Bento XVI Homilias 18910

SAUDAÇÃO DO SANTO PADRE AOS JOVENS NA CATEDRAL DE WESTMINSTER


Senhor Uche
Queridos amigos jovens!

Obrigado pela vossa calorosa saudação! «O coração fala ao coração» — cor ad cor loquitur — como sabeis, escolhi estas palavras tão amadas pelo Cardeal Newman como tema da minha visita. Nestes poucos momentos em que estamos reunidos, desejo falar-vos de coração e pedir-vos que abrais o vosso àquilo que vos direi.

Peço a cada um de vós, antes de tudo, que olheis dentro do próprio coração. Pensai em todo o amor para cuja recepção o vosso coração foi criado e em todo o amor que ele é chamado a oferecer. Concluindo, fomos criados para amar. A Bíblia intui isto quando afirma que fomos criados à imagem e semelhança de Deus: fomos feitos para conhecer o Deus do amor, o Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo, e para encontrar a nossa realização plena naquele amor divino que não conhece início nem fim.

Fomos criados para receber amor e de facto temo-lo. Todos os dias deveríamos dar graças a Deus pelo amor que já recebemos, o amor que nos tornou o que somos, o amor que nos mostrou o que é verdadeiramente importante na vida. Devemos agradecer ao Senhor o amor que recebemos das nossas famílias, amigos, professores e de todas as pessoas que na vida nos ajudaram a compreender como somos preciosos, aos seus olhos e aos olhos de Deus.

Fomos criados também para doar amor, para fazer do amor a inspiração de todas as nossas actividades, a realidade mais duradoura da nossa vida. Às vezes isto parece tão natural, especialmente quando sentimos a euforia do amor, quando os nossos corações estão cheios de generosidade, idealismo, desejo de ajudar os outros, de construir um mundo melhor. Contudo, ao mesmo tempo, damo-nos conta de que amar é difícil: os nossos corações podem endurecer-se facilmente através do egoísmo, da inveja e do orgulho. A Beata Madre Teresa de Calcutá, a grande Missionária da Caridade, recordava-nos que dar amor, amor puro e generoso, é o fruto de uma decisão quotidiana. Todos os dias devemos escolher amar e isto requer uma ajuda, a ajuda que provém de Cristo, da oração, da sabedoria que se encontra na sua palavra e da graça que Ele infunde em nós por intermédio dos sacramentos da sua Igreja.

Esta é a mensagem que desejo partilhar convosco hoje. Peço-vos que olheis dentro do vosso coração todos os dias, a fim de encontrar a fonte de todo o amor autêntico. Jesus está sempre ali, esperando tranquilamente que nos possamos unir a Ele e escutar a sua voz. No profundo do vosso coração chama-vos a transcorrer algum tempo com Ele na oração. Todavia este tipo de oração, a verdadeira oração, requer disciplina: exige que encontremos um momento de silêncio todos os dias. Com frequência, significa esperar que o Senhor nos fale. Também entre as ocupações e o stress da nossa vida quotidiana temos necessidade de dar espaço ao silêncio, porque é no silêncio que encontramos Deus, e é no silêncio que descobrimos quem realmente somos. E assim, descobrimos a vocação particular que Deus nos confiou para a edificação da sua Igreja e a redenção do nosso mundo.

O coração fala ao coração. Com estas palavras pronunciadas com o meu coração, queridos jovens amigos, garanto as minhas orações por vós a fim de que as vossas vidas dêem frutos abundantes para o crescimento da civilização do amor. Peço-vos também que rezeis por mim, pelo meu ministério de sucessor de Pedro e pelas necessidades da Igreja no mundo. Sobre vós, as vossas famílias e os vossos amigos, de coração invoco as bênçãos divinas de sabedoria, alegria e paz.



DISCURSO DO SANTO PADRE AOS FIÉIS DE GALES NA CATEDRAL DE WESTMINSTER


Venerado Irmão D. Regan

Obrigado pela calorosa saudação que me dirigiu em nome dos fiéis do país de Gales. Estou feliz por ter esta oportunidade de honrar a Nação e as suas antigas tradições cristãs, benzendo um mosaico de São David, Padroeiro do povo galês, e acendendo um círio para a imagem de Nossa Senhora de Cardigan.

David foi um dos grandes santos do século vi, aquela época de ouro de santos e missionários nestas ilhas, e por isso foi um fundador da cultura cristã que se encontra nas raízes da Europa moderna. A pregação de David era simples, mas profunda. Eis as palavras que ele, moribundo, dirigiu aos monges: «Sede felizes, conservai a fé e fazei coisas simples». São as coisas simples que revelam o nosso amor por Aquele que nos amou primeiro (cf. 1Jn 4,19) e que unem as pessoas numa comunidade de fé, amor e serviço. Possa a mensagem de São David, em toda a sua simplicidade e riqueza, continuar a ressoar no país de Gales hoje, atraindo os corações do seu povo para um renovado amor a Cristo e à sua Igreja.

Na sua história secular, o povo do país de Gales distinguiu-se pela sua devoção à Mãe de Deus; isto é posto em evidência pelos numerosos lugares galeses chamados «Llanfair» — igreja de Maria. Enquanto me preparo para acender a vela sustentada por Nossa Senhora, rezo a fim de que Ela continue a interceder junto do seu Filho por todos os homens e mulheres do país de Gales. Que a luz de Cristo continue a orientar os seus passos e a plasmar a vida e a cultura da Nação.

Infelizmente, não me foi possível ir ao país de Gales durante esta minha visita. Contudo, faço votos por que esta maravilhosa imagem, que agora retorna ao Santuário Nacional de Nossa Senhora de Cardigan, constitua uma recordação permanente do profundo amor do Papa pelo povo galês e da sua proximidade constante, tanto na oração como na comunhão da Igreja.

Bendith Duw ar bobol Cymru! Deus abençoe o povo galês!




Domingo, 19 de Setembro de 2010: SANTA MISSA COM A BEATIFICAÇÃO DO VENERÁVEL CARDEAL JOHN HENRY NEWMAN

19910
Cofton Park de Rednal - Birmingham




Queridos irmãos e irmãs em Cristo!

O dia de hoje que nos reuniu aqui em Birmingham é de grande auspício. Em primeiro lugar, é o dia do Senhor, domingo, o dia em que Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitou dos mortos e mudou para sempre o curso da história humana, oferecendo vida e esperança novas a quantos viviam nas trevas e na penumbra da morte. Esta é a razão pela qual os cristãos em todo o mundo se reúnem neste dia para louvar e agradecer a Deus as grandes maravilhas por Ele realizadas para nós. Além disso, este domingo particular marca um momento significativo na vida da nação britânica, porque é o dia escolhido para comemorar o 70º aniversário da «Battle of Britain». Para mim, que vivi e sofri durante os dias tenebrosos do regime nazista na Alemanha, é profundamente comovedor estar aqui convosco nesta ocasião, e recordar todos os vossos concidadãos que sacrificaram a própria vida, resistindo corajosamente às forças daquela ideologia maligna. O meu pensamento dirige-se em particular para a vizinha Coventry, que sofreu um intenso bombardeamento e uma grave perda de vidas humanas em Novembro de 1940. Setenta anos mais tarde, recordamos com vergonha e horror a assustadora quantidade de mortes e destruições que a guerra traz consigo quando começa, e renovamos o nosso propósito de agir pela paz e pela reconciliação em qualquer lugar que se apresente a ameaça de conflitos. Mas há outra razão, mais jubilosa, pela qual este é um dia feliz para a Grã-Bretanha, para as Midlands e para Birmingham. É o dia que vê o Cardeal John Henry Newman formalmente elevado às honras dos altares e declarado Beato.

Agradeço ao Arcebispo Bernard Longley as gentis boas-vindas que me dirigiu esta manhã, no início da Missa. Presto homenagem a quantos trabalharam tão intensamente por muitos anos a fim de promover a causa do Cardeal Newman, inclusive os Padres do Oratório de Birmingham e os membros da Família espiritual Das Werk. E saúdo quantos vieram aqui de toda a Grã-Bretanha, da Irlanda e de outras partes; agradeço-vos a vossa presença nesta celebração, durante a qual prestamos louvor e glória a Deus pelas virtudes heróicas deste santo homem inglês.

A Inglaterra tem uma grande tradição de Santos mártires, cujo testemunho corajoso apoiou e inspirou a comunidade católica local durante séculos. E contudo é justo e conveniente que reconheçamos hoje a santidade de um confessor, um filho desta Nação que, apesar de não ter sido chamado a derramar o próprio sangue pelo Senhor, contudo deu dele um testemunho eloquente durante uma vida longa dedicada ao ministério sacerdotal, especialmente à pregação, ao ensinamento e aos escritos. É digno de tomar o seu lugar numa longa esteira de Santos e Mestres destas ilhas, São Beda, Santa Hilda, Santo Aelredo, o Beato Duns Escoto, citando apenas alguns. No Beato John Henry aquela gentil tradição de ensinamento, de profunda sabedoria humana e de intenso amor ao Senhor deu frutos ricos como sinal da presença contínua do Espírito Santo no profundo do coração do Povo de Deus, fazendo sobressair abundantes dons de santidade.

O mote do Cardeal Newman, Cor ad cor loquitur, «o coração fala ao coração», permite-nos penetrar na sua compreensão da vida cristã como chamada à santidade, experimentada como o intenso desejo do coração humano de entrar em íntima comunhão com o Coração de Deus. Ele recorda-nos que a fidelidade à oração nos transforma gradualmente na imagem divina. Como escreveu num dos seus lindos sermões: «O hábito da oração, que é a prática de se dirigir a Deus e ao mundo invisível em cada época, em todos os lugares, em qualquer emergência, a oração, digo, possui aquilo que pode ser chamado um efeito natural no espiritualizar e elevar a alma. Um homem já não é o que era antes; gradualmente... interiorizou um novo sistema de ideias e tornou-se impregnado de princípios límpidos» (Parochial and plain sermons, IV, 230-231). O Evangelho de hoje diz-nos que ninguém pode ser servo de dois senhores (cf.
Lc 16,13), e o ensinamento do Beato John Henry sobre a oração explica como o fiel cristão se colocou de modo definitivo ao serviço do único verdadeiro Mestre, e só Ele tem o direito à nossa devoção incondicionada (cf. Mt 23,10). Newman ajuda-nos a compreender o que isto significa na nossa vida quotidiana: diz-nos que o nosso Mestre divino atribuiu uma tarefa específica a cada um de nós, um «serviço bem definido», confiado unicamente a cada indivíduo: «Eu tenho a minha missão — escrevia — sou um elo numa corrente, um vínculo de ligação entre as pessoas. Ele não me criou para nada. Praticarei o bem, realizarei a sua obra; serei um anjo de paz, um pregador de verdade precisamente no meu lugar... se o fizer obedecerei aos seus mandamentos e servi-lo-ei na minha vocação» (Meditations and devotions, 301-2).

O serviço específico ao qual o Beato John Henry Newman foi chamado exigiu a aplicação da sua inteligência subtil e da sua obra fecunda a favor de muitos dos mais urgentes «problemas do dia». As suas intuições sobre a relação entre fé e razão, sobre o espaço vital da religião revelada na sociedade civilizada, e sobre a necessidade de uma abordagem da educação vastamente fundada e a amplo raio, não foram apenas de profunda importância para a Inglaterra vitoriana, mas continuam ainda hoje a inspirar e a iluminar muitos em todo o mundo. Desejo prestar homenagem à sua visão sobre a educação, que tanto fez para plasmar o «ethos», a força que está na base das escolas e dos institutos universitários católicos de hoje. Firmemente contrário a qualquer abordagem redutiva ou utilitarista, ele procurou alcançar um ambiente educativo no qual a formação intelectual, a disciplina moral e o empenho religioso produzissem juntos. O projecto de fundar uma universidade católica na Irlanda proporcionou-lhe a ocasião de desenvolver as suas ideias sobre este argumento e a colectânea de discursos por ele publicados como The Idea of a University contém um ideal do qual podem aprender todos os que estão comprometidos na formação académica. E na realidade, qual meta melhor poderiam propor-se os professores de religião, do que aquele famoso apelo do Beato John Henry para um laicado inteligente e bem instruído: «Quero um laicado não arrogante nem polémico, mas homens que conheçam a própria religião, que entrem nela, que saibam bem onde se erigem, que saibam o que crêem e não crêem, que conheçam de tal modo o próprio credo que dele prestem contas, que conheçam bem a própria história para a poder defender» (The Present Position of Catholics in England, IX, 390). Hoje, quando o autor destas palavras é elevado aos altares, rezo a fim de que, mediante a sua intercessão e o seu exemplo, quantos estão comprometidos na tarefa do ensino e da catequese sejam inspirados pela sua visão a um esforço maior, que está diante de nós de modo tão claro.

Enquanto o testamento intelectual de John Newman foi o que compreensivelmente recebeu maiores atenções na vasta publicidade sobre a sua vida e obra, prefiro nesta ocasião concluir com uma breve reflexão sobre a sua vida de sacerdote e de pastor de almas. O vigor e a humanidade que estão na base do seu apreço pelo ministério pastoral são magnificamente expressos por outro dos seus famosos discursos: «Se os anjos tivessem sido os vossos sacerdotes, queridos irmãos, não teriam podido participar nos vossos sofrimentos, nem ser indulgentes, nem ter compaixão por vós, nem sentir ternura em relação a vós, nem encontrar motivos para vos justificar, como nós podemos; não teriam podido ser modelos nem guias para vós, nem teriam-vos conduzido do vosso homem velho para uma vida nova, como o podem fazer todos os que provêm do vosso mesmo ambiente» («Men, not Angels: the Priests of the Gospel», Discourses to mixed congregations, 3). Ele viveu aquela visão profundamente humana do ministério sacerdotal na devota solicitude pela população de Birmingham durante os anos dedicados ao Oratório por ele fundado, visitando os doentes e os pobres, confortando os esquecidos, ocupando-se de quantos estavam na prisão. Não admira que quando ele morreu milhares de pessoas se puseram em fila pelas ruas do lugar enquanto o seu corpo era levado à sepultura a meia légua daqui. Cento e vinte anos depois, grandes multidões se reuniram de novo aqui para se alegrar pelo solene reconhecimento da Igreja pela excepcional santidade deste amadíssimo pai de almas. Não há modo melhor para expressar a alegria deste momento do que dirigir-nos ao nosso Pai celeste numa acção de graças cordial, rezando com as palavras colocadas pelo Beato John Henry Newman nos lábios dos coros dos anjos no céu:

Louvor Àquele
que é Santíssimo no alto dos céus
E louvor nas profundezas;
Belíssimo
em todas as suas palavras,
mas muito mais
em todos os seus caminhos!

(The dream of Gerontius).





                                                                          Outubro de 2010


Domingo, 3 de Outubro de 2010: VISITA PASTORAL A PALERMO, SANTA MISSA

31010
Foro Itálico Humberto I de Palermo





Prezados irmãos e irmãs!

É grande a minha alegria, por poder repartir convosco o pão da Palavra de Deus e da Eucaristia. Saúdo todos vós com carinho e agradeço-vos o vosso caloroso acolhimento! Saúdo de modo particular o vosso Pastor, o Arcebispo Paolo Romeo; agradeço-lhe as expressões de boas-vindas que quis dirigir-me em nome de todos, e também o significativo dom que me ofereceu. Saúdo também os Arcebispos e Bispos aqui presentes, os Sacerdotes, os Religiosos, as Religiosas e os Representantes das Associações e dos Movimentos eclesiais. Dirijo um pensamento deferente ao Presidente da Câmara Municipal, Dep. Diego Cammarata, grato pelo amável discurso de saudação, ao Representante do Governo e às Autoridades civis e militares que, com a sua presença, quiseram honrar este nosso encontro. Depois, dirijo um agradecimento especial a quantos ofereceram generosamente a sua colaboração para a organização e a preparação deste dia.

Queridos amigos! A minha Visita realiza-se por ocasião de um importante encontro elcesial regional dos jovens e das famílias, que encontrarei na parte da tarde. Contudo, vim também para partilhar convosco as alegrias e as esperanças, as dificuldades e os compromissos, os ideais e as aspirações desta comunidade diocesana. Quando os antigos gregos chegaram a esta região, como foi recordado também pelo Presidente da Câmara Municipal na sua saudação, chamaram-lhe «Panormo», ou seja, «porto fluvial»: um nome que desejava indicar segurança, paz e serenidade. Dado que venho visitar-vos pela primeira vez, os meus bons votos são a fim de que esta cidade verdadeiramente, inspirando-se nos valores mais autênticos da sua história e da sua tradição, saiba realizar sempre para os seus habitantes, assim como para toda a Nação, os desejos de serenidade e de paz resumidos no seu nome.

Sei que em Palermo, como também em toda a Sicília, não faltam dificuldades, problemas e preocupações: penso, de modo particular, em quantos vivem concretamente a sua existência em condições de precariedade, por causa da falta de trabalho, da incerteza em relação ao futuro, do sofrimento físico e moral e, como recordou o Arcebispo, por causa da criminalidade organizada. Hoje encontro-me no meio de vós para dar testemunho da minha proximidade e da minha lembrança na oração. Estou aqui para vos transmitir um vigoroso encorajamento, a fim de que não tenhais medo de testemunhar com clareza os valores humanos e cristãos, tão profundamente arraigados na fé e na história deste território e da sua população.

Estimados irmãos e irmãs, cada assembleia litúrgica constitui um espaço da presença de Deus. Congregados para a Sagrada Eucaristia, os discípulos do Senhor estão imersos no sacrifício redentor de Cristo, proclamam que Ele ressuscitou, está vivo e é doador de vida, enquanto testemunham que a sua presença é graça, força e alegria. Abramos o coração à sua palavra e acolhamos o dom da sua presença! Todos os textos da liturgia deste domingo nos falam da fé, que é o fundamento de toda a vida cristã. Jesus educou os seus discípulos para crescer na fé, acreditar e confiar cada vez mais nele, a fim de edificar a própria vida sobre a rocha. Por isso, pedem-lhe: «Aumenta a nossa fé» (
Lc 17,6). É um bonito pedido que eles dirigem ao Senhor, é o pedido fundamental: os discípulos não pedem dons materiais, nem privilégios, mas sim a graça da fé, que oriente e ilumine toda a vida; pedem a graça de reconhecer Deus e de poder estar em íntima relação com Ele, recebendo dele todos os seus dons, inclusive os da coragem, do amor e da esperança.

Sem responder directamente à sua oração, Jesus recorre a uma imagem paradoxal para expressar a incrível vitalidade da fé. Do mesmo modo como uma alavanca move muito mais do que o seu próprio peso, assim também a fé, mesmo que seja em pequena medida, é capaz de realizar coisas impensáveis, extraordinárias, como erradicar uma árvore frondosa e transplantá-la no mar (cf. ibidem Lc 17,6). A fé — confiar em Cristo, recebê-lo, deixar que Ele nos transforme e segui-lo até ao fundo — torna possível aquilo que humanamente é impossível, em todas as realidades. Dá testemunho disto também o profeta Habacuc, na primeira leitura. Ele implora ao Senhor, a partir de uma tremenda situação de violência, iniquidade e opressão; e precisamente nesta situação difícil e de insegurança, o profeta introduz uma visão que oferece um perfil do desígnio que Deus está a definir e a pôr em prática na história: «Eis que sucumbe aquele que não tem a alma recta, mas o justo viverá pela sua fidelidade» (Ha 2,4). O ímpio, aquele que não age segundo Deus, confia no próprio poder, apoiando-se porém sobre uma realidade frágil e inconsistente, e por isso irá sucumbir, está destinado a cair; quanto ao justo, ao contrário, confia numa realidade escondida mas sólida, confia em Deus e por isso há-de viver.

Nos séculos passados, a Igreja que está em Palermo foi enriquecida e animada por uma fé fervorosa, que encontrou a sua expressão mais elevada e bem sucedida nos Santos e Santas. Penso em Santa Rosalia, que vós venerais e honrais e que, do monte Pellegrino, vela sobre a vossa Cidade, da qual é Padroeira. E penso noutras duas grandes Santas da Sicília: Águeda e Lúcia. Também não se deve esquecer como o vosso sentido religioso sempre inspirou e orientou a vida familiar, alimentando valores como a capacidade de doação e de solidariedade ao próximo, especialmente àqueles que sofrem, e o respeito inato pela vida, que constituem uma herança preciosa a conservar ciosamente e a relançar ainda mais nos nossos dias. Caros amigos, conservai este tesouro de fé da vossa Igreja; sempre vos orientem nas vossas escolhas e nas vossas obras os valores cristãos!

A segunda parte do Evangelho de hoje apresenta mais um ensinamento, um ensinamento de humildade, que todavia está intimamente ligado à fé. Jesus convida-nos a ser humildes e cita o exemplo de um servo que trabalha no campo. Quando volta para casa, o patrão pede-lhe que continue a trabalhar. Segundo a mentalidade da época de Jesus, o patrão tinha todo o direito de o fazer. O servo devia ao senhor uma disponibilidade completa; e o senhor não se sentia devedor a ele, por ter executado as ordens recebidas. Jesus faz-nos adquirir consciência de que, diante de Deus, estamos numa situação semelhante: somos servos de Deus; não somos credores no que se lhe refere, mas somos sempre devedores, uma vez que devemos tudo a Ele, porque tudo é seu dom. Aceitar e cumprir a sua vontade é a atitude que devemos ter todos os dias, em cada momento da nossa vida. Diante de Deus, nunca devemos apresentar-nos como alguém que julga ter prestado um serviço e portanto merece uma grande recompensa. Trata-se de uma ilusão que todos podem ter, até mesmo as pessoas que trabalham ao serviço do Senhor, na Igreja. Ao contrário, devemos estar conscientes de que, na realidade, jamais fazemos bastante por Deus. Como Jesus nos sugere, temos que dizer: «Somos servos inúteis. Fizemos quanto devíamos fazer» (Lc 17,10). É uma atitude de humildade que nos coloca verdadeiramente no lugar que nos é próprio e permite ao Senhor ser muito generoso connosco. Com efeito, num outro trecho do Evangelho, Ele promete-nos que «se cingirá, mandará que nos ponhamos à mesa e então passará a servir-nos» (cf. Lc 12,37). Prezados amigos, se cumprirmos a vontade de Deus todos os dias com humildade, sem nada pretender dele, é o próprio Jesus que nos servirá, nos ajudará e encorajará, dando-nos força e tranquilidade.

Também o Apóstolo Paulo, na segunda leitura hodierna, fala da fé. Timóteo é convidado a ter fé e, por meio dela, a exercer a caridade. O discípulo é exortado a reavivar na fé inclusive o dom de Deus que nele se encontra pela imposição das mãos de Paulo, ou seja, a dádiva da Ordenação, recebida para desempenhar o ministério apostólico como colaborador de Paulo (cf. 2Tm 1,6). Ele não pode deixar extinguir este dom, mas deve torná-lo cada vez mais vivo através da fé. E o Apóstolo acrescenta: «Pois Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de sabedoria» (v. 2Tm 1,7).

Caros palermitanos e queridos sicilianos! A vossa bonita Ilha foi uma das primeiras regiões da Itália que recebeu a fé dos Apóstolos, acolheu o anúncio da Palavra de Deus, aderiu à fé de maneira tão generosa que, mesmo no meio de dificuldades e perseguições, nela sempre germinou a flor da santidade. A Sicília foi e é terra de santos, pertencentes a todas as condições de vida, que viveram o Evangelho com simplicidade e integridade. Fiéis leigos, repito-vos: não tenhais medo de viver e testemunhar a fé nos vários âmbitos da sociedade, nas múltiplas situações da existência humana, principalmente nas mais difíceis! A fé incute-vos a fortaleza de Deus para ser sempre confiantes e corajosos, para progredir com renovada decisão e tomar iniciativas necessárias para dar um rosto cada vez mais bonito à vossa terra. E quando encontrais a oposição do mundo, ouvi as palavras do Apóstolo: «Portanto, não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor» (v. 2Tm 1,8). É necessário envergonhar-se do mal, daquilo que ofende a Deus e daquilo que ofende o homem; é preciso envergonhar-se do mal que se causa à comunidade civil e religiosa com acções que se procuram esconder! A tentação do desânimo e da resignação atinge quem é fraco na fé, quem confunde o mal com o bem, quem pensa que diante do mal, com frequência profundo, nada se possa fazer. No entanto, quem está solidamente fundamentado na fé, quem tem plena confiança em Deus e vive na Igreja, é capaz de anunciar a força prorrompente do Evangelho. Foi assim que se comportaram os Santos e as Santas, florescidos ao longo dos séculos em Palermo e em toda a Sicília, como também leigos e sacerdotes de hoje, que vós conheceis muito bem, como por exemplo o Padre Pino Puglisi. Que eles vos conservem sempre unidos e alimentem em cada um o desejo de proclamar, com as palavras e as obras, a presença e o amor de Cristo. Povo da Sicília, olha com esperança para o teu futuro! Faz sobressair em toda a sua luz o bem que queres, que procuras e que tens! Vive com coragem os valores do Evangelho para fazer resplandecer a luz do bem! Com a força de Deus, tudo é possível! A Mãe de Cristo, a Virgem Odigitria que vós tanto venerais, vos assista e vos conduza ao profundo conhecimento do seu Filho!





Domingo, 10 de Outubro de 2010: CAPELA PAPAL PARA A ABERTURA DA ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA O MÉDIO ORIENTE DO SÍNODO DOS BISPOS

10100
Basílica Vaticana




Venerados Irmãos
Ilustres Senhores e Senhoras
Prezados irmãos e irmãs

A Celebração eucarística, acção de graças a Deus por excelência, é caracterizada hoje para nós, congregados junto do Sepulcro de São Pedro, por um motivo extraordinário: a graça de ver reunidos pela primeira vez numa Assembleia sinodal, ao redor do Bispo de Roma e Pastor universal, os Bispos da Região médio-oriental. Este acontecimento singular demonstra o interesse de toda a Igreja pela preciosa e amada porção do Povo de Deus que vive na Terra Santa e em todo o Médio Oriente.

Em primeiro lugar, elevemos a nossa acção de graças ao Senhor da história, porque permitiu que, não obstante as vicissitudes com frequência difíceis e atormentadas, o Médio Oriente visse sempre, desde a época de Jesus até hoje, a continuidade da presença dos cristãos. Naquelas terras, a única Igreja de Cristo exprime-se na variedade de Tradições litúrgicas, espirituais, culturais e disciplinares das seis venerandas Igrejas católicas orientais sui iuris, como também na Tradição latina. A saudação fraterna que dirijo com grande afecto aos Patriarcas de cada uma delas deseja neste momento abranger todos os fiéis confiados aos seus cuidados pastorais nos respectivos países e também na diáspora.

Neste 28º Domingo do tempo per annum, a Palavra de Deus oferece um tema de meditação que se aproxima de modo significativo da celebração sinodal que hoje inauguramos. A leitura contínua do Evangelho de Lucas leva-nos ao episódio da cura dos dez leprosos, dos quais só um samaritano volta atrás para agradecer a Jesus. Em ligação a este texto, a primeira leitura tirada do segundo Livro dos Reis, narra o episódio da cura de Naamã, chefe do exército arameu, também ele leproso, que é curado mergulhando sete vezes nas águas do rio Jordão, segundo a ordem do profeta Eliseu. Também Naamã volta a procurar o profeta e, reconhecendo nele o mediador de Deus, professa a fé do único Senhor. Portanto, dois doentes de lepra, dois não-judeus, que são curados porque acreditam na palavra do enviado de Deus. Eles são curados no corpo, mas abrem-se à fé, que os cura na alma, ou seja, que os salva.

O Salmo responsorial entoa esta realidade: «O Senhor fez conhecer a sua salvação. / Manifestou a sua justiça à face dos povos. / Lembrou-se da sua bondade / e da sua fidelidade em favor da casa de Israel» (
Ps 98,2-3). Eis, então, o tema: a salvação é universal, mas passa através de uma mediação determinada, histórica: a mediação do povo de Israel, que depois se torna a de Jesus Cristo e da Igreja. A porta da vida está aberta para todos, mas é precisamente uma «porta», ou seja uma passagem definida e necessária. Afirma-o, de maneira resumida, a fórmula paulina que ouvimos na segunda Carta a Timóteo: «A salvação em Jesus Cristo» (2Tm 2,10). Trata-se do mistério da universalidade da salvação e, ao mesmo tempo, do seu vínculo necessário com a mediação histórica de Jesus Cristo, precedida por aquela do povo de Israel e prolongada por aquela da Igreja. Deus é amor e quer que todos os homens participem na sua vida; para realizar este desígnio, Ele, que é Uno e Trino, cria no mundo um mistério de comunhão humano e divino, histórico e transcendente: cria-o com o «método» — por assim dizer — da aliança, unindo-se com amor fiel e inesgotável aos homens, formando-se um povo santo, que se torna uma bênção para todas as famílias da terra (cf. Gn 12,3). Ele revela-se assim como o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob (cf. Ex 3,6), que quer conduzir o seu povo para a «terra» da liberdade e da paz. Tal «terra» não é deste mundo; todo o desígnio divino excede a história, mas o Senhor deseja edificá-lo juntamente com os homens, para os homens e nos homens, a partir das coordenadas do espaço e do tempo em que eles vivem e que Ele mesmo definiu.

De tais coordenadas faz parte, com uma sua especificidade, aquilo que nós definimos como o «Médio Oriente». Também esta região do mundo é vista por Deus a partir de uma perspectiva diferente, dir-se-ia, a partir «do alto»: é a terra de Abraão, de Isaac e de Jacob; a terra do êxodo e de regresso do exílio; a terra do templo e dos profetas; a terra em que o Filho Unigénito nasceu de Maria, onde Ele viveu, morreu e ressuscitou; o berço da Igreja, constituída para levar o Evangelho de Cristo até aos confins do mundo. E também nós, como crentes, nos voltamos para o Médio Oriente com este olhar, na perspectiva da história da salvação. Foi a perspectiva interior que me orientou nas viagens apostólicas à Turquia, à Terra Santa — Jordânia, Israel e Palestina — e a Chipre, onde pude conhecer de perto as alegrias e as preocupações das comunidades cristãs. Foi também por este motivo que aceitei de bom grado a proposta dos Patriarcas e Bispos, de convocar uma Assembleia sinodal para ponderar em conjunto, à luz da Sagrada Escritura e da Tradição da Igreja, sobre o presente e o futuro dos fiéis e das populações do Médio Oriente.

Olhar para aquela região do mundo na perspectiva de Deus significa reconhecer nela o «berço» de um desígnio universal de salvação no amor, um mistério de comunhão que se realiza na liberdade e, por isso, exige uma resposta da parte dos homens. Abraão, os profetas e a Virgem Maria são os protagonistas desta resposta que, no entanto, tem o seu cumprimento em Jesus Cristo, filho daquela mesma terra, mas que desceu do Céu. Dele, do seu Coração e do seu Espírito nasceu a Igreja, que peregrina neste mundo mas que lhe pertence. A Igreja é constituída para ser, no meio dos homens, sinal e instrumento do único e universal desígnio salvífico de Deus; ela cumpre esta missão sendo ela mesma, isto é, «comunhão e testemunho», como recita o tema da Assembleia sinodal que hoje é inaugurada, e que faz referência à célebre definição lucana da primeira comunidade cristã: «A multidão dos fiéis tinha um só coração e uma só alma» (Ac 4,32). Sem a comunhão não pode haver testemunho: o grande testemunho é precisamente a vida de comunhão. Jesus afirmou-o claramente: «Disto todos saberão que vós sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jn 13,35). Esta comunhão é a própria vida de Deus que se comunica no Espírito Santo, mediante Jesus Cristo. Por conseguinte, é um dom, não algo que devemos construir antes de tudo nós mesmos com as nossas próprias forças. E é precisamente por isso que interpela a nossa liberdade e espera a nossa resposta: a comunhão exige sempre a nossa conversão, como dádiva que deve ser cada vez mais recebida e realizada. Em Jerusalém, os primeiros cristãos eram poucos. Ninguém poderia imaginar aquilo que sucessivamente aconteceu. E a Igreja vive sempre daquela mesma força que a levou a iniciar e a crescer. O Pentecostes é o acontecimento originário, mas constitui também um dinamismo permanente, e o Sínodo dos Bispos é um momento privilegiado em que a graça do Pentecostes se pode renovar no caminho da Igreja, a fim de que a Boa Nova seja anunciada com franqueza e possa ser acolhida por todos os povos.

Portanto, a finalidade desta Assembleia sinodal é predominantemente pastoral. Embora não se possa ignorar a delicada e por vezes dramática situação social e política em determinados países, os Pastores das Igrejas no Médio Oriente desejam concentrar-se nos aspectos próprios da sua missão. A este propósito o Instrumentum laboris, elaborado por um Conselho pré-sinodal, a cujos Membros agradeço sinceramente o trabalho levado a cabo, sublinhou esta finalidade eclesial da Assembleia, relevando que, sob a guia do Espírito Santo, ela tenciona reavivar a comunhão da Igreja católica no Médio Oriente. Antes de tudo no interior de cada Igreja, entre todos os seus membros: Patriarcas, Bispos, sacerdotes, religiosos, pessoas de vida consagrada e leigos. E, por conseguinte, nas relações com as demais Igrejas. A vida eclesial, assim corroborada, verá desenvolver-se frutos muito positivos no caminho ecuménico com as outras Igrejas e Comunidades eclesiais presentes no Médio Oriente. Além disso, esta ocasião é propícia para dar construtivamente continuidade ao diálogo com os judeus, aos quais estamos ligados de modo indissolúvel através da longa história da Aliança, assim como com os muçulmanos.

Os trabalhos da Assembleia sinodal estão, outrossim, orientados para o testemunho dos cristãos nos planos pessoal, familiar e social. Isto requer que se fortaleça a sua identidade cristã mediante a Palavra de Deus e os Sacramentos. Todos nós formulamos votos a fim de que os fiéis sintam a alegria de viver na Terra Santa, solo abençoado pela presença e pelo glorioso mistério pascal do Senhor Jesus Cristo. Ao longo dos séculos, aqueles Lugares atraíram multidões de peregrinos e também comunidades religiosas masculinas e femininas, que consideraram um grande privilégio poder viver e dar testemunho na Terra de Jesus. Não obstante as dificuldades, os cristãos da Terra Santa são chamados a reavivar a consciência de ser pedras vivas da Igreja no Médio Oriente, nos Lugares santos da nossa salvação. Mas viver dignamente na própria pátria é, antes de tudo, um direito humano fundamental: por isso, é necessário favorecer condições de paz e de justiça, indispensáveis para um desenvolvimento harmonioso de todos os habitantes da região. Portanto, todos são chamados a oferecer a própria contribuição: a comunidade internacional, incentivando um caminho confiável, leal e construtivo para a paz; as religiões mormente presentes na Região, promovendo os valores espirituais e culturais que unem os homens e excluem qualquer expressão de violência. Os cristãos continuarão a oferecer a sua contribuição não apenas com as obras de promoção social, como os institutos de educação e de assistência à saúde, mas sobretudo com o espírito das Bem-Aventuranças evangélicas, que anima a prática do perdão e da reconciliação. Neste compromisso, eles poderão contar sempre com o apoio de toda a Igreja, como testemunha solenemente a presença aqui dos Delegados dos Episcopados de outros continentes.

Estimados amigos, confiemos os trabalhos da Assembleia sinodal para o Médio Oriente aos numerosos Santos e Santas daquela Terra abençoada; invoquemos sobre ela a salvaguarda constante da Bem-Aventurada Virgem Maria, a fim de que os próximos dias de oração, de reflexão e de comunhão fraterna sejam portadores de bons frutos para o presente e o futuro das amadas populações médio-orientais. Dirijamos-lhes de todo o coração esta saudação de bons votos: «A paz esteja contigo! Paz à tua casa e paz a todos os teus bens!» (1S 25,6).





Bento XVI Homilias 18910