeita à alimentação, aquecimento, vestuário, conforto, a que se submeteu voluntariamente para partilhar a condição do povo duramente provado pelos bombardeamentos e pelas consequências da guerra (cf. A. Tornielli, Pio XII, Um homem no trono de Pedro). E como não recordar a radiomensagem de Natal de Dezembro de 1942? Com a voz quebrada pela comoção deplorou a situação das "centenas de milhares de pessoas, que, sem culpa própria alguma, por vezes só por razões de nacionalidade ou de raça, são destinadas à morte ou a um definhamento progressivo" (AAS, XXXV, 1943, p. 23), fazendo uma referencia clara à deportação e ao extermínio perpetrado contra os judeus. Agiu com muita frequência de modo secreto e silencioso precisamente porque, à luz das situações concretas daquele momento histórico complexo, ele intuía que só assim se podia evitar o pior e salvar o maior número possível de judeus. Por estas suas intervenções, numerosas e unânimes confirmações de gratidão lhe foram dirigidas no final da guerra, assim como no momento da morte, pelas mais iminentes autoridades do mundo judaico, como por exemplo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, Golda Meir, que assim escreveu: "Quando o martírio mais assustador atingiu o nosso povo, durante os dez anos de terror nazista, a voz do Pontífice elevou-se a favor das vítimas", concluindo com comoção: "Nós choramos a perda de um grande servidor da paz".

Infelizmente o debate histórico sobre a figura do Servo de Deus Pio XII, nem sempre sereno, não pôs em evidencia todos os aspectos do seu poliédrico pontificado. Foram muitíssimos os discursos, as alocuções e as mensagens que dirigiu a cientistas, médicos, representantes das mais diversificadas categorias de trabalhadores, alguns dos quais conservam ainda hoje uma extraordinária actualidade e continuam a ser ponto de referencia certo. Paulo vi, que foi seu fiel colaborador durante muitos anos, descreveu-o como um erudito, atento estudioso, aberto aos caminhos modernos da pesquisa e da cultura, com uma fidelidade e coerência sempre firme quer aos princípios da racionalidade humana, quer ao intangível depósito da verdade da fé. Considerava-o como um precursor do Concílio Vaticano II (cf. Angelus de 10 de Março de 1974). Nesta perspectiva, muitos dos seus documentos mereceriam ser recordados, mas limito-me a citar alguns. Com a Encíclica Mystici Corporis, publicada a 29 de Junho de 1943 quando ainda enfurecia a guerra, ele descrevia as relações espirituais e visíveis que unem os homens ao Verbo encarnado e propunha integrar nesta perspectiva todos os temas principais da eclesiologia, oferecendo pela primeira vez uma síntese dogmática e teológica que teria sido a base para a Constituição dogmática conciliar Lumen gentium.

Poucos meses mais tarde, a 20 de Setembro de 1943, com a Encíclica Divino afflante Spiritu estabelecia as normas doutrinais para o estudo da Sagrada Escritura, realçando a sua importância e o seu papel na vida crista. Trata-se de um documento que testemunha uma grande abertura à pesquisa científica sobre os textos bíblicos. Como não recordar esta Encíclica, quando estão a decorrer os trabalhos do Sínodo que tem como tema precisamente "A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja"? Deve-se à intuição profética de Pio XII o início de um sério estudo das características da historiografia antiga, para melhor compreender a natureza dos livros sagrados, sem diminuir ou negar o seu valor histórico. O aprofundamento dos "géneros literários", que pretendia compreender melhor o que o autor sagrado quisera dizer, até 1943 tinha sido visto com algumas suspeitas, também devido aos abusos que se tinham verificado. A Encíclica reconhecia a sua justa aplicação, declarando legítimo o seu uso para o estudo não só do Antigo testamento, mas também do Novo. "Depois hoje esta arte explicou o Papa a que se costuma chamar crítica textual e nas edições dos autores profanos emprega-se com grande louvor e igual proveito, com pleno direito se aplica aos Livros Sagrados precisamente pela reverencia devida à palavra de Deus". E acrescentou: "Finalidade sua é de facto restituir com toda a possível exactidão o texto sagrado ao seu teor primitivo, purificando-o das deformações nele inseridas pelas faltas dos copistas e libertando-o dos comentários e lacunas, das transposições de palavras, das repetições e de defeitos semelhantes de todos os tipos, que nos escritos transmitidos à mão durante séculos costumam infiltrar-se" (AAS, XXXV, 1943, p. 336).

A terceira Encíclica que pretendo mencionar é a Mediator Dei, dedicada à liturgia, publicada a 20 de Novembro de 1947. Com este Documento o Servo de Deus estimulou o movimento litúrgico, insistindo sobre o "elemento essencial do culto", que "deve ser interno: de facto, é necessário escreve ele viver sempre em Cristo, dedicar-se totalmente a Ele, dar glória ao Pai n'Ele, com Ele e por Ele. A sagrada Liturgia exige que estes dois elementos estejam intimamente unidos... Diversamente, a religião torna-se um formalismo sem fundamento e sem conteúdo". Depois, não podemos deixar de mencionar o estímulo notável que este Pontífice deu à actividade missionária da Igreja com as Encíclicas Evangelii praecones (1951) e Fidei donum (1957), realçando o dever de cada comunidade de anunciar o Evangelho às nações, como o Concílio Vaticano II fará com vigor corajoso. Aliás, o Papa Pacelli tinha mostrado o amor pelas missões desde o início do pontificado, quando em Outubro de 1939 quis consagrar pessoalmente doze Bispos de Países de missão, entre os quais um indiano, um chinês, um japonês, o primeiro Bispo africano e o primeiro Bispo de Madagáscar. Uma das suas preocupações pastorais constantes foi, por fim, a promoção do papel dos leigos, para que a comunidade eclesial pudesse servir-se de todas as energias e recursos disponíveis. Também por isto a Igreja e o mundo lhe são gratos.

Queridos irmãos e irmãs, enquanto rezamos para que prossiga felizmente a causa de beatificação do Servo de Deus Pio XII, é bom recordar que a santidade foi o seu ideal, um ideal que não deixou de propor a todos. Por isso incrementou as causas de beatificação e canonização de pessoas pertencentes a diversos povos, representantes de todos os estados de vida, funções e profissões, reservando amplo espaço às mulheres. Indicou precisamente Maria, a Mulher da salvação, como sinal de esperança certa proclamando o dogma da Assunção durante o Ano Santo de 1950. Neste nosso mundo que, como então, está atormentado por preocupações e angústias pelo seu futuro; neste mundo onde, talvez mais do que naquela época, o afastamento de muitos da verdade e da virtude deixa entrever cenários privados de esperança, Pio XII convida-nos a dirigir o olhar para Maria elevada à glória celeste. Convida-nos a invocá-la com confiança, para que nos faça apreciar cada vez mais o valor da vida sobre a terra e nos ajude a dirigir o olhar para a meta verdadeira para a qual todos estamos destinados: a da vida eterna que, como garante Jesus, já possui quem ouve e segue a sua palavra. Amém!





Domingo, 12 de Outubro de 2008: CAPELA PAPAL PARA A CANONIZAÇÃO DOS BEATOS

Caetano Errico (1791-1860) Maria Bernada (Verena) Bütler (1848-1924) Afonsa da Imaculada Conceição

Anna Muttathupadathu (1910-1946) Narcisa de Jesus Martillo Morán (1832-1869)

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Praça de São Pedro





Queridos irmãos e irmãs

Hoje, quatro novas figuras de Santos são propostas à veneração da Igreja universal: Caetano Errico, Maria Bernarda Bütler, Afonsa da Imaculada Conceição e Narcisa de Jesus Martillo Morán. A liturgia apresenta-no-las com a imagem evangélica dos convidados que participam no banquete revestidos com a roupa nupcial. Encontramos a imagem do banquete também na primeira Leitura e em várias outras páginas da Bíblia: trata-se de uma imagem jubilosa, porque o banquete acompanha uma festa de bodas, a Aliança de amor entre Deus e o seu Povo. Para esta Aliança os profetas do Antigo Testamento orientaram constantemente a expectativa de Israel. E numa época caracterizada por provações de todos os tipos, quando as dificuldades corriam o risco de desencorajar o Povo eleito, eis que se elevava a palavra animadora do profetas Isaías: "O Senhor dos exércitos preparará afirma ele no alto deste monte, para todos os povos do mundo, um banquete de carnes gordas... de vinhos finos, de carnes suculentas e de vinhos refinados" (
Is 25,6). Deus porá fim à tristeza e à vergonha do seu Povo, que então finalmente poderá viver feliz, em comunhão com Ele. Deus nunca abandona o seu Povo: por isso, o profeta exorta à alegria: "Eis o nosso Deus! Era nele que esperávamos, para que nos salvasse: celebremos e comemoremos a sua salvação" (Is 25,9).

Se a primeira Leitura exalta a fidelidade de Deus à sua promessa, com a parábola do banquete nupcial o Evangelho faz-nos reflectir acerca da resposta humana. Alguns convidados da primeira hora rejeitaram o convite, porque se sentiam atraídos por diferentes interesses; outros chegaram a desprezar o convite do rei, suscitando um castigo que se abateu não somente sobre eles, mas sobre toda a cidade. Contudo, o rei não desanima e envia os seus servos em busca de outros comensais para encher a sala do seu banquete. Assim, a rejeição dos primeiros tem como efeito a extensão do convite a todos, com uma predilecção especial pelos pobres e deserdados. Foi o que aconteceu no Mistério pascal: a prepotência do mal foi derrotada pela omnipotência do amor de Deus. O Senhor ressuscitado já pode convidar todos para o banquete da alegria pascal, oferecendo Ele mesmo aos comensais a veste nupcial, símbolo do dom gratuito da graça santificadora.

Porém, à generosidade de Deus é necessário que corresponda a livre adesão do homem. Foi precisamente este caminho generoso que percorreram também aqueles que hoje veneramos como Santos. No baptismo, eles receberam a veste nupcial da graça divina, conservaram-na pura ou purificaram-na e tornaram-na resplandecente durante o curso da vida mediante os Sacramentos. Agora, participam no banquete nupcial do Céu. Da festa final do Céu é antecipação o banquete da Eucaristia, ao qual o Senhor nos convida todos os dias e no qual devemos participar com a veste nupcial da sua graça. Se esta veste se mancha ou chega mesmo a dilacerar-se, a bondade de Deus não nos rejeita, nem nos abandona ao nosso destino, mas oferece-nos mediante o sacramento da Reconciliação a possibilidade de restabelecer na sua integridade a veste nupcial necessária para a festa.

Portanto, o ministério da Reconciliação constitui um ministério sempre actual. A ele, o sacerdote Caetano Errico, Fundador da Congregação dos Missionários dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, dedicou-se com diligência, assiduidade e paciência, sem jamais se negar nem se poupar. Assim, ele inscreve-se entre as extraordinárias figuras de presbíteros que, incansáveis, fizeram do confessionário o lugar para dispensar a misericórdia de Deus, ajudando os homens a encontrarem-se a si mesmos, a lutarem contra o pecado e a progredirem ao longo do caminho da vida espiritual. A estrada e o confessionário foram os lugares privilegiados da acção pastoral deste novo Santo. A estrada permitia-lhe encontrar-se com as pessoas às quais dirigia o seu convite habitual: "Deus quer-te bem, quando nos veremos?", e no confessionário tornava-lhes possível o encontro com a misericórdia do Pai celestial. Quantas feridas da alma ele curou desta forma! Quantas pessoas levou a reconciliar-se com Deus, mediante o Sacramento do perdão! Deste modo, São Caetano Errico tornou-se um especialista na "ciência" do perdão, e preocupou-se em ensiná-la aos seus missionários, recomendando-lhes: "Deus, que não deseja a morte do pecador, é sempre mais misericordioso que os seus ministros; por isso, sede tão misericordiosos quanto puderdes, porque encontrareis a misericórdia junto de Deus".

Maria Bernarda Bütler, nascida em Auw no cantão suíço de Argóvia, cedo experimentou um profundo amor pelo Senhor. Como ela mesma dizia: "É quase impossível explicá-lo a quem não viveu a mesma experiência". Este amor levou Verena Bütler, como então se chamava, a entrar no convento das Capuchinhas de Maria Hilf em Altstätten, onde emitiu os votos com 21 anos de idade. Quando tinha 40 anos, recebeu a chamada missionária e partiu para o Equador e depois para a Colômbia. No dia 29 de Outubro de 1995, o meu venerado predecessor João Paulo II elevou-a às honras dos altares pela sua vida e pelo seu compromisso em prol do próximo.

Madre Maria Bernarda, uma figura muito recordada e querida sobretudo na Colômbia, compreendeu profundamente que a festa preparada pelo Senhor para todos os povos é representada de modo muito particular pela Eucaristia. Nela, é o próprio Cristo que nos recebe como amigos e se entrega por nós na mesa do pão e da palavra, entrando em íntima comunhão com cada um. Esta é a fonte e o pilar da espiritualidade desta nova Santa, assim como do seu impulso missionário, que a levou a deixar a sua terra natal, a Suíça, para se abrir a outros horizontes evangelizadores no Equador e na Colômbia. Nas sérias adversidades que teve de enfrentar, inclusive o exílio, levava impressa no seu coração a exclamação do Salmo que hoje ouvimos: "Embora eu caminhe por um vale tenebroso, nenhum mal temerei porque estás comigo" (Ps 23,4 [22], 4). Deste modo, dócil à Palavra de Deus e seguindo o exemplo de Maria, fez como os empregados de que nos fala a narração do Evangelho que ouvimos: em toda a parte proclamava que o Senhor convida todos para a sua festa. Assim, tornava os outros partícipes do amor de Deus, a quem ela consagrou a sua vida com fidelidade e alegria.

"Ele destruirá a morte para sempre. O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todas as faces" (Is 25,8). Estas palavras do profeta Isaías contêm a promessa que sustentou Afonsa da Imaculada Conceição durante uma vida de extremo sofrimento físico e espiritual. Esta mulher extraordinária, que no dia de hoje é oferecida ao povo da Índia como a sua primeira Santa canonizada, estava persuadida de que a sua cruz constituía o instrumento apropriado para participar no banquete celestial que lhe tinha sido preparado pelo Pai. Aceitando o convite à festa nupcial e adornando-se com a veste da graça de Deus através da oração e da penitência, ela conformou a sua existência à vida de Cristo e hoje delicia-se com as "carnes suculentas e os vinhos refinados" do Reino celeste (cf. Is 25,6). Escrevia: "Considero um dia sem sofrimento como um dia perdido". Possamos imitá-la, carregando a nossa cruz para nos unirmos a ela um dia no Paraíso.

A jovem leiga equatoriana Narcisa de Jesus Martillo Morán oferece-nos um exemplo completo de resposta pronta e generosa ao convite que o Senhor nos dirige para participarmos do seu amor. Já desde uma tenra idade, ao receber o sacramento da Confirmação, sentiu com clareza no seu coração o chamamento a viver uma vida de santidade e de consagração a Deus. Para secundar com docilidade a acção do Espírito Santo na sua alma, procurou sempre o conselho e a guia de sacerdotes bons e peritos, considerando a direcção espiritual como um dos meios mais eficazes para chegar à santificação. Santa Narcisa de Jesus indica-nos o caminho de perfeição cristão acessível a todos os fiéis. Apesar das abundantes e extraordinárias graças recebidas, transcorreu a sua existência com grande simplicidade, dedicada ao seu trabalho como costureira e ao seu apostolado como catequista. No seu amor apaixonado por Jesus, que a levou a empreender um caminho de intensa oração e mortificação, identificando-se cada vez mais com o mistério da Cruz, oferece-nos um testemunho atraente e um exemplo completo da uma vida totalmente dedicada a Deus e aos irmãos.

Dilectos irmãos e irmãs, demos graças ao Senhor pelo dom da santidade, que hoje resplandece na Igreja com beleza singular. Jesus convida cada um de nós a segui-lo, como estes Santos, ao longo do caminho da cruz, para depois termos a herança da vida eterna que, morrendo, Ele nos concedeu. Que os exemplos dos Santos nos sirvam de encorajamento; os ensinamentos nos orientem e confortem; a intercessão nos sustente nas dificuldades da vida quotidiana, a fim de que também nós possamos chegar um dia a compartilhar com eles, e com todos os Santos, a alegria do banquete eterno na Jerusalém celeste. Que nos conceda esta graça sobretudo Maria, Rainha dos Santos, que no corrente mês de Outubro nós veneramos com uma devoção especial. Amém!





Domingo, 19 de Outubro de 2008: VISITA PASTORAL AO PONTIFÍCIO SANTUÁRIO DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO EM POMPEIA (ITÁLIA)

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Praça do Pontifício Santuário de Pompeia





Caros irmãos e irmãs

Seguindo os passos do Servo de Deus João Paulo II, hoje vim em peregrinação a Pompeia para venerar, juntamente convosco, a Virgem Maria, Rainha do Santo Rosário. Vim, de modo particular, para confiar à Mãe de Deus, em cujo ventre o Verbo se fez carne, a Assembleia do Sínodo dos Bispos em fase de realização no Vaticano, sobre o tema da Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. A minha visita coincide também com o Dia Missionário Mundial: contemplando em Maria Aquela que acolheu em si o Verbo de Deus e que o entregou ao mundo, rezaremos nesta Missa por quantos na Igreja despendem as suas energias ao serviço do anúncio do Evangelho a todas as nações. Queridos irmãos e irmãs, obrigado pela vossa hospitalidade! Abraço todos vós com afecto paterno e estou-vos agradecido pelas orações que daqui fazeis subir incessantemente ao Céu pelo Sucessor de Pedro e pelas necessidades da Igreja universal.

Dirijo uma cordial saudação, em primeiro lugar, ao Arcebispo D. Carlo Liberati, Prelado de Pompeia e Delegado Pontifício para o Santuário, e agradeço-lhe as palavras com as quais se fez intérprete dos vossos sentimentos. A minha saudação estende-se às Autoridades civis e militares presentes, de modo especial ao Representante do Governo, o Ministro dos Bens Culturais, e ao Presidente da Câmara Municipal de Pompeia, que à minha chegada quis dirigir-me expressões de deferentes boas-vindas em nome de todos os cidadãos. Saúdo os sacerdotes da Prelazia, os religiosos e as religiosas que oferecem o seu serviço quotidiano no Santuário, entre os quais apraz-me mencionar as Irmãs Dominicanas Filhas do Santo Rosário de Pompeia e os Irmãos das Escolas Cristãs; saúdo os voluntários comprometidos em diversos tipos de serviço e os zelosos apóstolos de Nossa Senhora do Rosário de Pompeia. E como esquecer, neste momento, as pessoas que sofrem, os doentes, os idosos sozinhos, os jovens em dificuldade, os prisioneiros, aqueles que vivem em graves condições de pobreza e de dificuldade social e económica? A todos e a cada um, gostaria de assegurar a minha proximidade espiritual e fazer chegar o testemunho do meu carinho. Cada um de vós, prezados fiéis e habitantes desta terra, e também vós que estais espiritualmente unidos a esta celebração através da rádio e da televisão, confio todos vós a Maria e convido-vos a ter sempre confiança no seu auxílio maternal.

Agora deixemos que Ela, nossa Mãe e Mestra, nos oriente na reflexão sobre a Palavra de Deus que há pouco ouvimos. A primeira Leitura e o Salmo responsorial exprimem a alegria do povo de Israel pela salvação conferida por Deus, salvação que é libertação do mal e esperança de vida nova. O oráculo de Sofonias visa Israel, que é designado com os apelativos de "filha de Sião" e "filha de Jerusalém", e é exortado à alegria: "Rejubila... grita de alegria... exulta!" (
So 3,14). É o mesmo apelo que depois o anjo Gabriel há-de dirigir a Maria, em Nazaré: "Alegra-te, ó cheia de graça!" (Lc 1,28). "Não tenhas medo, Sião!" (So 3,16), diz o Profeta: "Não temas, Maria!" (Lc 1,30), diz o Anjo. E o motivo da confiança é o mesmo: "O Senhor, teu Deus, em ti / é um Salvador poderoso" (So 3,17), diz o Profeta; "o Senhor está contigo" (Lc 1,28), garante o Anjo à Virgem. Também o cântico de Isaías se conclui assim: "Canta e exulta, tu que habitas em Sião / porque é grande em ti o Santo de Israel" (Is 12,6). A presença do Senhor é fonte de alegria porque onde Ele está o mal é derrotado e triunfam a vida e a paz. Gostaria de frisar, de modo particular, a maravilhosa expressão de Sofonias que, dirigindo-se a Jerusalém, diz: o Senhor "renovar-te-á com o seu amor" (So 3,17). Sim, o amor de Deus tem este poder: o poder de renovar todas as coisas, a partir do coração humano, que é a sua obra-prima e onde o Espírito realiza da melhor forma a sua acção transformadora. Com a sua graça, Deus renova o coração do homem, perdoando o seu pecado, reconcilia-o e infunde nele o impulso em vista do bem. Tudo isto se manifesta na vida dos Santos, e vemo-lo aqui de maneira particular na obra apostólica do Beato Bartolo Longo, fundador da nova Pompeia. E assim, abramos nesta hora também o nosso coração a este amor renovador do homem e de todas as coisas.

Desde os seus primórdios, a comunidade cristã viu na personificação de Israel e de Jerusalém numa figura feminina uma significativa e profética aproximação à Virgem Maria , que é reconhecida precisamente como "filha de Sião" e arquétipo do povo que "encontrou graça" diante dos olhos do Senhor. Trata-se de uma interpretação que encontramos na narração evangélica das bodas de Caná (cf. Jn 2,1-11). O Evangelista João evidencia simbolicamente que Jesus é o esposo de Israel, do novo Israel que todos nós somos na fé, o esposo que veio para trazer a graça da nova Aliança, representada pelo "vinho bom". Ao mesmo tempo, o Evangelho salienta o papel de Maria, que no início é chamada "a Mãe de Jesus", mas que depois o próprio Filho chama "mulher" e isto tem um significado muito profundo: com efeito, implica o facto de que Jesus, para a nossa admiração, antepõe ao parentesco o vínculo espiritual, segundo o qual Maria personaliza precisamente a amada esposa do Senhor, ou seja, o povo que Ele escolheu para si mesmo para irradiar a sua bênção sobre toda a família humana. O símbolo do vinho, unido ao símbolo do banquete, volta a propor o tema da alegria e da festa. Além disso o vinho, como as outras imagens bíblicas da vinha e da videira, metaforicamente faz alusão ao amor: Deus é o vinhateiro, Israel é a vinha, uma vinha que encontrará a sua realização perfeita em Cristo, de quem nós somos os ramos; e o vinho é o fruto, ou seja, o amor, porque precisamente o amor é aquilo que Deus espera dos seus filhos. E oremos ao Senhor, que concedeu a Bartolo Longo a graça de trazer o amor a esta terra, a fim de que a nossa vida e o nosso coração dessem este fruto do amor e deste modo renovem a face da terra.

Ao amor exorta também o Apóstolo Paulo, na segunda Leitura, tirada da Carta aos Romanos. Encontramos delineado nesta página o programa de vida de uma comunidade cristã, cujos membros foram renovados pelo amor e se esforçam continuamente em vista da renovação, para discernir sempre a vontade de Deus e para não voltar a cair no conformismo da mentalidade mundana (cf. Rm 12,1-2). A nova Pompeia, apesar dos limites de todas as realidades humanas, constitui um exemplo desta nova civilização, nascida e desenvolvida sob o olhar materno de Maria. E a característica da civilização cristã é precisamente a caridade: o amor de Deus que se traduz em amor ao próximo. Pois bem, quando São Paulo escreve aos cristãos de Roma: "Não sejais indolentes no zelo, mas sede ardentes no espírito, ao serviço do Senhor" (Rm 12,11), o nosso pensamento dirige-se para Bartolo Longo e para as numerosas iniciativas de caridade por ele encetadas em prol dos irmãos mais necessitados. Impelido pelo amor, ele foi capaz de projectar uma nova cidade, que sucessivamente nasceu em redor do Santuário mariano, como se fosse uma irradiação da sua luz de fé e de esperança. Uma cidadela de Maria e da caridade, porém não isolada do mundo, não como ele dizia uma "catedral no deserto", mas inserida no território deste Vale para o resgatar e fazer prosperar. A história da Igreja, graças a Deus, é rica de experiências deste tipo, e também hoje existem diversas em todas as partes da terra. Trata-se de experiências de fraternidade, que mostram o rosto de uma sociedade diversificada, posta como fermento no interior de um contexto civil. A força da caridade é irresistível: é o amor que, verdadeiramente, faz progredir o mundo!

Quem teria podido pensar que aqui, ao lado das ruínas da antiga Pompeia, nasceria um Santuário mariano de alcance mundial? E muitas obras sociais, destinadas a traduzir o Evangelho em serviço concreto às pessoas em maior dificuldade? Aonde chega Deus, o deserto floresce! Também o Beato Bartolo Longo, com a sua conversão pessoal, deu testemunho desta força espiritual que transforma o homem interiormente e que o torna capaz de realizar maravilhas, em conformidade com o desígnio de Deus. A vicissitude da sua crise espiritual e da sua conversão parece hoje de enorme actualidade. Com efeito, no período dos estudos universitários em Nápoles, influenciado por filósofos imanentistas e positivistas, ele afastara-se da fé cristã, tornando-se um militante anticlerical e dando-se mesmo a práticas espiritistas e supersticiosas. A sua conversão, com a descoberta do verdadeiro rosto de Deus, contém uma mensagem muito eloquente para nós, porque infelizmente tendências semelhantes não faltam sequer nos nossos dias. Neste Ano paulino, apraz-me ressaltar que também Bartolo Longo, como São Paulo, foi transformado de perseguidor em Apóstolo: Apóstolo da fé cristã, do culto mariano e, em particular, do Rosário, no qual ele chegou a encontrar uma síntese de todo o Evangelho.

Esta cidade, por ele refundada, é consequentemente uma demonstração histórica do modo como Deus transforma o mundo: cumulando de caridade o coração de um homem e transformando-o num "motor" de renovação religiosa e social. Pompeia constitui um exemplo do modo como a fé pode agir na cidade do homem, suscitando apóstolos de caridade que se coloquem ao serviço dos mais pequeninos e dos pobres, e trabalhem a fim de que também os últimos sejam respeitados na sua dignidade e encontrem acolhimento e promoção. Aqui em Pompeia compreende-se que o amor a Deus e o amor ao próximo são inseparáveis. Aqui, o genuíno povo cristão, a população que enfrenta a vida quotidiana com sacrifício, encontra a força para preservar no bem, sem ceder a compromissos. Aqui, aos pés de Maria, as famílias encontram de novo ou revigoram o júbilo do amor que as conserva unidas. Assim, oportunamente, em preparação para esta minha hodierna visita, uma especial "peregrinação das famílias para a família" teve lugar exactamente há um mês, com a finalidade de confiar a Nossa Senhora esta célula fundamental da sociedade. Que a Santa Virgem vele sobre cada família e sobre todo o povo italiano!

Este Santuário e esta cidade continuem sobretudo a estar sempre unidos a uma singular dádiva de Maria: a recitação do Rosário. Quando, na célebre pintura de Nossa Senhora de Pompeia, vemos a Virgem Mãe e o Menino Jesus que entregam as coroas, respectivamente a Santa Catarina de Sena e a São Domingos, compreendemos imediatamente que esta oração se encerra, através de Maria, em Jesus, como nos ensinou também o amado Papa João Paulo II, na Carta Rosarium Virginis Mariae, na qual se faz referência explícita ao Beato Bartolo Longo e ao carisma de Pompeia. O Rosário é oração contemplativa acessível a todos: grandes e pequenos, leigos e clérigos, doutos e pouco instruídos. Ele é um vínculo espiritual com Maria, para permanecermos unidos a Jesus, para nos confrontarmos com Ele, para assimilarmos os seus sentimentos e para nos comportarmos como Ele se comportava. O rosário é uma "arma" espiritual na luta contra o mal, contra toda a violência, para a paz nos corações, nas famílias, na sociedade e no mundo.

Estimados irmãos e irmãs, nesta Eucaristia, fonte inesgotável de vida e de esperança, de renovação pessoal e social, damos graças a Deus porque em Bartolo Longo nos concedeu uma luminosa testemunha desta verdade evangélica. E dirijamos mais uma vez o nosso coração a Maria, com as palavras da Súplica que daqui a pouco recitaremos coralmente: "Tu, ó nossa Mãe, és a nossa Advogada, a nossa esperança, tem piedade de nós... Misericórdia para todos, ó Mãe de misericórdia!". Amém.





Bento XVI Homilias 51008