Bento XVI Homilias 24110


Sábado 27 de Novembro de 2010: CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS NO INÍCIO DO TEMPO DO ADVENTO

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Basílica Vaticana





Prezados irmãos e irmãs!

Com esta celebração vespertina, o Senhor concede-nos a graça e a alegria de inaugurar o novo Ano litúrgico, a começar pela sua primeira etapa: o Advento, o período que faz memória da vinda de Deus no meio de nós. Cada início traz consigo uma graça particular, porque é abençoado pelo Senhor. Neste Advento, mais uma vez, poderemos fazer a experiência da proximidade daquele que criou o mundo, que orienta a história e que cuidou de nós, chegando até ao ápice da sua condescendência, fazendo-se homem. É precisamente o mistério grandioso e fascinante do Deus-connosco, aliás do Deus que se faz um de nós, que celebraremos nas próximas semanas, caminhando rumo ao Santo Natal. Durante o tempo de Advento, sentiremos a Igreja que nos toma pela mão e, à imagem de Maria Santíssima, exprime a sua maternidade levando-nos a experimentar a expectativa jubilosa da vinda do Senhor, que a todos nos abraça no seu amor que salva e consola.

Enquanto os nossos corações se preparam para a celebração anual do nascimento de Cristo, a liturgia da Igreja orienta o nosso olhar para a meta definitiva: o encontro com o Senhor que há-de vir no esplendor da glória. Por isso nós que, em cada Eucaristia, «anunciamos a sua morte, proclamamos a sua ressurreição e aguardamos a sua vinda» vigiamos em oração. A liturgia não se cansa de nos encorajar e animar, pondo nos nossos lábios, nos dias de Advento, o clamor com o qual se encerra toda a Sagrada Escritura, na última página do Apocalipse de São João: «Vinde, Senhor Jesus!» (
Ap 22,20).

Estimados irmãos e irmãs, a nossa reunião desta tarde, para dar início ao caminho de Advento, enriquece-se com outro motivo importante: juntamente com toda a Igreja, queremos celebrar solenemente uma vigília de oração pela vida nascente. Desejo manifestar o meu agradecimento a todos aqueles que aderiram a este convite, bem como a quantos se dedicam de modo específico ao acolhimento e à conservação da vida humana nas diversificadas situações de fragilidade, de modo particular no seu início e nos seus primeiros passos. É precisamente o começo do Ano litúrgico que nos faz viver novamente a expectativa de Deus que se faz carne no seio da Virgem Maria, de Deus que se faz pequenino, que se torna menino; fala-nos da vinda de um Deus próximo, que quis voltar a percorrer a vida do homem desde os primórdios, e isto para a salvar totalmente, em plenitude. E assim, o mistério da Encarnação do Senhor e o início da vida humana estão íntima e harmoniosamente ligados entre si, no único desígnio salvífico de Deus, Senhor da vida de todos e de cada um. A Encarnação revela-nos com uma luz intensa, e de modo surpreendente, que cada vida humana tem uma dignidade altíssima, incomparável.

O homem apresenta uma originalidade inconfundível em relação a todos os outros seres vivos que povoam a terra. Apresenta-se como sujeito único e singular, dotado de inteligência e de vontade livre, mas também composto de uma realidade material. Vive, simultânea e inseparavelmente, na dimensão espiritual e na dimensão corporal. Sugere-o também o texto da primeira Carta aos Tessalonicenses, que foi proclamado: «O Deus da paz — escreve São Paulo — vos conceda a santidade perfeita. Que todo o vosso ser, espírito, alma e corpo, seja conservado irrepreensível para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo!» (1Th 5,23). Portanto somos espírito, alma e corpo. Fazemos parte deste mundo, estamos ligados às possibilidades e aos limites da condição material; ao mesmo tempo, estamos abertos a um horizonte infinito, capazes de dialogar com Deus e de O receber em nós. Trabalhamos nas realidades terrenas e, através delas, podemos sentir a presença de Deus e tender para Ele, que é verdade, bondade e beleza absoluta. Saboreamos fragmentos de vida e de felicidade, enquanto aspiramos à plenitude total.

Deus ama-nos de modo profundo, total, sem distinções; chama-nos à amizade com Ele; torna-nos partícipes de uma realidade que está acima de toda a imaginação e de qualquer pensamento e palavra: a sua própria vida divina. Com emoção e gratidão, tomamos consciência do valor, da dignidade incomparável de cada pessoa humana e da grande responsabilidade que temos para com todos. «Cristo, novo Adão — afirma o Concílio Vaticano II — na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime... pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem» (Constituição Gaudium et spes GS 22).

Acreditar em Jesus Cristo exige também um novo olhar sobre o homem, um olhar de confiança, de esperança. De resto, a própria experiência e a recta razão dão testemunho de que o ser humano é um sujeito capaz de entender e querer, autoconsciente e livre, irrepetível e insubstituível, ápice de todas as realidades terrenas, que deve ser reconhecido como valor em si mesmo e merece o acolhimento com respeito e amor. Ele tem o direito de não ser tratado como um objecto a possuir, ou como algo que se pode manipular a bel-prazer, o direito de não ser reduzido a puro instrumento, em vantagem de outrem e dos seus interesses. A pessoa é um bem em si mesma, e é necessário buscar sempre o seu desenvolvimento integral.

Além disso, se for sincero, o amor por todos tende espontaneamente a tornar-se preferencial pelos mais débeis e pobres. É nesta linha que se insere a solicitude da Igreja pela vida nascente, a mais frágil, a mais ameaçada pelo egoísmo dos adultos e pelo obscurecimento das consciências. A Igreja reitera continuamente aquilo que já o Concílio Vaticano II declarava contra o aborto e contra toda a violação da vida nascente: «A vida deve, pois, ser salvaguardada com extrema solicitude desde o primeiro momento da sua concepção» (Ibid., n. GS 51).

Existem tendências culturais que procuram entorpecer as consciências com motivações oportunistas. No que se refere ao embrião no ventre materno, é a própria ciência que põe em evidência a autonomia do mesmo, capaz de interagir com a mãe, a coordenação dos seus processos biológicos, a continuidade do seu desenvolvimento e a crescente complexidade do seu organismo. Não se trata de um acervo de material biológico, mas sim de um novo ser vivo, dinâmico e maravilhosamente ordenado, um novo indivíduo da espécie humana. Assim foi Jesus no seio de Maria; assim é para cada um de nós, no ventre da própria mãe. Com o antigo autor cristão Tertuliano, podemos afirmar: «Já é um homem, aquele que o será» (Apologético, IX, 8); não há qualquer razão para não o considerar pessoa, desde a sua concepção.

Infelizmente, mesmo depois do nascimento, a vida das crianças continua a estar exposta ao abandono, à fome, à miséria, à enfermidade, aos abusos, à violência e à exploração. As múltiplas violações dos seus direitos, que se verificam no mundo, ferem dolorosamente a consciência de cada homem de boa vontade. Diante do triste panorama das injustiças cometidas contra a vida do homem, antes e depois do seu nascimento, faço meu o apaixonado apelo do Papa João Paulo II à responsabilidade de todos e de cada um: «Respeita, defende, ama e serve a vida, cada vida humana! Unicamente por esta estrada encontrarás justiça, progresso, verdadeira liberdade, paz e felicidade!» (Encíclica Evangelium vitae EV 5). Exorto os protagonistas da política, da economia e das comunicações sociais, a fazer tudo quanto estiver ao alcance das suas possibilidades para promover uma cultura sempre respeitosa da vida humana, para alcançar condições favoráveis e redes de apoio ao seu acolhimento e desenvolvimento.

À Virgem Maria, que recebeu o Filho de Deus feito homem com a sua fé, o seu cuidado cheio de desvelo, o seu acompanhamento solidário e vibrante de amor, confiemos a oração e o compromisso a favor da vida nascente. Façamo-lo na liturgia — que é o lugar onde vivemos a verdade e onde a verdade vive em nós — adorando a Eucaristia divina, na qual contemplamos o Corpo de Cristo, aquele Corpo que recebeu a carne de Maria por obra do Espírito Santo, e dela nasceu em Belém, para a nossa salvação. Ave, verum Corpus, natum de Maria Virgine!





                                                                                  Dezembro de 2010



Quinta-feira, 2 de Dezembro de 2010: SANTA MISSA EM SUFRÁGIO DE MANUELA CAMAGNI

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Capela Paulina





Queridos Irmãos e Irmãs!

Nos últimos dias da sua vida, a nossa querida Manuela falava sobre o facto de que a 29 de Novembro teria completado trinta anos de pertença à comunidade dos Memores Domini. E disse-o com grande alegria, preparando-se — assim dava a impressão — para uma festa interior por este caminho de três décadas rumo ao Senhor, na comunhão dos amigos do Senhor. Contudo, a festa foi diferente da prevista: precisamente a 29 de Novembro levámo-la ao cemitério, cantámos para que os Anjos a acompanhassem ao Paraíso, guiámo-la para a festa definitiva, a grande festa de Deus, as Bodas do Cordeiro. Trinta anos a caminho do Senhor, entrando na festa do Senhor. Manuela era uma «virgem sábia e prudente», levava o óleo na sua lâmpada, o óleo da fé, uma fé vivida, alimentada pela oração, pelo diálogo com o Senhor, pela meditação da Palavra de Deus, pela comunhão na amizade com Cristo. E esta fé era esperança, sabedoria, certeza de que a fé inaugura o futuro verdadeiro. E esta fé era caridade, era doar-se pelos outros, viver ao serviço do Senhor para os outros. Pessoalmente, devo agradecer esta sua disponibilidade em colocar as suas forças para trabalhar na minha casa, com este espírito de caridade, de esperança que vem da fé.

Ela entrou na festa do Senhor como virgem prudente e sábia, porque não viveu na superficialidade de quantos esquecem a grandeza da nossa vocação, mas na grande visão da vida eterna, e assim estava preparada para a vinda do Senhor.

Trinta anos Memores Domini. São Boaventura diz que na profundidade do nosso ser está inscrita a memória do Criador. E precisamente porque esta memória está inscrita no nosso ser, podemos reconhecer o Criador na sua criação, recordar-nos, ver as suas pegadas neste cosmos criado por Ele. São Boaventura diz ainda que esta memória do Criador não é só memória de um passado, porque a origem está presente, é memória da presença do Senhor; é também memória do futuro, porque decerto provimos da bondade de Deus e somos chamados a voltar para ela. Portanto, nesta memória está presente o elemento da alegria, a nossa origem na alegria que é Deus e a nossa chamada para chegar à grande alegria. Sabemos que Manuela era uma pessoa interiormente permeada pela alegria que deriva da memória de Deus. Mas São Boaventura acrescenta que a nossa memória, como toda a nossa existência, está ferida pelo pecado: então a memória é obscurecida, coberta por outras memórias superficiais, e já não podemos superar estas outras memórias superficiais, ir até ao fundo, até à memória verdadeira que sustenta o nosso ser. Por conseguinte, por causa deste esquecimento de Deus, deste olvido da memória fundamental, também a alegria é coberta e obscurecida. Sim, sabemos que fomos criados para a alegria, mas já não sabemos onde ela se encontra, e procuramo-la em diversos lugares. Hoje vemos esta busca desesperada da alegria que se afasta cada vez mais da sua verdadeira fonte, da autêntica alegria. Esquecimento de Deus, olvido da nossa verdadeira memória. Manuela não esqueceu a memória: viveu exactamente na viva memória do Criador, na alegria da sua criação, vendo a transparência de Deus em toda a criação, inclusive nos acontecimentos quotidianos da nossa vida, e sabia que desta memória — presente e futura — provém a alegria.

Memores Domini. Os Memores Domini sabem que nas vésperas da sua paixão, Cristo renovou, aliás, elevou a nossa memória. «Fazei isto em memória de Mim» disse, e assim nos deu a memória da sua presença, a memória do dom de si, do dom do seu Corpo e do seu Sangue, e neste dom do seu Corpo e Sangue, nesta dádiva do seu amor infinito, com a nossa memória tocamos de novo a presença mais forte de Deus, o seu dom de si. Como Memor Domini, Manuela viveu esta memória viva, que o Senhor com o seu Corpo se doa e renova o nosso saber de Deus.

Na controvérsia com os Saduceus acerca da ressurreição, o Senhor diz-lhes, a eles que não crêem nela: mas Deus chamou-se «Deus de Abraão, de Isaac, de Jacob». Os três fazem parte do nome de Deus, estão inscritos no nome de Deus, estão no nome de Deus, na memória de Deus, e assim o Senhor diz: Deus não é um Deus dos mortos, mas um Deus dos vivos, e quem faz parte do nome de Deus, quem está na memória de Deus, está vivo. Infelizmente, nós homens, com a nossa memória, só podemos conservar uma sombra das pessoas que amámos. Mas a memória de Deus não conserva apenas sombras, é origem de vida: nela vivem os mortos, na sua vida e com a sua vida entraram na memória de Deus, que é vida. Hoje o Senhor diz-nos: Tu estás inscrito no nome de Deus, tu vives em Deus com a vida verdadeira, vives na fonte autêntica da vida.

Desta maneira, neste momento de tristeza, sentimo-nos consolados. A liturgia renovada após o Concílio ousa ensinar-nos a cantar o «Aleluia» também na Missa pelos Defuntos. Isto é audaz! Sentimos sobretudo a dor da perda, a ausência, o passado, mas a liturgia sabe que nós estamos no mesmo Corpo de Cristo e vivemos a partir da memória de Deus, que é a nossa memória. Neste entrelaçamento da sua memória com a nossa estamos unidos, somos vivos. Rezemos ao Senhor para que possamos sentir cada vez mais esta comunhão de memória, que a nossa memória de Deus em Cristo se torne sempre mais viva e possamos sentir que a nossa vida verdadeira está n’Ele, e n’Ele permanecemos todos unidos. Neste sentido, cantemos o «Aleluia», certos de que o Senhor é a vida e o seu amor nunca acaba. Amém.





III Domingo de Advento, 12 de Dezembro de 2010: VISITA PASTORAL À PARÓQUIA ROMANA DE SÃO MAXIMILIANO KOLBE

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Amados irmãos e irmãs
da Paróquia de São Maximiliano Kolbe!

Viveis com empenho o caminho pessoal e comunitário no seguimento do Senhor. O Advento é um forte convite para todos a deixar entrar Deus cada vez mais na nossa vida, nas nossas casas, nos nossos bairros, nas nossas comunidades, para ter uma luz no meio de tantas sombras, de numerosas fadigas de cada dia. Queridos amigos! Sinto-me muito feliz por estar no meio de vós, hoje, para celebrar o Dia do Senhor, o terceiro domingo do Advento, domingo da alegria. Saúdo cordialmente o Cardeal Vigário, o Bispo Auxiliar do Sector, o vosso Pároco, ao qual agradeço as palavras que me dirigiu em nome de todos vós, e o Vigário paroquial. Saúdo quantos estão empenhados no âmbito da Paróquia: os catequistas, os membros dos vários grupos, assim como os numerosos membros do Caminho Neocatecumenal. Aprecio muito a escolha de dar espaço à adoração eucarística, e agradeço-vos as orações que me reservais diante do Santíssimo Sacramento. Gostaria de abraçar com o meu pensamento todos os habitantes do bairro, sobretudo os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade. Recordo todos e cada um nesta Missa.

Juntamente convosco admiro esta nova igreja e os edifícios paroquiais e com a minha presença desejo encorajar-vos a realizar cada vez melhor aquela Igreja de pedras vivas que sois vós. Conheço as numerosas e significativas obras de evangelização que estais a realizar. Exorto todos os fiéis a dar a própria contribuição para a edificação da comunidade, em particular no campo da catequese, da liturgia e da caridade — pilares da vida cristã — em comunhão com toda a Diocese de Roma. Nenhuma comunidade pode viver como uma célula isolada do contexto diocesano; ao contrário, deve ser expressão viva da beleza da Igreja que, sob a guia do Bispo — e, na Paróquia, sob a guia do Pároco que o substitui — caminha em comunhão rumo ao Reino de Deus. Dirijo um pensamento especial às famílias, acompanhando-o com os votos de que elas possam realizar plenamente a própria vocação ao amor com generosidade e perseverança. Mesmo quando se apresentarem dificuldades na vida conjugal e na relação com os filhos, os esposos nunca deixem de permanecer fiéis àquele «sim» fundamental que pronunciaram diante de Deus reciprocamente no dia do matrimónio, recordando que a fidelidade à própria vocação exige coragem, generosidade e sacrifício.

A vossa comunidade inclui no seu interior muitas famílias que vieram da Itália central e meridional em busca de trabalho e de melhores condições de vida. Com o passar do tempo, a comunidade cresceu e em parte transformou-se, com a chegada de numerosas pessoas dos países do Leste europeu e de outros países. Precisamente a partir desta situação concreta da Paróquia, esforçai-vos por crescer cada vez mais na comunhão com todos: é importante criar ocasiões de diálogo e favorecer a compreensão recíproca entre pessoas provenientes de culturas, modelos de vida e condições sociais diferentes. Mas sobretudo é preciso procurar envolvê-las na vida cristã, mediante uma pastoral atenta às necessidades reais de cada um. Aqui, como em qualquer Paróquia, é preciso partir dos «vizinhos» para chegar aos «distantes», para levar uma presença evangélica aos ambientes de vida e de trabalho. Todos devem poder encontrar na Paróquia caminhos adequados de formação e fazer experiência daquela dimensão comunitária que é uma característica fundamental da vida cristã. Desta forma serão encorajados a redescobrir a beleza de seguir Cristo e de fazer parte da sua Igreja.

Portanto, sabei formar uma comunidade com todos, unidos na escuta da Palavra de Deus e na celebração dos Sacramentos, em particular da Eucaristia. A este propósito, o exame pastoral diocesano que está a ser realizado, sobre o tema «Eucaristia dominical e testemunho da caridade», é uma ocasião propícia para aprofundar e viver melhor estas duas componentes fundamentais da vida e da missão da Igreja e de cada crente, ou seja, a Eucaristia do domingo e a prática da caridade. Reunidos em volta da Eucaristia, sentimos mais facilmente como a missão de cada comunidade cristã é levar a mensagem do amor de Deus a todos os homens. Eis por que é importante que a Eucaristia seja sempre o coração da vida dos fiéis. Gostaria de dirigir também uma palavra especial de afecto e de amizade a vós, queridos jovens que me escutais, e aos vossos coetâneos, que vivem nesta Paróquia. A Igreja espera muito de vós, do vosso entusiasmo, da vossa capacidade de olhar em frente e do vosso desejo de radicalidade nas escolhas de vida. Senti-vos verdadeiros protagonistas na Paróquia, pondo as vossas energias vigorosas e toda a vossa vida ao serviço de Deus e dos irmãos.

Queridos irmãos e irmãs, com o convite à alegria, a liturgia de hoje — com as palavras de São Tiago que acabamos de ouvir — dirige-nos também o convite a ser constantes e pacientes na expectativa do Senhor que vem, e a sê-lo juntos, como comunidade, evitando lamentações e juízos (cf.
Jc 5,7-10).

Ouvimos no Evangelho a pergunta do Baptista que se encontra na prisão; o Baptista, que tinha anunciado a vinda do Juiz que muda o mundo, e agora sente que o mundo permanece o mesmo. Portanto, manda perguntar a Jesus: «És Tu aquele que há-de vir? Ou devemos esperar outro? És Tu ou devemos esperar outro?». Nos últimos dois, três séculos muitos perguntaram: «Mas és Tu realmente? O mundo deve ser mudado de modo mais radical? Tu não o fazes?». E vieram tantos profetas, ideólogos e ditadores, que disseram: «Não é ele! Não mudou o mundo! Somos nós!». E criaram os seus impérios, as suas ditaduras, o seu totalitarismo que teria mudado o mundo. E mudou-o mas de modo destruidor. Hoje sabemos que destas grandes promessas só permaneceu um grande vazio e muita destruição. Não eram eles.

E assim devemos de novo ver Cristo e perguntar-Lhe: «És tu?». O Senhor, do modo silencioso que lhe é próprio, responde: Vede o que Eu fiz. Não realizei uma revolução cruenta, não mudei com a força o mundo, mas acendi tantas luzes que formam, entretanto, um grande caminho de luzes nos milénios».

Comecemos por aqui, pela nossa Paróquia: São Maximiliano Kolbe, que se oferece para morrer de fome para salvar um pai de família. Ele tornou-se uma grande luz! Quanta luz veio desta figura e encorajou outros a oferecer-se, a estar próximo de quem sofre, dos oprimidos! Pensemos no pai que Damião de Veuster era para os leprosos, ele que viveu e morreu com e para os leprosos, e assim trouxe a luz a esta comunidade. Pensemos na Madre Teresa, que deu tanta luz a pessoas que, depois de uma vida sem luz, morreram com um sorriso, porque eram tocadas pela luz do amor de Deus.

E poderíamos continuar assim e veríamos, como o Senhor disse na resposta a João, que não é a revolução violenta do mundo, não são as grandes promessas que mudam o mundo, mas é a luz silenciosa da verdade, da bondade de Deus que é o sinal da Sua presença e nos dá a certeza de que somos profundamente amados e que não somos esquecidos, não somos um produto do caso, mas de uma vontade de amor.

Assim podemos viver, podemos sentir a proximidade de Deus. «Deus está próximo», diz a Primeira Leitura de hoje, está próximo, mas muitas vezes nós estamos distantes. Aproximemo-nos, vamos à presença da Sua Luz, rezemos ao Senhor e no contacto da oração tornemo-nos nós próprios luz para os outros.

E é precisamente este o sentido da Igreja paroquial: entrar aqui, entrar em diálogo, em contacto com Jesus, com o Filho de Deus, de modo que nós próprios nos tornemos uma das luzes mais pequeninas que Ele acendeu e levemos luz ao mundo que sente ser remido.

O nosso espírito deve abrir-se a este convite e assim caminhamos com alegria rumo ao Natal, imitando a Virgem Maria, que esperou em oração, com íntima e jubilosa trepidação, o nascimento do Redentor. Amém.





Quinta-feira, 16 de Dezembro de 2010: CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS COM A PARTICIPAÇÃO DOS UNIVERSITÁRIOS DOS ATENEUS ROMANOS

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Basílica Vaticana





«Sede, pois, pacientes, irmãos, até à vinda do Senhor» (
Jc 5,7).

Com estas palavras o Apóstolo Tiago introduziu-nos no caminho de imediata preparação para o Santo Natal que, nesta Liturgia vespertina, tenho a alegria de iniciar convosco, queridos estudantes e ilustres professores dos Ateneus de Roma. A todos dirijo a minha cordial saudação, sobretudo ao numeroso grupo de quantos se preparam para receber o Crisma, e expresso o meu vivo apreço pelo empenho que dedicais à animação cristã da cultura da nossa Cidade. Agradeço ao Magnífico Reitor da Universidade de Roma Tor Vergata, Prof. Renato Lauro, as palavras de bons votos que pronunciou em nome de todos vós. Dirijo uma especial e deferente saudação ao Cardeal Vigário, ao Ministro da Educação, da Universidade e da Pesquisa, e às outras Autoridades académicas e institucionais.

O convite do Apóstolo indica-nos o caminho que conduz a Belém, libertando o nosso coração de todo o fermento de insatisfação e de falsa expectativa, que sempre pode insinuar-se em nós, se esquecermos que Deus já veio, já age na nossa história pessoal e comunitária e pede para ser ouvido. O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob revelou-se, mostrou o seu rosto e estabeleceu a sua morada na nossa carne, em Jesus, Filho de Maria — verdadeiro Deus e verdadeiro homem — que encontraremos mais uma vez na Gruta de Belém. Voltar ali, àquele lugar humilde e pobre, não é um simples itinerário ideal: é o caminho que somos chamados a percorrer, experimentando no presente a proximidade de Deus e a sua obra que renova e sustém a nossa existência. A paciência e a constância cristã — de que fala São Tiago — não são sinónimos de apatia nem de resignação, mas são virtudes de quem sabe que pode e deve construir, não na areia, mas na rocha; virtudes de quem sabe respeitar os tempos e modos da condição humana e, por isso, evita ofuscar as expectativas mais profundas da alma com esperanças utópicas ou fugazes, que depois decepcionam.

«Vede o lavrador: ele aguarda o precioso fruto da terra e tem paciência» (Jc 5,7). Caros amigos, para nós imersos numa sociedade cada vez mais dinâmica, pode parecer surpreendente este convite que faz referência ao mundo rural, ritmado pelos tempos da natureza. Mas a comparação escolhida pelo Apóstolo chama-nos a dirigir o olhar para o verdadeiro e único «lavrador», o Deus de Jesus Cristo, para o seu mistério mais profundo que se revelou na Encarnação do Filho. Com efeito, o Criador de todas as coisas não é um tirano que ordena e intervém com poder na história, mas é antes como o lavrador que semeia, faz crescer e e frutificar. Também o homem pode ser, com Ele, um bom lavrador, que ama a história e a edifica em profundidade, reconhecendo e contribuindo para fazer crescer as sementes de bem que o Senhor concedeu. Portanto, vamos também nós rumo a Belém com o olhar dirigido ao Deus paciente e fiel, que sabe esperar, deter-se e respeitar os tempos da nossa existência. Aquele Menino que encontraremos é a manifestação do mistério do amor de Deus que ama oferecendo a vida, que ama de modo abnegado, que nos ensina a amar e que pede unicamente para ser amado.

«Consolai os vossos corações». O caminho rumo à Gruta de Belém é um itinerário de libertação interior, uma experiência de liberdade profunda, porque nos impele a sair de nós mesmos e a ir rumo a Deus, que se tornou nosso próximo, que conforta os nossos corações com a sua presença e o seu amor gratuito, que nos precede e acompanha nas nossas escolhas quotidianas, que nos fala no segredo do coração e nas Sagradas Escrituras. Ele quer infundir coragem na nossa vida, especialmente nos momentos em que nos sentimos cansados e extenuados, e temos necessidade de reencontrar a serenidade do caminho e de nos sentirmos com alegria peregrinos rumo à eternidade.

«A vinda do Senhor está próxima!». Eis o anúncio que enche de emoção e de enlevo esta celebração, e que torna o nosso passo rápido e apressado rumo à Gruta. O Menino que encontraremos, entre Maria e José, é o Logos-Amor, a Palavra que pode dar plena consistência à nossa vida. Deus revelou-nos os tesouros do seu profundo silêncio e, com a sua Palavra, comunicou-se a nós. Em Belém encontram-se o hoje de Deus e o hoje do homem, para começar juntos um caminho de diálogo e de intensa comunhão de vida.

Caros amigos das Universidades de Roma, a vós que percorreis o caminho fascinante e exigente da investigação e da elaboração cultural, O Verbo encarnado pede-nos que compartilhemos com Ele a paciência do «construir». Edificar a própria existência, construir a sociedade não é obra que possa ser realizada por mentes e corações distraídos e superficiais. São necessários um profundo trabalho educativo e um discernimento contínuo, que devem envolver toda a comunidade académica, favorecendo aquela síntese entre formação intelectual, disciplina moral e compromisso religioso, que o Beato John Henry Newman tinha proposto na sua «Ideia de Universidade». Na nossa época sente-se a necessidade de uma nova classe de intelectuais, capazes de interpretar as dinâmicas sociais e culturais, oferecendo soluções não abstractas mas concretas e realistas. A Universidade é chamada a desempenhar este papel insubstituível, e a Igreja faz-se sua defensora convicta e efectiva. A Igreja de Roma, em particular, está desde há muitos anos comprometida em promover a vocação da Universidade e em servi-la com a contribuição simples e discreta de muitos sacerdotes que trabalham nas capelanias e nas realidades eclesiais. Mais uma vez manifesto o meu apreço ao Cardeal Vigário e aos seus colaboradores, pelo programa de pastoral universitária que este ano, em sintonia com o programa diocesano, é bem resumido pelo tema: «Ite, missa est… no pátio dos gentios». A saudação no final da celebração eucarística — «Ite, missa est» — convida todos a ser testemunhas daquela caridade que transforma a vida do homem e assim insere na sociedade o germe da civilização do amor. O vosso programa de oferecer à cidade de Roma uma cultura ao serviço do desenvolvimento integral da pessoa humana, como indiquei na Encíclica Caritas in veritate, é um exemplo concreto do vosso compromisso em promover comunidades académicas em que se amadurece e exerce aquela que Giovanni Battista Montini, Assistente da fuci, deonominava «a caridade intelectual».

A comunidade universitária romana, com a sua riqueza de instituições estatais, particulares, católicas e pontifícias, está chamada a uma notável tarefa histórica: superar pré-compreensões e preconceitos que por vezes impedem o desenvolvimento de uma cultura autêntica. Trabalhando em sinergia, de modo particular com as Faculdades teológicas, as Universidades romanas podem indicar que é possível um novo diálogo e uma renovada colaboração entre a fé cristã e os vários saberes, sem confusão nem separação, mas compartilhando a mesma aspiração a servir o homem na sua plenitude. Formulo votos a fim de que o próximo Simpósio internacional sobre o tema: «A Universidade e o desafio dos saberes: rumo a qual futuro?», possa constituir uma etapa significativa neste renovado caminho de investigação e de compromisso. Nesta perspectiva, desejo encorajar também as iniciativas promovidas pela direcção geral da Cooperação para o desenvolvimento, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que empenhou Universidades de todos os continentes, e também as do Médio Oriente, aqui representadas por alguns Reitores.

Estimados jovens universários, ressoou nesta assembleia a recordação da Cruz das Jornadas Mundiais da Juventude. No final da celebração, a delegação universitária africana confiará o Ícone de Maria Sedes Sapientiae à delegação universitária espanhola. Assim começará a peregrinação desta efígie mariana por todas as Universidades da Espanha, um sinal que nos orienta para o encontro do próximo mês de Agosto em Madrid. É muito importante a presença de jovens universitários preparados e desejosos de comunicar aos seus coetâneos a fecundidade da fé cristã não apenas na Europa, mas no mundo inteiro. Com Maria, que nos precede no nosso caminho de preparação, marco encontro convosco em Madrid e confio muito no vosso compromisso generoso e criativo. A Ela, Sedes Sapientiae, confio toda a comunidade universitária romana. Com Ela, preparemo-nos para encontrar o Menino na Gruta de Belém: é o Senhor que vem para nós! Amém.





24 de Dezembro de 2010: MISSA DA MEIA NOITE

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SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR


Basílica Vaticana




Amados irmãos e irmãs!


«Tu és meu filho, Eu hoje te gerei» – com estas palavras do Salmo segundo, a Igreja dá início à liturgia da Noite Santa. Ela sabe que esta frase pertencia, originariamente, ao rito da coroação do rei de Israel. O rei, que por si só é um ser humano como os outros homens, torna-se «filho de Deus» por meio do chamamento e entronização na sua função: trata-se de uma espécie de adopção por parte de Deus, uma acta da decisão, pela qual Ele concede a este homem uma nova existência, atraindo-o para o seu próprio ser. De modo ainda mais claro, a leitura tirada do profeta Isaías, que acabámos de ouvir, apresenta o mesmo processo numa situação de tribulação e ameaça para Israel: «Um menino nasceu para nós, um filho nos foi concedido. Tem o poder sobre os ombros» (
Is 9,5). A entronização na função régia é como um novo nascimento. E, precisamente como recém-nascido por decisão pessoal de Deus, como menino proveniente de Deus, o rei constitui uma esperança. O futuro assenta sobre os seus ombros. É o detentor da promessa de paz. Na noite de Belém, esta palavra profética realizou-se de um modo que, no tempo de Isaías, teria ainda sido inimaginável. Sim, agora Aquele sobre cujos ombros está o poder é verdadeiramente um menino. N’Ele aparece a nova realeza que Deus institui no mundo. Este menino nasceu verdadeiramente de Deus. É a Palavra eterna de Deus, que une mutuamente humanidade e divindade. Para este menino, são válidos os títulos de dignidade que lhe atribui o cântico de coroação de Isaías: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai para sempre, Príncipe da paz (Is 9,5). Sim, este rei não precisa de conselheiros pertencentes aos sábios do mundo. Em Si mesmo traz a sapiência e o conselho de Deus. Precisamente na fragilidade de menino que é, Ele é o Deus forte e assim nos mostra, face aos pretensiosos poderes do mundo, a fortaleza própria de Deus.

Na verdade, as palavras do rito da coroação em Israel não passavam de palavras rituais de esperança, que de longe previam um futuro que haveria de ser dado por Deus. Nenhum dos reis, assim homenageados, correspondia à sublimidade de tais palavras. Neles, todas as expressões sobre a filiação de Deus, sobre a entronização na herança dos povos, sobre o domínio das terras distantes (Ps 2,8) permaneciam apenas presságio de um futuro – como se fossem painéis sinalizadores da esperança, indicações apontando para um futuro que então era ainda inconcebível. Assim o cumprimento da palavra, que tem início na noite de Belém, é ao mesmo tempo imensamente maior e – do ponto de vista do mundo – mais humilde do que a palavra profética deixava intuir. É maior, porque este menino é verdadeiramente Filho de Deus, é verdadeiramente «Deus de Deus, Luz da Luz, gerado, não criado, consubstancial ao Pai». Fica superada a distância infinita entre Deus e o homem. Deus não Se limitou a inclinar o olhar para baixo, como dizem os Salmos; Ele «desceu» verdadeiramente, entrou no mundo, tornou-Se um de nós para nos atrair a todos para Si. Este menino é verdadeiramente o Emanuel, o Deus-connosco. O seu reino estende-se verdadeiramente até aos confins da terra. Na imensidão universal da Sagrada Eucaristia, Ele verdadeiramente instituiu ilhas de paz. Em todo o lado onde ela é celebrada, temos uma ilha de paz, daquela paz que é própria de Deus. Este menino acendeu, nos homens, a luz da bondade e deu-lhes a força para resistir à tirania do poder. Em cada geração, Ele constrói o seu reino a partir de dentro, a partir do coração. Mas é verdade também que «o bastão do opressor» não foi quebrado. Também hoje marcha o calçado ruidoso dos soldados e temos ainda incessantemente a «veste manchada de sangue» (Is 9,3-4). Assim faz parte desta noite o júbilo pela proximidade de Deus. Damos graças porque Deus, como menino, Se confia às nossas mãos, por assim dizer mendiga o nosso amor, infunde a sua paz no nosso coração. Mas este júbilo é também uma prece: Senhor, realizai totalmente a vossa promessa. Quebrai o bastão dos opressores. Queimai o calçado ruidoso. Fazei com que o tempo das vestes manchadas de sangue acabe. Realizai a promessa de «uma paz sem fim» (Is 9,6). Nós Vos agradecemos pela vossa bondade, mas pedimos-Vos também: mostrai a vossa força. Instituí no mundo o domínio da vossa verdade, do vosso amor – o «reino da justiça, do amor e da paz».

«Maria deu à luz o seu filho primogénito» (Lc 2,7). Com esta frase, São Lucas narra, de modo absolutamente sóbrio, o grande acontecimento que as palavras proféticas, na história de Israel, tinham com antecedência vislumbrado. Lucas designa o menino como «primogénito». Na linguagem que se foi formando na Sagrada Escritura da Antiga Aliança, «primogénito» não significa o primeiro de uma série de outros filhos. A palavra «primogénito» é um título de honra, independentemente do facto se depois se seguem outros irmãs e irmãs ou não. Assim, no Livro do Êxodo, Israel é chamado por Deus «o meu filho primogénito» (Ex 4,22), exprimindo-se deste modo a sua eleição, a sua dignidade única, o particular amor de Deus Pai. A Igreja nascente sabia que esta palavra ganhara uma nova profundidade em Jesus; que n’Ele estão compendiadas as promessas feitas a Israel. Assim a Carta aos Hebreus chama Jesus «o primogénito» simplesmente para O qualificar, depois das preparações no Antigo Testamento, como o Filho que Deus manda ao mundo (cf. He 1,5-7). O primogénito pertence de maneira especial a Deus, e por isso – como sucede em muitas religiões – devia ser entregue de modo particular a Deus e resgatado com um sacrifício de substituição, como São Lucas narra no episódio da apresentação de Jesus no templo. O primogénito pertence a Deus de modo particular, é por assim dizer destinado ao sacrifício. No sacrifício de Jesus na cruz, realiza-se de uma forma única o destino do primogénito. Em Si mesmo, Jesus oferece a humanidade a Deus, unindo o homem e Deus de uma maneira tal que Deus seja tudo em todos. São Paulo, nas Cartas aos Colossenses e aos Efésios, ampliou e aprofundou a ideia de Jesus como primogénito: Jesus – dizem-nos as referidas Cartas – é o primogénito da criação, o verdadeiro arquétipo segundo o qual Deus formou a criatura-homem. O homem pode ser imagem de Deus, porque Jesus é Deus e Homem, a verdadeira imagem de Deus e do homem. Ele é o primogénito dos mortos: dizem-nos ainda aquelas Cartas. Na Ressurreição, atravessou o muro da morte por todos nós. Abriu ao homem a dimensão da vida eterna na comunhão com Deus. Por fim, é-nos dito: Ele é o primogénito de muitos irmãos. Sim, agora Ele também é o primeiro duma série de irmãos, isto é, o primeiro que inaugura para nós a vida em comunhão com Deus. Cria a verdadeira fraternidade: não a fraternidade, deturpada pelo pecado, de Caim e Abel, de Rómulo e Remo, mas a fraternidade nova na qual somos a própria família de Deus. Esta nova família de Deus começa no momento em que Maria envolve o «primogénito» em faixas e O reclina na manjedoura. Supliquemos-Lhe: Senhor Jesus, Vós que quisestes nascer como o primeiro de muitos irmãos, dai-nos a verdadeira fraternidade. Ajudai-nos a tornarmo-nos semelhantes a Vós. Ajudai-nos a reconhecer no outro que tem necessidade de mim, naqueles que sofrem ou estão abandonados, em todos os homens, o vosso rosto, e a viver, juntamente convosco, como irmãos e irmãs para nos tornarmos uma família, a vossa família.

No fim, o Evangelho de Natal narra-nos que uma multidão de anjos do exército celeste louvava a Deus e dizia: «Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens que Ele ama» (Lc 2,14). A Igreja ampliou, no hino «Glória...», este louvor que os anjos entoaram à vista do acontecimento da Noite Santa, fazendo dele um hino de júbilo sobre a glória de Deus. «Nós Vos damos graças por vossa imensa glória». Nós Vos damos graças pela beleza, pela grandeza, pela tua bondade, que, nesta noite, se tornam visíveis para nós. A manifestação da beleza, do belo, torna-nos felizes sem que devamos interrogar-nos sobre a sua utilidade. A glória de Deus, da qual provém toda a beleza, faz explodir em nós o deslumbramento e a alegria. Quem vislumbra Deus, sente alegria; e, nesta noite, vemos algo da sua luz. Mas a mensagem dos anjos na Noite Santa também fala dos homens: «Paz aos homens que Ele ama». A tradução latina desta frase, que usamos na Liturgia e remonta a São Jerónimo, interpreta diversamente: «Paz aos homens de boa vontade». Precisamente nos últimos decénios, esta expressão «os homens de boa vontade» entrou de modo particular no vocabulário da Igreja. Mas qual é a tradução justa? Devemos ler, juntas, as duas versões; só assim compreendemos rectamente a frase dos anjos. Seria errada uma interpretação que reconhecesse apenas o agir exclusivo de Deus, como se Ele não tivesse chamado o homem a uma resposta livre e amorosa. Mas seria errada também uma resposta moralizante, segundo a qual o homem com a sua boa vontade poder-se-ia, por assim dizer, redimir a si próprio. As duas coisas andam juntas: graça e liberdade; o amor de Deus, que nos precede e sem o qual não O poderemos amar, e a nossa resposta, que Ele espera e até no-la suplica no nascimento do seu Filho. O entrelaçamento de graça e liberdade, o entrelaçamento de apelo e resposta não podemos dividi-lo em partes separadas uma da outra. Ambas estão indivisivelmente entrançadas entre si. Assim esta frase é simultaneamente promessa e apelo. Deus precedeu-nos com o dom do seu Filho. E, sempre de novo e de forma inesperada, Deus nos precede. Não cessa de nos procurar, de nos levantar todas as vezes que o necessitamos. Não abandona a ovelha extraviada no deserto, onde se perdeu. Deus não se deixa confundir pelo nosso pecado. Sempre de novo recomeça connosco. Todavia espera que amemos juntamente com Ele. Ama-nos para que nos seja possível tornarmo-nos pessoas que amam juntamente com Ele e, assim, possa haver paz na terra.

Lucas não disse que os anjos cantaram. Muito sobriamente, escreve que o exército celeste louvava a Deus e dizia: «Glória a Deus nas alturas…» (Lc 2,13-14). Mas desde sempre os homens souberam que o falar dos anjos é diverso do dos homens; e que, precisamente nesta noite da jubilosa mensagem, tal falar foi um canto no qual brilhou a glória sublime de Deus. Assim, desde o início, este canto dos anjos foi entendido como música vinda de Deus, mais ainda, como convite a unirmo-nos ao canto com o coração em júbilo pelo facto de sermos amados por Deus. Diz Santo Agostinho: Cantare amantis est – cantar é próprio de quem ama. Assim ao longo dos séculos, o canto dos anjos tornou-se sempre de novo um canto de amor e de júbilo, um canto daqueles que amam. Nesta hora, associemo-nos, cheios de gratidão, a este cantar de todos os séculos, que une céu e terra, anjos e homens. Sim, Senhor, nós Vos damos graças por vossa imensa glória. Nós Vos damos graças pelo vosso amor. Fazei que nos tornemos cada vez mais pessoas que amam juntamente convosco e, consequentemente, pessoas de paz. Amen.











2011




Bento XVI Homilias 24110