Bento XVI Homilias 24120


1° de Janeiro de 2011: SOLENIDADE DE MARIA SANTÍSSIMA MÃE DE DEUS, XLIV DIA MUNDIAL DA PAZ

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Basílica Vaticana





Queridos irmãos e irmãs!

Ainda envolvidos pelo clima espiritual do Natal, no qual contemplámos o mistério do nascimento de Cristo, hoje celebramos com os mesmos sentimentos a Virgem Maria, que a Igreja venera como Mãe de Deus, enquanto concebeu na carne o Filho do Pai eterno. As leituras bíblicas desta solenidade ressaltam principalmente o Filho de Deus que se fez homem e o «nome» do Senhor. A primeira leitura apresenta-nos a solene bênção que os sacerdotes pronunciavam sobre os Israelitas nas grandes festas religiosas: ela é marcada precisamente pelo nome do Senhor, repetido três vezes, como que para exprimir a plenitude e a força que deriva desta invocação. Este texto de bênção litúrgica, de facto, evoca a riqueza de graça e de paz que Deus concede ao homem, como uma disposição benevolente em relação a Ele, e que se manifesta com o «resplandecer» do rosto divino e o «dirigi-lo» para nós.

A Igreja ouve de novo hoje estas palavras, enquanto pede ao Senhor que abençoe o novo ano há pouco iniciado, na consciência de que, diante dos trágicos acontecimentos que marcam a história, perante as lógicas de guerra que infelizmente ainda não estão totalmente superadas, só Deus pode tocar o fundo do coração humano e garantir esperança e paz à humanidade. De facto, já está consolidada a tradição de que no primeiro dia do ano a Igreja, espalhada por todo o mundo, eleve uma oração coral para invocar a paz. É bom iniciar um novo trecho de caminho pondo-se com decisão na via da paz. Hoje, queremos ouvir o brado de tantos homens e mulheres, crianças e idosos vítimas da guerra, que é o rosto mais horrendo e violento da história. Hoje nós rezamos a fim de que a paz, que os anjos anunciaram aos pastores na noite de Natal, possa chegar a toda a parte: «Super terram pax in hominibus bonae voluntatis» (
Lc 2,14). Por isso, sobretudo com a nossa oração, queremos ajudar todos os homens e povos, sobretudo quantos têm responsabilidades de governo, a caminhar de modo cada vez mais decidido pela senda da paz.

Na segunda leitura São Paulo resume na adopção filial a obra de salvação realizada por Cristo, na qual está como que encastoada a figura de Maria. Graças a ela o Filho de Deus, «nascido de mulher» (Ga 4,4), pôde vir ao mundo como verdadeiro homem, na plenitude dos tempos. Este cumprimento, esta plenitude, refere-se ao passado e às expectativas messiânicas, que se realizam, mas, ao mesmo tempo, refere-se também à plenitude em sentido absoluto: no verbo feito homem, Deus deu a sua Palavra última e definitiva. No limiar de um novo ano, ressoa assim o convite a caminhar com alegria rumo à luz do «sol que surge do alto» (Lc 1,78), porque na perspectiva cristã, todo o tempo é habitado por Deus, não há futuro que não seja em direcção a Cristo e não existe plenitude fora de Cristo.

O trecho do evangelho de hoje termina com a imposição do nome de Jesus, enquanto Maria participa em silêncio, meditando no coração, o mistério deste seu Filho, que de modo totalmente singular é dom de Deus. Mas a perícope evangélica que ouvimos põe em particular evidência os pastores, que se vão embora «glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto» (Lc 2,20). O cordeiro tinha-lhes anunciado que na cidade de David, isto é, em Belém, tinha nascido o Salvador e que teriam encontrado o sinal: um menino envolto em panos numa manjedoura (cf. Lc 2,11-12). Tendo partido às pressas, eles encontraram Maria, José e o Menino. Observemos como o Evangelista fala da maternidade de Maria a partir do Filho, daquele «menino envolto em panos», porque é Ele — o Verbo de Deus (cf. Jn 1,14) — o ponto de referência, o centro do acontecimento que se está a cumprir e é Ele quem faz com que a maternidade de Maria seja qualificada como «divina».

Esta atenção prevalecente que as leituras de hoje dedicam ao «Filho», a Jesus, não diminui o papel da Mãe, aliás, coloca-a na justa perspectiva: de facto, Maria é a verdadeira Mãe de Deus precisamente em virtude da sua total relação com Cristo. Portanto, glorificando o Filho honra-se a Mãe e honrando a Mãe glorifica-se o Filho. O título de «Mãe de Deus», a que hoje a liturgia dá relevo, ressalta a missão única da Virgem Santa na história da salvação: missão que está na base do culto e da devoção que o povo cristão lhe reserva. De facto, Maria não recebeu o dom de Deus só para si mesma, mas para o levar ao mundo: na sua virgindade fecunda, Deus concedeu aos homens os bens da salvação eterna (cf. Colecta). E Maria oferece continuamente a sua mediação ao Povo de Deus peregrinante na história rumo à eternidade, como outrora a oferecera aos pastores de Belém. Ela, que deu a vida terrena ao Filho de Deus, continua a oferecer aos homens a vida divina, que é o próprio Jesus e o seu Espírito Santo. Por isso é considerada mãe de todos os homens que nascem para a Graça e ao mesmo tempo é invocada como Mãe da Igreja.

É no nome de Maria, Mãe de Deus e dos homens, que desde o dia 1 de Janeiro de 1968 se celebra em todo o mundo o Dia Mundial da Paz. A paz é dom de Deus, como ouvimos na primeira leitura: «O Senhor... te conceda a paz» (NM 6,26). Ela é o dom messiânico por excelência, o primeiro fruto da caridade que Jesus nos doou, é a nossa reconciliação e pacificação com Deus. A paz é também um valor humano que se deve realizar a nível social e político, mas afunda as suas raízes no mistério de Cristo (cf. Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes GS 77-90). Nesta solene celebração, por ocasião do quadragésimo quarto Dia Mundial da Paz, sinto-me feliz por dirigir a minha deferente saudação aos ilustres Senhores Embaixadores junto da Santa Sé, com os melhores votos para a sua missão. Dirijo depois uma saudação cordial e fraterna ao meu Secretário de Estado e aos outros Responsáveis dos Dicastérios da Cúria Romana, com um pensamento especial ao Presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz e aos seus colaboradores. Desejo manifestar-lhes profundo reconhecimento pelo empenho quotidiano a favor de uma convivência pacífica entre os povos e da formação cada vez mais sólida de uma consciência de paz na Igreja e no mundo. Nesta perspectiva, a comunidade eclesial está cada vez mais empenhada a trabalhar, segundo as indicações do Magistério, para oferecer um firme património espiritual de valores e de princípios na busca contínua da paz.

Quis recordá-lo na minha Mensagem para a celebração do dia de hoje, com o título «Liberdade religiosa, caminho para a paz»: «O mundo tem necessidade de Deus; tem necessidade de valores éticos e espirituais, universais e compartilhados, e a religião pode oferecer uma contribuição preciosa na sua busca, para a construção de uma ordem social justa e pacífica a nível nacional e internacional» (n. 15). Por conseguinte, ressaltei que «a liberdade religiosa... é elemento imprescindível de um Estado de direito; não pode ser negada nem ao mesmo tempo minar todos os direitos e as liberdades fundamentais, pois é a sua síntese e ápice» (n. 5).

A humanidade não pode mostrar-se resignada à força negativa do egoísmo e da violência; não se deve habituar a conflitos que causam vítimas e põem em perigo o futuro dos povos. Face às tensões ameaçadoras do momento, e sobretudo diante das discriminações, dos abusos e das intolerâncias religiosas, que hoje atingem de modo particular os cristãos (cf. ibid., n. 1), dirijo mais uma vez o urgente convite a não ceder ao desânimo e à resignação. Exorto todos a rezar a fim de que tenham bom êxito os esforços empreendidos por várias partes para promover e construir a paz no mundo. Para esta difícil tarefa não são suficientes palavras, é preciso o compromisso concreto e constante dos responsáveis das nações, mas é necessário sobretudo que cada pessoa seja animada pelo autêntico espírito de paz, que se deve implorar sempre de novo na oração e viver nas relações quotidianas, em todos os ambientes.

Nesta celebração eucarística temos diante dos olhos, para a nossa veneração, a imagem de Nossa Senhora do Sagrado Coração de Viggiano, tão amada pela população da Basilicata. A Virgem Maria dá-nos o seu Filho, mostra-nos o rosto do seu Filho, Príncipe da Paz: que ela nos ajude a permanecer na luz deste rosto, que brilha sobre nós (cf. NM 6,25), para redescobrir toda a ternura de Deus Pai; que ela nos ampare ao invocar o Espírito Santo, para que renove a face da terra e transforme os corações, desfazendo a sua dureza perante a bondade desarmante do Menino, que nasceu para nós. A Mãe de Deus nos acompanhe neste novo ano; obtenha para nós e para o mundo inteiro o almejado dom da paz. Amém.



Quinta-feira, 6 de Janeiro de 2011: SANTA MISSA NA SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR

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Basílica Vaticana





Prezados irmãos e irmãs!

Na solenidade da Epifania, a Igreja continua a contemplar e a celebrar o mistério do nascimento de Jesus Salvador. Em particular, a celebração hodierna sublinha o destino e o significado universais deste nascimento. Fazendo-se homem no seio de Maria, o Filho de Deus veio não só para o povo de Israel, representado pelos pastores de Belém, mas também para a humanidade inteira, representada pelos Magos. E é precisamente a respeito dos Magos e do seu caminho em busca do Messias (cf.
Mt 2,1-12) que hoje a Igreja nos convida a meditar e a rezar. No Evangelho ouvimos que eles, tendo chegado a Jerusalém provenientes do Oriente, perguntam: «Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo» (V. Mt 2,2). Que tipo de pessoas eram, e que espécie de estrela era aquela? Eles eram, provavelmente, sábios que perscrutavam o céu, mas não para procurar «ler» o futuro nos astros, eventualmente para obter disto um lucro; eram sobretudo homens «à procura» de algo mais, em busca da verdadeira luz, que seja capaz de indicar o caminho a percorrer na vida. Eram pessoas convictas de que na criação existe aquela que poderíamos definir como a «assinatura» de Deus, uma assinatura que o homem pode e deve procurar descobrir e decifrar. Talvez o modo para conhecer melhor estes Magos e compreender o seu desejo de se deixar guiar pelos sinais de Deus consista em deter-nos para considerar aquilo que eles encontram ao longo do seu caminho, na grande cidade de Jerusalém.

Em primeiro lugar, encontraram o rei Herodes. Certamente, ele estava interessado no menino de que os Magos falavam; no entanto, não com a finalidade de o adorar, como quer fazer entender, mentindo, mas sim para o suprimir. Herodes é um homem de poder, que no próximo só consegue ver um rival para combater. No fundo, se meditarmos bem, até Deus lhe parece um rival, aliás, um rival particularmente perigoso, que gostaria de privar os homens do seu espaço vital, da sua autonomia, do seu poder; um rival que indica o caminho a percorrer na vida, e assim impede que se realize tudo o que se deseja. Herodes ouve dos seus peritos nas Sagradas Escrituras, as palavras do profeta Miqueias (cf. Mi 5,1), mas o seu único pensamento é o trono. Então, o próprio Deus deve ser ofuscado e as pessoas devem reduzir-se a ser simples peças para mover no grande tabuleiro do poder. Herodes é uma figura que não nos é simpática e que, instintivamente, julgamos de modo negativo pela sua brutalidade. Mas deveríamos perguntar-nos: existe, porventura, algo de Herodes também em nós? Acaso também nós, às vezes, vemos Deus como uma espécie de rival? Porventura também nós somos cegos diante dos seus sinais, surdos às suas palavras, porque pensamos que Ele impõe limites à nossa vida e não nos permite dispor da existência a nosso bel-prazer? Estimados irmãos e irmãs, quando vemos Deus deste modo, acabamos por nos sentir insatisfeitos e aborrecidos, porque não nos deixamos guiar por Aquele que está no fundamento de tudo. Temos que eliminar da nossa mente e do nosso coração a ideia da rivalidade, a ideia de que conceder espaço a Deus constitui um limite para nós mesmos; devemos abrir-nos à certeza de que Deus é o amor todo-poderoso que nada tira, não ameaça, aliás, é o Único capaz de nos oferecer a possibilidade de viver em plenitude, de sentir a verdadeira alegria.

Sucessivamente, os Magos encontram os estudiosos, os teólogos, os especialistas que sabem tudo sobre as Sagradas Escrituras, que conhecem as suas possíveis interpretações, que são capazes de citar de cor cada um dos seus trechos e que, por conseguinte, são uma ajuda preciosa para quem quer percorrer o caminho de Deus. Contudo, afirma santo Agostinho, eles gostam de ser guias para os outros, indicam a vereda mas não caminham, permanecem imóveis. Para eles, as Escrituras tornam-se uma espécie de atlas a ler com curiosidade, um conjunto de palavras e de conceitos a examinar e sobre o qual debater com sabedoria. Mas, novamente, podemos interrogar-nos: não existe inclusive em nós a tentação de considerar as Sagradas Escrituras, este tesouro extremamente rico e vital para a fé da Igreja, mais como um objecto para o estudo e o debate dos especialistas, do que o Livro que nos indica o caminho para alcançar a vida? Na minha opinião, como indiquei na Exortação Apostólica Verbum Domini, deveria surgir sempre de novo em nós a profunda disposição a considerar a palavra da Bíblia, lida na Tradição viva da Igreja (cf. n. 18), como a verdade que nos diz o que é o homem, e como pode ele realizar-se plenamente, a verdade que é a senda a percorrer no dia-a-dia, juntamente com os demais, se quisermos construir a nossa existência sobre a rocha, e não sobre a areia.

E agora consideremos a estrela. Que tipo de estrela era aquela que os Magos viram e seguiram? Ao longo dos séculos, esta pergunta foi objecto de debate entre os astrónomos. Kepler, por exemplo, considerava que se tratasse de uma «nova», ou de uma «supernova», ou seja, de uma daquelas estrelas que normalmente emanam uma luz ténue mas que, de repente, podem ter uma violenta explosão interna, que produz uma luz extraordinária. Sem dúvida, coisas interessantes, mas que não nos orientam rumo àquilo que é essencial para compreendemos esta estrela. Temos que remontar ao facto de que aqueles homens buscavam os vestígios de Deus; procuravam ler a sua «assinatura» na criação; sabiam que «narram os céus a glória de Deus» (Ps 19,2 [18], 2); isto é, estavam persuadidos de que Deus pode ser vislumbrado na criação. No entanto, como homens sábios, estavam conscientes também de que não é com um telescópio qualquer, mas com os profundos olhos da razão em busca do sentido último da realidade, e com o desejo de Deus impelido pela fé, que é possível encontrá-lo, aliás, que se torna possível que Deus se aproxime de nós. O universo não é o resultado do caso, como alguns querem fazer-nos crer. Contemplando-o, somos convidados a ler nele algo de profundo: a sabedoria do Criador, a fantasia inesgotável de Deus, o seu amor infinito por nós. Não deveríamos deixar limitar a nossa mente por teorias que chegam apenas a um certo ponto e que — se olharmos bem — não estão de modo algum em concorrência com a fé, mas não conseguem explicar o sentido derradeiro da realidade. Na beleza do mundo, no seu mistério, na sua grandeza e na sua racionalidade não podemos deixar de ler a racionalidade eterna, e não podemos deixar de nos fazer guiar por ela até ao único Deus, Criador do céu e da terra. Se tivermos este olhar, veremos que Aquele que criou o mundo e Aquele que nasceu numa gruta em Belém e continua a habitar no meio de nós na Eucaristia são o único Deus vivo, que nos interpela, nos ama e quer conduzir-nos para a vida eterna.

Herodes, os especialistas das Escrituras, a estrela. Mas sigamos o caminho dos Magos, que chegam a Jerusalém. Em cima da grande cidade, a estrela desaparece, já não se vê. O que signfica? Também neste caso, temos que ler o sinal em profundidade. Para aqueles homens, era lógico procurar o novo rei no palácio real, onde se encontravam os sábios conselheiros da corte. Mas, provavelmente para sua surpresa, tiveram que constatar que aquele recém-nascido não se encontrava nos postos do poder e da cultura, embora naqueles lugares lhes tenham sido oferecidas informações preciosas acerca dele. Ao contrário, deram-se conta de que por vezes o poder, inclusive o do conhecimento, impede o caminho rumo ao encontro com aquele Menino. Então, a estrela orientou-os para Belém, uma pequena cidade; guiou-os entre os pobres, entre os humildes, para encontrar o Rei do mundo. Os critérios de Deus são diferentes dos critérios dos homens; Deus não se manifesta no poder deste mundo, mas sim na humildade do seu amor, daquele amor que pede à nossa liberdade para ser recebido para nos transformar e nos tornar capazes de chegar Àquele que é o Amor. Mas também para nós, as coisas não são tão diferentes de como eram para os Magos. Se nos fosse pedido o nosso parecer sobre a forma como Deus deveria ter salvo o mundo, talvez respondêssemos que devia manifestar todo o seu poder para conceder ao mundo um sistema económico mais justo, no qual cada um pudesse dispor de tudo o que quer. Na realidade, esta seria uma espécie de violência sobre o homem, porque o privaria de elementos fundamentais que o caracterizam. Com efeito, não seriam interpelados a nossa liberdade, nem o nosso amor. O poder de Deus manifesta-se de modo totalmente diferente: em Belém, onde encontramos a aparente impotência do seu amor. E é ali que nós devemos ir, é lá que havemos de encontrar a estrela de Deus.

Assim, parece-nos bem claro também um último elemento importante da vicissitude dos Magos: a linguagem da criação permite-nos percorrer um bom trecho de caminho rumo a Deus, mas não nos concede a luz definitiva. No final, para os Magos era indispensável ouvir a voz das Sagradas Escrituras: unicamente elas podiam indicar-lhes o caminho. A Palavra de Deus é a verdadeira estrela que, na incerteza dos discursos humanos, nos oferece o imenso esplendor da verdade divina. Caros irmãos e irmãs, deixemo-nos guiar pela estrela, que é a Palavra de Deus; sigamo-la na nossa vida, caminhando com a Igreja, onde a Palavra armou a sua tenda. A nossa senda será sempre iluminada por uma luz que sinal algum nos pode oferecer. E também nós poderemos tornar-nos estrelas para os outros, reflexo daquela luz que Cristo fez resplandecer sobre nós. Amém.



Domingo, 9 de Janeiro de 2011: CELEBRAÇÃO DO BATISMO DO SENHOR E ADMINISTRAÇÃO DO BATISMO A 21 RECÉM-NASCIDOS

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Capela Sistina





Estimados irmãos e irmãs

Estou feliz por vos dar cordiais boas-vindas, de modo particular a vós, pais, padrinhos e madrinhas dos 21 recém-nascidos aos quais, daqui a pouco, terei a alegria de administrar o Sacramento do Baptismo. Como já é tradição, este rito realiza-se também este ano durante a Sagrada Eucaristia com a qual celebramos o Baptismo do Senhor. Trata-se da festividade que, no primeiro domingo depois da solenidade da Epifania, encerra o tempo de Natal, com a manifestação do Senhor no Jordão.

Segundo a narração do evangelista Mateus (cf.
Mt 3,13-17), Jesus foi da Galileia ao rio Jordão, para ser baptizado por João; com efeito, de toda a Palestina acorriam para ouvir a pregação deste grande profeta, o anúncio do advento do Reino de Deus, e para receber o baptismo, ou seja, para se submeter àquele sinal de penitência que chamava à conversão do pecado. Embora se chamasse baptismo, ele não tinha o valor sacramental do rito que hoje celebramos; com efeito, como bem sabeis, é com a sua morte e ressurreição que Jesus institui os Sacramentos e faz nascer a Igreja. O baptismo administrado por João era principalmente um acto penitencial, um gesto que convidava à humildade diante de Deus, para um novo início: mergulhando na água, o penitente reconhecia que tinha pecado, implorava de Deus a purificação das próprias culpas e era convidado a mudar os comportamentos equívocos.

Por isso, quando João Baptista vê Jesus que, em fila com os pecadores, vem para ser baptizado, fica admirado; reconhecendo nele o Messias, o Santo de Deus, Aquele que é sem pecado, João manifesta o seu desconcerto: ele mesmo, o baptizador, teria desejado receber o baptismo de Jesus. Mas Jesus exorta-o a não opor resistência, a aceitar o cumprimento de tal gesto, para realizar o que é conveniente para «cumprir toda a justiça». Com esta expressão, Jesus manifesta que veio ao mundo para fazer a vontade daquele que O enviou, para cumprir tudo aquilo que o Pai lhe pede; foi para obedecer ao Pai, que Ele aceitou fazer-se homem. Este gesto revela, antes de tudo, quem é Jesus: é o Filho de Deus, verdadeiro Deus, como o Pai; é Aquele que «se humilhou» para se fazer um de nós, Aquele que se fez homem e aceitou humilhar-se até à morte, e morte de cruz (cf. Ph 2,7). O baptismo de Jesus, que hoje recordamos, insere-se nesta lógica da humildade: é o gesto daquele que quer tornar-se um de nós, que se põe em fila juntamente com os pecadores; Ele, que é sem pecado, deixa-se tratar como pecado (cf. 2Co 5,21), para carregar nos seus ombros o peso da culpa da humanidade inteira. É o «servo de Javé», de quem nos falou o profeta Isaías na primeira leitura (cf. Is 42,1). A sua humildade é definida pelo desejo de estabelecer uma comunhão plena com a humanidade, pelo desejo de realizar uma verdadeira solidariedade com o homem e com a sua condição. O gesto de Jesus antecipa a Cruz, a aceitação da morte pelos pecados do homem. Este gesto de humilhação, com que Jesus quer identificar-se totalmente com o desígnio de amor do Pai, manifesta a plena sintonia de vontade e de intenções que existe entre as Pessoas da Santíssima Trindade. Mediante este gesto de amor, o Espírito de Deus manifesta-se como pomba e desce sobre Ele, e naquele momento o amor que une Jesus ao Pai é testemunhado — a quantos assistem ao baptismo — por uma voz vinda do alto, que todos ouvem. O Pai manifesta abertamente aos homens a profunda comunhão que o une ao Filho: a voz que ressoa do alto testemunha que Jesus é totalmente obediente ao Pai, e que esta obediência constitui a expressão do amor que os une entre si. Por isso, o Pai põe a sua complacência em Jesus, porque reconhece no agir do Filho o desejo de cumprir em tudo a sua vontade: «Eis o meu Filho muito amado, no Qual pus toda a Minha complacência» (Mt 3,17). E esta palavra do Pai alude também, antecipadamente, à vitória da ressurreição.

Amados pais, o Baptismo que hoje vós pedis para os vossos filhos insere-os neste intercâmbio de amor recíproco que existe em Deus, entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo; mediante este gesto que estou prestes a cumprir, derrama-se sobre eles o amor de Deus, inundando-os com os seus dons. Através do lavacro da água, os vossos filhos são inseridos na própria vida de Jesus, que morreu na cruz para nos libertar do pecado e, ressuscitando, venceu a morte. Por isso, imersos espiritualmente na sua morte e ressurreição, eles são libertados do pecado original e, neles, tem início a vida da graça, que é a própria vida de Jesus ressuscitado. «Ele — afirma São Paulo — entregou-se por nós, a fim de nos resgatar de toda a iniquidade, de nos purificar e de nos constituir como seu povo predilecto, zeloso na prática do bem» (Tt 2,14).

Queridos amigos, doando-nos a fé, o Senhor concedeu-nos o que existe de mais precioso na vida, ou seja, o motivo mais verdadeiro e mais belo pelo qual viver: é pela graça que cremos em Deus, que conhecemos o seu amor, com o qual Ele deseja salvar-nos e libertar-nos do mal. Agora vós, caros pais, padrinhos e madrinhas, pedis à Igreja que receba no seu seio estas crianças, que lhes conceda o Baptismo; e formulais este pedido em função da dádiva da fé que vós mesmos, por vossa vez, recebestes. Juntamente com o profeta Isaías, cada cristão pode repetir: «O Senhor plasmou-me desde o ventre materno, para ser seu servo» (cf. Is 49,5); assim, prezados pais, os vossos filhos constituem um dom inestimável do Senhor, que reservou para Si mesmo o coração deles, para o poder cumular com o seu amor. Através do sacramento do Baptismo, hoje consagra-os e chama-os a seguir Jesus, mediante o cumprimento da sua vocação pessoal, em conformidade com aquele particular desígnio de amor que o Pai tem em mente para cada um deles; meta desta peregrinação terrena será a plena comunhão com Ele, na felicidade eterna.

Recebendo o Baptismo, estas crianças obtêm como dádiva um selo espiritual indelével, o «carácter», que assinala para sempre a sua pertença ao Senhor e que os torna membros vivos do seu Corpo místico, que é a Igreja. Enquanto começam a fazer parte do Povo de Deus, para estas crianças hoje tem início um caminho de santidade e de conformação com Jesus, uma realidade que é inserida neles como a semente de uma árvore maravilhosa, que deve poder crescer. Por isso, compreendendo a grandeza deste dom, desde os primeiros séculos houve o cuidado de conferir o Baptismo às crianças recém-nascidas. Sem dúvida, depois será necessária uma adesão livre e consciente a esta vida de fé e de amor, e por isso é preciso que, após o Baptismo, eles sejam educados na fé, instruídos segundo a sabedoria da Sagrada Escritura e os ensinamentos da Igreja, de tal modo que se desenvolva neles o germe da fé que hoje recebem, e possam alcançar a plena maturidade cristã. A Igreja, que os recebe entre os seus filhos, deve assumir a tarefa, juntamente com os pais e os padrinhos, de os acompanhar ao longo deste caminho de crescimento. A colaboração entre comunidade cristã família é mais necessária do que nunca no actual contexto social, em que a instituição familiar é ameaçada de vários lados e se encontra a enfrentar não poucas dificuldades na sua missão de educar na fé. A falta de referências culturais estáveis e a rápida transformação à qual a sociedade é submetida continuamente tornam deveras árduo o compromisso educativo. Por isso, é necessário que as paróquias se empenhem cada vez mais na assistência às famílias, pequenas Igrejas domésticas, na sua tarefa de transmissão da fé.

Caríssimos pais, convosco dou graças ao Senhor pelo dom do Baptismo destes vossos filhinhos; ao elevar a nossa oração por eles, invoquemos a abundante dádiva do Espírito Santo, que hoje os consagra à imagem de Cristo sacerdote, rei e profeta. Confiando-os à intercessão materna de Maria Santíssima, peçamos pela sua vida e saúde, a fim de que possam crescer a amadurecer na fé e, com a sua vida, dar frutos de santidade e de amor. Amém!





Terça-feira, 25 de Janeiro de 2011: SEGUNDAS VÉSPERAS NA CONCLUSÃO DA SEMANA DE ORAÇÃO PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS

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Festa da Conversão de São Paulo Apóstolo

Basílica de São Paulo Fora dos Muros





Prezados irmãos e irmãs!

Seguindo o exemplo de Jesus, que na vigília da sua paixão rezou ao Pai pelos seus discípulos, «para que todos sejam um só» (
Jn 17,21), os cristãos continuam a invocar incessantemente de Deus o dom da unidade. Este pedido faz-se mais intenso durante a Semana de oração, que se encerra hoje, quando as Igrejas e as Comunidades eclesiais meditam e rezam em conjunto pela unidade de todos os cristãos. Este ano, o tema oferecido à nossa meditação foi proposto pelas Comunidades cristãs de Jerusalém, às quais gostaria de manifestar o meu profundo agradecimento, acompanhado pela certeza do afecto e da oração, tanto da minha parte como de toda a Igreja. Os cristãos da Cidade Santa convidam-nos a renovar e revigorar o nosso compromisso pelo restabelecimento da plena unidade, meditando sobre o modelo de vida dos primeiros discípulos de Cristo, reunidos em Jerusalém: «Eles — lemos nos Actos dos Apóstolos — eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações» (Ac 2,42). É este o retrato da primeira comunidade, nascida em Jerusalém no mesmo dia do Pentecostes, suscitada pela pregação que o Apóstolo Pedro, cheio do Espírito Santo, dirige a todos aqueles que tinham chegado à Cidade Santa para a festividade. Uma comunidade não fechada em si mesma mas, desde o seu nascimento, católica, universal, capaz de abraçar pessoas de diferentes línguas e culturas, como o próprio livro dos Actos dos Apóstolos nos testemunha. Uma comunidade não fundada sobre um pacto entre os seus membros, nem pela simples partilha de um programa ou de um ideal, mas pela profunda comunhão com Deus, que se revelou no seu Filho, pelo encontro com Cristo morto e ressuscitado.

Num breve sumário, que conclui o capítulo iniciado com a narração da descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, o evangelista Lucas apresenta sinteticamente a vida desta primeira comunidade: quantos tinham acolhido a palavra anunciada por Pedro e foram baptizados, ouviam a Palavra de Deus, transmitida pelos Apóstolos; permaneciam juntos de bom grado, desempenhando serviços necessários e compartilhando livre e generosamente os bens materiais entre si; celebravam o sacrifício de Cristo na Cruz, o seu mistério de morte e ressurreição, na Eucaristia, repetindo o gesto da fracção do pão; louvavam e davam graças continuamente ao Senhor, invocando a sua ajuda nas dificuldades. Contudo, esta descrição não é simplesmente uma recordação do passado, e nem sequer a apresentação de um exemplo a imitar ou de uma meta ideal a alcançar. Pelo contrário, ela é a afirmação da presença e da obra do Espírito Santo na vida da Igreja. Trata-se de uma confirmação, repleta de confiança, de que o Espírito Santo, unindo todos em Cristo, constitui o princípio da unidade da Igreja e faz de todos os fiéis um só.

A doutrina dos Apóstolos, a comunhão fraterna, a fracção do pão e a oração são as formas concretas de vida da primeira comunidade cristã de Jerusalém, reunida pela obra do Espírito Santo, mas ao mesmo tempo constituem as características essenciais de todas as comunidades cristãs, de todos os tempos e lugares. Em síntese, poderíamos dizer que eles representam também as dimensões fundamentais da unidade do Corpo visível da Igreja.

Temos que ser reconhecidos porque no curso das últimas décadas o movimento ecuménico, surgido «sob o impulso da graça do Espírito Santo» (Unitatis redintegratio UR 1), deu passos significativos em frente, tornando possível atingir convergências encorajadoras e consensos sobre diversificados aspectos, desenvolvendo entre as Igrejas e as Comunidades eclesiais relações de estima e de respeito recíproco, assim como de colaboração concreta diante dos desafios do mundo contemporâneo. Todavia, sabemos bem que ainda estamos distantes daquela unidade pela qual Cristo rezou e que encontramos reflectida no retrato da primeira comunidade de Jerusalém. A unidade à qual Cristo, mediante o seu Espírito, chama a Igreja não se realiza apenas no plano das estruturas organizativas, mas configura-se a um nível muito mais profundo, como unidade expressa «na confissão de uma só fé, na comum celebração do culto divino e na concórdia fraterna da família de Deus» (Ibid., n. UR 2). A busca do restabelecimento da unidade entre os cristãos divididos não pode, portanto, reduzir-se a um reconhecimento das diferenças recíprocas, nem à consecução de uma convivência pacífica: aquilo ao que aspiramos é a unidade pela qual o próprio Cristo rezou e que, por sua natureza, se manifesta na comunhão da fé, dos sacramentos e do ministério. O caminho rumo a esta unidade deve ser sentido como um imperativo moral, resposta a um chamamento específico do Senhor. Por isso, é necessário vencer a tentação da resignação e do pessimismo, que é falta de confiança no poder do Espírito Santo. O nosso dever consiste em continuarmos a percorrer com paixão o caminho rumo àquela meta, com um diálogo sério e rigoroso, para aprofundar o comum património teológico, litúrgico e espiritual; com o conhecimento recíproco; com a formação ecuménica das novas gerações; e, sobretudo, com a conversão do coração e com a oração. De facto, como o Concílio Vaticano II declarou, o «o santo propósito de reconciliar todos os cristãos na unidade de uma só e única Igreja de Cristo excede as forças e a capacidade humana» e, por isso, a nossa esperança deve ser depositada primeiramente «na oração de Cristo pela Igreja, no amor do Pai para connosco e no poder do Espírito Santo» (Ibid., n. UR 24).

Neste caminho de busca da plena unidade visível entre todos os cristãos acompanha-nos e sustém-nos o Apóstolo Paulo, cuja Festa da Conversão celebramos solenemente no dia de hoje. Antes que lhe aparecesse o Ressuscitado no caminho de Damasco, dizendo-lhe: «Eu sou Jesus, que tu persegues!» (Ac 9,5), ele era um dos adversários mais ferozes das primeiras comunidades cristãs. O evangelista Lucas descreve Saulo entre aqueles que aprovaram a morte de Estêvão, nos dias em que ocorria uma violenta perseguição contra os cristãos de Jerusalém (cf. Ac 8,1). Da Cidade Santa, Saulo partiu para estender a perseguição dos cristãos até à Síria e, depois da sua conversão, voltou ali para ser introduzido aos Apóstolos por Barnabé, que se fez garante da autenticidade do seu encontro com o Senhor. A partir de então, Paulo foi admitido, não só como membro da Igreja, mas também como pregador do Evangelho juntamente com os demais Apóstolos, tendo recebido como eles a manifestação do Senhor Ressuscitado e a vocação especial a ser «instrumento escolhido» para anunciar o seu Nome a todos os povos (cf. Ac 9,15). Nas suas longas viagens missionárias, peregrinando por diversas cidades e regiões, Paulo nunca esqueceu o vínculo de comunhão com a Igreja de Jerusalém. A colecta a favor dos cristãos daquela comunidade, que muito cedo tiveram necessidade de ser socorridos (cf. 1Co 16,1), ocupou um lugar importante nas preocupações de Paulo, que a considerava não apenas uma obra de caridade, mas o sinal e a garantia da unidade e da comunhão entre as Igrejas por ele fundadas e a Comunidade primitiva da Cidade Santa, um sinal da unidade da única Igreja de Cristo.

Neste clima de intensa oração, desejo dirigir a minha cordial saudação a todos os presentes: ao Cardeal Francesco Monterisi, Arcipreste desta Basílica, ao Cardeal Kurt Koch, Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e aos demais Cardeais, aos Irmãos no episcopado e no sacerdócio, ao Abade e aos monges beneditinos desta antiga comunidade, aos religiosos, às religiosas e aos leigos que representam toda a assembleia diocesana de Roma. De modo especial, gostaria de saudar os Irmãos e as Irmãs das outras Igrejas e Comunidades eclesiais aqui representados nesta tarde. Entre eles, é-me particularmente grato dirigir uma saudação aos membros da Comissão mista internacional para o diálogo teológico entre a Igreja católica e as Igrejas Orientais ortodoxas, cuja reunião se realiza em Roma nestes dias. Confiemos ao Senhor o bom êxito do vosso encontro, a fim de que possa representar um passo em frente rumo à tão almejada unidade.

Dirijo uma saudação particular aos representantes da Igreja Unida Evangélica Luterana da Alemanha, que veio a Roma chefiada pelo Bispo regional da Baviera.

Caros irmãos e irmãs, confiantes na intercessão da Virgem Maria, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja, invoquemos portanto o dom da unidade. Unidos a Maria, que no dia de Pentecostes estava presente no Cenáculo juntamente com os Apóstolos, dirijamo-nos a Deus, fonte de toda a dádiva, para que se renove para nós hoje o milagre do Pentecostes e, orientados pelo Espírito Santo, todos os cristãos restabeleçam a plena unidade em Cristo. Amém!



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