Bento XVI Homilias 7310


Domingo, 28 de Março de 2010: CELEBRAÇÃO DO DOMINGO DE RAMOS E DA PAIXÃO DO SENHOR

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Praça de São Pedro

XXV Jornada Mundial da Juventude





Amados irmãos e irmãs
Queridos jovens!

O Evangelho da bênção dos ramos, que ouvimos aqui reunidos na Praça de São Pedro, começa com a frase: "Jesus seguiu para diante, em direcção a Jerusalém" (
Lc 19,28). Logo no início da liturgia deste dia, a Igreja antecipa a sua resposta ao Evangelho, dizendo: "Sigamos o Senhor". Com isto o tema do Domingo de Ramos é claramente expresso. É o seguimento. Ser cristãos significa considerar o caminho de Jesus Cristo como o caminho justo para o ser homens – como aquele caminho que conduz à meta, a uma humanidade plenamente realizada e autêntica. De modo particular, gostaria de repetir a todos os jovens e moças, nesta XXV Jornada Mundial da Juventude, que ser cristãos é um caminho, ou melhor: uma peregrinação, um ir juntamente com Jesus Cristo. Um ir naquela direcção que Ele nos indicou e nos indica.

Mas de qual direcção se trata? Como se encontra? A frase do nosso Evangelho oferece duas indicações a este propósito. Em primeiro lugar diz que se trata de uma subida. Isto tem antes de tudo um significado muito concreto. Jericó, onde teve início a última parte da peregrinação de Jesus, encontra-se a 250 metros sob o nível do mar, enquanto que Jerusalém – a meta do caminho – está a 740-780 metros acima do nível do mar: uma subida de quase mil metros. Mas este caminho exterior é sobretudo uma imagem do movimento interior da existência, que se realiza no seguimento de Cristo: é uma subida à verdadeira altura do ser homens. O homem pode escolher um caminho confortável e afastar qualquer fadiga. Pode também orientar-se para baixo, para o vulgar. Pode precipitar no pântano da mentira e da desonestidade. Jesus caminha diante de nós, e vai para o alto. Ele conduz-nos para o que é grande, puro, conduz-nos para o ar saudável das alturas: para a vida segundo a verdade; para a coragem que não se deixa atemorizar pelas tagarelices das opiniões dominantes; para a paciência que suporta e apoia o outro. Ele conduz para a disponibilidade em relação aos sofredores, aos abandonados; para a fidelidade que está da parte do outro também quando a situação se torna difícil. Conduz para a disponibilidade a dar ajuda; para a bondade que não se deixa desarmar nem sequer pela ingratidão. Ele conduz-nos para o amor – conduz-nos para Deus.

"Jesus seguiu em diante, em direcção a Jerusalém". Se lermos esta palavra do Evangelho no contexto do caminho de Jesus no seu conjunto – um caminho que, precisamente, prossegue até ao fim dos tempos – podemos descobrir na indicação da meta "Jerusalém" diversos níveis. Antes de tudo deve entender-se naturalmente só o lugar "Jerusalém": é a cidade na qual se encontrava o Templo de Deus, cuja unicidade devia aludir à unicidade do próprio Deus. Portanto, este lugar anuncia antes de tudo duas coisas: por um lado diz que Deus é um só em todo o mundo, supera imensamente todos os nossos lugares e tempos; é aquele Deus ao qual pertence toda a criação. É o Deus do qual todos os homens no mais profundo andam à procura e do qual de certa forma todos têm também conhecimento. Mas este Deus deu-se um nome. Deu-se a conhecer a nós, deu início a uma história com os homens; escolheu um homem – Abraão – como ponto de partida desta história. O Deus infinito é ao mesmo tempo o Deus próximo. Ele, que não pode ser encerrado em edifício algum, deseja contudo habitar entre nós, estar totalmente connosco.

Se Jesus juntamente com Israel peregrinante sobe a Jerusalém, é para celebrar com Israel a Páscoa: o memorial da libertação de Israel memorial que, ao mesmo tempo, é sempre esperança da liberdade definitiva, que Deus doará. E Jesus caminha para esta festa consciente de ser Ele mesmo o Cordeiro no qual se cumprirá o que o Livro do Êxodo diz a este propósito: um cordeiro sem mancha, varão, que é imolado ao pôr do sol, diante dos olhos dos filhos de Israel "como rito perene" (cf. Ex 12,5-6 Ex 12,14). E por fim Jesus sabe que a sua vida irá além: não terá na cruz o seu fim. Sabe que a sua vida arrancará o véu entre este mundo e o mundo de Deus; que Ele subirá ao trono de Deus e reconciliará Deus e o homem no seu corpo. Sabe que o seu corpo ressuscitado será o novo sacrifício e o novo Templo; que em volta d'Ele, da multidão dos Anjos e dos Santos, se formará a nova Jerusalém que está no céu e contudo já está também na terra, porque na sua paixão Ele abriu o confim entre céu e terra. O seu caminho conduz para além do cume do monte do Templo até à altura do próprio Deus: é esta a grande subida à qual Ele convida todos nós. Ele permanece sempre connosco na terra e está sempre junto de Deus, Ele guia-nos na terra e para além dela.

Assim, na amplitude da subida de Jesus tornam-se visíveis as dimensões do nosso seguimento a meta para a qual Ele nos quer conduzir: até às alturas de Deus, à comunhão com Deus, ao ser-com-Deus. É esta a verdadeira meta, e a comunhão com Ele é o caminho. A comunhão com Ele é um estar a caminho, uma subida permanente rumo à verdadeira altura da nossa chamada. Caminhar juntamente com Jesus é ao mesmo tempo um caminhar sempre no "nós" daqueles que desejam segui-l'O. Introduz-nos nesta comunidade. Dado que o caminho até à vida verdadeira, até um ser homens conformes com o modelo do Filho de Deus, Jesus Cristo, supera as nossas próprias forças, este caminhar é sempre também um ser guiados. Encontramo-nos, por assim dizer, num grupo com Jesus Cristo – juntamente com Ele na subida rumo às alturas de Deus. Ele atrai-nos e ampara-nos. Faz parte do seguimento de Cristo que nos deixemos integrar neste grupo; que aceitemos que sozinhos não o conseguimos. Faz parte dele este acto de humildade, o entrar no "nós" da Igreja; o unir-se ao seu grupo, a responsabilidade da comunhão – não romper a corda com a teimosia e o pedantismo. O crer humilde com a Igreja, como o estar atados ao grupo da subida para Deus, é uma condição essencial do seguimento. Deste estar no conjunto do grupo faz parte também o não se comportar como donos da Palavra de Deus, não correr atrás de uma ideia errada de emancipação. A humildade do "estar-com" é essencial para a subida. Também faz parte dela que nos Sacramentos nos deixemos sempre guiar de novo pela mão do Senhor; que nos deixemos purificar e corroborar por Ele; que aceitemos a disciplina da subida, até se estivermos cansados.

Por fim, devemos dizer ainda: a Cruz faz parte da subida para a altura de Jesus Cristo, da subida até à altura de Deus. Como nas vicissitudes deste mundo não se podem alcançar grandes resultados sem renúncia e exercitação árdua, assim como a alegria por uma grande descoberta cognoscitiva ou por uma verdadeira capacidade concreta está relacionada com a disciplina, aliás ligada à fadiga da aprendizagem, também o caminho para a própria vida, rumo à realização da própria humanidade está ligada à comunhão com Aquele que subiu à altura de Deus através da Cruz. Em última análise, a Cruz é expressão daquilo que o amor significa: só quem se perde a si mesmo, se encontra.

Resumindo: o seguimento de Cristo exige como primeiro passo o despertar da nostalgia pelo autêntico ser homens e assim despertar para Deus. Exige depois que se entre no grupo de quantos sobem, na comunhão da Igreja. No "nós" da Igreja entramos em comunhão com o "Tu" de Jesus Cristo e assim alcancemos o caminho para Deus. Além disso, é exigido que se ouça a Palavra de Jesus Cristo e que a vivamos: em fé, esperança e amor. Assim estamos a caminho rumo à Jerusalém definitiva e jádesde agora, de algum modo, nos encontramos lá, na comunhão de todos os Santos de Deus.

A nossa peregrinação no seguimento de Cristo não vai em direcção a uma cidade terrena, mas à nova Cidade de Deus que cresce no meio deste mundo. A peregrinação para Jerusalém terrestre, contudo, pode ser precisamente também para nós cristãos um elemento útil para esta viagem maior. Eu próprio relacionei a minha peregrinação na Terra Santa do ano passado com três significados. Antes de tudo, tinha pensado que nos pode acontecer em tal ocasião o que São João diz no início da sua Primeira Carta: o que ouvimos, podemos de certo modo vê-lo e tocá-lo com as nossas mãos (cf. Jn 1,1). A fé em Jesus Cristo não é uma invenção legendária. Ela funda-se numa história que aconteceu realmente. Por assim dizer, nós podemos contemplar e tocar esta história. É comovedor encontrar-se em Nazaré no lugar onde o Anjo apareceu a Maria e lhe transmitiu a tarefa de se tornar a Mãe do Redentor. É comovedor ir a Belém ao lugar onde o Verbo, que se fez carne, veio habitar entre nós; pôr os pés no terreno sagrado no qual Deus quis fazer-se homem e menino. É comovedor subir a escada para o Calvário até ao lugar no qual Jesus morreu por nós na Cruz. E por fim, estar diante do sepulcro vazio; rezar onde os seus despojos santos repousaram e onde no terceiro dia se verificou a ressurreição. Seguir os caminhos exteriores de Jesus deve ajudar-nos a caminhar mais jubilosamente e com uma nova certeza pelo caminho interior que Ele nos indicou e que é Ele mesmo.

Quando vamos à Terra Santa como peregrinos, também vamos lá – e este é o segundo aspecto – como mensageiros da paz, com a oração pela paz; com o convite a todos para fazer naquele lugar, que tem no nome a palavra "paz", o possível para que ele se torne deveras um lugar de paz. Assim, esta peregrinação é ao mesmo tempo – como terceiro aspecto – um encorajamento para os cristãos a permanecer no país das suas origens e a comprometer-se intensamente nela pela paz.

Voltemos mais uma vez à liturgia do Domingo de Ramos. Na oração com a qual são abençoad0s os ramos de palmeira nós rezamos para que na comunhão com Cristo possamos dar o fruto de boas obras. De uma interpretação errada de São Paulo, desenvolveu-se repetidamente, durante a história e também hoje, a opinião de que as boas obras não fariam parte do ser cristãos, contudo seriam insignificantes para a salvação do homem. Mas se Paulo diz que as obras não podem justificar o homem, com isto não se opõe à importância do agir recto e, se ele fala do fim da Lei, não declara superados e irrelevantes os Dez Mandamentos. Não há necessidade agora de reflectir sobre a amplitude da questão que interessava ao Apóstolo. É importante realçar que com a palavra "Lei" ele não indica os Dez Mandamentos, mas o estilo de vida complexo mediante o qual Israel se devia proteger contra as tentações do paganismo. Mas agora Cristo trouxe Deus aos pagãos. A eles não é imposta esta forma de distinção. É-lhes dado como Lei unicamente Cristo. Mas isto significa o amor a Deus e ao próximo e tudo o que dele faz parte. Fazem parte deste amor os mandamentos lidos de modo novo e mais profundo a partir de Cristo, aqueles mandamentos que mais não são do que regras fundamentais do verdadeiro amor: antes de tudo e como princípio fundamental a adoração de Deus, a primazia de Deus, que os primeiros três Mandamentos expressam. Eles dizem-nos: sem Deus nada tem o êxito justo. Quem e como é este Deus sabemo-lo a partir da pessoa de Jesus Cristo. Seguem depois a santidade da família (quarto Mandamento), a santidade da vida (quinto Mandamento), o ordenamento do matrimónio (sexto Mandamento), o ordenamento social (sétimo Mandamento) e por fim a inviolabilidade da verdade (oitavo Mandamento). Tudo isto é hoje da máxima actualidade e precisamente também no sentido de São Paulo – se lermos totalmente as suas Cartas. "Dar fruto com as boas obras": no início da Semana Santa peçamos ao Senhor que conceda cada vez mais a todos nós este fruto.

No final do Evangelho para a bênção dos ramos ouvimos a aclamação com que os peregrinos saúdam Jesus às portas de Jerusalém. É a palavra do Salmo 118 (117), que originariamente os sacerdotes da Cidade Santa proclamavam aos peregrinos, mas que, entretanto, se tinha tornado expressão da esperança messiânica: "Bendito seja Aquele que vem em nome do Senhor" (Ps 118,26 [117], 26; Lc 19,38). Os peregrinos vêem em Jesus o Esperado, que vem em nome do Senhor, aliás, segundo o Evangelho de São Lucas, inserem mais uma palavra: "Bendito seja Aquele que vem, o rei, em nome do Senhor". E prosseguem com uma aclamação que recorda a mensagem dos Anjos no Natal, mas modificam-na de modo que faz reflectir. Os Anjos tinham falado da glória de Deus no mais alto dos céus e da paz na terra para os homens de boa vontade. Os peregrinos na entrada da Cidade Santa dizem: "Paz no céu e glória nas alturas!". Sabem muito bem que na terra não há paz. E sabem que o lugar da paz é o céu – sabem que faz parte da essência do céu ser lugar de paz. Assim esta aclamação é expressão de um sofrimento profundo e, ao mesmo tempo, é oração de esperança: Aquele que vem em nome do Senhor traga à terra o que está nos céus. A sua realeza torne-se a realeza de Deus, presença do céu na terra. A Igreja, antes da consagração eucarística, canta a palavra do Salmo com a qual Jesus é saudado antes da sua entrada na Cidade Santa: ela saúda Jesus como o Rei que, provindo de Deus, em nome de Deus entra no meio de nós. Também hoje esta jubilosa saudação é sempre súplica e esperança. Rezemos ao Senhor para que nos traga o céu: a glória de Deus e a paz dos homens. Entendemos esta saudação no espírito do pedido do Pai Nosso: "Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu!". Sabemos que o céu é céu, lugar da glória e da paz, porque ali reina totalmente a vontade de Deus. E sabemos que a terra não é céu enquanto nela não se realiza a vontade de Deus. Portanto, saudemos Jesus que vem do céu e peçamos-lhe que nos ajude a conhecer e a fazer a vontade de Deus. Que a realeza de Deus entre no mundo e assim ele seja repleto com o esplendor da paz. Amém.






Segunda-feira, 29 de Março de 2010: CAPELA PAPAL NO 5º ANIVERSÁRIO DA MORTE DO SERVO DE DEUS JOÃO PAULO II

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Basílica Vaticana



Venerados Irmãos no episcopado
e no sacerdócio
Amados irmãos e irmãs!

Estamos reunidos em volta do altar, junto do túmulo do Apóstolo Pedro, para oferecer o Sacrifício eucarístico em sufrágio da alma eleita do Venerável João Paulo II, no quinto aniversário da sua morte. Fazemo-lo com alguns dias de antecedência, porque o dia 2 de Abril este ano coincide com a Sexta-Feira Santa. Contudo, estamos na Semana Santa, contexto muito propício para o recolhimento e a oração, no qual a Liturgia nos faz reviver mais intensamente os últimos dias da vida terrena de Jesus. Desejo expressar o meu reconhecimento a todos vós que participais nesta Santa Missa. Saúdo cordialmente os Cardeais – de modo especial o Arcebispo Stanislaw Dziwisz – os Bispos, os sacerdotes, os religiosos e as religiosas; assim como os peregrinos que vieram de propósito da Polónia, os numerosos jovens e fiéis que não quiseram faltar a esta Celebração.

Na primeira leitura bíblica que foi proclamada, o profeta Isaías apresenta a figura de um "Servo de Deus", que é ao mesmo tempo o seu eleito, no qual ele se apraz. O Servo agirá com firmeza inabalável, com uma energia que nunca esmorece enquanto ele não realizar a tarefa que lhe foi confiada. Mas, não terá à sua disposição aqueles meios humanos que parecem indispensáveis para a actuação de um plano tão grandioso. Ele apresentar-se-á com a força da convicção, e será o Espírito que Deus lhe conferiu que lhe dará a capacidade de agir com mansidão e com vigor, garantindo-lhe o sucesso final. Quanto o profeta inspirado diz do Servo, podemos aplicá-lo ao amado João Paulo II: o Senhor chamou-o ao seu serviço e, ao confiar-lhe tarefas cada vez de maior responsabilidade, acompanhou-o também com a sua graça e com a sua contínua assistência. Durante o seu longo Pontificado, ele prodigalizou-se em proclamar o direito com firmeza, sem debilidades nem hesitações, sobretudo quando devia medir-se com resistências, hostilidades e rejeições. Sabia que era guiado pela mão do Senhor, e isto consentiu-lhe exercer um ministério muito fecundo, pelo qual, mais uma vez, damos fervorosas graças a Deus.

O Evangelho há pouco proclamado conduz-nos a Betânia, onde, como escrevia o Evangelista, Lázaro, Marta e Maria ofereceram uma ceia ao Mestre (
Jn 12,1). Este banquete em casa dos três amigos de Jesus é caracterizado pelos pressentimentos da morte iminente: os seis dias antes da Páscoa, a sugestão do traidor Judas, a resposta de Jesus que recorda uma das acções piedosas da sepultura anticipada por Maria, a menção de que nem sempre o teriam tido com eles, o propósito de eliminar Lázaro no qual se reflecte a vontade de matar Jesus. Nesta narração evangélica, há um gesto sobre o qual gostaria de chamar a atenção: Maria de Betânia "tomando uma libra de perfume de nardo puro, de alto preço, ungiu os pés de Jesus, e enxugou-os com os cabelos" (Jn 12,3). O gesto de Maria é a expressão de fé e de amor grandes em relação ao Senhor: para ela não é suficiente lavar os pés do Mestre com a água, mas unge-os com uma grande quantidade de perfume precioso, que – como contestará Judas – se poderia ter vendido por trezentos denários; não ungiu a cabeça, como era costume, mas os pés: Maria oferece a Jesus quanto tem de mais precioso e com um gesto de devoção profunda. O amor não calcula, não mede, não olha a despesas, não levanta barreiras, mas sabe doar com alegria, procura só o bem do outro, vence a mesquinhez, a avareza, os ressentimentos, os fechamentos que o homem por vezes leva no seu coração.

Maria coloca-se aos pés de Jesus em atitude humilde de serviço, como fará o próprio Mestre na Última Ceia, quando – diz-nos o quarto Evangelho – "Se levantou da mesa, tirou as vestes e, tomando uma toalha, colocou-a à cinta. Depois, deitou água numa bacia e começou a lavar os pés aos discípulos" (Jn 13,4-5), para que – disse – "como Eu vos fiz, façais vós também" (v. Jn 12,15); a regra da comunidade de Jesus é a do amor que sabe servir até à doação da vida. E o perfume difunde-se: "a casa – anota o Evangelista – encheu-se com o cheiro do perfume" (Jn 12,3).Osignificadodo gesto de Maria, queérespostaaoAmorinfinitodeDeus, difunde-se entre todos os convidados; cada gesto de caridade e de devoção autêntica a Cristo não permanece um facto pessoal, não diz respeito só à relaçãoentreoindivíduo e o Senhor, mas refere-se a todo o corpo da Igreja, é contagioso:infundeamor, alegria e luz.

"Veio ao que era Seu e os Seus não o receberam" (Jn 1,11): ao acto de Maria contrapõem-se a atitude e as palavras de Judas que, sob o pretexto da ajuda que devia ser dada aos pobres, esconde o egoísmo e a falsidade do homem fechado em si mesmo, aprisionado pela avidez da posse, que não se deixa envolver pelo bom perfume do amor divino. Judas calcula onde não se pode calcular, entra com ânimo mesquinho onde o espaço é o do amor, da doação, da dedicação total. E Jesus, que até àquele momento permeneceu em silêncio, interveio a favor do gesto de Maria: "Deixai-a, ela tinha-o guardado para o dia da minha sepultura" (Jn 12,7). Jesus compreende que Maria intuiu o amor de Deus e indica que agora a sua "hora" se aproxima, a "hora" na qual o Amor encontrará a sua expressão suprema no madeiro da Cruz: O Filho de Deus entregou-se a si mesmo para que o homem tenha a vida, desce aos abismos da morte para levar o homem às alturas de Deus, não tem receio de se humilhar "fazendo-se obediente até à morte, e morte de cruz" (Ph 2,8). Santo Agostinho, no Sermão no qual comenta este trecho evangélico, dirige a cada um de nós, com palavras prementes, o convite a entrar neste circuito de amor, imitando o gesto de Maria e pondo-se concretamente no seguimento de Jesus. Escreve Agostinho: "Qualquer alma que queira ser fiel, une-se a Maria para ungir com perfume precioso os pés do Senhor... Unge os pés de Jesus: segue as pegadas do Senhor levando uma vida digna. Enxuga-lhe os pés com os cabelos: se tens coisas supérfluas dá-as aos pobres, e terás enxugado os pés do Senhor" (In Ioh., evang., 50, 6).

Queridos irmãos e irmãs! Toda a vida do Venerável João Paulo II se desenrolou no sinal desta caridade, da capacidade de se doar de modo generoso, sem reservas, sem medida e sem cálculo. Aquilo que o movia era o amor a Cristo ao qual tinha consagrado a vida, um amor superabundante e incondicionado. E precisamente porque se aproximou cada vez mais de Deus no amor, ele pôde tornar-se companheiro de viagem para o homem de hoje, espalhando no mundo o perfume do Amor de Deus. Quem teve a alegria de o conhecer e frequentar, pôde ver directamente como era viva nele a certeza "de contemplar a bondade do Senhor na terra dos vivos", como ouvimos no Salmo responsorial (26/Ps 27,13); certeza que o acompanhou durante a sua existência e que, de modo particular, se manifestou durante o último período da sua peregrinação nesta terra: a progressiva debilidade física, de facto, nunca afectou a sua fé rochosa, a sua luminosa esperança, a sua fervorosa caridade. Deixou-se consumir para Cristo, para a Igreja, para o mundo inteiro: o seu sofrimento foi vivido até ao fim por amor e com amor.

Na homilia para o XXV aniversário do seu Pontificado, ele confiou ter sentido forte no seu coração, no momento da eleição, a pergunta de Jesus a Pedro: "Tu amas-Me mais do que a estes?" (Jn 21,15-16); e acrescentou: "Todos os dias se realiza no meu coração o mesmo diálogo entre Jesus e Pedro. No espírito, com o olhar benévolo de Cristo ressuscitado. Ele, mesmo se consciente da minha fragilidade humana, encoraja-me a responder com confiança como Pedro: "Senhor, Tu sabes tudo, Tu bem sabes que Te amo" (Jn 21,17). E depois convida-me a assumir as responsabilidades que Ele mesmo me confiou" (16 de Outubro de 2003). São palavras cheias de fé e de amor, o amor de Deus, que tudo vence!

Por fim desejo saudar os polacos aqui presentes. Reunis-vos em grande número em volta do túmulo do Venerável Servo de Deus com um sentimento especial, como filhas e filhos da mesma terra, crescidos na mesma cultura e tradição espiritual. A vida e a obra de João Paulo ii, grande polaco, pode ser para vós motivo de orgulho. Mas é preciso que recordeis que esta é também uma grande chamada a ser fiéis testemunhas da fé, da esperança e do amor, que ele nos ensinou ininterruptamente. Por intercessão de João Paulo II, ampare-vos sempre a bênção do Senhor.

Ao prosseguir a Celebração eucarística, preparando-nos para viver os dias gloriosos da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor, recomendemo-nos com confiança – a exemplo do Venerável João Paulo II – à intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja, para que nos ampare no compromisso de sermos, em todas as circunstâncias, apóstolos incansáveis do seu Filho divino e do seu Amor misericordioso. Amém!









                                                                             Abril de 2010

Quinta-feira Santa, 1 de Abril de 2010: SANTA MISSA CRISMAL

1410
Basílica Vaticana





Amados irmãos e irmãs!

O centro do culto da Igreja é o Sacramento. Sacramento significa que o primeiro a intervir não somos nós homens, mas Deus que primeiro vem ao nosso encontro com o seu agir, olha-nos e nos conduz até junto de si. E, existe ainda outra coisa extraordinária: Deus nos toca por meio de realidades materiais, através de dons da criação que Ele assume ao seu serviço, fazendo deles instrumentos do encontro entre nós e Ele mesmo. Quatro são os elementos da criação com os quais o universo dos Sacramentos é construído: a água, o pão de trigo, o vinho e o azeite. A água, como elemento básico e condição fundamental de toda a vida, é o sinal essencial do Batismo, o ato através do qual uma pessoa torna-se cristã; o ato do nascimento para uma vida nova. Enquanto a água é o elemento vital em geral e, por isso, representa o acesso comum ao novo nascimento de todos como cristãos, os outros três elementos pertencem à cultura do ambiente mediterrâneo. Deste modo aludem ao ambiente histórico concreto, no qual o cristianismo se desenvolveu. Deus agiu num lugar bem determinado da terra, verdadeiramente fez história com os homens. Estes três elementos, por um lado, são dons da criação e, por outro, são também indicações dos lugares da história de Deus junto de nós. São uma síntese entre criação e história: dons de Deus que sempre nos ligam com aqueles lugares do mundo onde Deus quis atuar conosco no tempo da história, fazendo-se um de nós.

Nestes três elementos há novamente uma graduação. O pão faz referência à vida quotidiana. É o dom fundamental da vida de todos os dias. O vinho recorda a festa, o primor da criação, em que se pode ao mesmo tempo expressar de modo singular a alegria dos redimidos. O azeite possui um amplo significado. Serve de nutrimento, medicamento, alindamento, adestra para a luta e dá vigor. Os reis e os sacerdotes são ungidos com este óleo, que assim torna-se sinal de dignidade e responsabilidade e ainda da força que vem de Deus. No nosso nome de “cristãos”, está presente o mistério do óleo. Com efeito, a palavra “cristãos”, com que foram denominados os discípulos de Cristo, já no início da Igreja formada a partir dos pagãos, deriva da palavra “Cristo” (
Ac 11,20-21) – tradução grega da palavra “Messias”, que significa “Ungido”. Ser cristão significa: provir de Cristo, pertencer a Cristo, ao Ungido de Deus, Àquele a quem Deus entregou a realeza e o sacerdócio. Significa pertencer Àquele a quem Deus mesmo ungiu – não com um óleo material, mas com Aquele que é representado pelo óleo: com o seu Espírito Santo. Assim, o azeite simboliza de um modo muito particular a permeabilização do Homem Jesus pelo Espírito Santo.

Na Missa Crismal de Quinta-feira Santa, os santos óleos estão no centro da ação litúrgica. São consagrados pelo Bispo na catedral para o ano inteiro. Assim, exprimem também a unidade da Igreja, garantida pelo Episcopado e aludem a Cristo, o verdadeiro “pastor e guarda das nossas almas”, como o chama São Pedro (cf. 1P 2,25). E, ao mesmo tempo, mantêm unido todo o ano litúrgico, ancorado no mistério de Quinta-feira Santa. Enfim, os óleos aludem ao Horto das Oliveiras, onde Jesus aceitou interiormente a sua Paixão. Contudo, o Horto das Oliveiras é também o lugar donde Jesus subiu ao Pai, tornando-se, assim, o lugar da Redenção: Deus não deixou Jesus na morte. Jesus vive para sempre junto do Pai, e por isso mesmo é onipresente, está sempre junto de nós. Este duplo mistério do Monte das Oliveiras também está “ativo” no óleo sacramental da Igreja. Em quatro sacramentos, o óleo é sinal da bondade de Deus que nos toca: no Batismo; na Confirmação, como sacramento do Espírito Santo; nos vários graus do Sacramento da Ordem; e, finalmente, na Unção dos Enfermos, na qual o óleo nos é oferecido, por dizer assim, como medicamento de Deus – como o medicamento que agora nos torna seguros da sua bondade e deve-nos revigorar e consolar, mas ao mesmo tempo aponta para além do momento da enfermidade, para a cura definitiva, a ressurreição (cf. Jc 5,14). Assim o óleo, nas suas diversas formas, nos acompanha ao longo de toda a vida, desde o catecumenato e o Batismo até ao momento em que nos preparamos para o encontro com Deus Juiz e Salvador. Em suma, a Missa Crismal, na qual o sinal sacramental do óleo nos é apresentado como linguagem da criação de Deus, fala de modo particular a nós, sacerdotes: fala-nos de Cristo, que Deus ungiu como Rei e Sacerdote; dele, que nos torna participantes do seu sacerdócio, da sua “unção”, na nossa ordenação sacerdotal.

Procurarei agora explicar brevemente o mistério deste sinal sagrado na sua referência essencial à vocação sacerdotal. Já na antiguidade, etimologias populares associaram a palavra grega “elaion” – óleo – com a palavra “eleos” – misericórdia. De fato, nos vários Sacramentos, o óleo consagrado é sempre sinal da misericórdia de Deus. Por isso, a unção para o sacerdócio significa sempre também a missão de levar a misericórdia de Deus aos homens. Na lâmpada da nossa vida, não deveria jamais faltar o óleo da misericórdia. Não nos cansemos de procurá-lo a tempo junto do Senhor – no encontro com a sua Palavra, recebendo os Sacramentos, demorando-nos em oração junto dele.

Através da história da pomba com o ramo de oliveira, que anunciava o fim do dilúvio e, desse modo, a nova paz de Deus com o mundo dos homens, tanto a pomba, como o ramo de oliveira e o mesmo óleo tornaram-se símbolos da paz. Os cristãos dos primeiros séculos gostavam de ornamentar as tumbas dos seus defuntos com a coroa da vitória e o ramo de oliveira, símbolo da paz. Sabiam que Cristo venceu a morte e que os seus defuntos repousavam na paz de Cristo. Eles mesmos sabiam que Cristo os esperava, que lhes tinha prometido a paz que o mundo não é capaz de dar. Lembravam-se de que a primeira palavra do Ressuscitado aos seus discípulos fora: “A paz esteja convosco!” (Jn 20,19). Por assim dizer, Ele mesmo traz o ramo de oliveira, introduz a sua paz no mundo. Anuncia a bondade salvífica de Deus. Ele é a nossa paz. Portanto, os cristãos deverão ser pessoas de paz, pessoas que reconhecem e vivem o mistério da Cruz como mistério da reconciliação. Cristo não vence com a espada, mas por meio da Cruz. Vence, superando o ódio. Vence em virtude daquele amor maior que é o seu. A Cruz de Cristo diz “não” à violência. E, justamente assim, ela é o sinal da vitória de Deus, que anuncia o novo caminho de Jesus. A vítima foi mais forte que os detentores de poder. Na sua auto-doação na Cruz, Cristo venceu a violência. Como sacerdotes, somos chamados a ser, na comunhão com Jesus Cristo, homens de paz, somos chamados a opor-nos à violência e a confiar no poder maior do amor.

Também pertence ao simbolismo do óleo o fato de que este robustece para a luta. Isto não contradiz o tema da paz; é, antes, uma parte deste. A luta dos cristãos consistia, e consiste, não no uso da violência, mas no fato de que estes estavam, e ainda estão, prontos a sofrer pelo bem, por Deus. Consiste no fato de que os cristãos, como bons cidadãos, respeitam o direito e fazem aquilo que é justo e bom. Consiste no fato de que rejeitam fazer aquilo que, nos ordenamentos jurídicos em vigor, não é direito, mas injustiça. A luta dos mártires consistia no seu “não” concreto à injustiça: rejeitando a participação no culto idolátrico, na adoração do imperador, recusaram-se a ajoelhar-se diante da falsidade, da adoração de pessoas humanas e do seu poder. Com o seu “não” à falsidade e a todas as suas conseqüências, exaltaram o poder do direito e da verdade. Assim, serviram a verdadeira paz. Também hoje, é importante para os cristãos seguir o direito, que é o fundamento da paz. Também hoje, é importante para os cristãos não aceitar uma injustiça que é elevada a direito – por exemplo, quando se trata do assassinato de crianças inocentes ainda por nascer. É justamente assim que servimos a paz e vivemos seguindo os passos de Jesus Cristo, de quem São Pedro diz: “Quando injuriado, não retribuía as injúrias; atormentado, não ameaçava; antes, colocava a sua causa nas mãos daquele que julga com justiça. Sobre sua cruz, carregou nossos pecados em seu próprio corpo a fim de que, mortos para os pecados, vivamos para a justiça” (1P 2,23s).

Os Padres da Igreja sentiam-se fascinados por uma palavra do Salmo 45 (44) – segundo a tradição, o salmo nupcial de Salomão – que era considerado pelos cristãos como Salmo para as núpcias do novo Salomão, Jesus Cristo com a sua Igreja. Ali, diz-se ao Rei, Cristo: “Amas a justiça e odeias a iniqüidade; por isso Deus, o teu Deus, te consagrou com óleo da alegria, de preferência a teus iguais” (v. Ps 45,8). O que é este óleo da alegria com o qual foi ungido o verdadeiro Rei, Cristo? Os Padres não tinham qualquer dúvida a este respeito: o óleo da alegria é o próprio Espírito Santo, infundido sobre Jesus Cristo. O Espírito Santo é a alegria que vem de Deus. A partir de Jesus, esta alegria se derrama sobre nós no seu Evangelho, na Boa Nova de que Deus nos conhece, que Ele é bom e que a sua bondade é um poder superior a todos os poderes; que somos queridos e amados por Ele. A alegria é fruto do amor. O óleo da alegria, que foi derramado sobre Cristo e dele passa para nós, é o Espírito Santo, o dom do Amor que nos torna felizes porque existimos. Porque conhecemos Cristo e, em Cristo, o verdadeiro Deus, sabemos que é bom ser homem. É bom viver, porque somos amados. Porque a verdade mesma é boa.

Na Igreja antiga, o óleo consagrado foi considerado, particularmente, como sinal da presença do Espírito Santo, que se comunica a nós a partir de Cristo. O Espírito é o óleo da alegria. Esta alegria é uma realidade diversa do divertimento ou da alegria exterior que a sociedade moderna deseja. No seu justo lugar, o divertimento é certamente uma coisa boa e agradável. É bom poder rir. Mas, o divertimento não é tudo. É somente uma pequena parte da nossa vida; e, quando pretende ser tudo, torna-se uma máscara por detrás da qual se esconde o desespero ou pelo menos a dúvida acerca da vida se realmente é boa ou não seria melhor não existir. A alegria, que nos vem de Cristo, é diferente. Essa também nos dá contentamento, mas pode sem dúvida coexistir com o sofrimento. Dá a capacidade de sofrer e, no sofrimento, de permanecer também intimamente felizes. Dá-nos a capacidade de compartilhar o sofrimento dos outros e assim tornar perceptível, na disponibilidade recíproca, a luz e a bondade de Deus. Sempre me faz refletir a passagem dos Atos dos Apóstolos segundo a qual os Apóstolos, depois terem sido flagelados a mando do Sinédrio, saíram de lá “contentes por terem sido considerados dignos de injúrias por causa do nome de Jesus” (Ac 5,41). Quem ama está pronto a sofrer pelo amado e por causa do seu amor, e precisamente por isso experimenta uma alegria mais profunda. A alegria dos mártires era mais forte do que os tormentos infligidos. No fim, esta alegria venceu e abriu a Cristo as portas da história. Como sacerdotes, somos – diz São Paulo – “colaboradores da vossa alegria” (2Co 1,24). No fruto da oliveira, no óleo consagrado, toca-nos a bondade do Criador, o amor do Redentor. Rezemos para que a sua alegria nos inunde sempre mais profundamente e peçamos para sermos capazes de levá-la novamente a um mundo tão urgentemente necessitado da alegria que brota da verdade. Amém.







Bento XVI Homilias 7310