Bento XVI Homilias 28119


Terça-feira, 1° de Dezembro de 2009: SANTA MISSA COM OS MEMBROS DA COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL

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Capela Paulina



Queridos irmãos e irmãs!

As palavras do Senhor, que há pouco ouvimos no trecho evangélico, são um desafio para nós teólogos, ou talvez para dizer melhor, um convite a um exame de consciência: o que é a teologia? O que somos nós, teólogos? Como fazer bem teologia? Ouvimos que o Senhor louva o Pai porque escondeu o grande mistério do Filho, o mistério trinitário, o mistério cristológico, diante dos sábios, dos doutos – eles não o conheceram – mas revelou-o aos pequeninos, aos népioi, àqueles que não são doutos, que não têm uma grande cultura. A eles foi revelado este grande mistério.

Com estas palavras, o Senhor descreve simplesmente um facto da sua vida; um facto que começa já na época do seu nascimento, quando os Magos do Oriente perguntam aos competentes, aos escribas, aos exegetas, o lugar do nascimento do Salvador, do Rei de Israel. Os escribas sabem-no, porque são grandes especialistas; podem dizer imediatamente onde nasce o Messias: em Belém! Mas não se sentem convidados a ir: para eles é um conhecimento académico, que não diz respeito à sua vida; eles permanecem fora. Podem dar informações, mas a informação não se torna formação da própria vida.

Depois, durante toda a vida pública do Senhor, encontramos a mesma coisa. É inacessível para os sábios compreender que este homem não douto, galileu, possa ser realmente o Filho de Deus. Permanece-lhes inacessível o facto de que Deus, o grande, o único, o Deus do céu e da terra, possa estar presente neste homem. Sabem tudo, conhecem também Isaías 53, todas as grandes profecias, mas o mistério permanece escondido. Ao contrário, é revelado aos pequeninos, a começar por Nossa Senhora até aos pescadores do lago da Galileia. Eles conhecem, como também o capitão romano, aos pés da cruz, reconhece: Ele é o Filho de Deus.

Os acontecimentos essenciais da vida de Jesus não pertecem unicamente ao passado, mas estão presentes, de vários modos, em todas as gerações. E assim também na nossa época, nos últimos duzentos anos, observamos a mesma coisa. Existem grandes doutos, grandes especialistas, grandes teólogos, mestres da fé, que nos ensinaram muitas coisas. Penetraram nos pormenores da Sagrada Escritura, da história da salvação, mas não puderam ver o próprio mistério, o verdadeiro núcleo: que Jesus era realmente Filho de Deus, que Deus trinitário entra na nossa história, num determinado momento histórico, num homem como nós. O essencial permaneceu escondido! Poder-se-iam citar facilmente grandes nomes da história da teologia destes duzentos anos, dos quais aprendemos muito, mas o mistério não foi aberto aos olhos do seu coração.

Em contrapartida, no nosso tempo existem também os pequeninos que conheceram este mistério. Pensemos em Santa Bernadete Soubirous; em Santa Teresa de Lisieux, com a sua nova leitura da Bíblia "não científica", mas que entra no coração da Sagrada Escritura; até aos santos e beatos da nossa época: Santa Josefina Bakhita, Beata Teresa de Calcutá, São Damião de Veuster. Poderíamos enumerar muitos deles!

No entanto, de tudo isto nasce a pergunta: por que é assim? É o cristianismo a religião dos néscios, das pessoas sem cultura, não formadas? Apaga-se a fé onde se desperta a razão? Como se explica isto? Talvez tenhamos que olhar mais uma vez para a história. Permanece verdadeiro o que Jesus disse, aquilo que se pode observar em todos os séculos. E todavia, existe uma "espécie" de pequeninos que são inclusive doutos. Aos pés da cruz encontra-se Nossa Senhora, a humilde serva de Deus, a grande mulher iluminada por Deus. E encontra-se também João, pescador do lago da Galileia, mas é aquele João que será justamente chamado pela Igreja "o teólogo", porque realmente soube ver o mistério de Deus e anunciá-lo: com olhos de águia, entrou na luz inacessível do mistério divino. Assim, mesmo depois da sua ressurreição o Senhor, no caminho de Damasco, sensibiliza o coração de Saulo, um dos sábios que não vêem. Ele mesmo, na primeira Carta a Timóteo, define-se "ignorante" naquela época, apesar da sua ciência. Mas o Ressuscitado toca-o: ele torna-se cego e, ao mesmo tempo, realmente vidente, começa a ver. O grande douto torna-se um pequenino, e precisamente por isso vê a loucura de Deus que é sabedoria, sapiência maior do que todas as sabedorias humanas.

Poderíamos continuar a ler toda a história deste modo. Só mais uma observação. Estes doutos sábios, sofói e sinetói, na primeira leitura, aparecem de outro modo. Aqui, sofia e sínesis são dádivas do Espírito Santo que pairam sobre o Messias, sobre Cristo. O que significa? Sobressai o facto de que existe um uso dúplice da razão e uma maneira dupla de ser sábio ou pequenino. Há um modo de utilizar a razão que é autónomo, que se põe acima de Deus, em toda a gama das ciências, a começar pelas naturais, onde é universalizado um método adequado para a pesquisa da matéria: Deus não faz parte deste método, portanto Deus não existe. E assim, finalmente, também na teologia: pesca-se nas águas da Sagrada Escritura com uma rede que permite capturar somente peixes de uma certa medida, e aquilo que vai além desta medida não entra na rede, e por conseguinte não pode existir. Assim o grande mistério de Jesus, do Filho que se fez homem, reduz-se a um Jesus histórico: uma figura trágica, um fastasma sem carne nem ossos, um homem que permaneceu no sepulcro, que se corrompeu e é realmente um morto. O método sabe "capturar" certos peixes, mas exclui o grande mistério, porque o homem se faz ele mesmo a medida: possui esta soberba, que é contemporaneamente uma grande loucura, porque torna absolutos certos métodos não adequados às grandes realidades; entra neste espírito académico que vimos nos escribas, os quais respondem aos Reis magos: não me diz respeito; permaneço fechado na minha existência, que não é tocada. É a especialização que vê todos os pormenores, mas já não vê a totalidade.

E existe o outro modo de utilizar a razão, de ser sábio, a do homem que reconhece quem ele mesmo é; reconhece a própria medida e a grandeza de Deus, abrindo-se na humildade à novidade do agir de Deus. Assim, precisamente aceitando a sua pequenez, fazendo-se pequenino como realmente é, chega à verdade. Desta maneira, também a razão pode expressar todas as suas possibilidades, não é anulada mas amplia-se, torna-se maior. Trata-se de outra sofia e sínesis, que não exclui do mistério, mas é precisamente comunhão com o Senhor, em quem repousam a sapiência e a sabedoria, e a sua verdade.

Neste momento, queremos rezar ao Senhor a fim de que nos conceda a verdadeira humildade. Que nos conceda ser pequeninos, para sermos realmente sábios; nos ilumine, nos faça ver o seu mistério do júbilo do Espírito Santo, nos ajude a ser verdadeiros teólogos, que podem anunciar o seu mistério porque foram tocados na profundidade do seu coração, da sua existência. Amém.






Quinta-feira, 17 de Dezembro de 2009: CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA COM A COMUNIDADE DO CENTRO "ALETTI" DE ROMA POR OCASIÃO DO 90º ANIVERSÁRIO DO CARDEAL TOMÁŠ ŠPIDLÍK, S.I.

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Capela Redemptoris Mater do Palácio Apostólico Vaticano



Estimados amigos

Com a Liturgia da hoje, entramos no último trecho do caminho do Advento, que exorta a intensificar a nossa preparação, para celebrar com fé e com alegria o Natal do Senhor, acolhendo com íntimo enlevo o Deus que se faz próximo do homem, de cada um de nós.

A primeira leitura apresenta-nos o idoso Jacob que congrega os seus filhos para a bênção: trata-se de um acontecimento de grande intensidade e emoção. Esta bênção é como que uma corroboração da fidelidade à aliança com Deus, mas é também uma visão profética, que olha em frente e indica uma missão. Jacob é o pai que, através dos caminhos nem sempre lineares da sua história, chega à alegria de reunir os seus filhos ao seu redor e de traçar o futuro de cada um e da sua descendência. Em particular, hoje ouvimos a referência à tribo de Judá, da qual se exalta a força régia representada pelo leão, assim como à monarquia de David, representada pelo ceptro, pelo bastão do comando, que alude à vinda do Messias. Assim, nesta imagem dúplice, transparece o futuro mistério do leão que se faz cordeiro, do rei cujo bastão de comando é a Cruz, sinal da verdadeira realeza. Progressivamente, Jacob adquiriu consciência da primazia de Deus, compreendeu que o seu caminho é guiado e sustentado pela fidelidade do Senhor e não pode deixar de responder com adesão integral à aliança e ao desígnio de salvação de Deus, tornando-se por sua vez, juntamente com a sua descendência, elo do projecto divino.

O trecho do Evangelho de Mateus apresenta-nos a "genealogia de Jesus Cristo filho de David, filho de Abraão" (
Mt 1,1), sublinhando e tornando mais explícita a fidelidade de Deus à promessa que Ele cumpre não apenas mediante os homens, mas com eles e, como no caso de Jacob, às vezes através de caminhos sinuosos e imprevistos. O Messias esperado, objecto da promessa, é verdadeiro Deus, mas também verdadeiro homem; Filho de Deus, mas inclusive Filho nascido da Virgem, Maria de Nazaré, carne santa de Abraão, em cuja semente serão abençoados todos os povos da terra (cf. Gn 22,18). Nesta genealogia, além de Maria são recordadas quatro mulheres. Elas não são Sara, Rebeca, Lia nem Raquel, ou seja, as grandes figuras da história de Israel. Ao contrário, paradoxalmente são quatro mulheres pagãs: Raab, Rute, Betsabeia e Tamar, que aparentemente "mancham" a pureza de uma genealogia. Mas nestas mulheres pagãs, que aparecem em pontos determinantes da história da salvação, transparece o mistério da igreja dos pagãos, a universalidade da salvação. São mulheres pagãs nas quais aparece o futuro, a universalidade da salvação. São também mulheres pecadoras e assim manifesta-se nelas também o mistério da graça: não são as nossas obras que redimem o mundo, mas é o Senhor que nos confere a vida verdadeira. Sim, são mulheres pecadoras, nas quais se manifesta a grandeza da graça da qual todos nós temos necessidade. No entanto, estas mulheres revelam uma resposta exemplar à fidelidade de Deus, mostrando a fé no Deus de Israel. E assim vemos transparecer a igreja dos pagãos, mistério da graça, a fé como dádiva e como caminho rumo à comunhão com Deus. Por conseguinte, a genealogia de Mateus não é simplesmente o elenco das gerações: é a história realizada principalmente por Deus, mas com a resposta da humanidade. Trata-se de uma genealogia da graça e da fé: é precisamente sobre a fidelidade absoluta de Deus e a fé sólida destas mulheres que se alicerça a continuação da promessa feita a Israel.

A bênção de Jacob combina muito bem com a feliz celebração hodierna do 90º aniversário do querido Cardeal Spidlík. A sua longa vida e o seu singular caminho de fé dão testemunho do modo como é Deus quem guia aquele que n'Ele confia. Todavia, ele percorreu também um rico itinerário de pensamento, comunicando sempre com ardor e profunda convicção que o cerne de toda a Revelação é um Deus tripessoal e que, por conseguinte, o homem criado à sua imagem é essencialmente um mistério de liberdade e de amor, que se realiza na comunhão: o próprio modo de ser de Deus. Esta comunhão não existe por si mesma, mas procede – como não se cansa de afirmar o Oriente cristão – das Pessoas divinas que se amam livremente. A liberdade e o amor, elementos constitutivos da pessoa, não são compreensíveis por meio das categorias racionais, pelo que não se pode entender a pessoa, a não ser no mistério de Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, e na comunhão com Ele, que se torna acolhimento da "divina humanidade" também na nossa própria existência. Fiel a este princípio, o Cardeal Spidlík teceu ao longo dos anos uma visão teológica vivaz e sob muitos aspectos original, na qual confluem de forma orgânica o Oriente e o Ocidente cristãos, permutando reciprocamente os seus dons. O seu fundamento é a vida no Espírito; o princípio do conhecimento: o amor; o estudo: uma iniciação na memória espiritual; o diálogo com o homem concreto: um critério indispensável; e o seu contexto: o corpo sempre vivo de Cristo, que é a sua Igreja. Estritamente vinculada a esta visão teológica está o exercício da paternidade espiritual, que o Cardeal Spidlík desempenhou constantemente e continua a desempenhar. Hoje, poderemos dizer que se reúne à sua volta, na celebração dos Mistérios divinos, uma sua "pequena descendência" espiritual, o Centro Aletti, que deseja recolher o seu ensinamento precioso, fazendo-o fecundar com novas intuições e renovadas investigações, também através da representação artística. Neste contexto, parece-me particularmente bonito ressaltar o vínculo entre teologia e arte, derivado do seu pensamento. Com efeito, celebra-se o 10º aniversário desde que o meu venerado e amado Predecessor, o Servo de Deus João Paulo II, dedicou esta Capela, a Redemptoris Mater, afirmando que "esta obra se propõe como expressão daquela teologia com dois pulmões, da qual a Igreja do terceiro milénio pode haurir nova vitalidade". E o Papa acrescenta: "A imagem da Redemptoris Mater, que sobressai na parede central, põe diante dos nossos olhos o mistério do amor de Deus, que se fez homem para nos conceder, a nós homens, a capacidade de nos tornarmos filhos de Deus... (Esta é a) mensagem da salvação e da alegria que Cristo, nascido de Maria, trouxe à humanidade" (Insegnamenti XXII, 2 [1999], pág. 895).

Prezado Cardeal Spidlík, desejo-lhe do mais íntimo do meu coração a abundância das graças do Senhor, a fim de que continue a iluminar com sabedoria os membros do Centro "Aletti" e todos os seus filhos espirituais. Enquanto dou continuidade à Celebração dos Mistérios sagrados, confio cada um à salvaguarda maternal da Mãe do Redentor, invocando da Palavra divina, que assumiu a nossa carne, a luz e a paz anunciadas pelos Anjos em Belém.

Amém!






Quinta-feira, 17 de Dezembro de 2009: CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS COM A PARTICIPAÇÃO DOS UNIVERSITÁRIOS DE ROMA

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Basílica Vaticana




Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
Ilustres Senhores e Senhoras
Queridos irmãos e irmãs

Que sabedoria nasce em Belém? Gostaria de formular esta pergunta a mim mesmo e a vós neste tradicional encontro pré-natalício com o mundo universitário romano. Hoje, em vez da Santa Missa, celebramos as Vésperas, e a feliz coincidência com o início da novena de Natal far-nos-á entoar daqui a pouco a primeira das Antífonas chamadas Maiores:

"Ó Sapiência,
que saís da boca do Altíssimo,
estendeis-vos até aos confins do mundo,
e tudo disponde com suavidade e com força:
vinde, ensinai-nos o caminho da sabedoria!" (Liturgia das Horas, Vésperas de 17 de Dezembro).

Esta invocação maravilhosa é dirigida à "Sapiência", figura central nos livros dos Provérbios, da Sabedoria e do Sirácide, que por ela são chamados precisamente "sapienciais" e nos quais a tradição cristã vislumbra uma prefiguração de Cristo. Esta invocação torna-se verdadeiramente estimulante, e aliás provocante, quando nos colocamos diante do Presépio, ou seja, do paradoxo de uma Sabedoria que tendo saído "da boca do Altíssimo", jaz envolvida em panos numa manjedoura (cf.
Lc 2,7 Lc 2,12 Lc 2,16).

Já podemos antecipar a resposta ao pedido inicial: aquela que nasce em Belém é a Sabedoria de Deus. Escrevendo aos Coríntios, São Paulo recorre a esta expressão: "Sabedoria de Deus, envolvida em mistério" (1Co 2,7), ou seja, num desígnio divino, que permaneceu escondido durante muito tempo e que o próprio Deus revelou na história da salvação. Na plenitude dos tempos, esta Sabedoria adquiriu um rosto humano, o rosto de Jesus que – como recita o Símbolo apostólico – "foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu à mansão dos mortos e ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus e está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso de onde há-de vir para julgar os vivos e os mortos". O paradoxo cristão consiste precisamente na identificação da Sabedoria divina, ou seja no Logos eterno, com o homem Jesus de Nazaré e com a sua história. Não existe uma solução para este paradoxo, a não ser na palavra "Amor", que neste caso naturalmente deve ser escrita com "A" maiúscula, tratando-se de um Amor que ultrapassa infinitamente as dimensões humanas e históricas. Portanto, a Sabedoria que invocamos esta tarde é o Filho de Deus, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade; é o Verbo que, como lemos no Prólogo de João, "no princípio Ele estava com Deus", aliás, "era Deus" que com o Pai e o Espírito Santo criou todas as coisas e que "se fez carne" para nos revelar aquele Deus que ninguém pode ver (cf. Jn 1,2-3 Jn 1,14 Jn 1,18).

Prezados amigos, um professor cristão, ou um jovem estudante cristão, traz dentro de si o amor apaixonado por esta Sabedoria! Lê tudo à sua luz; captura os seus vestígios nas partículas elementares e nos versos dos poetas; nos códigos jurídicos e nos acontecimentos da história; nas obras artísticas e nas expressões matemáticas. Sem Ela nada se fez daquilo que existe (cf. Jn 1,3) e por conseguinte em toda a realidade criada é possível entrever um reflexo, evidentemente segundo diferentes graus e modalidades. Tudo o que é compreendido pela inteligência humana pode sê-lo porque, de alguma forma e em certa medida, participa da Sabedoria criadora. Aqui, em última análise, está também a própria possibilidade do estudo, da investigação, do diálogo científico em cada campo do saber.

Nesta altura não posso evitar uma reflexão talvez um pouco incómoda mas útil para nós que estamos aqui e que pertencemos sobretudo ao ambiente académico. Perguntemo-nos: quem estava na noite de Natal na gruta de Belém? Quem acolheu a Sabedoria, quando nasceu? Quem acorreu para a ver, quem foi que a reconheceu e adorou? Não doutores da lei, escribas ou sábios. Estavam lá Maria e José, e depois os pastores. Que significa isto? Um dia, Jesus dirá: "Sim, ó Pai, porque isto foi do teu agrado" (Mt 11,26): revelaste o teu mistério aos pequeninos (cf. Mt 11,25). Mas então não é útil estudar? Ou até é nocivo, contraproducente para conhecer a verdade? A história de dois mil anos de cristianismo exclui esta última hipótese e sugere-nos a justa: trata-se de estudar, de aprofundar os conhecimentos, conservando um espírito de "pequeninos", um espírito humilde e simples, como o de Maria, "Sede da Sabedoria". Quantas vezes tivemos medo de nos aproximarmos da Gruta de Belém, porque nos preocupávamos que isto viesse a impedir a nossa capacidade crítica e a nossa "modernidade"! Pelo contrário, naquela Gruta cada um de nós pode descobrir a verdade sobre Deus e a verdade sobre o homem. Elas encontraram-se naquele Menino, nascido da Virgem: o anseio do homem pela vida eterna enterneceu o Coração de Deus, que não se envergonhou de adquirir a condição humana.

Estimados amigos, ajudar os outros a descobrir o verdadeiro rosto de Deus é a primeira forma de caridade, que para vós assume a qualificação de caridade intelectual. Foi com prazer que tomei conhecimento de que o caminho deste ano da pastoral universitária diocesana terá como tema: "Eucaristia e caridade intelectual". Uma escolha exigente, mas apropriada. Com efeito, em cada celebração eucarística Deus vem à história em Jesus Cristo, à sua Palavra e ao seu Corpo, oferecendo-nos aquela caridade que nos permite servir o homem na sua existência concreta. Além disso, o projecto "Uma cultura para a cidade" oferece uma proposta promissora de presença cristã no âmbito cultural. Enquanto formulo votos por que este vosso itinerário seja fecundo, não posso deixar de convidar todos os Ateneus a serem lugares de formação de autênticos agentes da caridade intelectual. É deles que depende em ampla medida o futuro da sociedade, principalmente na elaboração de uma nova síntese humanística e de uma renovada capacidade de projecção (cf. Carta Encíclica Caritas in veritate, ). Encorajo todos os responsáveis das instituições académicas a continuar em conjunto, colaborando para a construção de comunidades em que todos os jovens possam formar-se para ser homens maduros e responsáveis para realizar a "civilização do amor".

No final desta Celebração, a delegação universitária australiana entregará à africana o ícone de Maria Sedes Sapientiae. Confiemos à Virgem Maria todos os universitários do continente africano e o compromisso de cooperação que nestes meses, depois do Sínodo Especial para a África, se está a realizar entre os Ateneus de Roma e os africanos. Renovo o meu encorajamento a esta nova perspectiva de cooperação e faço votos a fim de que dela possam nascer e crescer projectos culturais capazes de promover um verdadeiro desenvolvimento integral do homem. Queridos amigos, possa o próximo Natal infundir alegria e esperança em vós, nas vossas famílias e em todo o ambiente universitário, em Roma e no mundo inteiro.






24 de Dezembro de 2009: MISSA DA MEIA NOITE

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SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR

Basílica Vaticana


Amados irmãos e irmãs,


«Um Menino nasceu para nós, um filho nos foi concedido» (
Is 9,5). Aquilo que Isaías, olhando de longe para o futuro, diz a Israel como consolação nas suas angústias e obscuridade, o Anjo, de quem emana uma nuvem de luz, anuncia-o aos pastores como presente: «Nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é o Messias Senhor» (Lc 2,11). O Senhor está presente. Desde então, Deus é verdadeiramente um «Deus connosco». Já não é o Deus distante, que, através da criação e por meio da consciência, se pode de algum modo intuir de longe. Ele entrou no mundo. É o Vizinho. Disse-o Cristo ressuscitado aos Seus, a nós: «Eu estou sempre convosco, até ao fim dos tempos» (Mt 28,20). Nasceu para vós o Salvador: aquilo que o Anjo anunciou aos pastores, Deus no-lo recorda agora por meio do Evangelho e dos seus mensageiros. Trata-se de uma notícia que não nos pode deixar indiferentes. Se é verdadeira, mudou tudo. Se é verdadeira, diz respeito a mim também. Então, como os pastores, devo dizer também eu: Levantemo-nos, quero ir a Belém e ver a Palavra que aconteceu lá. Não é sem intuito que o Evangelho nos narra a história dos pastores. Estes mostram-nos o modo justo como responder àquela mensagem que nos é dirigida também a nós. Que nos dizem então estas primeiras testemunhas da encarnação de Deus?

A respeito dos pastores, diz-se em primeiro lugar que eram pessoas vigilantes e que a mensagem pôde chegar até eles precisamente porque estavam acordados. Nós temos de despertar, para que a mensagem chegue até nós. Devemos tornar-nos pessoas verdadeiramente vigilantes. Que significa isto? A diferença entre um que sonha e outro que está acordado consiste, antes de mais nada, no facto de aquele que sonha se encontrar num mundo particular. Ele está, com o seu eu, fechado neste mundo do sonho que é apenas dele e não o relaciona com os outros. Acordar significa sair desse mundo particular do eu e entrar na realidade comum, na única verdade que a todos une. O conflito no mondo, a recíproca inconciliabilidade derivam do facto de estarmos fechados nos nossos próprios interesses e opiniões pessoais, no nosso próprio e minúsculo mundo privado. O egoísmo, tanto do grupo como do indivíduo, mantém-nos prisioneiros dos nossos interesses e desejos, que contrastam com a verdade e dividem-nos uns dos outros. Acordai: diz-nos o Evangelho. Vinde para fora, a fim de entrar na grande verdade comum, na comunhão do único Deus. Acordar significa, portanto, desenvolver a sensibilidade para com Deus, para com os sinais silenciosos pelos quais Ele quer guiar-nos, para com os múltiplos indícios da sua presença. Há pessoas que se dizem «religiosamente desprovidas de ouvido musical». A capacidade de perceber Deus parece quase uma qualidade que é recusada a alguns. E, realmente, a nossa maneira de pensar e agir, a mentalidade do mundo actual, a gama das nossas diversas experiências parecem talhadas para reduzir a nossa sensibilidade a Deus, para nos tornar «desprovidos de ouvido musical» a respeito d’Ele. E todavia em cada alma está presente de maneira velada ou patente a expectativa de Deus, a capacidade de O encontrar. A fim de obter esta vigilância, este despertar para o essencial, queremos rezar, por nós mesmos e pelos outros, por quantos parecem ser «desprovidos deste ouvido musical» e contudo neles está vivo o desejo de que Deus Se manifeste. O grande teólogo Orígenes disse: Se eu tivesse a graça de ver como viu Paulo, poderia agora (durante a Liturgia) contemplar um falange imensa de Anjos (cf. In LC 23,9). De facto, na Liturgia sagrada, rodeiam-nos os Anjos de Deus e os Santos. O próprio Senhor está presente no meio de nós. Senhor, abri os olhos dos nossos corações, para nos tornarmos vigilantes e videntes e assim podermos estender a vossa proximidade também aos outros!

Voltemos ao Evangelho de Natal. Aí se narra que os pastores, depois de ter ouvido a mensagem do Anjo, disseram uns para os outros: «“Vamos até Belém” (…). Partiram então a toda a pressa» (Lc 2,15s). «Apressaram-se»: diz, literalmente, o texto grego. O que lhes fora anunciado era tão importante que deviam ir imediatamente. Com efeito, o que lhes fora dito ultrapassava totalmente aquilo a que estavam habituados. Mudava o mundo. Nasceu o Salvador. O esperado Filho de David veio ao mundo na sua cidade. Que podia haver de mais importante? Impelia-os certamente a curiosidade, mas sobretudo o alvoroço pela realidade imensa que fora comunicada precisamente a eles, os pequenos e homens aparentemente irrelevantes. Apressaram-se… sem demora. Na nossa vida ordinária, as coisas não acontecem assim. A maioria dos homens não considera prioritárias as coisas de Deus. Estas não nos premem de forma imediata. E assim nós, na grande maioria, estamos prontos a adiá-las. Antes de tudo faz-se aquilo que se apresenta como urgente aqui e agora. No elenco das prioridades, Deus encontra-Se frequentemente quase no último lugar. Isto – pensa-se – poder-se-á realizar sempre. O Evangelho diz-nos: Deus tem a máxima prioridade. Se alguma coisa na nossa vida merece a nossa pressa sem demora, isso só pode ser a causa de Deus. Diz uma máxima da Regra de São Bento: «Nada antepor à obra de Deus (isto é, ao ofício divino)». Para os monges, a Liturgia é a primeira prioridade; tudo o mais vem depois. Mas, no seu núcleo, esta frase vale para todo o homem. Deus é importante, a realidade absolutamente mais importante da nossa vida. É precisamente esta prioridade que nos ensinam os pastores. Deles queremos aprender a não deixar-nos esmagar por todas as coisas urgentes da vida de cada dia. Deles queremos aprender a liberdade interior de colocar em segundo plano outras ocupações – por mais importantes que sejam – a fim de nos encaminharmos para Deus, a fim de O deixarmos entrar na nossa vida e no nosso tempo. O tempo empregue para Deus e, a partir d’Ele, para o próximo nunca é tempo perdido. É o tempo em que vivemos de verdade, em que vivemos o ser próprio de pessoas humanas.

Alguns comentadores observam como os primeiros que vieram ao pé de Jesus na manjedoura e puderam encontrar o Redentor do mundo foram os pastores, as almas simples. Os sábios vindos do Oriente, os representantes daqueles que possuem nível e nome chegaram muito mais tarde. E os comentadores acrescentam: O motivo é totalmente óbvio. De facto, os pastores habitavam perto. Não tinham de fazer mais nada senão «atravessar» (cf. Lc 2,15), como se atravessa um breve espaço para ir ter com os vizinhos. Ao contrário, os sábios habitavam longe. Tinham de percorrer um caminho longo e difícil para chegar a Belém. E precisavam de guia e de orientação. Pois bem, hoje também existem almas simples e humildes que habitam muito perto do Senhor. São, por assim dizer, os seus vizinhos e podem facilmente ir ter com Ele. Mas a maior parte de nós, homens modernos, vive longe de Jesus Cristo, d’Aquele que Se fez homem, de Deus que veio para o nosso meio. Vivemos em filosofias, em negócios e ocupações que nos enchem totalmente e a partir dos quais o caminho para a manjedoura é muito longo. De variados modos e repetidamente, Deus tem de nos impelir e dar uma mão para podermos sair da enrodilhada dos nossos pensamentos e ocupações e encontrar o caminho para Ele. Mas há um caminho para todos. Para todos, o Senhor estabelece sinais adequados a cada um. Chama-nos a todos, para que nos seja possível também dizer: Levantemo-nos, «atravessemos», vamos a Belém, até junto d’Aquele Deus que veio ao nosso encontro. Sim, Deus encaminhou-Se para nós. Sozinhos, não poderíamos chegar até Ele. O caminho supera as nossas forças. Mas Deus desceu. Vem ao nosso encontro. Percorreu a parte mais longa do caminho. Agora pede-nos: Vinde e vede quanto vos amo. Vinde e vede que Eu estou aqui. Transeamus usque Bethleem: diz a Bíblia latina. Atravessemos para o outro lado! Ultrapassemo-nos a nós mesmos! Façamo-nos viandantes rumo a Deus dos mais variados modos: sentindo-nos interiormente a caminho para Ele; mas também em caminhos muito concretos, como na Liturgia da Igreja, no serviço do próximo onde Cristo me espera.

Ouçamos uma vez mais directamente o Evangelho. Os pastores dizem uns aos outros o motivo por que se põem a caminho: «Vamos ver o que dizem ter sucedido». Literalmente o texto grego diz: «Vejamos esta Palavra, que lá aconteceu». Sim, aqui está a novidade desta noite: a Palavra pode ser vista, porque Se fez carne. Aquele Deus de quem não se deve fazer qualquer imagem, porque toda a imagem poderia apenas reduzi-Lo, antes desvirtuá-Lo, aquele Deus tornou-Se, Ele mesmo, visível n’Aquele que é a sua verdadeira imagem, como diz Paulo (cf. 2Co 4,4 Col 1,15). Na figura de Jesus Cristo, em todo o seu viver e operar, no seu morrer e ressuscitar, podemos ver a Palavra de Deus e, consequentemente, o próprio mistério do Deus vivo. Deus é assim. O Anjo dissera aos pastores: «Isto vos servirá de sinal: achareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoura» (Lc 2,12 cf. Lc 16). O sinal de Deus, o sinal que é dado aos pastores e a nós não é um milagre impressionante. O sinal de Deus é a sua humildade. O sinal de Deus é que Ele Se faz pequeno; torna-Se menino; deixa-Se tocar e pede o nosso amor. Quanto desejaríamos nós, homens, um sinal diverso, imponente, irrefutável do poder de Deus e da sua grandeza! Mas o seu sinal convida-nos à fé e ao amor e assim nos dá esperança: assim é Deus. Ele possui o poder e é a Bondade. Convida a tornarmo-nos semelhantes a Ele. Sim, tornamo-nos semelhantes a Deus, se nos deixarmos plasmar por este sinal; se aprendermos, nós mesmos, a humildade e deste modo a verdadeira grandeza; se renunciarmos à violência e usarmos apenas as armas da verdade e do amor. Orígenes, na linha de uma palavra de João Baptista, viu expressa a essência do paganismo no símbolo das pedras: paganismo é falta de sensibilidade, significa um coração de pedra, que é incapaz de amar e de perceber o amor de Deus. Orígenes diz a respeito dos pagãos: «Desprovidos de sentimento e de razão, transformam-se em pedras e madeira» (In Luc 22,9). Mas Cristo quer dar-nos um coração de carne. Quando O vemos a Ele, ao Deus que Se tornou um menino, abre-se-nos o coração. Na Liturgia da Noite Santa, Deus vem até nós como homem, para nos tornarmos verdadeiramente humanos. Escutemos uma vez mais Orígenes: «Com efeito, de que te aproveitaria Cristo ter vindo uma vez na carne, se Ele não chegasse até à tua alma? Oremos para que venha diariamente a nós e possamos dizer: vivo, contundo já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim (Ga 2,20)» (In Luc 22,3).

Sim, por isto queremos rezar nesta Noite Santa. Senhor Jesus Cristo, Vós que nascestes em Belém, vinde a nós! Entrai em mim, na minha alma. Transformai-me. Renovai-me. Fazei que eu e todos nós, de pedra e madeira que somos, nos tornemos pessoas vivas, nas quais se torna presente o vosso amor e o mundo é transformado.





Bento XVI Homilias 28119