Bento XVI Homilias 1410


Quinta-feira Santa, 1 de Abril de 2010: SANTA MISSA NA CEIA DO SENHOR

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Basílica de São João de Latrão


Amados irmãos e irmãs


No seu Evangelho, São João refere-nos, mais amplamente do que os outros três evangelistas e com o seu estilo peculiar, os discursos de despedida de Jesus, que se apresentam quase como o seu testamento e a síntese do núcleo essencial da sua mensagem. No início destes discursos, aparece o lava-pés, no qual o serviço redentor de Jesus em favor da humanidade necessitada de purificação é resumido neste gesto de humildade. No fim, as palavras de Jesus transformam-se em oração, a sua Oração Sacerdotal, cuja inspiração de fundo foi individuada pelos exegetas no ritual da Festa judaica da Expiação. O que constituía o sentido daquela festa e dos seus ritos – a purificação do mundo, a sua reconciliação com Deus – realiza-se com o acto de Jesus rezar: um rezar que antecipa a Paixão e ao mesmo tempo transforma-a em oração. Assim, na Oração Sacerdotal, torna-se visível também, de maneira muito particular, o mistério permanente de Quinta-feira Santa: o novo sacerdócio de Jesus Cristo e a sua continuação na consagração dos Apóstolos, com a participação dos discípulos no sacerdócio do Senhor. Deste texto inexaurível, pretendo, nesta hora, escolher três afirmações de Jesus, que nos podem introduzir mais profundamente no mistério da Quinta-feira Santa.

A primeira delas é a frase: «É esta a vida eterna: que Te conheçam a Ti, único Deus verdadeiro, e Àquele que enviaste, Jesus Cristo» (
Jn 17,3). Todo o ser humano quer viver. Deseja uma vida verdadeira, plena, uma vida que valha a pena, que seja feliz. Associada com este anseio pela vida, aparece ao mesmo tempo a resistência contra a morte, a qual porém é invencível. Quando Jesus fala da vida eterna, pensa no modo autêntico da vida – uma vida que é vida em plenitude e, consequentemente, livre da morte, mas que pode realmente começar já neste mundo; antes, deve ter início aqui: somente se aprendermos já agora a viver de modo autêntico, se aprendermos aquela vida que a morte não pode tirar, é que a promessa da eternidade tem sentido. Mas como é que isto se realiza? O que vem a ser esta vida verdadeiramente eterna, que a morte não pode lesar? A resposta de Jesus, acabamos de a ouvir: A vida verdadeira é que Te conheçam a Ti – Deus – e o teu Enviado, Jesus Cristo. Com surpresa nossa, é-nos dito que vida é conhecimento. Isto significa antes de mais nada: vida é relação. Ninguém recebe a vida de si mesmo e só para si mesmo. Recebemo-la do outro, na relação com o outro. Se é uma relação na verdade e no amor, um dar e receber, a mesma dá plenitude à vida, torna-a bela. Mas, por isso mesmo, a destruição da relação por obra da morte, pode ser particularmente dolorosa, pode pôr em questão a própria vida. Somente a relação com Aquele que em Si próprio é a Vida, pode sustentar a minha vida mesmo para além das águas da morte, pode conduzir-me vivo através delas. Na filosofia grega, já existia a ideia de que o homem pode encontrar uma vida eterna, se se agarrar àquilo que é indestrutível – à verdade que é eterna. Deveria, por assim dizer, encher-se de verdade, para trazer em si a substância da eternidade. Mas, somente se a verdade for Pessoa, é que pode levar-me através da noite da morte. Nós agarramo-nos a Deus – a Jesus Cristo, o Ressuscitado; e somos assim levados por Aquele que é a própria Vida. Nesta relação, nós vivemos mesmo atravessando a morte, porque não nos abandona Aquele que é a própria Vida.

Mas, voltemos à frase de Jesus… É esta a vida eterna: que Te conheçam a Ti e ao teu Enviado. O conhecimento de Deus torna-se vida eterna. Obviamente, por «conhecimento», aqui entende-se algo mais do que um saber exterior, como acontece quando sabemos, por exemplo, da morte de uma pessoa famosa e da realização de uma invenção. Conhecer, no sentido da Sagrada Escritura, é tornar-se interiormente um só com o outro. Conhecer Deus, conhecer Cristo significa sempre também amá-Lo, tornar-se em certa medida um só com Ele em virtude do conhecer e do amar. Por conseguinte, a nossa vida torna-se autêntica, verdadeira e também eterna, se conhecermos Aquele que é a fonte de todo o ser e de toda a vida. Assim a palavra de Jesus torna-se para nós convite: tornemo-nos amigos de Jesus, procuremos conhecê-Lo cada vez mais! Vivamos em diálogo com Ele! Aprendamos d’Ele a vida recta, tornemo-nos suas testemunhas! Tornar-nos-emos assim pessoas que amam e agiremos de modo justo. Então viveremos verdadeiramente.

Ao longo da Oração Sacerdotal, Jesus fala duas vezes da revelação do nome de Deus: «Manifestei o teu nome aos homens que do mundo Me deste» (v. Jn 17,6); «dei-lhes a conhecer o teu nome e dá-lo-ei a conhecer, para que o amor com que Me amaste esteja neles e Eu esteja neles» (v. Jn 17,26). O Senhor faz aqui alusão ao episódio da sarça ardente; lá Deus, respondendo à pergunta de Moisés, revelara o seu nome. Portanto Jesus quer dizer que leva a termo o que se iniciara junto da sarça ardente: Deus, que Se dera a conhecer a Moisés, agora revela-Se plenamente n’Ele. E, com isto, Ele realiza a reconciliação: o amor com que Deus ama o seu Filho no mistério da Trindade, envolve agora os homens nesta circulação divina do amor. Mas concretamente que significa que a revelação da sarça ardente é levada a termo, alcança plenamente a sua meta? O essencial do acontecimento do monte Horeb não foi a palavra misteriosa, o “nome”, que Deus entregara a Moisés, por assim dizer, como sinal de reconhecimento. Comunicar o nome significa entrar em relação com o outro. Por isso, a revelação do nome divino significa que Deus, infinito e subsistente em Si mesmo, entra no entrelaçamento de relações dos homens: Ele, por assim dizer, sai de Si mesmo e torna-Se um de nós, um que está presente no meio de nós e ao nosso dispor. Por isso, Israel, sob o nome de Deus não viu apenas um termo envolvido em mistério, mas o facto de Deus estar-connosco. Segundo a Sagrada Escritura, o Templo é o lugar onde habita o nome de Deus. Nenhum espaço terreno encerra Deus; Ele permanece infinitamente acima do mundo. Mas, no Templo, está presente ao nosso dispor como Aquele que pode ser chamado – como Aquele que quer estar connosco. Este estar de Deus com o seu povo realiza-se na incarnação do Filho. Nesta, completa-se realmente o que tivera início junto da sarça ardente: Deus enquanto Homem pode ser chamado por nós e está perto de nós. Ele é um de nós, sem deixar de ser o Deus eterno e infinito. O seu amor sai, por assim dizer, d’Ele mesmo e entra em nós. O mistério eucarístico, a presença do Senhor sob as espécies do pão e do vinho é a máxima e mais alta condensação deste novo estar-connosco de Deus. «Tu és, na verdade, um Deus escondido, Deus de Israel» - rezava o profeta Isaías (Is 45,15). Isto continua a ser verdade; mas ao mesmo tempo podemos dizer: verdadeiramente tu és um Deus próximo, és Deus-connosco. Revelaste-nos o teu mistério e mostraste-nos o teu rosto. Revelaste-Te a Ti mesmo e Te entregaste nas nossas mãos… Nesta hora, deve invadir-nos a alegria e a gratidão por Ele Se ter manifestado; por Ele, o Infinito e o Inacessível para a nossa razão, ser o Deus próximo que ama, o Deus que podemos conhecer e amar.

O pedido mais conhecido da Oração Sacerdotal é o da unidade para os discípulos, para aqueles de então e os que haviam de vir. Diz o Senhor: «Não peço somente por eles – ou seja, a comunidade dos discípulos reunida no Cenáculo – mas também por aqueles que vão acreditar em Mim por meio da sua palavra, para que eles sejam todos um, como Tu, Pai, o és em Mim e Eu em Ti, para que também eles sejam um em Nós e o mundo acredite que Tu Me enviaste» (v. Jn 17,20s; cf. vv. Jn 17,11 Jn 17,13). Em concreto, que pede aqui o Senhor? Antes de mais nada, Ele reza pelos discípulos daquele tempo e de todos os tempos futuros. Olha em frente para a história futura em toda a sua amplitude. Vê os perigos dela e recomenda esta comunidade ao coração do Pai. Pede ao Pai a Igreja e a sua unidade. Foi dito que a Igreja não aparece no Evangelho de João – realmente a palavra ekklesia não é utilizada. Contudo, aqui ela aparece com as suas características essenciais: como a comunidade dos discípulos que, através da palavra apostólica, acreditam em Jesus Cristo e assim se tornam um só. Jesus suplica a Igreja como una e apostólica. Assim esta oração revela-se, propriamente, um acto fundador da Igreja. O Senhor pede a Igreja ao Pai. Esta nasce da oração de Jesus e por meio do anúncio dos Apóstolos, que dão a conhecer o nome de Deus e introduzem os homens na comunidade de amor com Deus. E, por conseguinte, Jesus pede que o anúncio dos discípulos continue ao longo dos tempos; que tal anúncio reúna homens que, baseados no mesmo, reconheçam Deus e o seu Enviado, o Filho Jesus Cristo. Ele reza para que os homens sejam conduzidos à fé e, por meio desta, ao amor. Pede ao Pai que estes crentes «sejam um em Nós» (v. Jn 17,21); isto é, que vivam na comunhão interior com Deus e com Jesus Cristo e que, a partir deste estar interiormente na comunhão com Deus, se crie a unidade visível. Duas vezes disse o Senhor que esta unidade deverá fazer com que o mundo acredite na missão de Jesus. Portanto deve ser uma unidade que se possa ver: uma unidade que ultrapasse tanto aquilo que habitualmente é possível entre os homens, que se torne um sinal para o mundo e afiance a missão de Jesus Cristo. A oração de Jesus dá-nos a garantia de que o anúncio dos Apóstolos não poderá jamais cessar na história; que suscitará sempre a fé e congregará homens na unidade – uma unidade que se torna testemunho para a missão de Jesus Cristo. Mas esta oração também é sempre um exame de consciência para nós. Nesta hora, o Senhor interpela-nos: vives tu, através da fé, em comunhão comigo e, deste modo, em comunhão com Deus? Ou não estarás porventura a viver mais para ti mesmo, afastando-te assim da fé? E, por isto, não serás talvez culpado da divisão que obscurece a minha missão no mundo, que fecha aos homens o acesso ao amor de Deus? Foi uma componente da Paixão histórica de Jesus e continua uma parte daquela sua Paixão que se prolonga na história o facto de ter Ele visto, e ver, tudo aquilo que ameaça, que destrói a unidade. Quando meditarmos na Paixão do Senhor, devemos também sentir a dor de Jesus pela facto de nos encontrarmos em contraste com a sua oração, de fazermos resistência ao seu amor; de nos opormos à unidade, que deve ser para o mundo testemunho da sua missão.

Nesta hora, em que o Senhor Se oferece a Si mesmo – o seu corpo e o seu sangue – na Santíssima Eucaristia, em que Se entrega nas nossas mãos e corações, oxalá nos deixemos tocar pela sua oração. Oxalá entremos nós mesmos na sua oração, suplicando-Lhe: Sim, Senhor, concede-nos a fé em Ti, que sois um só com o Pai no Espírito Santo; concede-nos viver no teu amor para assim nos tornarmos um só como Tu és um só com o Pai, a fim de que o mundo acredite. Ámen.







Sábado Santo, 3 de Abril de 2010: VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA

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Basílica Vaticana


Amados irmãos e irmãs


Uma antiga lenda judaica, tirada do livro apócrifo “A vida de Adão e Eva”, conta que Adão, durante a sua última enfermidade, teria mandado o filho Set juntamente com Eva à na região do Paraíso buscar o óleo da misericórdia, para ser ungido com este e assim ficar curado. Aos dois, depois de muito rezar e chorar à procura da árvore da vida, aparece o Arcanjo Miguel para dizer que não conseguiriam obter o óleo da árvore da misericórdia e que Adão deveria morrer. Mais tarde, os leitores cristãos adicionaram a esta comunicação do arcanjo, uma palavra de consolação. O Arcanjo teria dito que, depois de 5.500 anos, viria o benévolo Rei Cristo, o Filho de Deus, e ungiria com o óleo da sua misericórdia todos aqueles que acreditassem nele. “O óleo da misericórdia para toda a eternidade será dado a quantos deverão renascer da água e do Espírito Santo. Então, o Filho de Deus rico de amor, Cristo, descerá às profundezas da terra e conduzirá o teu pai ao Paraíso, para junto da árvore da misericórdia”. Nesta lenda, faz-se palpável toda a aflição do homem diante do destino de enfermidade, dor e morte que nos foi imposto. Torna-se evidente a resistência que o homem oferece à morte: em algum lugar – repetidamente pensaram os homens – deveria existir a erva medicinal contra a morte. Mais cedo ou mais tarde, deveria ser possível encontrar o remédio não somente contra as diversas doenças, mas contra a verdadeira fatalidade – contra a morte. Deveria, em suma, existir o remédio da imortalidade. Também hoje, os homens andam à procura de tal substância curativa. A ciência médica atual, incapaz de excluir a morte, procura, contudo, eliminar o maior número possível das suas causas, adiando-a sempre mais; procura uma vida sempre melhor e mais longa. Mas, pensemos um pouco: caso se conseguisse quiçá não excluir totalmente a morte mas adiá-la indefinidamente, como seria chegar a uma idade de várias centenas de anos? Isto seria bom? A humanidade envelheceria numa medida extraordinária; não haveria lugar para a juventude. A capacidade de inovação se apagaria e uma vida interminável não seria um paraíso, mas uma condenação. A verdadeira erva medicinal contra a morte deveria ser diversa. Não deveria levar simplesmente a uma prolongação indefinida desta vida atual. Deveria transformar a nossa vida a partir do interior. Deveria criar em nós uma vida nova, verdadeiramente capaz de eternidade: deveria transformar-nos de tal modo que não terminasse com a morte, mas com ela iniciasse em plenitude. A novidade impressionante da mensagem cristã, do Evangelho de Jesus Cristo era, e ainda é, dizer-nos isto: sim, esta erva medicinal contra a morte, este autêntico remédio da imortalidade existe. Foi encontrado. É acessível. No Batismo, este medicamento nos é dado. Uma vida nova começa em nós, uma vida nova que amadurece na fé e não é cancelada pela morte da vida velha, mas só então se tornará plenamente visível.

Ouvindo isto alguns, quiçá muitos, responderão: a mensagem sim, eu escuto, mas falta-me a fé. E, mesmo quem quer acreditar perguntará: mas, é verdadeiramente assim? Como devemos imaginá-la? Como se realiza esta transformação da vida velha, de tal modo que nela se forme a vida nova que não conhece a morte? Mais uma vez, um antigo escrito judaico pode nos ajudar a ter uma idéia daquele processo misterioso que tem início em nós no Batismo. Neste escrito se conta que o patriarca Henoc foi arrebatado até ao trono de Deus. Mas, ele se atemorizou à vista das gloriosas potestades angélicas e, na sua fraqueza humana, não pôde contemplar a Face de Deus. “Então Deus disse a Miguel – assim continua o livro de Henoc – 'Toma Henoc e tira-lhe as vestes terrenas. Unge-o com o óleo suave e reviste-o com vestes de glória! ' E, Miguel tirou as minhas vestes, ungiu-me com óleo suave; este óleo possuía algo mais que uma luz radiosa... O seu esplendor era semelhante aos raios do sol. Quando me vi, eis que eu era como um dos seres gloriosos” (Ph. Rech, Inbild des Kosmos, II 524).

Isto mesmo – ser revestidos com a nova veste de Deus – verivica-se Batismo; assim nos ensina a fé cristã. É verdade que esta mudança das vestes é um percurso que dura toda a vida. Aquilo que acontece no Batismo é o início de um processo que abarca toda a nossa vida –torna-nos capazes de eternidade, de tal modo que, na veste de luz de Jesus Cristo, podemos aparecer diante de Deus e viver com Ele para sempre.

No rito do Batismo, há dois elementos nos quais este evento se expressa e torna visível, também como exigência para o resto da nossa vida. Em primeiro lugar, temos o rito das renúncias e das promessas. Na Igreja Antiga, o batizando virava-se para ocidente, símbolo das trevas, do pôr do sol, da morte e, portanto, do domínio do pecado. O batizando virava-se para aquela direção e pronunciava um tríplice “não”: ao diabo, às suas pompas e ao pecado. Com a estranha palavra “pompas”, ou seja, o fausto do diabo, indicava-se o esplendor do antigo culto dos deuses e do antigo teatro, onde a diversão era ver pessoas vivas sendo dilaceradas pelas feras. Portanto, este “não” era o repúdio de um tipo de cultura que acorrentava o homem à adoração do poder, ao mundo da cobiça, à mentira, à crueldade. Era um ato de libertação da imposição de uma forma de vida que se apresentava como prazer e, contudo, levava à destruição daquilo que no homem são as suas qualidades melhores. Esta renúncia – com um comportamento menos dramático – constitui ainda hoje uma parte essencial do Batismo. Assim removemos as “vestes velhas”, com as quais não se pode estar diante de Deus. Melhor dito: começamos a depô-las. Com efeito, esta renúncia é uma promessa na qual damos a mão a Cristo, para que Ele nos guie e revista. Quais sejam as “vestes” que depomos e qual seja a promessa que pronunciamos fica claro quando lemos, no quinto capítulo da Carta aos Gálatas, aquilo que Paulo denomina “obras da carne” – termo que significa precisamente as vestes velhas que devem ser depostas. Paulo as designa assim: “fornicação, libertinagem, devassidão, idolatria, feitiçaria, inimizades, contendas, ciúmes, iras, intrigas, discórdias, facções, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a essas” (
Ga 5,19 ss). São estas as vestes que depomos; são vestes da morte.

Em seguida, o batizando na Igreja Antiga se virava para oriente – símbolo da luz, símbolo do novo sol da história, novo sol que se levanta, símbolo de Cristo. O batizando determina a nova direção da sua vida: a fé em Deus trino, a quem ele se oferece. Assim, o próprio Deus nos veste com o traje de luz, com a veste da vida. Paulo chama a estas novas “vestes” “fruto do Espírito” e as descreve com as seguintes palavras: “caridade, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, lealdade, mansidão, continência” (Ga 5,22).

Na Igreja Antiga, depois o batizando era verdadeiramente despojado das suas vestes. Descia à fonte batismal e era imerso por três vezes – um símbolo da morte que significa toda a radicalidade deste despojamento e desta mudança de veste. Esta vida, que em todo o caso já está voltada à morte, o batizando a entrega à morte, junto com Cristo, e por Ele se deixa arrastar e elevar para a vida nova, que o transforma para a eternidade. Depois subindo das águas batismais, os neófitos eram revestidos com a veste branca, a veste luminosa de Deus, e recebiam a vela acesa como sinal da vida nova na luz que Deus mesmo acendera neles. Eles sabiam que tinham obtido o remédio da imortalidade, que agora, no momento de receber a sagrada Comunhão, tomava a sua forma plena. Na Comunhão, recebemos o Corpo do Senhor ressuscitado e nós mesmos somos atraídos para este Corpo, de tal modo que ficamos já guardados por Aquele que venceu a morte e nos conduz através da morte.

No decorrer dos séculos, os símbolos tornaram-se mais escassos, mas o acontecimento essencial do Batismo continue sendo o mesmo. Este não é apenas um lavacro, e menos ainda uma recepção um pouco complicada numa nova associação. O Batismo é morte e ressurreição, renascimento para a nova vida.

Sim, a erva medicinal contra a morte existe. Cristo é a árvore da vida, que se fez novamente acessível. Se aderimos a ele, então estamos na vida. Por isso, nesta noite da ressurreição, cantaremos com todo o coração o aleluia, o canto da alegria que não tem necessidade de palavras. Por isso Paulo pode dizer aos Filipenses: “alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos!” (Ph 4,4). Não se pode comandar a alegria. Somente pode ser dada. O Senhor ressuscitado nos dá a alegria: a verdadeira vida. Já estamos protegidos para sempre guardados no amor daquele a quem foi dado todo o poder no céu e na terra (cf. Mt 28,18). Assim, seguros de ser escutados, peçamos como diz a oração sobre as oferendas que a Igreja eleva nesta noite: Acolhei, ó Deus, com estas oferendas as preces do vosso povo, para que a nova vida, que brota do mistério pascal, seja por vossa graça penhor da eternidade. Amém.





Quinta-feira, 15 de Abril de 2010: CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA COM OS MEMBROS DA PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA

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Capela Paulina do Palácio Apostólico do Vaticano



Queridos irmãos e irmãs!

Não encontrei o tempo de preparar uma verdadeira homilia. Mas gostaria de convidar cada um à meditação pessoal, propondo e realçando algumas frases da Liturgia hodierna, que se oferecem ao diálogo orante entre nós e a Palavra de Deus. A palavra, a frase que gostaria de propor à meditação comum é esta grande afirmação de São Pedro: "Importa mais obedecer a Deus do que aos homens" (
Ac 5,29). São Pedro está diante da suprema instituição religiosa, à qual normalmente se deveria obedecer, mas Deus está acima desta instituição e Deus conferiu-lhe outro "ordenamento": deve obedecer a Deus. A obediência a Deus é a liberdade, a obediência a Deus dá-lhe a liberdade de se opor à instituição.

E aqui os exegetas chamam a nossa atenção para o facto de que a resposta de São Pedro no Sinédrio é quase ad verbum idêntica à resposta de Sócrates ao juízo no tribunal de Atenas. O tribunal oferece-lhe a liberdade, a libertação, porém com a condição de que não continue a procurar Deus. Mas procurar Deus, a busca de Deus é para ele uma ordem superior, vem do próprio Deus. E uma liberdade comprada com a renúncia ao caminho para Deus já não seria liberdade. Portanto, não deve obedecer a estes juízos – não deve comprar a sua vida, perdendo-se a si mesmo – mas deve obedecer a Deus. A obediência a Deus tem a primazia.

Aqui é importante ressaltar que se trata de obediência e que é precisamente a obediência que dá liberdade. O tempo moderno falou da libertação do homem, da sua plena autonomia, portanto também da libertação da obediência de Deus. A obediência já não deveria existir, o homem é livre, é autónomo: nada mais. Mas esta autonomia é uma mentira: é uma mentira ontológica, porque o homem não existe por si mesmo, para si próprio, e é também uma mentira política e prática, porque a colaboração, a partilha da liberdade é necessária. E se Deus não existe, se Deus não é uma instância acessível ao homem, só o consenso da maioria permanece como suprema instância. Por conseguinte, o consenso da maioria torna-se a última palavra à qual temos que obedecer. E este consenso – sabemo-lo da história do século passado – pode ser também um "consenso no mal".

Assim, vemos que a chamada autonomia não liberta verdadeiramente o homem. A obediência a Deus é a liberdade, porque é a verdade, é a instância que se põe diante de todas as instâncias humanas. Na história da humanidade, estas palavras de Pedro e de Sócrates são o verdadeiro farol da libertação do homem, que sabe ver Deus e, em nome de Deus, pode e deve obedecer, não tanto aos homens, mas a Ele, e assim libertar-se do positivismo da obediência humana. As ditaduras foram sempre contrárias a esta obediência a Deus. A ditadura nazista, como a marxista, não podem aceitar um Deus que esteja acima do poder ideológico; e a liberdade dos mártires, que reconhecem Deus precisamente na obediência ao poder divino, é sempre o gesto de libertação mediante o qual nos é conferida a liberdade de Cristo.

Hoje, graças a Deus, não vivemos sob ditaduras, mas existem formas subtis de ditadura: um conformismo que se torna obrigatório, pensar como todos pensam, agir como todos agem, e as subtis agressões contra a Igreja, ou até as menos subtis, demonstram que este conformismo pode realmente ser uma verdadeira ditadura. Para nós vale isto: deve-se obedecer mais a Deus do que aos homens. Mas isto supõe que conheçamos verdadeiramente a Deus e que deveras desejemos obedecer-lhe. Deus não é um pretexto para a própria vontade, mas é realmente Ele quem nos chama e nos convida, se for necessário, até ao martírio. Por isso, confrontados com esta palavra que dá início a uma nova história de liberdade no mundo, oremos sobretudo para conhecer Deus, para conhecer humilde e verdadeiramente Deus e, conhecendo a Deus, para aprender a verdadeira obediência que é o fundamento da liberdade humana.

Escolhamos uma segunda palavra da primeira Leitura: São Pedro diz que Deus elevou Cristo à sua direita como chefe e salvador (cf. v. Ac 5,31). Chefe é tradução do termo grego archegos, que implica uma visão muito mais dinâmica: archegos é aquele que indica a estrada, que precede, é um movimento, um movimento rumo ao outro. Deus elevou-o à sua direita portanto, falar de Cristo como archegos quer dizer que Cristo caminha diante de nós, que nos precede e nos mostra o caminho. E estar em comunhão com Cristo é estar a caminho, subir com Cristo, é seguimento de Cristo, é esta elevação, é seguir o archegos, Aquele que já passou, que nos precede e nos indica o caminho.

Evidentemente, aqui é importante que se nos diga aonde Cristo chega e aonde também nós devemos chegar: hypsosen – nas alturas – subir à direita do Pai. Seguimento de Cristo é apenas imitação das suas virtudes, não é só viver neste mundo, na medida do que nos é possível, mas é um caminho que tem uma meta. E a meta é a direita do Pai. Há este caminho de Jesus, este seguimento de Jesus que termina à direita do Pai. Ao horizonte de tal seguimento pertence todo o caminho de Jesus, também a chegada à direita do Pai.

Neste sentido, a meta deste caminho é a vida eterna à direita do Pai, em comunhão com Cristo. Hoje, nós temos muitas vezes um pouco de medo de falar da vida eterna. Falamos das coisas que são úteis para o mundo, mostramos que o Cristianismo ajuda a melhorar o mundo, mas não ousamos dizer que a sua meta é a vida eterna e que de tal meta derivam depois os critérios da vida. Temos que compreender de novo que o Cristianismo permanece um "fragmento", se não pensarmos nesta meta, que queremos seguir o archegos à altura de Deus, à glória do Filho que nos faz filhos no Filho, e temos que reconhecer de novo que o Cristianismo revela todo o sentido só na grande perspectiva da vida eterna. Temos que ter a coragem, a alegria, a grande esperança que a vida eterna existe, é a verdadeira vida, e é desta vida autêntica que vem a luz que ilumina também este mundo.

Se se pode dizer que, mesmo prescindindo da vida eterna, do Céu prometido, é melhor viver segundo os critérios cristãos, porque viver segundo a verdade e o amor, apesar das numerosas perseguições, é em si mesmo um bem e é melhor que tudo o resto, é precisamente esta vontade de viver segundo a verdade e em conformidade com o amor que deve abrir também a toda a vastidão do desígnio de Deus para nós, à coragem de ter já a alegria na expectativa da vida eterna, da elevação seguindo o nosso archegos. E Soter é o Salvador, que nos salva da ignorância, procura as últimas coisas. O Salvador salva-nos da solidão, salva-nos de um vazio que permanece na vida sem a eternidade, salva-nos conferindo-nos o amor na sua plenitude. Ele é o guia. Cristo, o archegos, salva-nos dando-nos a luz, concedendo-nos a verdade, dando-nos o amor de Deus.

Além disso, reflictamos ainda sobre um versículo: Cristo, o Salvador, concedeu a Israel conversão e perdão dos pecados (v. Ac 5,31) – no texto grego, o termo é metanoia – deu penitência e perdão dos pecados. Para mim, esta é uma observação muito importante: a penitência é uma graça. Há uma tendência na exegese, que diz: Jesus na Galileia teria anunciado uma graça sem condições, absolutamente incondicionada, portanto também sem penitência, graça como tal, sem precondições humanas. mas esta é uma falsa interpretação da graça. A penitência é graça; é uma graça que nós reconheçamos o nosso pecado, é uma graça que saibamos que temos necessidade de renovação, de mudança, de uma transformação do nosso ser. Penitência, poder fazer penitência, é um dom da graça. E devo dizer que nós, cristãos, também nos últimos tempos, muitas vezes evitamos a palavra penitência porque nos parecia demasiado árdua. Agora, sob os ataques do mundo que nos falam dos nossos pecados, vemos que poder fazer penitência é uma graça. E vemos que é necessário fazer penitência, ou seja, reconhecer aquilo que está errado na nossa vida, abrir-se ao perdão, prepar-se para o perdão, deixar-se transformar. A dor da penitência, isto é, da purificação, da transformação, esta dor é graça, porque é renovação, é obra da misericórdia divina. E assim estas duas coisas que São Pedro diz – penitência e perdão – correspondem ao início da pregação de Jesus: metanoeite, ou seja, convertei-vos (cf. Mc 1,15). Portanto, este é o ponto fundamental: a metanoia não é algo particular, que pareceria substituída pela graça, mas a metanoia é a vinda da graça que nos transforma.

E finalmente uma palavra do Evangelho, onde nos é dito que quem acreditar terá a vida eterna (cf. Jn 3,36). Na fé, nestes "transformar-se" que a penitência concede, nesta conversão, neste novo caminho de vida, chegamos à vida, à vida autêntica. E aqui vêm-me à mente mais dois textos. Na "Oração sacerdotal", o Senhor diz: esta é a vida, conhecer a ti e ao teu consagrado (cf. Jn 17,3). Conhecer o essencial, conhecer a Pessoa decisiva, conhecer Deus e o seu Enviado é vida, vida e conhecimento, conhecimento de realidades que são a vida. E o outro texto é a resposta do Senhor aos Saduceus acerca da Ressurreição onde, dos livros de Moisés, o Senhor prova o acontecimento da Ressurreição, dizendo: Deus é o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob (cf. Mt 22,31-32 Mc 12,26-27 Lc 20,37-38). Deus não é Deus dos mortos. Se Deus é Deus destes, eles estão vivos. Quem está inscrito no nome de Deus, participa na vida de Deus, vive. E assim, crer significa estar inscrito no nome de Deus. E assim estamos vivos. Quem pertence ao nome de Deus não é um morto, pertence ao Deus vivo. Neste sentido, deveríamos compreender o dinamismo da fé, que é um inscrever o nosso nome no nome de Deus, e deste modo entrar na vida.

Oremos ao Senhor para que isto aconteça e que com a nossa vida realmente conheçamos a Deus, para que o nosso nome entre no nome de Deus e a nossa existência se torne verdadeira vida: vida eterna, amor e verdade.





Domingo, 18 de Abril de 2010: VIAGEM APOSTÓLICA A MALTA POR OCASIÃO DO 1950º ANIVERSÁRIO DO NAUFRÁGIO DE SÃO PAULO

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(17-18 DE ABRIL DE 2010)
SANTA MISSA

Praça "dei Granai" - Floriana




Estimados irmãos e irmãs
em Jesus Cristo
Meus queridos filhos e filhas!

Sinto-me muito feliz por estar aqui hoje com todos vós, diante da linda igreja de São Públio para celebrar o grande mistério do amor de Deus que se tornou perfeito na Sagrada Eucaristia. Neste tempo, a alegria do período pascal enche os nossos corações porque estamos a celebrar a vitória de Cristo, a vitória da vida sobre o pecado e sobre a morte. É uma alegria que transforma as nossas vidas e nos cumula de esperança no cumprimento das promessas de Deus. Cristo ressuscitou, aleluia!

Saúdo o Presidente da República e a Senhora Abela, as Autoridades civis desta amada Nação e todo o povo de Malta e Gozo. Agradeço ao arcebispo Cremona as suas amáveis palavras e saúdo também o bispo Grech e o bispo Depasquale, o arcebispo Mercieca, o bispo Cauchi e os demais bispos e sacerdotes presentes, assim como os fiéis cristãos da Igreja que está em Malta e em Gozo. Desde a minha chegada, ontem à tarde, senti o mesmo acolhimento caloroso que os vossos antepassados reservaram ao Apóstolo Paulo no ano 60.

Muitos viajantes desembarcaram aqui ao longo da vossa história. A riqueza e a variedade da cultura maltesa é um sinal de que o vosso povo obteve grande benefício do intercâmbio de dons e hospitalidade com os viajantes vindos do mar. E é significativo que vós soubestes exercer o discernimento, reconhecendo o melhor daquilo que eles tinham para oferecer.

Exorto-vos a continuar a fazer assim. Nem tudo aquilo que o mundo propõe hoje vale a pena ser acolhido pelos Malteses. Muitas vozes procuram persuadir-nos a deixar de lado a nossa fé em Deus e na sua Igreja e a escolher para nós mesmos os valores e os credos com os quais viver. Dizem-nos que não temos necessidade de Deus nem da Igreja. Se somos tentados a crer nelas, deveríamos recordar o episódio do Evangelho de hoje, quando os discípulos, todos pescadores peritos, labutaram a noite inteira, mas não pescaram nem sequer um peixe. Depois, quando Jesus apareceu à margem, indicou-lhes onde pescar e puderam realizar uma pesca tão abundante, que tinham dificuldade para a arrastar. Abandonados a si mesmos, os seus esforços eram infecundos; quando Jesus permaneceu ao seu lado, capturaram uma enorme quandidade de peixes. Meus caros irmãos e irmãs, se depositarmos a nossa confiança no Senhor e seguirmos os seus ensinamentos, colheremos sempre muitos frutos.

A primeira leitura da Missa hodierna é daquelas que sei que gostais de ouvir: a narração do naufrágio de Paulo no litoral de Malta e a calorosa hospitalidade que lhe foi reservada pela população destas ilhas. Observai como os componentes da tripulação do barco, para poder sobreviver, foram obrigados a lançar borda fora toda a carga, os equipamentos do barco e até mesmo o trigo, que era o seu único sustento. Paulo exortou-os a depositar a sua confiança unicamente em Deus, enquanto o barco era sacudido pelas ondas. Também nós temos que depositar a nossa confiança somente nele. Somos tentados a pensar que a tecnologia avançada dos nossos dias possa satisfazer todos os nossos desejos e salvar-nos dos perigos que nos angustiam. Mas não é assim. Em cada momento da nossa vida, dependemos inteiramente de Deus no qual vivemos, nos movemos e temos a nossa existência. Só Ele pode proteger-nos do mal, somente ele pode orientar-nos no meio das tempestades da vida e apenas ele pode conduzir-nos para um porto seguro, como fez por Paulo e pelos seus companheiros, à deriva nas costas de Malta. Eles fizeram aquilo que Paulo os exortava a fazer, e foi assim que "todos chegaram à terra sãos e salvos" (
Ac 27,44).

Mais do que qualquer carga que podemos podemos carregar connosco – no sentido das nossas realizações humanas, das nossas propriedades e da nossa tecnologia – é a nossa relação com o Senhor que oferece a chave da nossa felicidade e da nossa realização humana. E ele chama-nos a uma relação de amor. Prestai atenção à pergunta que, por três vezes, ele dirige a Pedro à margem do lago: "Simão, filho de João, tu amas-me?". Com base na resposta afirmativa de Pedro, Jesus confia-lhe uma tarefa, a tarefa de apascentar o seu rebanho. Aqui vemos o fundamento de todo o ministério pastoral na Igreja. É o nosso amor pelo Senhor que deve plasmar todos os aspectos da nossa pregação e ensinamento, da celebração dos sacramentos e do nosso cuidado pelo Povo de Deus. É o nosso amor pelo Senhor que nos impele a amar aqueles que Ele ama, e a aceitar de bom grado a tarefa de comunicar o seu amor àqueles que servimos. Durante a paixão do Senhor, Pedro renegou-o três vezes. Agora, depois da Ressurreição, Jesus convida-o três vezes a declarar o seu amor, oferecendo deste modo salvação e perdão, e ao mesmo tempo confiando-lhe a sua missão. A pesca milagrosa tinha sublinhado a dependência dos Apóstolos de Deus para o bom êxito dos seus projectos terrenos. O diálogo entre Pedro e Jesus salientou a necessidade da misericórdia divina para curar as suas feridas espirituais, as feridas do pecado. Em cada âmbito da nossa vida, temos necessidade da ajuda da graça de Deus. Com Ele podemos realizar todas as coisas: sem Ele, nada podemos fazer.

Conhecemos do Evangelho de São Marcos os sinais que acompanham aqueles que depositaram a sua fé em Jesus: apanharão serpentes com as mãos, e isto não lhes fará padecer qualquer mal; imporão as mãos sobre os doentes e eles serão curados (cf. Mc 16,18). Tais sinais foram depressa reconhecidos pelos vossos antepassados, quando Paulo chegou ao meio deles. Uma víbora agarrou-se à sua mão, mas ele simplesmente sacudiu-a, lançando-a no fogo sem sofrer qualquer dor. Paulo desejava ver o pai de Públio, o "protos" da ilha, depois de ter rezado e imposto as mãos sobre ele, curou-o da febre. De todos os dons trazidos a estas costas durante a história do vosso povo, aquele que Paulo trouxe foi o maior de todos, e é vosso mérito que ele tenha sido imediatamente acolhido e conservado. Conservai a fé e os valores que vos foram transmitidos pelo vosso pai, o Apóstolo São Paulo. Continuai a explorar a riqueza e a profundidade do dom de Paulo e procurai transmiti-lo não apenas aos vossos filhos, mas a todos aqueles que encontrais hoje. Cada visitante de Malta deveria ficar impressionado pela devoção do seu povo, pela fé vibrante manifestada nas celebrações nos dias de festa, pela beleza das suas igrejas e dos seus santuários. Mas aquela dádiva tem necessidade de ser compartilhada com outros, deve ser manifestada. Como Moisés ensinou ao povo de Israel, os preceitos do Senhor "serão gravados no teu coração. Ensiná-los-ás aos teus filhos e meditá-los-ás quer em tua casa, quer em viagem, quer ao deitar-te ou ao levantar-te" (Dt 6,6-7). Isto foi bem compreendido pelo primeiro santo canonizado de Malta, Dun Gorg Preca. A sua incansável obra de catequese, inspirando jovens e idosos com um amor pela doutrina cristã e uma profunda devoção ao Verbo encarnado, tornou-se um exemplo que vos exorto a conservar. Recordai que o intercâmbio de bens entre estas ilhas e o resto do mundo é um processo bilateral. Aquilo que recebeis, valorizai-o com atenção, e o que possuís de valor sabei compartilhá-lo com os demais.

Desejo dirigir uma palavra particular aos sacerdotes aqui presentes, neste ano dedicado à celebração do grande dom do sacerdócio. Dun Gorg era um presbítero de humildade, bondade, mansidão e generosidade extraordinárias, profundamente dedicado à oração e com a paixão de comunicar as verdades do Evangelho. Tomai-o como modelo e inspiração para vós, enquanto cumpris a missão que recebestes de apascentar a grei do Senhor. Recordai também a pergunta que o Senhor ressuscitado dirigiu três vezes a Pedro: "Tu amas-me?". Esta é a pergunta que Ele dirige a cada um de vós. Vós o amais? Desejai servi-lo com o dom de toda a vossa vida? Desejais levar outros a conhecê-lo e a amá-lo? Com Pedro, tende a coragem de responder: "Sim, Senhor, Tu sabes que te amo!", e assumi com um coração grato a magnífica tarefa que Ele vos designou. A missão confiada aos sacerdotes é verdadeiramente um serviço à alegria, ao júbilo de Deus que deseja ardentemente irromper no mundo (cf. Homilia, 24 de Abril de 2005).

Olhando agora ao meu redor a grande multidão reunida aqui em Floriana para a celebração da Eucaristia, volta-me à mente a cena descrita na segunda leitura de hoje, na qual miríades de miríades, e milhares de milhares uniram as suas vozes num grande hino de louvor: "Àquele que está sentado sobre o trono e ao Cordeiro sejam dadas acções de graças, honra, glória e poder para todo o sempre" (Ap 5,13).

Continuai a entoar este hino, para o louvor do Senhor ressuscitado e em acção de graças pelos seus múltiplos dons. Com as palavras de São Paulo, Apóstolo de Malta, concluo a minha exortação a vós esta manhã: "Eu amo-vos a todos em Cristo Jesus!" (1Co 16,24).

Louvado seja Jesus Cristo!







Bento XVI Homilias 1410