Bento XVI Homilias 35312
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DISCURSO DO PAPA BENTO XVI
León, Catedral de Nossa Senhora da Luz
Senhores Cardeais,
Amados Irmãos no Episcopado!
Sinto uma grande alegria em rezar com todos vós nesta Basílica-Catedral de León, dedicada a Nossa Senhora da Luz. Na linda imagem que aqui se venera, a Virgem Santíssima segura o seu Filho com grande ternura numa mão, enquanto estende a outra para socorrer os pecadores. Assim contempla Maria a Igreja de todos os tempos, que A louva por nos ter dado o Redentor e se entrega a Ela por ser a Mãe que o seu divino Filho, pregado na cruz, nos deixou. Por isso, frequentemente A invocamos como «esperança nossa», porque nos mostrou Jesus e duma forma simples – como se as explicasse aos pequenitos de casa – nos transmitiu as maravilhas que Deus fez e continua a fazer pela humanidade.
Um sinal decisivo destas maravilhas no-lo oferece a Leitura Breve que foi proclamada nestas Vésperas. Os habitantes de Jerusalém e os seus chefes não reconheceram Cristo, mas, ao condená-Lo à morte, de facto cumpriram as palavras dos profetas (cf. Ac 13,27). É verdade! A maldade e a ignorância dos homens não é capaz de travar o plano divino de salvação, a redenção. O mal não tem poder para isso.
Outra maravilha de Deus é-nos recordada pelo segundo salmo que recitámos: o «rochedo» transforma-se «em lago e a pedra em fonte de água» (Ps 113,8). O que poderia ser pedra de tropeço e de escândalo, com o triunfo de Jesus sobre a morte, convertera-se em pedra angular: «Tudo isto veio do Senhor, é admirável aos nossos olhos» (Ps 117,23). Por isso não há motivos para render-se à prepotência do mal. E peçamos ao Senhor Ressuscitado que se manifeste a sua força nas nossas fraquezas e faltas.
Esperava ardentemente este encontro convosco, Pastores da Igreja de Cristo que peregrina no México e nos restantes países deste grande Continente, como uma ocasião para, juntos, contemplarmos Cristo que vos confiou a importante tarefa de anunciar o Evangelho no meio destes povos de forte tradição católica. Com certeza, a situação actual das vossas dioceses apresenta desafios e dificuldades de origem muito diversa. Mas, sabendo que o Senhor ressuscitou, podemos avançar confiadamente, seguros de que o mal não tem a última palavra na história e de que Deus é capaz de abrir novos espaços a uma esperança que não desilude (cf. Rm 5,5).
Agradeço a cordial saudação que me dirigiu o Senhor Arcebispo de Tlalnepantla e Presidente da Conferência Episcopal Mexicana e do Conselho Episcopal Latino-Americano, fazendo-se intérprete e porta-voz de todos. E a vós, Pastores das diversas Igrejas particulares, peço que, ao regressar às vossas sedes, transmitais aos vossos fiéis o profundo afecto do Papa, que guarda no seu coração todos os seus sofrimentos e aspirações.
Ao ver espelhadas em vossos rostos as preocupações pela grei que apascentais, vêm-me à mente as Assembleias do Sínodo dos Bispos quando os participantes aplaudem a intervenção de alguém que exerce o seu ministério em situações particularmente dolorosas para a vida e a missão da Igreja. Este gesto brota da fé no Senhor, significando fraternidade nos trabalhos apostólicos, bem como gratidão e admiração pelos que semeiam o Evangelho entre espinhos, uns sob a forma de perseguição, outros sob a forma de marginalização ou desprezo. E não faltam preocupações também pela carência de meios e recursos humanos ou com as limitações impostas à liberdade da Igreja no cumprimento da sua missão.
O Sucessor de Pedro compartilha estes sentimentos e agradece a vossa solicitude pastoral paciente e humilde. Não estais sozinhos nem nas dificuldades, nem nos sucessos da evangelização; todos estamos unidos nos sofrimentos e na consolação (cf. 2Co 1,5). Sabei que ocupais um lugar particular na oração daquele que recebeu de Cristo o encargo de confirmar na fé os seus irmãos (cf. Lc 22,31), e que os encoraja na missão de fazerem com que Nosso Senhor Jesus Cristo seja cada vez mais conhecido, amado e seguido nestas terras, sem se deixarem atemorizar pelas contrariedades.
A fé católica marcou significativamente a vida, os costumes e a história deste Continente, onde muitas das suas nações estão a comemorar o bicentenário da independência. É um momento histórico sobre o qual continua a brilhar o nome de Cristo, trazido para aqui por insignes e generosos missionários, que O proclamaram com coragem e sabedoria. Eles arriscaram tudo por Cristo, mostrando que o homem encontra n’Ele a sua consistência e a força necessária para viver em plenitude e edificar uma sociedade digna do ser humano, como o quis o seu Criador. O ideal de não antepor nada ao Senhor e de fazer com que a Palavra de Deus chegue a todos, valendo-se das características próprias de cada um e das suas melhores tradições, continua a ser uma válida orientação para os Pastores de hoje.
As iniciativas que surgirem motivadas pelo Ano da Fé devem ter como finalidade conduzir os homens a Cristo, cuja graça lhes permitirá deixar as cadeias do pecado que os escraviza e avançar para a liberdade autêntica e responsável. Para isto mesmo contribui também a Missão Continental promovida na Conferência de Aparecida e que já tantos frutos de renovação eclesial está dando nas Igrejas particulares da América Latina e do Caribe. Entre eles, contam-se o estudo, a difusão e a meditação da Sagrada Escritura, que anuncia o amor de Deus e a nossa salvação. Neste sentido, exorto-vos a continuardes a abrir os tesouros do Evangelho, a fim de que se transformem em força de esperança, liberdade e salvação para todos os homens (cf. Rm 1,16). E sede também testemunhas e intérpretes fiéis da palavra do Filho encarnado, que viveu para cumprir a vontade do Pai e, sendo homem com os homens, Se consumiu por eles até à morte.
Amados Irmãos no Episcopado, no horizonte pastoral e evangelizador que se abre diante de nós, é de capital importância cuidar com grande atenção dos seminaristas, encorajando-os a não se gloriarem de «saber outra coisa a não ser Jesus Cristo, e, Este, crucificado» (1Co 2,2). Não menos fundamental se apresenta a solidariedade com os presbíteros, a quem nunca deve faltar a compreensão e o encorajamento do seu Bispo e, se necessária, também a sua paterna admoestação sobre atitudes contraproducentes. São os vossos primeiros colaboradores na comunhão sacramental do sacerdócio, aos quais deveis manifestar vossa proximidade constante e privilegiada. O mesmo se diga das diversas formas de vida consagrada, cujos carismas devem ser estimados com gratidão e acompanhados com responsabilidade e respeito pelo dom recebido. E uma atenção cada vez mais especial é devida aos leigos mais comprometidos na catequese, na animação litúrgica, na acção caritativa e no compromisso social. A sua formação na fé é crucial para tornar presente e fecundo o Evangelho na sociedade actual. E não é justo que se sintam tratados como quem pouco conta na Igreja, apesar do entusiasmo que sentem em trabalhar nela segundo a sua vocação própria, e o grande sacrifício que às vezes lhes requer esta dedicação. Em tudo isto, é particularmente importante para os Pastores que reine um espírito de comunhão entre sacerdotes, religiosos e leigos, evitando divisões estéreis, críticas e suspeitas nocivas.
Com estes ardentes desejos, convido-vos a ser sentinelas que proclamam dia e noite a glória de Deus, que é a vida do homem. Estai do lado de quem é marginalizado pela violência, pelo poder ou por uma riqueza que ignora quem carece de quase tudo. A Igreja não pode separar o louvor de Deus do serviço aos homens. O único Deus Pai e Criador é que nos constituiu irmãos: ser homem é ser irmão e guardião do próximo. Neste caminho com toda a humanidade, a Igreja deve reviver e actualizar o que foi Jesus: o Bom Samaritano que, vindo de longe, se integrou na história dos homens, nos levantou e se prodigalizou pela nossa cura.
Amados Irmãos no Episcopado, a Igreja na América Latina, que muitas vezes se uniu a Jesus Cristo na sua paixão, deve continuar a ser semente de esperança, que permita a todos ver como os frutos da Ressurreição alcançam e enriquecem estas terras.
Que a Mãe de Deus, invocada com o título de Maria Santíssima da Luz, dissipe as trevas do nosso mundo e ilumine o nosso caminho, para podermos confirmar na fé o povo latino-americano nas suas fadigas e aspirações, com fidelidade, valentia e fé firme n’Aquele que tudo pode e a todos ama sem medida. Amen.
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Santiago de Cuba, Praça Antonio Maceo
Solenidade da Anunciação do Senhor
Amados irmãos e irmãs!
Dou graças a Deus que me permitiu vir ter convosco, realizando esta viagem tão desejada. Saúdo D. Dionisio García Ibáñez, Arcebispo de Santiago de Cuba, agradecendo-lhe as amáveis palavras com que me acolheu em nome de todos. Saúdo igualmente os outros Bispos vindos de Cuba e doutros lugares, bem como os sacerdotes, religiosos, seminaristas e fiéis leigos presentes nesta celebração. E não posso esquecer todos aqueles a quem a doença, a idade ou outras razões impossibilitaram de estar aqui conosco. Saúdo também as autoridades que gentilmente quiseram acompanhar-nos.
Esta Santa Missa – a primeira que tenho a alegria de presidir na minha visita pastoral a este país – insere-se no contexto do Ano Jubilar Mariano proclamado para honrar a Virgem da Caridade do Cobre, Padroeira de Cuba, nos quatrocentos anos da descoberta e presença da sua veneranda imagem nestas terras abençoadas. Não ignoro o sacrifício e a dedicação com que se preparou este jubileu, especialmente sob o ponto de vista espiritual. Tocou-me profundamente o fervor com que Maria foi saudada e invocada por muitos cubanos, na sua peregrinação por todos os cantos e lugares da Ilha.
Estes acontecimentos importantes da Igreja em Cuba são iluminados com um brilho extraordinário pela festa que a Igreja universal celebra hoje: a Anunciação do Senhor à Virgem Maria. De fato, a Encarnação do Filho de Deus é o mistério central da fé cristã e, nele, Maria ocupa um lugar de primária grandeza. Mas qual é o significado deste mistério? E qual é a importância que tem para a nossa vida concreta?
Vejamos, antes de tudo, o que significa a Encarnação. No Evangelho de São Lucas, ouvimos as palavras do anjo a Maria: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus» (Lc 1,35). Em Maria, o Filho de Deus faz-Se homem, cumprindo-se assim a profecia de Isaías: «A virgem conceberá e dará à luz um filho e o seu nome será “Emanuel”, porque Deus está conosco» (Is 7,14). Sim, Jesus, o Verbo feito carne, é o Deus-conosco, que veio habitar entre nós e partilhar a nossa própria condição humana. O apóstolo São João exprime isto mesmo do modo seguinte: «O Verbo fez-Se carne e habitou no meio de nós» (Jn 1,14). A expressão «fez-Se carne» indica a realidade humana mais concreta e palpável. Em Cristo, Deus veio realmente ao mundo, entrou na nossa história, habitou no meio de nós, realizando assim a profunda aspiração do ser humano de que o mundo seja realmente uma casa para o homem. Pelo contrário, quando Deus é posto de lado, o mundo transforma-se num lugar inospitaleiro para o homem, frustrando ao mesmo tempo a verdadeira vocação da criação que é ser o espaço para a aliança, para o «sim» do amor entre Deus e a humanidade que Lhe responde. E assim fez Maria, primícias dos crentes, com o seu «sim» dado sem reservas ao Senhor.
Por isso, quando contemplamos o mistério da Encarnação, não podemos deixar de voltar os nossos olhos para Ela, enchendo-nos de admiração, gratidão e amor ao ver como o nosso Deus, para entrar no mundo, quis contar com o consentimento livre duma criatura sua. Só a partir do momento em que a Virgem respondeu ao anjo: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra»(Lc 1,38), é que o Verbo eterno do Pai começou a sua existência humana no tempo. É comovente ver como Deus não só respeita a liberdade humana, mas parece ter necessidade dela. E vemos também como o início da existência terrena do Filho de Deus está marcado por um duplo «sim» à vontade salvífica do Pai: o de Cristo e o de Maria. É esta obediência a Deus que abre as portas do mundo à verdade, à salvação. De fato, Deus criou-nos como fruto do seu amor infinito; por isso viver segundo a sua vontade é o caminho para encontrar a nossa verdadeira identidade, a verdade do nosso ser, enquanto que o distanciamento de Deus nos afasta de nós mesmos e precipita-nos no vazio. A obediência na fé é a verdadeira liberdade, a autêntica redenção, que permite unirmo-nos ao amor de Jesus no seu esforço por Se conformar com a vontade do Pai. A redenção é sempre esse processo de levar a vontade humana à plena comunhão com a vontade divina (cf. Lectio divina com os párocos de Roma, 18 de fevereiro de 2010).
Queridos irmãos, hoje louvamos a Virgem Santíssima pela sua fé e dizemos-Lhe com Santa Isabel: «Bem-aventurada aquela que acreditou» (Lc 1,45). Como disse Santo Agostinho, Maria, antes de conceber Cristo fisicamente no seu ventre, concebeu-O pela fé no seu coração; Maria acreditou e realizou-se n’Ela aquilo em que acreditava (cf. Sermão 215, 4: PL 38, 1074). Peçamos ao Senhor que aumente a nossa fé, que a torne ativa e fecunda no amor. Peçamos-Lhe que sejamos capazes de acolher, como Ela, em nosso coração a Palavra de Deus e pô-la em prática com docilidade e constância.
Pelo seu papel insubstituível no Mistério de Cristo, a Virgem Maria representa a imagem e o modelo da Igreja. Esta, como fez a Mãe de Cristo, é chamada também a acolher em si o Mistério de Deus que vem habitar nela. Amados irmãos, sei com quanto esforço, coragem e dedicação trabalhais dia a dia para que a Igreja, nas circunstâncias concretas do vosso País e neste período da história, manifeste o seu verdadeiro rosto como lugar onde Deus Se aproxima dos homens e Se encontra com eles. A Igreja, corpo vivo de Cristo, tem a missão de prolongar na terra a presença salvadora de Deus, de abrir o mundo para algo maior do que ele mesmo, ou seja, para o amor e a luz de Deus. Vale a pena, amados irmãos, dedicar toda a vida a Cristo, crescer cada dia na sua amizade e sentir-se chamado a anunciar a beleza e a bondade da própria vida a todos os homens, nossos irmãos. Encorajo-vos na vossa tarefa de semear no mundo a palavra de Deus e oferecer a todos o verdadeiro alimento que é o corpo de Cristo. Com a Páscoa já próxima, decidamo-nos, sem medos nem complexos, a seguir Jesus no seu caminho para a cruz. Aceitemos com paciência e fé qualquer contrariedade ou aflição, convictos de que Ele, com a sua ressurreição, venceu o poder do mal, que tudo obscurece, e fez amanhecer um mundo novo, o mundo de Deus, da luz, da verdade e da alegria. O Senhor não cessará de abençoar com frutos abundantes a generosidade do vosso compromisso.
O mistério da Encarnação, em que Deus Se aproxima de nós, mostra-nos também a dignidade incomparável de cada vida humana. Por isso, no seu projeto de amor, desde a criação, Deus confiou à família fundada no matrimônio a sublime missão de ser célula fundamental da sociedade e verdadeira Igreja doméstica. Com esta certeza vós, queridos esposos, deveis ser, especialmente para os vossos filhos, sinal real e visível do amor de Cristo pela Igreja. Cuba precisa do testemunho da vossa fidelidade, da vossa unidade, da vossa capacidade de acolher a vida humana, especialmente a mais indefesa e necessitada.
Amados irmãos, sob o olhar da Virgem da Caridade do Cobre, desejo fazer um apelo a que deis novo vigor à vossa fé, vivais de Cristo e para Cristo, e luteis com as armas da paz, do perdão e da compreensão para construir uma sociedade aberta e renovada, uma sociedade melhor, mais digna do homem, que manifeste melhor a bondade de Deus. Amém.
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Havana, Praça da Revolução José Martí
Amados irmãos e irmãs!
«Bendito sejais, Senhor, Deus dos nossos pais (...). Bendito o vosso nome glorioso e santo» (Da 3,52). Este hino de bênção do livro de Daniel ressoa hoje na nossa liturgia, convidando-nos repetidamente a bendizer e louvar a Deus. Somos parte da multidão daquele coro que celebra o Senhor sem cessar. Unimo-nos a este concerto de ação de graças, oferecendo a nossa voz jubilosa e confiante, que procura fundar no amor e na verdade o caminho da fé.
«Bendito seja Deus» que nos reúne nesta praça emblemática, para mergulharmos mais profundamente na sua vida. Sinto uma grande alegria por estar hoje no vosso meio e presidir a Santa Missa no coração deste Ano Jubilar dedicado à Virgem da Caridade do Cobre.
Saúdo cordialmente o Cardeal Jaime Ortega y Alamino, Arcebispo de Havana, e agradeço-lhe as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos. Estendo a minha saudação aos Senhores Cardeais, aos meus irmãos Bispos de Cuba e doutros países que quiseram participar nesta solene celebração. Saúdo também os sacerdotes, os seminaristas, os religiosos e todos os fiéis aqui reunidos, bem como as autoridades que nos acompanham.
Na primeira leitura que foi proclamada, os três jovens, perseguidos pelo soberano babilonense, antes preferem morrer queimados pelo fogo que trair a sua consciência e a sua fé. Eles encontraram a força de «louvar, glorificar e bendizer a Deus» na convicção de que o Senhor do universo e da história não os abandonaria à morte e ao nada. De fato, Deus nunca abandona os seus filhos, nunca os esquece. Está acima de nós e é capaz de nos salvar com o seu poder; ao mesmo tempo, está perto do seu povo e, por meio do seu Filho Jesus Cristo, quis habitar entre nós.
«Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará» (Jn 8,31). No texto do Evangelho que foi proclamado, Jesus revela-Se como o Filho de Deus Pai, o Salvador, o único que pode mostrar a verdade e dar a verdadeira liberdade. Mas o seu ensinamento gera resistência e inquietação entre os seus interlocutores, e Ele acusa-os de procurarem a sua morte, aludindo ao supremo sacrifício da Cruz, já próximo. Ainda assim, exorta-os a acreditar, a permanecer na sua Palavra para conhecerem a verdade que redime e dignifica.
Com efeito, a verdade é um anseio do ser humano, e procurá-la supõe sempre um exercício de liberdade autêntica. Muitos, todavia, preferem os atalhos e procuram evitar essa tarefa. Alguns, como Pôncio Pilatos, ironizam sobre a possibilidade de conhecer a verdade (cf. Jn 18,38), proclamando a incapacidade do homem de alcançá-la ou negando que exista uma verdade para todos. Esta atitude, como no caso do ceticismo e do relativismo, produz uma transformação no coração, tornando as pessoas frias, vacilantes, distantes dos demais e fechadas em si mesmas. São pessoas que lavam as mãos, como o governador romano, e deixam correr o rio da história sem se comprometer.
Entretanto há outros que interpretam mal esta busca da verdade, levando-os à irracionalidade e ao fanatismo, pelo que se fecham na «sua verdade» e tentam impô-la aos outros. São como aqueles legalistas obcecados que, ao verem Jesus ferido e ensanguentado, exclamam enfurecidos: «Crucifica-o!» (cf. Jn 19,6). Na realidade, quem age irracionalmente não pode chegar a ser discípulo de Jesus. Fé e razão são necessárias e complementares na busca da verdade. Deus criou o homem com uma vocação inata para a verdade e, por isso, dotou-o de razão. Certamente não é a irracionalidade que promove a fé cristã, mas a ânsia da verdade. Todo o ser humano deve perscrutar a verdade e optar por ela quando a encontra, mesmo correndo o risco de enfrentar sacrifícios.
Além disso, a verdade sobre o homem é um pressuposto imprescindível para alcançar a liberdade, porque nela descobrimos os fundamentos duma ética com que todos se podem confrontar, e que contém formulações claras e precisas sobre a vida e a morte, os deveres e direitos, o matrimônio, a família e a sociedade, enfim sobre a dignidade inviolável do ser humano. É este patrimônio ético que pode aproximar todas as culturas, povos e religiões, as autoridades e os cidadãos, os cidadãos entre si, os crentes em Cristo com aqueles que não crêem n’Ele.
Ao ressaltar os valores que sustentam a ética, o cristianismo não impõe mas propõe o convite de Cristo para conhecer a verdade que nos torna livres. O fiel é chamado a dirigir este convite aos seus contemporâneos, como fez o Senhor, mesmo perante o sombrio presságio da rejeição e da Cruz. O encontro pessoal com Aquele que é a verdade em pessoa impele-nos a partilhar este tesouro com os outros, especialmente através do testemunho.
Queridos amigos, não hesiteis em seguir Jesus Cristo. N’Ele encontramos a verdade sobre Deus e sobre o homem. Ajuda-nos a superar os nossos egoísmos, a sair das nossas ambições e a vencer o que nos oprime. Aquele que pratica o mal, aquele que comete pecado é escravo do pecado e nunca alcançará a liberdade (cf. Jn 8,34). Somente renunciando ao ódio e ao nosso coração endurecido e cego é que seremos livres, e uma vida nova germinará em nós.
Com a firme convicção de que a verdadeira medida do homem é Cristo e sabendo que n’Ele se encontra a força necessária para enfrentar toda a provação, desejo anunciar-vos abertamente o Senhor Jesus como Caminho, Verdade e Vida. N’Ele todos encontrarão a liberdade plena, a luz para compreender profundamente a realidade e transformá-la com o poder renovador do amor.
A Igreja vive para partilhar com os outros a única coisa que possui: o próprio Cristo, esperança da glória (cf. Col 1,27). Para realizar esta tarefa, é essencial que ela possa contar com a liberdade religiosa, que consiste em poder proclamar e celebrar mesmo publicamente a fé, comunicando a mensagem de amor, reconciliação e paz que Jesus trouxe ao mundo. Há que reconhecer, com alegria, os passos que se têm realizado em Cuba para que a Igreja cumpra a sua irrenunciável missão de anunciar, publica e abertamente, a sua fé. Mas é preciso avançar ulteriormente. E desejo encorajar as instâncias governamentais da Nação a reforçarem aquilo que já foi alcançado e a prosseguirem por este caminho de genuíno serviço ao bem comum de toda a sociedade cubana.
O direito à liberdade religiosa, tanto na sua dimensão individual como comunitária, manifesta a unidade da pessoa humana, que é simultaneamente cidadão e crente, e legitima também que os crentes prestem a sua contribuição para a construção da sociedade. O seu reforço consolida a convivência, alimenta a esperança de um mundo melhor, cria condições favoráveis para a paz e o desenvolvimento harmonioso, e ao mesmo tempo estabelece bases firmes para garantir os direitos das gerações futuras.
Quando a Igreja põe em relevo este direito, não está a reclamar qualquer privilégio. Pretende apenas ser fiel ao mandato do seu Fundador divino, consciente de que, onde se torna presente Cristo, o homem cresce em humanidade e encontra a sua consistência. Por isso, a Igreja procura dar este testemunho na sua pregação e no seu ensino, tanto na catequese como nos ambientes formativos e universitários. Esperemos que também aqui chegue brevemente o momento em que a Igreja possa levar aos diversos campos do saber os benefícios da missão que o seu Senhor lhe confiou e que ela não pode jamais negligenciar.
Ínclito exemplo deste trabalho foi o insigne sacerdote Félix Varela, educador e professor, filho ilustre desta cidade de Havana, que passou à história de Cuba como o primeiro que ensinou o seu povo a pensar. O padre Varela indica-nos o caminho para uma verdadeira transformação social: formar homens virtuosos para forjar uma nação digna e livre, já que esta transformação dependerá da vida espiritual do homem; de fato, «não há pátria sem virtude» (Cartas a Elpídio, carta sexta, Madrid 1836, 220). Cuba e o mundo precisam de mudanças, mas estas só terão lugar se cada um estiver em condições de se interrogar acerca da verdade e se decidir a enveredar pelo caminho do amor, semeando reconciliação e fraternidade.
Invocando a proteção maternal de Maria Santíssima, peçamos que, participando regularmente na Eucaristia, nos tornemos também testemunhas da caridade que responde ao mal com o bem (cf. Rm 12,21), oferecendo-nos como hóstia viva a Quem amorosamente Se entregou por nós. Caminhemos na luz de Cristo, que pode dissipar as trevas do erro. Supliquemos-Lhe que, com o valor e o vigor dos santos, cheguemos a dar uma resposta livre, generosa e coerente a Deus, sem medos nem rancores. Amém.
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Praça de São Pedro
XXVII Jornada Mundial da Juventude
Queridos irmãos e irmãs!
O Domingo de Ramos é o grande portal de entrada na Semana Santa, a semana em que o Senhor Jesus caminha até ao ponto culminante da sua existência terrena. Ele sobe a Jerusalém para dar pleno cumprimento às Escrituras e ser pregado no lenho da cruz, o trono donde reinará para sempre, atraindo a Si a humanidade de todos os tempos e oferecendo a todos o dom da redenção. Sabemos, pelos Evangelhos, que Jesus Se encaminhara para Jerusalém juntamente com os Doze e que, pouco a pouco, se foi unindo a eles uma multidão cada vez maior de peregrinos. São Marcos refere que, já à saída de Jericó, havia uma «grande multidão» que seguia Jesus (cf. Mc 10,46).
Nesta última parte do percurso, tem lugar um acontecimento singular, que aumenta a expectativa sobre aquilo que está para suceder, fazendo com que a atenção geral se concentre ainda mais em Jesus. À saída de Jericó, na beira do caminho, está sentado pedindo esmola um cego, chamado Bartimeu. Quando ouve dizer que Jesus de Nazaré estava chegando, começa a gritar: «Jesus, Filho de David, tem piedade de mim!» (Mc 10,47). Procuram silenciá-lo, mas sem sucesso; por fim Jesus manda-o chamar, convidando-o a aproximar-se. «O que queres que Eu te faça?» - pergunta-lhe. E ele: «Mestre, que eu veja!» (v. Mc 10,51). Jesus responde: «Vai, a tua fé te curou». Bartimeu recuperou a vista e começou a seguir Jesus pela estrada (cf. v. Mc 10,52). Depois deste sinal prodigioso precedido pela invocação «Filho de David», de improviso levanta-se um frêmito de esperança messiânica no meio da multidão, fazendo com que muitos se perguntassem: Poderia este Jesus, que caminhava à sua frente para Jerusalém, ser o Messias, o novo David? Porventura teria chegado, com esta sua entrada já iminente na cidade santa, o momento em que Deus iria finalmente restaurar o reino de David?
Também a preparação da entrada, combinada por Jesus com os seus discípulos, ajuda a aumentar esta esperança. Como ouvimos no Evangelho de hoje (cf. Mc 11,1-10), Jesus chega a Jerusalém vindo de Betfagé e do Monte das Oliveiras, isto é, seguindo a estrada por onde deveria vir o Messias. De Betfagé, Ele envia à sua frente dois discípulos, com a ordem de Lhe trazerem um jumentinho que encontrarão no caminho. De fato encontram o jumentinho, soltam-no e levam-no a Jesus. Naquele momento, o entusiasmo apodera-se dos discípulos e também dos outros peregrinos: pegam nos seus mantos e colocam-nos uns sobre o jumentinho e outros estendidos no caminho por onde Jesus passa montado no jumento. Depois cortam ramos das árvores e começam a apregoar expressões do Salmo 118, antigas palavras de bênção dos peregrinos que, naquele contexto, se tornam uma proclamação messiânica: «Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito seja o reino que vem, o reino de nosso pai David! Hosana no mais alto dos céus!» (vv. Ps 118,9-10). Esta aclamação festiva, transmitida pelos quatro evangelistas, é um brado de bênção, um hino de exultação: exprime a convicção unânime de que, em Jesus, Deus visitou o seu povo e que o Messias ansiado finalmente chegou. E todos permanecem lá, numa crescente expectativa da ação que Cristo realizará quando entrar na sua cidade.
Mas qual é o conteúdo, o sentido mais profundo deste grito de júbilo? A resposta é-nos dada pela Escritura no seu conjunto, quando nos lembra que no Messias se cumpre a promessa da bênção de Deus, a promessa feita por Deus originariamente a Abraão, o pai de todos os crentes: «Farei de ti um grande povo e te abençoarei (...). Em ti serão abençoadas todas as famílias da terra!» (Gn 12,2-3). Trata-se de uma promessa que Israel mantivera sempre viva na oração, especialmente na oração dos Salmos. Por isso, Aquele que a multidão aclama como o Bendito é, ao mesmo tempo, Aquele em quem será abençoada a humanidade inteira. Assim, na luz de Cristo, a humanidade reconhece-se profundamente unida e, de certo modo, envolvida pelo manto da bênção divina, uma bênção que tudo permeia, tudo sustenta, tudo redime, tudo santifica.
E aqui podemos descobrir uma primeira grande incumbência que nos chega da festa de hoje: o convite a adotar a visão reta sobre a humanidade inteira, sobre os povos que formam o mundo, sobre suas diversas culturas e civilizações. A visão que o crente recebe de Cristo é um olhar de bênção: um olhar sapiencial e amoroso, capaz de captar a beleza do mundo e condoer-se da sua fragilidade. Nesta visão, manifesta-se o próprio olhar de Deus sobre os homens que Ele ama e sobre a criação, obra das suas mãos. Lemos no Livro da Sabedoria: «De todos tens compaixão, porque tudo podes, e fechas os olhos aos pecados dos mortais, para que se arrependam. Sim, amas tudo o que existe e não desprezas nada do que fizeste; (...) a todos, porém, tratas com bondade, porque tudo é teu, Senhor amigo da vida» (Sg 11,23-24 Sg 11,26).
Voltando à passagem do Evangelho de hoje, perguntemo-nos: Que pensavam, realmente, em seus corações aqueles que aclamam Cristo como Rei de Israel? Certamente tinham a sua idéia própria do Messias, uma idéia do modo como devia agir o Rei prometido pelos profetas e há muito esperado. Não foi por acaso que a multidão em Jerusalém, poucos dias depois, em vez de aclamar Jesus, grita para Pilatos: «Crucifica-O!», enquanto os próprios discípulos e os outros que O tinham visto e ouvido ficam mudos e confusos. Na realidade, a maioria ficara desapontada com o modo escolhido por Jesus para Se apresentar como Messias e Rei de Israel. É precisamente aqui que se situa o ponto fulcral da festa de hoje, mesmo para nós. Para nós, quem é Jesus de Nazaré? Que idéia temos do Messias, que idéia temos de Deus? Esta é uma questão crucial, que não podemos evitar, até porque, precisamente nesta semana, somos chamados a seguir o nosso Rei que escolhe a cruz como trono; somos chamados a seguir um Messias que não nos garante uma felicidade terrena fácil, mas a felicidade do céu, a bem-aventurança de Deus. Por isso devemos perguntar-nos: Quais são as nossas reais expectativas? Quais são os desejos mais profundos que nos animaram a vir aqui, hoje, celebrar o Domingo de Ramos e iniciar a Semana Santa?
Queridos jovens, aqui reunidos! Em todos os lugares da terra onde a Igreja está presente, este Dia é especialmente dedicado a vós. Por isso, vos saúdo com muito carinho! Que o Domingo de Ramos possa ser para vós o dia da decisão: a decisão de acolher o Senhor e segui-Lo até ao fim, a decisão de fazer da sua Páscoa de morte e ressurreição o sentido da vossa vida de cristãos. Tal é a decisão que leva à verdadeira alegria, como quis recordar na Mensagem aos Jovens para este seu Dia - «Alegrai-vos sempre no Senhor» (Ph 4,4) -, e como se vê na vida de Santa Clara de Assis, que há oitocentos anos – exatamente no Domingo de Ramos –, movida pelo exemplo de São Francisco e dos seus primeiros companheiros, deixou a casa paterna para consagrar-se totalmente ao Senhor: com dezoito anos, teve a coragem da fé e do amor para se decidir por Cristo, encontrando n’Ele a alegria e a paz.
Queridos irmãos e irmãs, dois sentimentos nos animem particularmente nestes dias: o louvor, como fizeram aqueles que acolheram Jesus em Jerusalém com o seu «Hosana»; e a gratidão, porque, nesta Semana Santa, o Senhor Jesus renovará o dom maior que se possa imaginar: dar-nos-á a sua vida, o seu corpo e o seu sangue, o seu amor. Mas um dom assim tão grande exige que o retribuamos adequadamente, ou seja, com o dom de nós mesmos, do nosso tempo, da nossa oração, do nosso viver em profunda comunhão de amor com Cristo que sofre, morre e ressuscita por nós. Os antigos Padres da Igreja viram um símbolo de tudo isso num gesto das pessoas que acompanhavam Jesus na sua entrada em Jerusalém: o gesto de estender os mantos diante do Senhor. O que devemos estender diante de Cristo – diziam os Padres - é a nossa vida, ou seja, a nós mesmos, em sinal de gratidão e adoração. Para concluir, escutemos o que diz um desses antigos Padres, Santo André, Bispo de Creta: «Em vez de mantos ou ramos sem vida, em vez de arbustos que alegram o olhar por pouco tempo, mas depressa perdem o seu vigor, prostremo-nos nós mesmos aos pés de Cristo, revestidos da sua graça, ou melhor, revestidos d’Ele mesmo (…); sejamos como mantos estendidos a seus pés (…), para oferecermos ao vencedor da morte não já ramos de palmeira, mas os troféus da sua vitória. Agitando os ramos espirituais da alma, aclamemo-Lo todos os dias, juntamente com as crianças, dizendo estas santas palavras: “Bendito o que vem em nome do Senhor, o Rei de Israel”» (PG 97,994). Amém!
Bento XVI Homilias 35312