Bento XVI Homilias 60112


Domingo, 8 de Janeiro de 2012: CELEBRAÇÃO DO BATISMO DO SENHOR E ADMINISTRAÇÃO DO BATISMO

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Capela Sistina




Amados irmãos e irmãs

É sempre uma alegria celebrar esta Santa Missa com os Baptismos das crianças, na Festa do Baptismo do Senhor. Saúdo todos vós com afecto, queridos pais, padrinhos, madrinhas e todos vós, familiares e amigos! Viestes — disseste-lo em voz alta — para que os vossos recém-nascidos recebam o dom da graça de Deus, a semente da vida eterna. Vós, pais, quisestes isto. Pensastes no Baptismo ainda antes que o vosso filho ou a vossa filha nascesse. A vossa responsabilidade de pais cristãos levou-vos a pensar imediatamente no Sacramento que marca o ingresso na vida divina, na comunidade da sua Igreja. Podemos dizer que esta foi a vossa primeira escolha educativa como testemunhas da fé em relação aos vossos filhos: a escolha é fundamental!

A tarefa dos pais, ajudados pelo padrinho e pela madrinha, consiste em educar o filho ou a filha. Educar é algo muito exigente, às vezes árduo para as nossas capacidades humanas, sempre limitadas. Mas educar torna-se uma missão maravilhosa, se for levada a cabo em colaboração com Deus, que é o primeiro e autêntico educador de cada homem.

Na primeira Leitura que ouvimos, tirada do Livro do profeta Isaías, Deus dirige-se ao seu povo precisamente como um educador. Chama a atenção dos israelitas para o perigo de procurar saciar a sede e a fome nas fontes erradas: «Por que, diz, gastar o vosso dinheiro naquilo que não alimenta, e o produto do vosso trabalho naquilo que não sacia?» (
Is 55,2). Deus quer oferecer-nos coisas boas para beber e para comer, coisas que nos fazem bem; enquanto às vezes utilizamos erroneamente os nossos recursos, usamo-los para coisas que não servem, aliás, que são até nocivas. Deus quer oferecer-nos sobretudo a Si mesmo e a sua Palavra: sabe que, afastando-nos dele, encontrar-nos-emos depressa em dificuldade, como o filho pródigo da parábola, e sobretudo perderemos a nossa dignidade humana. E, por isso, assegura-nos que Ele é misericórdia infinita, que os seus pensamentos e os seus caminhos não são como os nossos — por sorte! — e que podemos voltar sempre para Ele, para a casa do Pai. Depois, garante-nos que se acolhermos a sua Palavra, ela dará bons frutos na nossa vida, como a chuva que irriga a terra (cf. Is 55,10-11).

A esta palavra que o Senhor nos dirigiu mediante o profeta Isaías, nós respondemos com o estribilho do Salmo: «Beberemos com alegria nas nascentes da salvação». Como pessoas adultas, comprometemo-nos em haurir das fontes boas, para o nosso bem e para o bem daqueles que são confiados à nossa responsabilidade, em particular vós, estimados pais, padrinhos e madrinhas, para o bem destas crianças. E quais são «as fontes da salvação»? São a Palavra de Deus e os Sacramentos. Os adultos são os primeiros que devem alimentar-se nestas fontes, para poder orientar os mais jovens no seu crescimento. Os pais devem dar muito, mas para poderem dar, têm necessidade por sua vez de receber, caso contrário esvaziam-se, esgotam-se. Os pais não são a fonte, como também nós sacerdotes não constituímos a fonte: somos sobretudo como canais, através dos quais deve passar a linfa vital do amor de Deus. Se nos separássemos da nascente, nós mesmos seríamos os primeiros a ressentir negativamente e já não seríamos capazes de educar os outros. Foi por isso que nos comprometemos, dizendo: «Beberemos com alegria nas nascentes da salvação».

E passemos agora à segunda Leitura e ao Evangelho. Eles dizem-nos que a primeira e principal educação tem lugar através do testemunho. O Evangelho fala-nos de João Baptista. João foi um grande educador dos seus discípulos, porque os conduziu ao encontro com Jesus, de Quem tinha dado testemunho. Não se exaltou a si mesmo, não quis manter os discípulos ligados a si. E no entanto, João era um grande profeta, e a sua fama era enorme. Quando Jesus chegou, ele retirou-se e indicou-O: «Depois de mim virá outro, mais poderoso do que eu... Eu baptizei-vos com a água; Ele, porém, batizar-vos-á no Espírito Santo» (Mc 1,7-8). O verdadeiro educador não vincula as pessoas a si mesmo, não é possessivo. Quer que o filho, ou o discípulo, aprenda a conhecer a verdade, e estabeleça com ela uma relação pessoal. O educador cumpre o seu dever até ao fundo, e não faz faltar a sua presença atenta e fiel; mas a sua finalidade é que o educando ouça a voz da verdade falar ao seu coração, e que a siga num caminho pessoal.

Voltemos de novo ao testemunho. Na segunda Leitura, o apóstolo João escreve: «É o Espírito quem dá o testemunho» (1Jn 5,6). Refere-se ao Espírito Santo, o Espírito de Deus, quem dá testemunho de Jesus, atestando que Ele é Cristo, o Filho de Deus. Isto vê-se também na cena do baptismo no rio Jordão: o Espírito Santo desce sobre Jesus como uma pomba, para revelar que Ele é o Filho Unigénito do Pai eterno (cf. Mc 1,10). Inclusive no seu Evangelho João sublinha este aspecto, onde Jesus diz aos discípulos: «Quando vier o Paráclito, que vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da Verdade que procede do Pai, Ele dará testemunho de mim. Também vós dareis testemunho, porque estais comigo desde o princípio» (Jn 15,26-27). Isto é-nos de grande conforto, no compromisso de educar para a fé, porque sabemos que não estamos sozinhos, e que o nosso testemunho é sustentado pelo Espírito Santo.

É muito importante para vós, pais, e também para os padrinhos e as madrinhas, acreditar fortemente na presença e na obra do Espírito Santo, invocá-lo e recebê-lo em vós, mediante a oração e os Sacramentos. Com efeito, é Ele que ilumina a mente, aquecendo o coração do educador a fim de que saiba transmitir o conhecimento e o amor de Jesus. A oração é a primeira condição para educar, porque quando oramos predispomo-nos a deixar a Deus a iniciativa, de confiar os filhos e Ele, que os conhece antes e melhor do que nós mesmos, e sabe perfeitamente qual é o seu bem verdadeiro. E, ao mesmo tempo, quando rezamos pomo-nos à escuta das inspirações de Deus para cumprir bem a nossa parte, que contudo nos compete e temos que realizar. Os Sacramentos, especialmente a Eucaristia e a Penitência, permitem-nos cumprir a obra educativa em união com Cristo, em comunhão com Ele e continuamente renovados pelo seu perdão. A oração e os Sacramentos fazem-nos alcançar aquela luz de verdade, graças à qual podemos ser, ao mesmo tempo, ternos e fortes, usar a docilidade e a firmeza, calar e falar no momento justo, repreender e corrigir de maneira correcta.

Estimados amigos, invoquemos portanto todos juntos o Espírito Santo, para que desça em abundância sobre estas crianças, as consagre à imagem de Jesus Cristo e as acompanhe sempre ao longo do caminho da sua vida. Confiemo-las à guia materna de Maria Santíssima, para que cresçam em idade, sabedoria e graça, tornando-se cristãos verdadeiros, testemunhas fiéis e jubilosas do amor de Deus. Amém!



Quarta-feira 25 de Janeiro de 2012: CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS NO FINAL DA SEMANA DE ORAÇÃO PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS

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Festa da Conversão de São Paulo

Basílica de São Paulo fora dos Muros



Amados irmãos e irmãs


É com grande alegria que dirijo a minha calorosa saudação a todos vós, que vos congregastes nesta Basílica, na Festa litúrgica da Conversão de São Paulo, para encerrar a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, neste ano durante o qual nós celebraremos o quinquagésimo aniversário da abertura do Concílio Vaticano II, que o beato João XXIII anunciou precisamente nesta Basílica, no dia 25 de Janeiro de 1959. O tema oferecido à nossa meditação na Semana de oração, que hoje concluímos, é: «Todos seremos transformados pela vitória de nosso Senhor Jesus Cristo» (cf.
1Co 15,51-58).

O significado desta transformação misteriosa, da qual nos fala a breve segunda leitura desta tarde, é demonstrado admiravelmente na vicissitude pessoal de são Paulo. A seguir ao acontecimento extraordinário ocorrido ao longo do caminho de Damasco, Saulo, que se distinguia pela diligência com que perseguia a Igreja nascente, foi transformado num apóstolo incansável do Evangelho de Jesus Cristo. Na vicissitude deste evangelizador extraordinário vê-se claramente que essa transformação não é o resultado de uma longa reflexão interior, nem sequer o fruto de um esforço pessoal. Ela é, antes de tudo, obra da graça de Deus que agiu em conformidade com as suas modalidades imperscrutáveis. É por isso que Paulo, escrevendo à comunidade de Corinto alguns anos depois da sua conversão afirma, como ouvimos na primeira leitura destas Vésperas: «Mas pela graça de Deus sou aquele que sou, e a graça que Ele me concedeu não foi inútil» (1Co 15,10). Além disso, considerando com atenção a vicissitude de são Paulo, compreende-se como a transformação que ele experimentou na sua existência não se limita ao plano ético — como conversão da imoralidade para a moralidade — nem sequer ao plano intelectual — como mudança do próprio modo de compreender a realidade — mas trata-se sobretudo de uma renovação radical do próprio ser, sob muitos aspectos semelhante a um renascimento. Tal transformação encontra o seu fundamento na participação no mistério da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, e delineia-se como um caminho gradual de conformação a Ele. À luz desta consciência são Paulo, quando sucessivamente é chamado a defender a legitimidade da sua vocação apostólica e do Evangelho por ele anunciado, diz: «Já não sou eu que vivo. É Cristo que vive em mim. E esta vida, que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou a Si mesmo por mim» (Ga 2,20).

A experiência pessoal vivida por são Paulo permite-lhe aguardar com esperança fundada o cumprimento deste mistério de transformação, que dirá respeito a todos aqueles que acreditaram em Jesus Cristo e também a toda a humanidade e à criação inteira. Na breve segunda leitura que foi proclamada esta tarde são Paulo, depois de ter desenvolvido uma longa argumentação destinada a fortalecer nos fiéis a esperança da ressurreição, utilizando as imagens tradicionais da literatura apocalíptica que lhe é contemporânea, descreve em poucas linhas o grande dia do juízo final, em que se cumpre o destino da humanidade: «Num instante, num abrir e fechar de olhos, ao som da trombeta final... os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados» (1Co 15,52). Nesse dia, todos os crentes serão transformados em conformidade com Cristo e tudo o que é corruptível será transformado pela sua glória: «Com efeito, é necessário — diz são Paulo — que este corpo corruptível se revista de incorruptibilidade, que este corpo mortal se revista de imortalidade» (v. 1Co 15,53). Então, o triunfo de Cristo será finalmente completo porque, diz-nos ainda são Paulo demonstrando como as antigas profecias das Escrituras se realizam, a morte será vencida definitivamente e, com ela, o pecado que a fez entrar no mundo e a lei que fixa o pecado sem dar a força de o derrotar: «A morte foi tragada pela vitória. / Onde está, ó morte, a tua vitória? / Onde está, ó morte, o teu aguilhão? / O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a Lei» (vv. 1Co 15,54-56). Por conseguinte, são Paulo diz-nos que cada homem, mediante o baptismo na morte e ressurreição de Cristo, participa na vitória daquele que foi o primeiro a derrotar a morte, dando início a um caminho de transformação que se manifesta desde já numa novidade de vida e que alcançará a sua plenitude no fim dos tempos.

É muito significativo que este trecho se conclua com uma acção de graças: «Sejam dadas graças a Deus, que nos concede a vitória por meio de nosso Senhor Jesus Cristo!» (v. 1Co 15,57). O cântico de vitória sobre a morte transforma-se em canto de acção de graças, elevado ao Vencedor. Também nós esta tarde, celebrando os louvores vespertinos de Deus, queremos unir as nossas vozes, as nossas mentes e os nossos corações a este hino de acção de graças por aquilo que a graça divina realizou no Apóstolo das nações e pelo admirável desígnio salvífico que Deus Pai cumpre em nós por meio do Senhor Jesus Cristo. Enquanto elevamos a nossa oração, tenhamos confiança de que seremos transformados, também nós, e conformados à imagem de Cristo. Isto é particularmente verdadeiro na prece pela unidade dos cristãos. Com efeito, quando imploramos o dom da unidade dos discípulos de Cristo, façamos nosso o desejo expresso por Jesus Cristo na vigília da sua paixão e morte na oração dirigida ao Pai: «Para que todos sejam um» (Jn 17,21). Por este motivo, a oração pela unidade dos cristãos mais não é do que participação na realização do desígnio divino para a Igreja, e o compromisso diligente em prol do restabelecimento da unidade é um dever e uma grande responsabilidade para todos.

Mesmo experimentando nos nossos dias a situação dolorosa da divisão, nós cristãos podemos e devemos olhar para o futuro com esperança, enquanto a vitória de Cristo significa a superação de tudo o que nos impede de compartilhar a plenitude de vida com Ele e com o próximo. A ressurreição de Jesus Cristo confirma que a bondade de Deus vence o mal, o amor supera a morte. Ele acompanha-nos na luta contra a força destruidora do pecado que prejudica a humanidade e toda a criação de Deus. A presença de Cristo ressuscitado exorta todos nós, cristãos, a agir juntos na causa do bem. Unidos em Cristo, somos chamados a compartilhar a sua missão, que consiste em levar a esperança onde predominam a injustiça, o ódio e o desespero. As nossas divisões tornam menos luminoso o nosso testemunho de Cristo. A meta da unidade plena, que aguardamos em esperança diligente, e pela qual oramos com confiança, é uma vitória não secundária, mas importante para o bem da família humana.

Na cultura hoje predominante, a ideia de vitória anda muitas vezes associada a um sucesso imediato. Na perspectiva cristã, ao contrário, a vitória é um longo e, aos nossos olhos, nem sempre linear processo de transformação e de crescimento no bem. Ela verifica-se segundo os tempos de Deus, não segundo os nossos, e exige de nós fé profunda e perseverança paciente. Embora o Reino de Deus tenha irrompido definitivamente na história com a Ressurreição de Jesus, ele ainda não se cumpriu plenamente. A vitória final terá lugar com a segunda vinda do Senhor, que nós aguardamos com esperança paciente. Também a nossa expectativa pela unidade visível da Igreja deve ser paciente e confiante. Só em tal disposição encontram o seu significado completo a nossa oração e o nosso compromisso quotidiano em prol da unidade dos cristãos. A atitude de expectativa paciente não significa passividade nem resignação, mas resposta pronta e atenta a cada possibilidade de comunhão e fraternidade, que o Senhor nos concede.

Neste clima espiritual, gostaria de dirigir algumas saudações particulares, em primeiro lugar ao Cardeal Monterisi, Arcipreste desta Basílica, ao Abade e à Comunidade dos monges beneditinos que nos hospedam. Saúdo o Cardeal Koch, Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e todos os colaboradores deste Dicastério. Dirijo as minhas saudações cordiais e fraternas a Sua Eminência o Metropolita Gennadios, representante do Patriarcado ecuménico, e ao Reverendo Cónego Richardson, representante pessoal em Roma do Arcebispo de Canterbury, e a todos os representantes das várias Igrejas e Comunidades eclesiais, aqui reunidos esta tarde. Além disso, é-me particularmente grato saudar alguns membros do Grupo de trabalho composto por representantes de diversas Igrejas e Comunidades eclesiais presentes na Polónia, que prepararam os subsídios para a Semana de Oração deste ano, aos quais gostaria de manifestar a minha gratidão e os meus bons votos para que continuem ao longo do caminho da reconciliação e da colaboração fecunda, como também os membros do Global Christian Forum que nestes dias estão em Roma para meditar a respeito da abertura da participação no movimento ecuménico de novos elementos. E saúdo inclusive o grupo de estudantes do Instituto Ecuménico de Bossey, do Conselho Ecuménico das Igrejas.

À intercessão de são Paulo desejo confiar todos aqueles que, com a sua oração e o seu compromisso, se prodigalizam pela causa da unidade dos cristãos. Embora às vezes possamos ter a impressão de que o caminho rumo ao pleno restabelecimento da comunhão ainda seja muito longo e cheio de obstáculos, convido todos a renovar a própria determinação na busca, com coragem e generosidade, a unidade que é a vontade de Deus, seguindo o exemplo de são Paulo, que diante de dificuldades de todos os tipos conservou sempre firme a confiança no Deus que completa a sua obra. De resto, neste caminho não faltam sinais positivos de uma renovada fraternidade e de um sentido comum de responsabilidade perante as grandes problemáticas que afligem o nosso mundo. Tudo isto é motivo de alegria e de grande esperança, e deve encorajar-nos a continuar o nosso compromisso para chegarmos todos juntos à meta final, conscientes de que o nosso trabalho não é em vão no Senhor (cf. 1Co 15,58). Amém!




Quinta-feira, 2 de Fevereiro de 2012: VÉSPERAS NA FESTA DA APRESENTAÇÃO POR OCASIÃO DO XVI DIA MUNDIAL DA VIDA CONSAGRADA

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Basílica Vaticana





Prezados irmãos e irmãs

A festa da Apresentação do Senhor, quarenta dias depois do nascimento de Jesus, mostra-nos Maria e José que, em obediência à Lei mosaica, vão ao templo de Jerusalém para oferecer o menino, enquanto primogénito, ao Senhor e para o resgatar mediante um sacrifício (cf.
Lc 2,22-24). É um dos casos em que o tempo litúrgico reflecte o histórico, porque hoje se completam precisamente quarenta dias desde a solenidade do Natal do Senhor; o tema de Cristo Luz, que caracterizou o ciclo das festas natalícias e culminou na solenidade da Epifania, é retomado e prolongado na festa hodierna.

O gesto ritual dos pais de Jesus, que se verifica segundo o estilo de escondimento humilde que caracteriza a Encarnação do Filho de Deus, encontra um acolhimento singular da parte do ancião Simeão e da profetisa Ana. Por inspiração divina, eles reconhecem naquele menino o Messias anunciado pelos profetas. No encontro entre o ancião Simeão e Maria, jovem mãe, Antigo e Novo Testamento unem-se de maneira admirável em acção de graças pelo dom da Luz, que resplandeceu nas trevas, impedindo-as de prevalecer: Cristo Senhor, Luz para iluminar os povos e glória do seu povo Israel (cf. Lc 2,32).

No dia em que a Igreja faz memória da Apresentação de Jesus no templo, celebra-se o Dia da Vida Consagrada. Com efeito, o episódio evangélico ao qual nos referimos constitui um ícone significativo da doação da própria vida por parte de quantos foram chamados a representar na Igreja e no mundo, mediante os conselhos evangélicos, os traços característicos de Jesus, casto, pobre e obediente, o Consagrado do Pai. Portanto, na festividade deste dia nós celebramos o mistério da consagração: consagração de Cristo, consagração de Maria, consagração de todos aqueles que se põem na sequela de Jesus por amor do Reino de Deus.

Segundo a intuição do Beato João Paulo II, que a celebrou pela primeira vez em 1997, o Dia dedicado à vida consagrado propõe-se algumas finalidades particulares. Quer responder, antes de tudo, à exigência de louvar e dar graças ao Senhor pelo dom desta condição de vida, que pertence à santidade da Igreja. A cada pessoa consagrada é dedicada, hoje, a oração de toda a Comunidade, que dá graças a Deus Pai, doador de todo o bem, pela dádiva desta vocação, e com fé volta a invocá-lo. Além disso, em tal ocasião tenciona-se valorizar cada vez mais o testemunho daqueles que escolheram seguir Cristo mediante a prática dos conselhos evangélicos com a promoção do conhecimento e a estima da vida consagrada no interior do Povo de Deus. Finalmente, o Dia da Vida Consagrada deseja ser, sobretudo para vós, queridos irmãos e irmãs que abraçastes esta condição na Igreja, uma preciosa ocasião para renovar os propósitos e reavivar os sentimentos que inspiraram e inspiram a doação de vós mesmos ao Senhor. É isto que queremos fazer hoje, este é o compromisso que sois chamados a realizar todos os dias da vossa vida.

Por ocasião do 50º aniversário da abertura do Concílio Ecuménico Vaticano II, proclamei — como sabeis — o Ano da fé, que terá início no próximo mês de Outubro. Todos os fiéis, mas de modo particular os membros dos Institutos de vida consagrada, acolheram esta iniciativa como um dom, e faço votos a fim de que vivam o Ano da fé como tempo favorável para a renovação interior, da qual sempre se sente a necessidade, com um aprofundamento dos valores essenciais e das exigências da própria consagração. No Ano da fé vós, que acolhestes a chamada a seguir Cristo mais de perto mediante a profissão dos conselhos evangélicos, sois convidados a aprofundar ainda mais a relação com Deus. Aceites como autêntica regra de vida, os conselhos evangélicos fortalecem a fé, a esperança e a caridade, que unem a Deus. Esta profunda proximidade ao Senhor, que deve ser o elemento prioritário e caracterizador da vossa existência, levar-vos-á a uma renovada adesão a Ele, e terá uma influência positiva sobre a vossa especial presença e forma de apostolado no interior do Povo de Deus, através da relação dos vossos carismas, na fidelidade ao Magistério, com a finalidade de ser testemunhas da fé e da graça, testemunhas credíveis para a Igreja e para o mundo de hoje.

A Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, com os meios que considerar mais adequados, indicará os critérios e comprometer-se-á para fazer com que este Ano da fé constitua para todos vós um ano de renovação e de fidelidade, a fim de que todos os consagrados e consagradas se dediquem com entusiasmo à nova evangelização. Enquanto dirijo a minha cordial saudação ao Prefeito do Dicastério, D. João Braz de Aviz — que desejei incluir entre quantos criarei Cardeais no próximo Consistório — é de bom grado que aproveito esta feliz circunstância para lhe agradecer, bem como aos Colaboradores, o precioso serviço que prestam à Santa Sé e a toda a Igreja.

Caros irmãos e irmãs, estou grato também a cada um de vós, por terdes desejado participar nesta Liturgia que, graças inclusive à vossa presença, se distingue por um especial clima de devoção e recolhimento. Desejo todo o bem para o caminho das vossas Famílias religiosas, assim como para a vossa formação e o vosso apostolado. A Virgem Maria, discípula, serva e Mãe do Senhor, obtenha do Senhor Jesus, que «quantos receberam o dom de O seguir na vida consagrada, saibam testemunhá-lo com uma existência transfigurada, caminhando jubilosamente, com todos os outros irmãos e irmãs, para a pátria celeste e para a luz que não conhece ocaso» (João Paulo ii, Exortação Apostólica pós-sinodal Vita consecrata VC 112).

Amen.



CONSISTÓRIO ORDINÁRIO PÚBLICO PARA A CRIAÇÃO DE NOVOS CARDEAIS E PELO VOTO DE ALGUMAS CAUSAS DE CANONIZAÇÃO

Domingo, 19 de Fevereiro de 2012: CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA COM OS NOVOS CARDEAIS

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Basílica Vaticana




Senhores Cardeais,
Venerados Irmãos no episcopado e no sacerdócio,
Amados Irmãos e Irmãs!

Na solenidade da Cátedra de São Pedro Apóstolo, temos a alegria de nos reunir à volta do altar do Senhor, juntamente com os novos Cardeais que ontem agreguei ao Colégio Cardinalício. Para eles, em primeiro lugar, vai a minha cordial saudação, agradecendo ao Cardeal Fernando Filoni as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos. Estendo a minha saudação aos outros Purpurados e a todos os Bispos presentes, como também às ilustres Autoridades, aos senhores Embaixadores, aos sacerdotes, aos religiosos e a todos os fiéis, vindos de várias partes do mundo para esta feliz ocasião, que se reveste de um carácter especial de universalidade.

Na segunda leitura, há pouco proclamada, o apóstolo Pedro exorta os «presbíteros» da Igreja a serem pastores zelosos e solícitos do rebanho de Cristo (cf.
1P 5,1-2). Estas palavras são dirigidas antes de mais nada a vós, amados e venerados Irmãos, que sois reconhecidos no meio do Povo de Deus pelos vossos méritos na obra generosa e sábia do ministério pastoral em dioceses relevantes, ou na direcção dos dicastérios da Cúria Romana, ou ainda no serviço eclesial do estudo e do ensino. A nova dignidade que vos foi conferida pretende manifestar o apreço pelo vosso trabalho fiel na vinha do Senhor, homenagear as comunidades e nações donde provindes e de que sois dignos representantes na Igreja, investir-vos de novas e mais importantes responsabilidades eclesiais e, enfim, pedir-vos um suplemento de disponibilidade para Cristo e para a comunidade cristã inteira. Esta disponibilidade para o serviço do Evangelho está fundada firmemente na certeza da fé. De facto, sabemos que Deus é fiel às suas promessas e aguardamos, na esperança, a realização destas palavras do apóstolo Pedro: «E, quando o supremo Pastor Se manifestar, então recebereis a coroa imperecível da glória» (1P 5,4).

O texto evangélico de hoje apresenta Pedro que, movido por uma inspiração divina, exprime firmemente a sua fé em Jesus, o Filho de Deus e o Messias prometido. Respondendo a esta profissão clara de fé, que Pedro faz também em nome dos outros Apóstolos, Cristo revela-lhe a missão que pensa confiar-lhe: ser a «pedra», a «rocha», o alicerce visível sobre o qual será construído todo o edifício espiritual da Igreja (cf. Mt 16,16-19). Esta denominação de «rocha-pedra» não alude ao carácter da pessoa, mas só é compreensível a partir dum aspecto mais profundo, a partir do mistério: através do encargo que Jesus lhe confere, Simão Pedro tornar-se-á aquilo que ele não é mediante «a carne e o sangue». O exegeta Joachim Jeremias mostrou que aqui está presente, como cenário de fundo, a linguagem simbólica da «rocha santa». A propósito, pode ajudar-nos um texto rabínico onde se afirma: «O Senhor disse: “Como posso criar o mundo, sabendo que hão-de surgir estes sem-Deus que se revoltarão contra Mim?” Mas, quando Deus viu que devia nascer Abraão, disse: “Vê! Encontrei uma rocha, sobre a qual posso construir e assentar o mundo”. Por isso, Ele chamou Abraão uma rocha». O profeta Isaías alude a isto mesmo, quando recorda ao povo: «Considerai a rocha de que fostes talhados (…). Olhai para Abraão, vosso pai» (Is 51,1-2). Pela sua fé, Abraão, o pai dos crentes, é visto como a rocha que sustenta a criação. Simão, o primeiro que confessou Jesus como o Cristo e também a primeira testemunha da ressurreição, torna-se agora, com a sua fé renovada, a rocha que se opõe às forças destruidoras do mal.

Amados irmãos e irmãs! Este episódio evangélico, que escutámos, encontra subsequente e mais eloquente explicação num elemento artístico muito conhecido, que enriquece esta Basílica Vaticana: o altar da Cátedra. Quando, depois de percorrer a grandiosa nave central e ultrapassar o transepto, se chega à abside, encontramo-nos perante um trono de bronze enorme, que parece suspenso em voo mas na realidade está sustentado por quatro estátuas de grandes Padres da Igreja do Oriente e do Ocidente. E na janela oval, por cima do trono, resplandece a glória do Espírito Santo, envolvida por um triunfo de anjos suspensos no ar. Que nos diz este conjunto escultório, nascido do génio de Bernini? Representa uma visão da essência da Igreja e, no seio dela, do magistério petrino.

A janela da abside abre a Igreja para o exterior, para a criação inteira, enquanto a imagem da pomba do Espírito Santo mostra Deus como a fonte da luz. Mas há ainda outro aspecto a evidenciar: de facto, a própria Igreja é como que uma janela, o lugar onde Deus Se faz próximo, vem ao encontro do nosso mundo. A Igreja não existe para si mesma, não é o ponto de chegada, mas deve apontar para além de si, para o alto, acima de nós. A Igreja é verdadeiramente o que deve ser, na medida em que deixa transparecer o Outro – com o “O” grande – do qual provém e para o qual conduz. A Igreja é o lugar onde Deus «chega» a nós e donde nós «partimos» para Ele; a este mundo que tende a fechar-se em si próprio, a Igreja tem a missão de o abrir para além de si mesmo e levar-lhe a luz que vem do Alto e sem a qual se tornaria inabitável.

A grande cátedra de bronze contém dentro dela uma cadeira em madeira, do século IX, que foi considerada durante muito tempo a cátedra do apóstolo Pedro e, precisamente pelo seu alto valor simbólico, colocada neste altar monumental. Na realidade, exprime a presença permanente do Apóstolo no magistério dos seus sucessores. Podemos dizer que a cadeira de São Pedro é o trono da verdade, cuja origem está no mandato de Cristo depois da confissão em Cesareia de Filipe. A cadeira magistral renova em nós também a lembrança das seguintes palavras dirigidas pelo Senhor a Pedro no Cenáculo: «Eu roguei por ti, para que a tua fé não desapareça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos» (Lc 22,32).

A cátedra de Pedro evoca outra recordação: a conhecida expressão de Santo Inácio de Antioquia, que, na sua Carta aos Romanos, designa a Igreja de Roma como «aquela que preside à caridade» (Inscr.: PG 5,801). Com efeito, o facto de presidir na fé está inseparavelmente ligado à presidência no amor. Uma fé sem amor deixaria de ser uma fé cristã autêntica. Mas as palavras de Santo Inácio contêm ainda outro aspecto, muito mais concreto: de facto, o termo «caridade» era usado pela Igreja primitiva para indicar também a Eucaristia. Efectivamente a Eucaristia é Sacramentum caritatis Christi, por meio do qual Ele continua a atrair a Si todos nós, como fez do alto da cruz (cf. Jn 12,32). Portanto, «presidir à caridade» significa atrair os homens num abraço eucarístico – o abraço de Cristo – que supera toda a barreira e estranheza, criando a comunhão entre as múltiplas diferenças. Por conseguinte, o ministério petrino é primado no amor em sentido eucarístico, ou seja, solicitude pela comunhão universal da Igreja em Cristo. E a Eucaristia é forma e medida desta comunhão, e garantia de que a Igreja se mantém fiel ao critério da tradição da fé.

A grande Cátedra é sustentada pelos Padres da Igreja. Os dois mestres do Oriente, São João Crisóstomo e Santo Atanásio, juntamente com os latinos, Santo Ambrósio e Santo Agostinho, representam a totalidade da tradição e, consequentemente, a riqueza da expressão da verdadeira fé na santa e única Igreja. Este elemento do altar diz-nos que o amor apoia-se sobre a fé. O amor desfaz-se, se o homem deixa de confiar em Deus e obedecer-Lhe. Na Igreja, tudo se apoia na fé: os sacramentos, a liturgia, a evangelização, a caridade. Mesmo o direito e a própria autoridade na Igreja assentam na fé. A Igreja não se auto-regula, não confere a si mesma o seu próprio ordenamento, mas recebe-o da Palavra de Deus, que escuta na fé e procura compreender e viver. Na comunidade eclesial, os Padres da Igreja têm a função de garantes da fidelidade à Sagrada Escritura. Asseguram uma exegese fidedigna, segura, capaz de formar um conjunto estável e unitário com a cátedra de Pedro. As Sagradas Escrituras, interpretadas com autoridade pelo Magistério à luz dos Padres, iluminam o caminho da Igreja no tempo, assegurando-lhe um fundamento estável no meio das transformações da história.

Depois de termos considerado os diversos elementos do altar da Cátedra, lancemos um olhar ao seu conjunto. Vemos que é atravessado por um duplo movimento: de subida e de descida. Trata-se da reciprocidade entre a fé e o amor. A Cátedra aparece em grande destaque neste lugar, não só porque está aqui o túmulo do apóstolo Pedro, mas também porque ela encaminha para o amor de Deus. Com efeito, a fé orienta-se para o amor. Uma fé egoísta seria uma fé não-verdadeira. Quem crê em Jesus Cristo e entra no dinamismo de amor que encontra a sua fonte na Eucaristia, descobre a verdadeira alegria e torna-se, por sua vez, capaz de viver segundo a lógica deste dom. A verdadeira fé é iluminada pelo amor e conduz ao amor, conduz para o alto, como o altar da Cátedra nos eleva para a janela luminosa, para a glória do Espírito Santo, que constitui o verdadeiro ponto focal que atrai o olhar do peregrino quando cruza o limiar da Basílica Vaticana. O triunfo dos anjos e os grandes raios dourados conferem àquela janela o máximo destaque, com um sentido de transbordante plenitude que exprime a riqueza da comunhão com Deus. Deus não é solidão, mas amor glorioso e feliz, irradiante e luminoso.

Amados irmãos e irmãs, a nós, a cada cristão, está confiado o dom deste amor: um dom que deve ser oferecido com o testemunho da nossa vida. Esta é de modo particular a vossa missão, venerados Irmãos Cardeais: testemunhar a alegria do amor de Cristo. À Virgem Maria, presente na comunidade apostólica reunida em oração à espera do Espírito Santo (cf. Ac 1,14), confiamos agora o vosso novo serviço eclesial. Que Ela, Mãe do Verbo Encarnado, proteja o caminho da Igreja, sustente com a sua intercessão a obra dos Pastores e acolha sob o seu manto todo o Colégio Cardinalício. Amen!



Bento XVI Homilias 60112