Bento XVI Homilias 11610


Domingo, 20 de Junho de 2010: ORDENAÇÕES PRESBITERIAIS DOS DIÁCONOS DA DIOCESE DE ROMA

20610
Basílica Vaticana





Prezados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Caríssimos Ordenandos
Amados Irmãos e Irmãs

Como Bispo desta Diocese, estou particularmente feliz por receber no "presbyterium" romano 14 novos Sacerdotes. Juntamente com o Cardeal Vigário, os Bispos Auxiliares e todos os Presbíteros, dou graças ao Senhor pelo dom destes novos Pastores do Povo de Deus. Gostaria de dirigir uma saudação especial a vós, caríssimos ordenandos: hoje vós estais no centro da atenção do Povo de Deus, um povo simbolicamente representado pelas pessoas que apinham esta Basílica vaticana: enchem-na de oração e de cânticos, de carinho sincero e profundo, de emoção autêntica, de alegria humana e espiritual. Neste Povo de Deus ocupam um lugar particular os vossos pais e familiares, os amigos e os companheiros os superiores e educadores do Seminário, as várias comunidades paroquiais e as diversas realidades eclesiais das quais vindes e que vos acompanharam no vosso caminho e aquelas que vós mesmos já servistes pastoralmente. Sem esquecer a singular proximidade, neste momento, de numerosíssimas pessoas, humildes e simples mas grandes diante de Deus, como por exemplo as irmãs claustrais, as crianças, os doentes e os enfermos. Elas acompanham-vos com a preciosíssima dádiva da sua oração, da sua inocência e do seu sofrimento.

Por conseguinte, é toda a Igreja de Roma que, hoje, dá graças a Deus e reza convosco, que deposita grande confiança e esperança no vosso futuro, que espera abundantes frutos de santidade e de bem do vosso ministério sacerdotal. Sim, a Igreja conta convosco, conta convosco em grande medida! A Igreja precisa de cada um de vós, consciente dos dons que Deus vos oferece e, ao mesmo tempo, da absoluta necessidade que o coração de cada homem sente de se encontrar com Cristo, Salvador único e universal do mundo, para receber dele a vida nova e eterna, a verdadeira liberdade e a alegria integral. Então, sintamo-nos todos convidados a entrar no "mistério", no acontecimento de graça que se está a realizar nos vossos corações mediante a Ordenação presbiteral, deixando-nos iluminar pela Palavra de Deus que foi proclamada.

O Evangelho que ouvimos apresenta-nos um momento significativo do caminho de Jesus, em que ele pergunta aos discípulos o que as pessoas pensam dele como eles mesmos o julgam. Pedro responde em nome dos Doze, com uma profissão de fé que se diferencia de modo substancial da opinião que as pessoas têm sobre Jesus; com efeito, ele afirma: Tu és o Messias de Deus (cf.
Lc 9,20). De onde nasce este acto de fé? Se formos ao início deste trecho evangélico, constataremos que a confissão de Pedro está ligada a um momento de oração: "Jesus rezava num lugar afastado. Os discípulos encontravam-se com Ele" diz São Lucas (cf. Lc 9,18). Ou seja, os discípulos são envolvidos no ser e no falar absolutamente únicos de Jesus com o Pai. E deste modo é-lhes concedido ver o Mestre no íntimo da sua condição de Filho, é-lhes concedido ver aquilo que os outros não conseguem ver; do facto de "estar com Ele", do facto de "permanecer com Ele" em oração deriva um conhecimento que vai mais além das opiniões das pessoas, para chegar à profunda identidade de Jesus, à verdade. Aqui é-nos oferecida uma indicação bem específica para a vida e a missão do sacerdote: na oração, ele é chamado a redescobrir o rosto sempre novo do seu Senhor e o conteúdo mais autêntico da sua missão. Só quem mantém uma relação íntima com o Senhor é conquistado por Ele, pode levá-lo aos outros, pode ser enviado. Trata-se de um "permanecer com Ele", que deve acompanhar sempre o exercício do ministério sacerdotal; deve constituir a sua parte central, também e sobretudo nos momentos difíceis, quando parece que as "coisas a fazer" devem ter a prioridade. Onde quer que estejamos, o que quer que façamos, devemos sempre "permanecer com Ele".

Gostaria de salientar um segundo elemento do Evangelho de hoje. Imediatamente depois da confissão de Pedro, Jesus anuncia a sua paixão e ressurreição, fazendo seguir-se a este anúncio um ensinamento relativo ao caminho dos discípulos, que consiste em segui-lo, em seguir o Crucificado, em segui-lo ao longo do caminho da cruz. E depois acrescenta – com uma expressão paradoxal – que o ser discípulos significa "perder-se a si mesmo", mas para voltar a encontrar-se plenamente a si mesmo" (cf. Lc 9,22-24). Que significa isto para cada cristão, mas principalmente para um sacerdote? O seguimento, mas poderíamos tranquilamente dizer: o sacerdócio jamais pode representar um modo para alcançar a segurança na vida, ou para conquistar uma posição social. Quem aspira ao sacerdócio para um crescimento do seu prestígio pessoal e do seu poder, entendeu de modo totalmente errado o sentido deste ministério. Quem quiser realizar sobretudo uma sua própria ambição, alcançar um successo pessoal, será sempre escravo de si mesmo e da opinião pública. Para ser considerado, deverá adular, deverá dizer aquilo que agrada às pessoas; deverá adaptar-se à mudança das modas e das opiniões e, deste modo, privar-se-á da relação vital com a verdade, reduzindo-se a condenar amanhã o que terá elogiado hoje. Um homem que delineia desta forma a sua vida, um sacerdote que considera nestes termos o seu ministério, não ama verdadeiramente a Deus e ao próximo, mas apenas a si mesmo e, paradoxalmente, termina por se perder a si próprio. O sacerdócio – recordemo-lo sempre – está fundamentado sobre a coragem de dizer sim a outra vontade, com a consciência, que se deve fazer crescer todos os dias, de que precisamente conformando-nos com a vontade de Deus, "imersos" nesta vontade, não só não será anulada a nossa originalidade mas, pelo contrário, entraremos cada vez mais na verdade do nosso ser e do nosso ministério.

Caríssimos ordenandos, quereria propor à vossa meditação um terceiro pensamento, estritamente ligado àquele que acabei de expor: o convite de Jesus a "perder-se a si mesmo", a tomar a cruz, evoca o mistério que estamos a celebrar: a Eucaristia. Hoje, com o sacramento da Ordem, é-vos dado presidir à Eucaristia! É-vos confiado o sacrifício redentor de Cristo, é-vos confiado o seu corpo oferecido e o seu sangue derramado. Sem dúvida, Jesus oferece o seu sacrifício, a sua doação de amor humilde e total à Igreja sua Esposa, na Cruz. É naquele madeiro que o grão de trigo, lançado pelo Pai no campo do mundo, morre para se tornar um fruto maduro, dador de vida. Todavia, no desígnio de Deus, esta doação de Cristo torna-se presente na Eucaristia graças àquela potestas sacra que o sacramento da Ordem vos confere, a vós presbíteros. Quando celebramos a Santa Missa, conservamos nas nossas mãos o pão do Céu, o pão de Deus, que é Cristo, grão partido para se multiplicar e para se tornar o verdadeiro alimento da vida para o mundo. É algo que não pode deixar de vos cumular de íntima admiração, de profunda alegria e de imensa gratidão: o amor e a dádiva de Cristo crucificado e glorioso já passam pelas vossas mãos, pelas vossas vozes e pelos vossos corações! Trata-se de uma experiência de enlevo sempre nova, ver que através das minhas mãos e da minha voz, o Senhor realiza este mistério da sua presença!

Então, como deixar de rezar ao Senhor, para que vos incuta uma consciência cada vez mais vigilante e entusiasta deste dom, que é colocado no cerne do vosso ser sacerdotes! Para que vos conceda a graça de saber experimentar em profundidade toda a beleza e a força deste vosso serviço presbiteral e, ao mesmo tempo, a graça de poder viver este ministério com coerência e generosidade, todos os dias. A graça do presbiterado, que daqui a pouco vos será concedida, unir-vos-á intimamente, aliás de modo estrutural, à Eucaristia. Por isso, vincular-vos-á no profundo do vosso coração aos sentimentos de Jesus que ama até ao extremo, até ao dom total de si, ao seu ser pão multiplicado para o sagrado banquete da unidade e da comunhão. É esta a efusão pentecostal do Espírito, destinada a inflamar a vossa alma com o próprio amor do Senhor Jesus. Trata-se de uma efusão que, enquanto manifesta a gratuidade absoluta do dom, grava dentro do vosso ser uma lei indelével – a lei nova, uma lei que vos impele a inserir e a fazer reflorescer no tecido concreto dos comportamentos e dos gestos da vossa vida de todos os dias o próprio amor de entrega de Cristo crucificado. Voltemos a ouvir a voz do Apóstolo Paulo, aliás, nesta voz reconheçamos a voz poderosa do Espírito Santo: "Pois todos vós que fostes baptizados em Cristo vos revestistes de Cristo" (Ga 3,27). Já com o Baptismo, e agora em virtude do Sacramento da ordem, vós vos revestis de Cristo. A atenção à celebração eucarística seja acompanhada sempre pelo compromisso em benefício de uma vida eucarística, isto é, vivida na obediência a uma única e grandiosa lei, a do amor que se entrega totalmente e serve com humildade, uma vida que a graça do Espírito Santo torna cada vez mais semelhante à de Jesus Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, Servo de Deus e dos homens.

Caríssimos, o caminho que o Evangelho de hoje nos indica é a senda da vossa espiritualidade e da vossa acção pastoral, da sua eficácia e incisividade, até nas situações mais cansativas e áridas. Além disso, esta é a vereda segura para encontrar a verdadeira alegria. Maria, a Serva do Senhor, que conformou a sua vontade com a de Deus, que gerou Cristo e o ofereceu ao mundo, que seguiu o Filho até aos pés da cruz no supremo gesto de amor, vos acompanhe durante todos os dias da vossa vida e do vosso ministério. Graças ao carinho desta Mãe terna e forte, podereis ser jubilosamente fiéis à exortação que, como presbíteros, hoje vos é confiada: a de vos conformardes com Cristo Sacerdote, que soube obedecer à vontade do Pai e amar o homem até ao fim.

Amém!





Quinta-feira, 24 de Junho de 2010: VISITA AO MOSTEIRO DOMINICANO DE SANTA MARIA DO ROSÁRIO - HORA MÉDIA

24610


Mosteiro Dominicano de Santa Maria do Rosário



Queridas irmãs!

A cada uma de vós, dirijo as palavras do Salmo 125 [124], que há pouco ouvimos: "Senhor, sede bom para os que são bons, e para os homens de coração recto" (v.
Ps 125,4). É antes de tudo com estes bons votos que vos saúdo: sobre cada uma de vós, desça a bondade do Senhor. Em particular, saúdo a vossa Madre Priora, e agradeço-lhe de coração as amáveis expressões que me dirigiram em nome da Comunidade. Foi com grande alegria que aceitei o convite a visitar este Mosteiro, para poder deter-me juntamente convosco aos pés da imagem de Nossa Senhora aqueropita de São Sisto, já protectora dos Mosteiros romanos de Santa Maria "in Tempulo" e de São Sisto.

Recitamos juntos a Hora Média, uma pequena parte daquela Oração litúrgica que, como irmãs claustrais, cadencia os ritmos dos vossos dias e vos torna intérpretes da Igreja-Esposa que se une, de modo especial, ao seu Senhor. Por esta prece coral, que encontra o seu ápice na participação diária no sacrifício eucarístico, a vossa consagração ao Senhor no silêncio e no escondimento torna-se fecunda e rica de frutos, não só em vista do caminho de santificação e de purificação pessoal, mas inclusive em relação àquele apostolado de intercessão que levais a cabo para a Igreja inteira, para que se possa mostrar pura e santa na presença do Senhor. Vós, que conheceis bem a eficácia da oração, experimentais todos os dias quantas graças de santificação ela pode obter para a Igreja.

Prezadas irmãs, a comunidade que vós formais é um lugar onde poder permanecer no Senhor; ela constitui para vós a nova Jerusalém, para a qual sobem as tribos do Senhor para louvar o Seu nome (cf. Ps 122,4 [1219, 4). Dai graças à Providência divina pelo dom sublime e gratuito da vocação monástica, ao qual o Senhor vos chamou sem qualquer vosso mérito. Com Isaías, podeis afirmar: "O Senhor formou-me desde o ventre materno para ser servo" (Is 49,5). Ainda antes de nascerdes, o Senhor já tinha reservado para si o vosso coração para o poder cumular com o seu amor. Através do sacramento do Baptismo, recebestes em vós a Graça divina e, imersas na sua morte e ressurreição, fostes consagradas a Jesus, para lhe pertencer de modo exclusivo. A forma de vida contemplativa, que das mãos de São Domingos recebestes nas modalidades da clausura, coloca-vos como membros vivos e vitais, no Coração do corpo místico do Senhor, que é a Igreja; e como o coração faz circular o sangue e conserva vivo o corpo inteiro, assim a vossa existência escondida com Cristo, tecida de trabalho e de oração, contribui para sustentar a Igreja, instrumento de salvação para cada homem que o Senhor redimiu com o seu Sangue.

É desta nascente inesgotável que vós hauris com a oração, apresentando ao Altíssimo as necessidades espirituais e materiais de muitos irmãos em dificuldade, a vida perdida de quantos se afastaram do Senhor. Como deixar de ter compaixão por aqueles que parecem vagar sem uma meta? Como não desejar que na sua vida se realize o encontro com Jesus, o Único que dá sentido à existência? O santo desejo de que o Reino de Deus se instaure no coração de cada homem identifica-se com a própria prece, como nos ensina Santo Agostinho: "Ipsum desiderium tuum, oratio tua est; et si continuum desiderium, continua oratio" (cf. Ep. 130,18-20); por isso, como fogo que arde e jamais se apaga, o coração é despertado, nunca deixa de desejar e sempre eleva a Deus o hino de louvor.

Portanto reconhecei, amadas irmãs, que em tudo o que fazeis, para além de cada um dos momentos de oração, o vosso coração continua a ser orientado pelo desejo de amar a Deus. Com o Bispo de Hipona, reconhecei que foi o Senhor que inseriu nos vossos corações o seu amor, desejo que dilata o coração a ponto de o tornar capaz de acolher o próprio Deus (cf. In Io. Ev. tr. 40, 10). Este é o horizonte da peregrinação terrena! Esta é a vossa meta! Por isso escolhestes viver no escondimento e na renúncia nos bens terrenos: para aspirar acima de todas as coisas aquele bem incomparável, aquela pérola preciosa que merece a renúncia a todos os outros bens para entrar em posse da mesma.

Desejo que possais pronunciar todos os dias o vosso "sim" aos desígnios de Deus, com a mesma humildade com a qual a Virgem Santa pronunciou o seu "sim". Ela, que no seu silêncio acolheu a Palavra de Deus, vos oriente na vossa consagração virginal quotidiana, para que possais experimentar no escondimento a profunda intimidade por Ela mesma vivida com Jesus. Invocando a sua intercessão maternal, juntamente com a de São Domingos, de Santa Catarina de Sena e dos numerosos santos e santas da Ordem dominicana, concedo a todos vós uma especial Bênção apostólica, que de bom grado faço extensiva às pessoas que se confiam às vossas orações.





Domingo, 28 de Junho de 2010: PRIMEIRAS VÉSPERAS DA SOLENIDADE DOS SANTOS APÓSTOLOS PEDRO E PAULO

28610
Basílica de São Paulo Fora dos Muros



Estimados irmãos e irmãs

Com a celebração das primeiras Vésperas entramos na solenidade dos Santos Pedro e Paulo. Temos a graça de o fazer na Basílica papal intitulada ao Apóstolo das nações, reunidos em oração junto do seu Túmulo. Por isso, desejo orientar a minha breve reflexão na perspectiva da vocação missionária da Igreja. Seguem este rumo a terceira antífona da salmodia que recitamos e a Leitura bíblica. As primeiras duas antífonas são dedicadas a São Pedro, a terceira a São Paulo, e reza assim: "Tu és o mensageiro de Deus, santo apóstolo Paulo: anunciaste a verdade no mundo inteiro". E na Leitura breve, tirada da saudação inicial da Carta aos Romanos, Paulo apresenta-se como "Apóstolo por vocação, escolhido para anunciar o Evangelho de Deus" (
Rm 1,1). A figura de Paulo – a sua pessoa e o seu ministério, toda a sua existência e o seu árduo trabalho pelo Reino de Deus – é dedicada completamente ao serviço do Evangelho. Nestes textos tem-se um sentido de movimento, onde o protagonista não é o homem, mas Deus, o sopro do Espírito Santo, que impele o Apóstolo pelos caminhos do mundo para levar a todos a Boa Nova: as promessas dos profetas completaram-se em Jesus Cristo, Filho de Deus, morto pelos nossos pecados e ressuscitado para a nossa justificação. Saulo deixa de existir e torna-se Paulo, aliás, agora é Cristo que vive nele (cf. Ga 2,20) e deseja alcançar todos os homens. Portanto, se a festa dos Santos Padroeiros de Roma evoca a dúplice tensão típica desta Igreja, para a unidade e a universalidade, o contexto em que nos encontramos esta tarefa convida-nos a privilegiar a segunda, deixando-nos por assim dizer "arrebatar" por São Paulo e pela sua vocação extraordinária.

O Servo de Deus Giovanni Battista Montini, quando foi eleito Sucessor de Pedro, em plena fase de realização do Concílio Vaticano II, desejou assumir o nome do Apóstolo das nações. No interior do seu programa de realização do Concílio, em 1974 Paulo vi convocou a Assembleia do Sínodo dos Bispos sobre o tema da evangelização do mundo contemporâneo, e cerca de um ano mais tarde, publicou a Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, que começa com estas palavras: "O compromisso de anunciar o Evangelho aos homens do nosso tempo, animados pela esperança mas, ao mesmo tempo, muitas vezes atormentados pelo medo e pela angústia, é sem dúvida alguma um serviço prestado à comunidade cristã, mas também a toda a humanidade" (n. EN 1). Impressiona a actualidade destas expressões. Sentem-se nelas toda a particular sensibilidade missionária de Paulo VI e, através da sua voz, o grande anseio conciliar da evangelização do mundo contemporâneo, anseio que culmina no Decreto Ad gentes, mas que permeia todos os documentos do Concílio Vaticano II e que, antes ainda, animava os pensamentos e o trabalho dos Padres conciliares, reunidos para representar de modo jamais tão tangível, a difusão mundial alcançada pela Igreja.

Não são necessárias palavras para explicar como o Venerável João PauloII, no seu longo pontificado, desenvolveu esta projecção missionária que – é preciso recordá-lo – sempre corresponde à própria natureza da Igreja que, como São Paulo, pode e deve repetir sempre: "Porque se anuncio o Evangelho, não tenho de que me gloriar, pois que me é imposta esta obrigação: ai de mim, se eu não evangelizar!" (1Co 9,16). O Papa João Paulo II representou "ao vivo" a natureza missionária da Igreja, com as viagens apostólicas e com a insistência do seu Magistério sobre a urgência de uma "nova evangelização: "nova" não nos seus conteúdos, mas no seu impulso interior, aberto à graça do Espírito Santo, que constitui a força da lei nova do Evangelho e que sempre renova a Igreja; "nova" na busca de modalidades que correspondam à força do Espírito Santo e sejam adaptadas aos tempos e às situações; e "nova", porque necessária também nos países que já receberam o anúncio do Evangelho. É evidente para todos que o meu Predecessor deu um impulso extraordinário para a missão da Igreja, não apenas – repito – pelas distâncias por ele percorridas, mas sobretudo pelo genuíno espírito missionário que o animava e que nos deixou em herança no alvorecer do terceiro milénio.

Recolhendo esta herança, pude afirmar, no início do meu ministério petrino, que a Igreja é jovem e está aberta ao futuro. E repito-o também hoje, ao lado do sepulcro de São Paulo: a Igreja constitui no mundo uma imensa força renovadora, decerto não pelas suas forças, mas pela força do Evangelho, em que sopra o Espírito Santo de Deus, o Deus criador e redentor do mundo. Os desafios da época contemporânea estão certamente acima das capacidades humanas: trata-se dos desafios históricos e sociais e, com maior razão, dos espirituais. Às vezes parece que nós, Pastores da Igreja, revivemos a experiência dos Apóstolos, quando milhares de pessoas necessitadas seguiam Cristo, e Ele perguntava: o que podemos fazer por toda esta multidão? Então, eles experimentavam a própria impotência. Mas precisamente Jesus demonstrou-lhes que com a fé em Deus nada é impossível, e que poucos pães e peixes, abençoados e compartilhados, podiam dar de comer a todos. Mas não havia – e não há – somente a fome de um alimento material: existe uma fome mais profunda, que apenas Deus pode saciar. Também o homem do terceiro milénio aspira a uma vida autêntica e plena, tem necessidade da verdade, da profunda liberdade, do amor gratuito. Até nos desertos do mundo secularizado, a alma do homem tem sede de Deus, do Deus vivo. Por isso João Paulo ii escrevia: "A missão de Cristo Redentor, confiada à Igreja, ainda está muito longe do seu pleno cumprimento", e acrescentava: "Uma visão de conjunto da humanidade mostra que tal missão ainda está no início, e que devemos empenhar-nos com todas as forças ao seu serviço" (Encíclica Redemptoris missio RMi 1). Existem regiões do mundo que ainda esperam uma primeira evangelização; outras que já a receberam, mas que têm necessidade de um trabalho mais aprofundado; outras ainda, em que o Evangelho desde há muito tempo lançou raízes, dando lugar a uma verdadeira tradição cristã, mas onde nos últimos séculos – com dinâmicas complexas – o processo de secularização produziu uma grave crise do sentido da fé cristã e da pertença à Igreja.

Nesta perspectiva, decidi criar um novo Organismo, sob a forma de "Pontifício Conselho", com a principal tarefa de promover uma renovada evangelização nos países onde já ressoou o primeiro anúncio da fé e estão presentes Igrejas de antiga fundação, mas que estão a passar por uma progressiva secularização da sociedade e a viver uma espécie de "eclipse do sentido de Deus", que constituem um desafio a encontrar meios adequados para voltar a propor a verdade perene do Evangelho de Cristo.

Caros irmãos e irmãs, o desafio da nova evangelização interpela a Igreja universal, exortando-nos a continuar com empenhamento na busca da plena unidade entre os cristãos. Um eloquente sinal de esperança neste sentido é o hábito das visitas recíprocas entre a Igreja de Roma e a de Constantinopla, por ocasião das festas dos respectivos Santos Padroeiros. Por isso, hoje acolhemos com renovada alegria e reconhecimento a Delegação enviada pelo Patriarca Bartolomeu I, a quem dirigimos a mais cordial saudação. A intercessão dos Santos Pedro e Paulo obtenha para a Igreja inteira fé fervorosa e coragem apostólica, para anunciar ao mundo a verdade de que todos nós temos necessidade, a verdade que é Deus, origem e fim do universo e da história, Pai misericordioso e fiel, esperança de vida eterna. Amém!





Terça-feira, 29 de Junho de 2010: CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA E IMPOSIÇÃO DOS PÁLIOS AOS NOVOS ARCEBISPOS METROPOLITANOS

29610
NA SOLENIDADE DOS SANTOS PEDRO E PAULO
Basílica Vaticana




Queridos irmãos e irmãs!

Os textos bíblicos desta Liturgia eucarística da solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, na sua grande riqueza, põem em evidência um tema que se poderia resumir assim: Deus está próximo dos seus fiéis servos e liberta-os de qualquer mal, e liberta a Igreja dos poderes negativos. Trata-se do tema da liberdade da Igreja, que apresenta um aspecto histórico e outro mais profundamente espiritual.

Esta temática atravessa toda a liturgia da palavra de hoje. A primeira e a segunda Leituras falam, respectivamente, dos Santos Pedro e Paulo ressaltando precisamente a acção libertadora de Deus em relação a eles. Sobretudo o texto dos Actos dos Apóstolos descreve com abundância de pormenores a intervenção do anjo do Senhor, que liberta Pedro das correntes e o conduz para fora da prisão de Jerusalém, onde o rei Herodes o tinha feito encarcerar, sob estrita vigilância (cf.
Ac 12,1-11). Paulo, ao contrário, escrevendo a Timóteo quando já sentia próximo o fim da vida terrena, faz um balanço do qual sobressai que o Senhor lhe tinha estado sempre próximo, o libertou de tantos perigos e ainda o libertará introduzindo-o no seu Reino eterno (cf. 2Tm 4,6-8 2Tm 4,17-18). O tema é reforçado pelo Salmo responsorial (cf. Ps 33), e encontra um particular desenvolvimento também no trecho evangélico da confissão de Pedro, onde Cristo promete que os poderes do inferno não prevalecerão sobre a sua Igreja (cf. Mt 16,18).

Vendo bem observa-se, em relação a esta temática, uma certa progressão. Na primeira Leitura é narrado um episódio específico que mostra a intervenção do Senhor para libertar Pedro da prisão; na segunda Paulo, com base na sua extraordinária experiência apostólica, está convencido de que o Senhor, que já o libertou "da boca do leão", o libertará "de qualquer mal" abrindo-lhe as portas do Céu; no Evangelho, ao contrário, já não se fala dos Apóstolos individualmente, mas da Igreja no seu conjunto e da sua segurança em relação às forças do mal, entendidas no sentido amplo e profundo. Deste modo vemos que a promessa de Jesus – "os poderes do inferno não prevalecerão" sobre a Igreja – abrange as experiências históricas de perseguição de que foram vítimas Pedro e Paulo e as outras testemunhas do Evangelho, mas vai além, querendo garantir a protecção sobretudo contra as ameaças de tipo espiritual; segundo quanto escreve o próprio Paulo na Carta aos Efésios: "Nós não temos de lutar contra a carne e o sangue, mas contra os Principados, Potestades, contra os Dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos malignos espalhados pelos ares" (Ep 6,12).

De facto, se pensarmos nos dois milénios de história da Igreja, podemos observar que – como tinha prenunciado o Senhor Jesus (cf. Mt 10,16-33) – nunca faltaram para os cristãos as provas, que nalguns períodos e lugares assumiram carácter de verdadeiras perseguições. Mas elas, apesar dos sofrimentos que provocam, não constituem o perigo mais grave para a Igreja. O dano maior, de facto, é-lhe causado por aquilo que polui a fé e a vida cristã dos seus membros e das suas comunidades, corrompendo a integridade do Corpo místico, enfraquecendo a sua capacidade de profecia e de testemunho, ofuscando a beleza do seu rosto. Esta realidade já é afirmada pelo episcopado paulino. A Primeira Carta aos Coríntios, por exemplo, responde precisamente a alguns problemas de divisões, incoerências, infidelidades ao Evangelho que ameaçam seriamente a Igreja. Mas também a Segunda Carta a Timóteo – da qual ouvimos um trecho – fala dos perigos dos "últimos tempos", identificando-os com atitudes negativas que pertencem ao mundo e que podem contagiar a comunidade cristã: egoísmo, vaidade, orgulho, apego ao dinheiro, etc. (cf. 2Tm 3,1-5). A conclusão do Apóstolo é tranquilizadora: os homens que praticam o mal – escreve – "não irão muito longe, porque a sua estultice será evidente a todos" (cf. 2Tm 3,9). Há portanto uma certeza de liberdade garantida por Deus à Igreja, liberdade quer dos vínculos materiais que procuram impedir ou circunscrever a sua missão, quer dos males espirituais e morais, que podem corroer a sua autenticidade e credibilidade.

O tema da liberdade da Igreja, garantida por Cristo a Pedro, tem também uma conexão específica com o rito da imposição do Pálio, que hoje renovamos para trinta e oito Arcebispos Metropolitanos, aos quais transmito a minha saudação muito cordial, fazendo-a extensiva com afecto a quantos quiseram acompanhá-los nesta peregrinação. A comunhão com Pedro e com os seus sucessores, de facto, é garantia de liberdade para os Pastores da Igreja e para as próprias Comunidades que lhes estão confiadas. E isto em ambos os planos ressaltados nas reflexões precedentes. No plano histórico, a união com a Sé Apostólica garante às Igrejas particulares e às Conferências Episcopais a liberdade em relação a poderes locais, nacionais ou supranacionais, que podem em certos casos obstar à missão eclesial. Além disso, e mais essencialmente, o ministério petrino é garantia de liberdade no sentido da plena adesão à verdade, à tradição autêntica, de modo que o Povo de Deus seja preservado de erros relativos à fé e à moral. Portanto, o facto de que, todos os anos, os novos Metropolitas venham a Roma para receber o Pálio das mãos do Papa deve ser entendido no seu significado próprio, como gesto de comunhão, e o tema da liberdade da Igreja oferece-nos uma chave de leitura particularmente importante. Isto torna-se evidente no caso de Igrejas marcadas por perseguições, ou submetidas a ingerências políticas ou outras duras provas. Mas isto não é menos relevante no caso de Comunidades que sofrem a influência de doutrinas ambíguas, ou de tendências ideológicas e práticas contrárias ao Evangelho. Por conseguinte, o Pálio torna-se, neste sentido, um penhor de liberdade, analogamente ao "jugo" de Jesus, que Ele convida a carregar, cada um sobre os próprios ombros (cf. Mt 11,29-30). Como o mandamento de Cristo – mesmo se exigente – é "doce e leve" e, em vez de pesar sobre quem o carrega, o eleva, assim o vínculo com a Sé Apostólica – mesmo sendo empenhativo – apoia o Pastor e a porção da Igreja confiada aos seus cuidados, tornando-os mais livres e fortes.

Gostaria de tirar uma última indicação da Palavra de Deus, sobretudo da promessa de Cristo que o poder do inferno não prevalecerá sobre a sua Igreja. Estas palavras podem ter também um valor ecuménico significativo, dado que, como há pouco mencionei, um dos efeitos típicos da acção do Maligno é precisamente a divisão no interior da Comunidade eclesial. De facto, as divisões são sintomas da força do pecado, que continua a agir nos membros da Igreja também depois da redenção. Mas a palavra de Cristo é clara: "Non praevalebunt – não prevalecerão" (Mt 16,18). A unidade da Igreja está radicada na sua união com Cristo, e a causa da plena unidade dos cristãos – que se deve sempre procurar e renovar, de geração em geração – é também apoiada pela sua oração e promessa. Na luta contra o espírito do mal, Deus doou-nos em Jesus o "Advogado" defensor e, depois da sua Páscoa, outro Paráclito" (cf. Jn 14,16), o Espírito Santo, que permanece connosco para sempre e conduz a Igreja para a plenitude da verdade (cf. Jn 14,16 Jn 16,13), que é também plenitude da caridade e da unidade. Com estes sentimentos de esperança confiante, sinto-me feliz por saudar a Delegação do Patriarcado de Constantinopla que, segundo o bom costume das visitas recíprocas, participa nas celebrações dos Santos Padroeiros de Roma. Juntos demos graças a Deus pelos progressos nas relações ecuménicas entre católicos e ortodoxos, e renovemos o compromisso de corresponder generosamente à graça de Deus, que nos conduz à plena comunhão.

Queridos amigos, saúdo cordialmente cada um de vós: Senhores Cardeais, Irmãos no Episcopado, Senhores Embaixadores e Autoridades civis, em particular o Presidente da Câmara Municipal de Roma, sacerdotes, religiosos e fiéis leigos. Agradeço-vos a vossa presença. Os Santos Apóstolos Pedro e Paulo vos obtenham que ameis cada vez mais a santa Igreja, Corpo místico de Cristo Senhor e mensageira de unidade e de paz para todos os homens. Vos obtenham também que ofereçais com alegria para a sua santidade e missão as fadigas e os sofrimentos suportados pela fidelidade ao Evangelho. A Virgem Maria, Rainha dos Apóstolos e Mãe da Igreja, vele sempre sobre vós, em particular sobre o ministério dos Arcebispos Metropolitanos. Que, com a sua ajuda celeste, possais viver e agir sempre naquela liberdade, que Cristo nos obteve. Amém.





                                                                                  Julho de 2010

Domingo, 4 de Julho de 2010, VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A SULMONA, CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA

40710

Praça Garibaldi - Sulmona



Prezados irmãos e irmãs!

Sinto-me muito feliz por estar hoje no meio de vós e por celebrar convosco e para vós esta solene Eucaristia. Saúdo o vosso Pastor, o Bispo D. Angelo Spina: agradeço-lhe as calorosas expressões de boas-vindas que me dirigiu em nome de todos, e os dons que me ofereceu e que aprecio muito na sua qualidade de "sinais" – como os definiu – da comunhão afectiva e efectiva que une o povo desta amada Terra dos Abruzos ao Sucessor de Pedro. Saúdo os Arcebispos e os Bispos presentes, os Sacerdotes, os Religiosos, as Religiosas e os representantes das Associações e dos Movimentos eclesiais. Dirijo um deferente pensamento ao Presidente da Câmara Municipal, Dr. Fábio Federico, enquanto lhe agradeço o amável discurso de saudação, ao representante do Governo e às Autoridades civis e militares. Dirijo um agradecimento especial a quantos ofereceram generosamente a sua colaboração para a realização desta minha Visita Pastoral. Amados irmãos e irmãs! Vim aqui para compartilhar convosco as alegrias e as esperanças, as dificuldades e os compromissos, os ideais e as aspirações desta Comunidade diocesana. Bem sei que também em Sulmona não faltam dificuldades, problemas e preocupações: penso, de modo particular, em quantos vivem concretamente a sua existência em condições de precariedade, por causa da falta de trabalho, da incerteza em relação ao futuro, do sofrimento físico e moral, e – como recordou o Bispo – do sentido de desorientação devido ao sismo de 6 de Abril de 2009. A todos quero garantir a minha proximidade e a minha lembrança na oração e encorajar a perseverar no testemunho dos valores humanos e cristãos, tão profundamente arraigados na fé e na história deste território e da sua população.

Estimados amigos! A minha Visita tem lugar por ocasião do ano jubilar especial, proclamado pelos Bispos dos Abruzos e de Molise, para celebrar o 800º aniversário do nascimento de São Pedro Celestino. Sobrevoando o vosso território, pude contemplar a beleza da paisagem e, sobretudo, admirar algumas localidades directamente ligadas à vida desta figura insigne: o monte Morrone, onde Pedro levou durante muito tempo uma vida eremítica; o ermo de Santo Onófrio onde, em 1294, ele recebeu a notícia da sua eleição para Sumo Pontífice, ocorrida no Conclave de Perúsia; e a abadia do Espírito Santo, cujo altar-mor foi por ele consagrado depois da sua coroação, que teve lugar na Basílica de Collemaggio em L'Aquila. Eu mesmo visitei essa Basílica, em Abril do ano passado, depois do terramoto que devastou a Região, para venerar a urna com os seus restos mortais e para deixar o pálio que recebi no dia do início do meu Pontificado.

Já passaram 800 anos desde o nascimento de São Pedro Celestino V, mas ele permanece na história devido às conhecidas vicissitudes da sua época e do seu pontificado e, principalmente, da sua santidade. Com efeito, a santidade jamais perde a sua força de atracção, não termina no esquecimento, nunca passa de moda; aliás, com o passar do tempo, resplandece com uma luminosidade cada vez maior, expressando a tensão perene do homem para Deus. Então, da vida de São Pedro Celestino gostaria de apresentar alguns ensinamentos, válidos até nos nossos dias.

Desde a sua juventude, Pedro Angelerio foi um "investigador de Deus", um homem desejoso de encontrar respostas às interrogações mais importantes da existência: quem sou, de onde venho, por que vivo, para quem vivo? Ele começa uma viagem em busca da verdade e da felicidade, põe-se à procura de Deus e, para ouvir a sua voz, decide separar-se do mundo e viver como eremita. Assim, o silêncio torna-se o elemento que caracteriza o seu viver quotidiano. E é precisamente no silêncio exterior, mas sobretudo no silêncio interior, que ele consegue ouvir a voz de Deus, capaz de orientar a sua vida. Eis um primeiro aspecto importante para nós: vivemos numa sociedade em que cada espaço, cada momento parece que deve ser "preenchido" com iniciativas, actividades e sons; muitas vezes não há tempo sequer para ouvir e para dialogar. Prezados irmãos e irmãs! Não tenhamos medo de criar o silêncio fora e dentro de nós, se quisermos ser capazes não só de ouvir a voz de Deus, mas também a voz de quem está ao nosso lado, a voz dos outros.

Mas é importante ressaltar inclusive um segundo elemento: a descoberta do Senhor, feita por Pedro Angelerio não é o resultado de um seu esforço, mas torna-se possível por meio da própria Graça de Deus, que o antecipa. Aquilo que ele possuía, aquilo que ele era não derivava de si mesmo: foi-lhe oferecido, era uma graça e por isso era também uma responsabilidade em relação a Deus e ao próximo. Não obstante a nossa vida seja muito diferente, também para nós é valida a mesma coisa: todo o essencial da nossa existência nos foi oferecido, sem a nossa contribuição. O facto de eu viver não depende de mim; o facto de que houve pessoas que me introduziram na vida, que me ensinaram o que significa amar e ser amado, que me transmitiram a fé e me abriram o olhar para Deus: tudo isto é graça e não é "feito por mim". Sozinhos, nada poderíamos fazer se não nos tivesse sido doado: Deus antecipa-nos sempre, e na vida de cada indivíduo há uma beleza e uma bondade que nós podemos reconhecer facilmente como sua graça, como raio de luz da sua bondade. Por isso, temos que estar atentos, manter sempre abertos os "olhos interiores", os olhos do nosso coração. E se nós aprendêssemos a conhecer Deus na sua bondade infinita, então seríamos capazes também de ver, com admiração, na nossa vida – como os Santos – os sinais daquele Deus, que está sempre perto de nós, que é sempre bom connosco, que nos diz: "Tem fé em mim!".

No silêncio interior, na percepção da presença do Senhor, Pedro de Morrone tinha amadurecido inclusive uma experiência viva da beleza da criação, obra das mãos de Deus: sabia captar o seu sentido profundo, respeitava os seus sinais e ritmos, e utilizava-os naquilo que é essencial para a vida. Sei que esta Igreja local, assim como as demais dos Abruzos e de Molise, estão activamente comprometidas numa campanha de sensibilização em vista da promoção do bem comum e da salvaguarda da criação: encorajo-vos neste esforço, exortando todos a sentir-se responsáveis pelo próprio futuro, assim como pelo futuro dos outros, respeitando e tutelando também a criação, fruto e sinal do Amor de Deus.

Na segunda leitura, tirada da Carta aos Gálatas, ouvimos uma linda expressão de São Paulo, que é também um retrato perfeito de São Pedro Celestino: "Quanto a mim, Deus me livre de me gloriar, a não ser na Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo" (
Ga 6,14). Verdadeiramente, a Cruz constituiu o centro da sua vida, deu-lhe a força para enfrentar as penitências ásperas e os momentos mais exigentes, desde a juventude até à última hora: ele estava sempre consciente de que a salvação provém dela. A Cruz conferiu a São Pedro Celestino também uma clara consciência do pecado, acompanhada sempre por uma consciência igualmente clara da misericórdia infinita de Deus pela sua criatura. Vendo os braços abertos do seu Deus crucificado, ele sentiu-se levado ao mar infinito do amor de Deus. Como sacerdote, fez experiência da beleza de ser administrador desta misericórdia, absolvendo os penitentes do pecado e, quando foi eleito para a Sé do Apóstolo Pedro, quis conceder uma indulgência particular, denominada "O Perdão". Desejo exortar os sacerdotes a tornar-se testemunhas claras e credíveis da boa notícia da reconciliação com Deus, ajudando o homem contemporâneo a recuperar o sentido do pecado e do perdão de Deus, para experimentar aquela alegria superabundante de que o profeta Isaías nos falou na primeira leitura (cf. Is 66,10-14).

Por fim, um último elemento: embora levasse uma vida eremítica, São Pedro Celestino não era "fechado em si mesmo", mas arrebatado pela paixão de levar a boa nova do Evangelho aos irmãos. E o segredo da sua fecundidade pastoral consistia precisamente no facto de "permanecer" com o Senhor na oração, como nos foi recordado também no trecho evangélico de hoje: o primeiro imperativo é sempre o de rezar ao Senhor da messe (cf. Lc 10,2). E é somente depois deste convite que Jesus define alguns compromissos essenciais do discípulo: o anúncio sereno, claro e corajoso da mensagem evangélica – mesmo nos momentos de perseguição – sem ceder à fascinação da moda, nem da violência ou da imposição; o desapego das preocupações pelas coisas – o dinheiro e as roupas – confiando na Providência do Pai; a atenção e o cuidado, de modo particular pelos doentes no corpo e no espírito (cf. Lc 10,5-9). Estas foram inclusive as características do breve e difícil pontificado de Celestino v, e estas constituem as características da actividade missionária da Igreja em todas as épocas.

Caros irmãos e irmãs! Encontro-me no meio de vós para vos confirmar na fé. Desejo exortar-vos, com força e com carinho, a permanecer firmes naquela fé que recebestes, que dá sentido à vida e que incute a força de amar. Que nos acompanhem ao longo deste caminho o exemplo e a intercessão da Mãe de Deus e de São Pedro Celestino. Amém!





                                                                                  Agosto de 2010

Bento XVI Homilias 11610