Bento XVI Homilias 25211


Terça-feira, 2 de Fevereiro de 2011: CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS NA FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR

20211

Basílica Vaticana




Prezados irmãos e irmãs!

Na festa hodierna contemplamos o Senhor Jesus que Maria e José apresentam no templo «para O oferecer ao Senhor» (
Lc 2,22). Nesta cena evangélica revela-se o mistério do Filho da Virgem, o consagrado do Pai, que veio ao mundo para cumprir fielmente a sua vontade (cf. He 10,5-7). Simeão indica-o como «luz para iluminar as nações» (Lc 2,32) e anuncia com palavra profética a sua oferta suprema a Deus e a sua vitória final (cf. Lc 2,32-35). É o encontro dos dois Testamentos, Antigo e Novo. Jesus entra no antigo templo, Ele que é o novo Templo de Deus: vem visitar o seu povo, obedecendo à Lei e inaugurando os tempos últimos da salvação.

É interessante observar de perto este ingresso do Menino Jesus na solenidade do templo, num grande «vaivém» de muitas pessoas, ocupadas com os seus afazeres: os sacerdotes e os levitas com os seus turnos de serviço, os numerosos devotos e peregrinos, desejosos de se encontrar com o Deus santo de Israel. Porém, nenhum deles se dá conta de nada. Jesus é um menino como os outros, filho primogénito de dois pais muito simples. Até os sacerdotes são incapazes de captar os sinais da nova e especial presença do Messias e Salvador. Só dois anciãos, Simeão e Ana, descobrem a grande novidade. Guiados pelo Espírito Santo, eles encontram nesse Menino o cumprimento da sua longa espera e vigilância. Ambos contemplam a luz de Deus, que vem iluminar o mundo, e o seu olhar profético abre-se ao futuro, como anúncio do Messias: «Lumen ad revelationem gentium!» (Lc 2,32). Na atitude profética dos dois anciãos está toda a Antiga Aliança que exprime a alegria do encontro com o Redentor. Ao virem o Menino, Simeão e Ana intuem que Ele é precisamente o Esperado.

A Apresentação de Jesus no templo constitui um ícone eloquente da doação total da própria vida por quantos, homens e mulheres, são chamados a reproduzir na Igreja e no mundo, mediante os conselhos evangélicos, «os traços característicos de Jesus casto, pobre e obediente» (Vita consecrata VC 1). Por isso, a Festa hodierna foi escolhida pelo Venerável João Paulo II para celebrar o anual Dia da Vida Consagrada. Neste contexto, dirijo uma saudação cordial e reconhecida a D. João Braz de Aviz, que há pouco nomeei Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e para as Sociedades de Vida Apostólica, com o Secretário e os colaboradores. Saúdo com afecto os Superiores-Gerais presentes e todas as pessoas consagradas.

Gostaria de propor três breves pensamentos para a reflexão nesta Festa. O primeiro: o ícone evangélico da Apresentação de Jesus no templo contém o símbolo fundamental da luz que, partindo de Cristo, se irradia sobre Maria e José, sobre Simeão e Ana e, através deles, sobre todos. Os Padres da Igreja uniram esta irradiação ao caminho espiritual. A vida consagrada exprime este caminho de modo especial como «filocalia», amor pela beleza divina, reflexo da bondade de Deus (cf. ibid., VC 19). No rosto de Cristo resplandece a luz de tal beleza. «A Igreja contempla o rosto transfigurado de Cristo, para se confirmar na fé e não correr o risco de perder ao ver o seu rosto desfigurado na Cruz... ela é a Esposa na presença do Esposo, que participa do seu mistério, envolvida pela sua luz, [que] atinge todos os seus filhos... Mas uma singular experiência dessa luz que dimana do Verbo encarnado é feita, sem dúvida, pelos que são chamados à vida consagrada. Na verdade, a profissão dos conselhos evangélicos coloca-os como sinal e profecia para a comunidade dos irmãos e para o mundo» (Ibid., VC 15).

Em segundo lugar, o ícone evangélico manifesta a profecia, dom do Espírito Santo. Contemplando o Menino Jesus, Simeão e Ana vislumbram o seu destino de morte e ressurreição para a salvação de todos os povos e anunciam tal mistério como salvação universal. A vida consagrada é chamada a tal testemunho profético, ligado à sua dupla atitude contemplativa e activa. De facto, aos consagrados e consagradas é dado manifestar o primado de Deus, a paixão pelo Evangelho praticado como forma de vida e anunciado aos pobres e aos últimos da terra. «Em virtude desta primazia, nada pode ser preferido ao amor pessoal por Cristo e pelos pobres, nos quais Ele vive. A verdadeira profecia nasce de Deus, da amizade com Ele, da escuta diligente da sua Palavra nas diversas circunstâncias da história» (Ibid., VC 84). Deste modo a vida consagrada, na sua vivência diária pelos caminhos da humanidade, manifesta o Evangelho e o Reino já presente e concreto.

Em terceiro lugar, o ícone evangélico da Apresentação de Jesus no templo expressa a sabedoria de Simeão e Ana, a sabedoria de uma vida dedicada totalmente à busca do rosto de Deus, dos seus sinais, da sua vontade; uma vida dedicada à escuta e ao anúncio da sua Palavra. «“Faciem tuam, Domine, requiram”: busco a vossa face, ó Senhor (Ps 26,8)... A vida consagrada é no mundo e na Igreja sinal visível desta busca do rosto do Senhor e dos caminhos que a Ele conduzem (cf. Jn 14,8)... A pessoa consagrada testemunha portanto o empenho alegre e diligente da busca assídua e sábia da vontade divina» (cf. Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e para as Sociedades de Vida Apostólica, Instrução O serviço da autoridade e a obediência. Faciem tuam Domine requiram [2008], 1).

Caros irmãos e irmãs, sede ouvintes assíduos da Palavra, porque toda a sabedoria de vida nasce da Palavra do Senhor! Sede perscrutadores da Palavra através da lectio divina, porque a vida consagrada «nasce da escuta da Palavra de Deus e acolhe o Evangelho como sua norma de vida». Deste modo, viver no seguimento de Cristo casto, pobre e obediente é uma “exegese” viva da Palavra de Deus. O Espírito Santo, por cuja virtude foi escrita a Bíblia, é o mesmo que ilumina a Palavra de Deus, com nova luz, para os fundadores e fundadoras. Dela brotou cada um dos carismas e dela cada regra quer ser expressão, dando origem a itinerários de vida cristã marcados pela radicalidade evangélica» (Verbum Domini, 83).

Hoje vivemos, sobretudo nas sociedades mais avançadas, uma condição muitas vezes marcada por uma pluralidade radical, por uma marginalização progressiva da religião da esfera pública, de um relativismo que atinge os valores fundamentais. Isto exige que o nosso testemunho cristão seja luminoso e coerente, e que o nosso esforço educativo seja cada vez mais atento e generoso. A vossa obra apostólica, em particular, dilectos irmãos e irmãs, se torne empenho de vida que acede com paixão perseverante à Sabedoria como verdade e beleza, «esplendor da verdade». Sabei orientar com a sabedoria da vossa vida, e com a confiança nas possibilidades inesgotáveis da verdadeira educação, a inteligência e o coração dos homens e das mulheres do nosso tempo em relação à «vida boa do Evangelho».

Neste momento, dirijo o meu pensamento com carinho especial a todos os consagrados e consagradas, em todas as partes da terra, enquanto vos confio à Bem-Aventurada Virgem Maria:

Ó Maria, Mãe da Igreja,
confio-te toda a vida consacrada,
para que lhe obtenhas a plenitude da luz divina:
viva na escuta da Palavra de Deus,
na humildade da sequela de Jesus, teu Filho e nosso Senhor,
no acolhimento da visita do Espírito Santo,
na alegria diária do magnificat,
a fim de que a Igreja seja edificada pela santidade de vida
destes teus filhos e filhas,
no mandamento do amor. Amém!




Sábado 5 de Fevereiro de 2011: CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA PARA A ORDENAÇÃO DE CINCO ARCEBISPOS

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Basílica Vaticana



Estimados irmãos e irmãs!

Saúdo carinhosamente estes cinco Irmãos Presbíteros que daqui a pouco receberão a Ordenação episcopal: Mons. Savio Hon Tai-Fai, Mons. Marcello Bartolucci, Mons. Celso Morga Iruzubieta, Mons. Antonio Guido Filipazzi e Mons. Edgar Peña Parra. Desejo manifestar-lhes a minha gratidão, assim como a da Igreja, pelo serviço que até agora desempenharam com generosidade e dedicação, e formular o convite a acompanhá-los com a oração no ministério ao qual são chamados na Cúria Romana e nas Representações pontifícias como Sucessores dos Apóstolos, a fim de que sejam sempre iluminados e orientados pelo Espírito Santo na messe do Senhor.

«A messe é abundante, mas os trabalhadores são poucos! Orai, pois, ao Senhor da messe, para que envie trabalhadores para a sua messe!» (
Lc 10,2). Esta palavra do Evangelho da Missa de hoje diz-nos respeito particularmente de perto nesta hora. É a hora da missão: o Senhor envia-vos, estimados amigos, para a sua messe. Tendes o dever de cooperar naquela função de que fala o profeta Isaías na primeira leitura: «O Senhor mandou-me a levar o feliz anúncio aos miseráveis, a curar as chagas dos corações feridos» (Is 61,1). É nisto que consiste o trabalho para a messe, no campo de Deus, no campo da história humana: levar aos homens a luz da verdade, libertá-los da pobreza de verdade, que é a verdadeira tristeza e a verdadeira pobreza do homem. Levar-lhes o feliz anúncio que não é apenas uma palavra, mas um acontecimento: Deus, Ele mesmo, veio entre nós. Ele toma-nos pela mão, eleva-nos rumo a Si próprio, e assim o coração ferido é curado. Demos graças ao Senhor, porque Ele envia trabalhadores para a messe da história do mundo. Demos-lhe graças, porque Ele vos envia a vós, porque dissestes sim e porque neste momento pronunciareis novamente o vosso «sim» e sereis os trabalhadores do Senhor para os homens.

«A messe é abundante» — também hoje, precisamente hoje. Embora possa parecer que uma grande parte do mundo moderno, dos homens de hoje, voltem as costas para Deus e considerem a fé algo do passado — todavia existe o anseio de que finalmente sejam estabelecidos a justiça, o amor e a paz, de que a pobreza e o sofrimento sejam ultrapassados, de que os homens encontrem a alegria. Todo este anseio está presente no mundo contemporâneo, o anseio por aquilo que é grandioso, por quanto é bom. Trata-se da saudade do Redentor, do próprio Deus, mesmo lá onde Ele é negado. Precisamente nesta hora, o trabalho no campo de Deus é de modo particular urgente e precisamente nesta hora nós sentimos de maneira particularmente dolorosa a verdade da palavra de Jesus: «Os trabalhadores são poucos». Ao mesmo tempo, o Senhor permite-nos compreender que não podemos ser simplesmente nós, sozinhos, a enviar operários para a sua messe; que não se trata de uma questão de management, da nossa própria capacidade organizativa. Os trabalhadores para o campo da sua messe, só o próprio Deus os pode enviar. No entanto, Ele deseja enviá-los através da porta da nossa oração. Nós podemos cooperar para a vinda dos trabalhadores, mas só o podemos fazer, cooperando com Deus. Deste modo, esta hora da acção de graças pela realização de um envio em missão constitui, de maneira particular, também a hora da oração: Senhor, enviai trabalhadores para a vossa messe! Abri os corações ao vosso chamamento! Não permitais que a nossa súplica seja vã!

Por conseguinte, a liturgia do presente dia oferece-nos duas definições da vossa missão de Bispos, de sacerdotes de Jesus Cristo: ser trabalhadores na messe da história do mundo, com a tarefa de purificar, abrindo as portas do mundo ao senhorio de Deus, a fim de que a vontade de Deus seja feita, assim na terra como no céu. Além disso, o nosso ministério é descrito como cooperação na missão de Jesus Cristo, como participação no dom do Espírito Santo, concedido a Ele enquanto Messias, o Filho ungido por Deus. A Carta aos Hebreus — a segunda leitura — completa-o ainda a partir da imagem do sumo sacerdote Melquisedec, que é uma referência misteriosa a Cristo, o verdadeiro Sumo Sacerdote, o Rei da paz e de justiça.

Contudo, gostaria de dizer também algo sobre o modo como esta grande tarefa deve ser desempenhada a nível prático — sobre aquilo que ela exige concretamente de nós. Por ocasião da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, as Comunidades cristãs de Jerusalém tinham escolhido para este ano as palavras dos Actos dos Apóstolos, em que são Lucas quer explicar de modo normativo quais são os elementos fundamentais da existência cristã na comunhão da Igreja de Jesus Cristo. Ele exprime-se assim: «Eram assíduos no ensino dos Apóstolos e na comunhão, na fracção do pão e nas orações» (Ac 2,42). Nestes quatro elementos fundamentais do ser da Igreja está descrita, contemporaneamente, a tarefa essencial dos seus Pastores. Estes quatro elementos são conservados em unidade, mediante a expressão «eram assíduos» — «erant perseverantes»: a Bíblia latina traduz assim a expressão grega: a perseverança, a assiduidade, pertence à essência do ser cristão, e é fundamental para a sua tarefa de Pastores, de trabalhadores na messe do Senhor. O Pastor não deve ser uma vara no pântano, que se inclina segundo o sopro do vento, um servo do espírito do tempo. O ser intrépido, a coragem de se opor às correntes do momento, pertence de maneira essencial à tarefa do Pastor. Ele não deve ser uma vara no pântano, mas sim — segundo a imagem do primeiro Salmo — deve ser como uma árvore que tem raízes profundas, nas quais se encontra solidamente arraigada. Isto nada tem a ver com a rigidez ou a inflexibilidade. Somente onde existe estabilidade há também crescimento. O cardeal Newman, cujo caminho foi caracterizado por três conversões, afirma que viver é transformar-se. Contudo, as suas três conversões e as transformações nelas ocorridas constituem um único caminho coerente: o caminho da obediência à verdade, a Deus; o caminho da verdadeira continuidade, que precisamente deste modo faz progredir.

«Assíduos no ensino dos Apóstolos» — a fé tem um conteúdo concreto. Não é uma espiritualidade indeterminada, uma sensação indefinível para a transcendência. Deus agiu, e foi precisamente Ele que falou. Realizou realmente algo, e disse algo de maneira autêntica. Sem dúvida, a fé é em primeiro lugar um confiar-se a Deus, uma relação viva com Ele. Mas o Deus ao qual nos confiamos tem um rosto e concedeu-nos a sua Palavra. Podemos contar com a estabilidade da sua Palavra. A Igreja antiga resumiu o núcleo essencial do ensinamento dos Apóstolos na chamada Regula fidei que, em síntese, é idêntica às Profissões de Fé. Eis o fundamento confiável, sobre o qual também nós cristãos nos fundamentamos hoje. Trata-se da base segura sobre a qual podemos construir a casa da nossa fé, da nossa vida (cf. Mt 7,24 ss.). E, mais uma vez, a estabilidade e a definitividade daquilo em que acreditamos não significam rigidez. João da Cruz comparava o mundo da fé com uma mina em que descobrimos sempre novos tesouros — tesouros em que se desenvolvem a única fé, a profissão do Deus que se manifesta em Cristo. Como Pastores da Igreja, vivemos desta fé e assim podemos também anunciá-la como a alegre mensagem que nos torna seguros do amor de Deus e do facto de sermos por Ele amados.

O segundo pilar da existência eclesial é definido por são Lucas como —communio.Depois do Concílio Vaticano II, este termo tornou-se uma palavra fulcral da teologia e do anúncio porque nele, com efeito, se manifestam todas as dimensões do ser cristão e da vida eclesial. O que Lucas quer expressar, precisamente, com tal palavra neste texto não o sabemos. Por conseguinte, podemos tranquilamente compreendê-la com base no contexto global do Novo Testamento e da Tradição apostólica. Uma primeira grande definição de communio foi feita por são João, no início da sua Primeira Carta: aquilo que vimos e ouvimos, aquilo que as nossas mãos tocaram, é quanto vos anunciamos, para que também vós estejais em communio connosco. E a nossa communio é comunhão com o Pai e com o seu Filho, Jesus Cristo (cf. 1Jn 1,1-4). Por nós, Deus tornou-se visível e tocável, e deste modo criou uma comunhão real com Ele mesmo. Entramos em tal comunhão através do acto de crer e de viver juntamente com aqueles que O tocaram. Com eles, e através deles, nós mesmos de certa forma podemos vê-lo, e tocamos o Deus que se fez próximo. Assim, a dimensão horizontal e a dimensão vertical estão aqui inseparavelmente entrelaçadas entre si. Mediante o acto de estarmos em comunhão com os Apóstolos, de estarmos na sua fé, nós mesmos entramos em contacto com o Deus vivo. Caros amigos, para esta finalidade serve o ministério dos Bispos: que esta corrente da comunhão não se interrompa. Esta é a essência da Sucessão apostólica: conservar a comunhão com aqueles que encontraram o Senhor de forma visível e tangível, e assim manter aberto o Céu, a presença de Deus no meio de nós. Somente através da comunhão com os Sucessores dos Apóstolos, também nós entramos em contacto com o Deus encarnado. Mas também o contrário é válido: só graças à comunhão com Deus, somente graças à comunhão com Jesus Cristo, esta cadeia das testemunhas permanece unida. Ninguém jamais é bispo sozinho, diz-nos o Concílio Vaticano II, mas sempre exclusivamente no colégio dos Bispos. Além disso, ele não pode encerrar-se no tempo da própria geração. À colegialidade pertence o entrelaçamento de todas as gerações, a Igreja viva de todos os tempos. Vós, estimados Irmãos no Episcopado, tendes a missão de conservar esta comunhão católica. Sabei que o Senhor encarregou são Pedro e os seus sucessores para serem o centro de tal comunhão, os garantes da permanência na totalidade da comunhão apostólica e da sua fé. Oferecei a vossa ajuda a fim de que permaneça viva a alegria pela grande unidade da Igreja, pela comunhão de todos os lugares e tempos, pela comunhão da fé que abarca o céu e a terra. Vivei a communio e vivei com o coração, dia após dia, o seu fulcro mais profundo naquele momento sagrado, em que o próprio Senhor se oferece na sagrada Comunhão.

Assim, chegamos ao sucessivo elemento fundamental da existência eclesial, mencionado por são Lucas: a fracção do pão. Nesta altura, o olhar do Evangelista volta atrás, rumo aos discípulos de Emaús, que reconheceram o Senhor pelo gesto da fracção do pão. E dali, o olhar volta ainda atrás, para a hora da Última Ceia em que Jesus, ao partir o pão, se distribuiu a si mesmo, tornando-se pão para nós e antecipando a sua sua morte e a sua ressurreição. Partir o pão — a sagrada Eucaristia constitui o fulcro da Igreja e deve ser o centro do nosso ser cristãos e da nossa vida sacerdotal. O Senhor concede-se a nós. O Ressuscitado entra no meu íntimo e deseja transformar-se para me fazer entrar numa profunda comunhão com Ele. Deste modo, abre-me também a todos os outros: nós, os muitos, somos um só pão e um só corpo, diz são Paulo (cf. 1Co 10,17). Procuremos celebrar a Eucaristia com uma dedicação, um fervor cada vez mais profundo, procuremos cadenciar os nossos dias em conformidade com a sua medida, procuremos deixar-nos plasmar por ela. Partir o pão — é assim que se exprime ao mesmo tempo também a partilha, a transmissão do nosso amor pelo próximo. A dimensão social, a partilha não constitui um suplemento moral que se acrescenta à Eucaristia, mas faz parte dela. Isto manifesta-se com clareza, precisamente a partir do versículo que, nos Actos dos Apóstolos, se segue àquele que acaba de ser citado: «Todos os fiéis... conservavam tudo em comum», afirma Lucas (Lc 2,44). Prestemos atenção a fim de que a fé se manifeste sempre no amor e na justiça de uns em relação aos outros, e que a nossa práxis social seja inspirada pela fé; e que a fé seja vivida no amor.

Como último pilar da existência eclesial, Lucas menciona «as orações». Ele fala no plural: orações. O que quer dizer com isto? Provavelmente, ele pensa na participação da primeira Comunidade de Jerusalém nas orações no templo, nos ordenamentos comuns da oração. Deste modo, põe-se em evidência algo importante. Por um lado, a oração deve ser muito pessoal, um unir-se a Deus no mais profundo. Deve ser a minha luta com Ele, a minha busca dele, a minha acção de graças por Ele e a minha alegria nele. Todavia, nunca é exclusivamente algo particular do meu «eu» individual, que não diz respeito aos outros. Rezar é, essencialmente, também sempre um orar no «nós» dos filhos de Deus. Somente neste «nós» somos filhos do Pai nosso, que o Senhor nos ensinou a recitar. Só este «nós» nos abre o caminho para o Pai, por um lado, a nossa oração deve tornar-se cada vez mais pessoal, tocar e penetrar sempre mais profundamente o núcleo do nosso «eu». Por outro, deve alimentar-se sempre da comunhão dos orantes, da unidade do Corpo de Cristo, para me plasmar verdadeiramente a partir do amor de Deus. Assim o rezar, em última análise, não constitui uma actividade no meio das outras, um determinado espaço do meu tempo. Rezar é a resposta ao imperativo que se encontra no início do Cânone, na Celebração eucarística: Sursum corda — corações ao alto! É a ascensão da minha existência rumo à altura de Deus. Em são Gregório Magno encontra-se uma bonita palavra a este propósito. Ele recorda que Jesus chama João Baptista uma «lâmpada que arde e resplandece» (Jn 5,35), e continua: «Ardente pelo desejo celeste, resplandecente pela palavra. Por conseguinte, a fim de que seja conservada a veridicidade do anúncio, deve ser conservada a altura da vida» (Hom. in EZ 1, 11, 7, CCL 142, 134). A altura, a medida alta da vida, que precisamente hoje é tão essencial para o testemunho a favor de Jesus Cristo, só podemos encontrá-la se na oração nos deixarmos, continuamente, atrair por Ele rumo à sua própria altura.

Duc in altum (Lc 5,4) — Fazei-vos ao largo e lançai as redes para a pesca. É quanto disse Jesus a Pedro e aos seus companheiros, quando os chamou a tornar-se «pescadores de homens». Duc in altum — o Papa João Paulo ii, nos seus últimos anos, retomou com vigor estas palavras, proclamando-as em voz alta aos discípulos do Senhor de hoje. Duc in altum — diz o Senhor nesta hora também a vós, queridos amigos. Fostes chamados para assumir cargos relacionados com a Igreja universal. Sois chamados a lançar a rede do Evangelho no mar agitado deste tempo, para obter a adesão dos homens a Cristo; para os retirar, por assim dizer, das águas salinas da morte e da obscuridade em que a luz do céu não penetra. Deveis levá-los para a terra da vida, na comunhão com Jesus Cristo.

Num trecho do primeiro livro da sua obra sobre a Santíssima Trindade, santo Hilário de Poitiers irrompe, repentinamente, numa oração: é por isso que rezo, «a fim de que Vós enchais as velas desfraldadas da nossa fé e da nossa profissão, com o sopro do vosso Espírito, e que me impulsione para a frente, na travessia do meu anúncio» (I 37, CCL 62, 35 s.). Sim, por isso oremos nesta hora por vós, dilectos amigos. Por conseguinte, desfraldai as velas das vossas almas, as velas da fé, da esperança e do amor, a fim de que o Espírito Santo possa enchê-las e conceder-vos realizar uma viagem abençoada como pescadores de homens no oceano do nosso tempo. Amém.






ESTAÇÕES QUARESMAIS E PROCISSÃO PENITENCIAL
DA IGREJA DE SANTO ANSELMO
À BASÍLICA DE SANTA SABINA NO AVENTINO

Quarta-feira de Cinzas, 9 de Março de 2011: SANTA MISSA, BÊNÇÃO E IMPOSIÇÃO DAS CINZAS

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Basílica de Santa Sabina




Queridos irmãos e irmãs!

Iniciamos hoje o tempo litúrgico da Quaresma com o rito sugestivo da imposição das cinzas, através do qual queremos assumir o compromisso de converter o nosso coração para os horizontes da Graça. Em geral, na opinião comum, este tempo corre o risco de ser conotado pela tristeza, pela desolação da vida. Ao contrário, ela é dom precioso de Deus, é tempo forte e denso de significados no caminho da Igreja, é o itinerário rumo à Páscoa do Senhor. As Leituras bíblicas da celebração de hoje oferecem-nos indicações para viver em plenitude esta experiência espiritual.

«Convertei-vos a Mim de todo o vosso coração» (
Jl 2,12). Na primeira Leitura, tirada do livro do profeta Joel, ouvimos estas palavras com as quais Deus convida o povo judaico a um arrependimento sincero e não aparente. Não se trata de uma conversão superficial e transitória, mas de um percurso espiritual que diz respeito em profundidade às atitudes da consciência e supõe uma intenção sincera de correcção. O profeta inspira-se na praga da invasão dos gafanhotos que atingiu o povo destruindo as colheitas, para convidar a uma penitência interior, a dilacerar o coração e não as vestes (cf. Jl 2,13). Isto é, trata-se de tomar uma atitude de conversão autêntica a Deus — voltar para Ele — reconhecendo a sua santidade, o seu poder, a sua majestade. E esta conversão é possível porque Deus é rico de misericórdia e grande no amor. A sua misericórdia é regeneradora, gera em nós um coração puro, renova no íntimo um espírito firme, restituindo-nos à alegria da salvação (cf. Ps 50,14). De facto, Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva (cf. Ez 33,11). Assim o profeta Joel ordena, em nome do Senhor, que se crie um ambiente penitencial propício: é preciso tocar a trombeta, dar o alarme, despertar as consciências. O período quaresmal propõe-nos este âmbito litúrgico e penitencial: um caminho de quarenta dias durante os quais experimentar de modo eficaz o amor misericordioso de Deus. Hoje ressoa para nós o apelo: «Convertei-vos a Mim de todo o vosso coração»; hoje quem é chamado a converter o coração a Deus somos nós, sempre conscientes de não poder realizar a nossa conversão sozinhos, unicamente com as nossas forças, porque é Deus quem nos converte. Ele ainda nos oferece o seu perdão, convidando-nos a voltar para Ele para que nos dê um coração novo, purificado do mal que o oprime, para fazer com que participemos da sua glória. O nosso mundo precisa de ser convertido por Deus, tem necessidade do seu perdão, do seu amor, precisa de um coração novo.

«Deixai-vos reconciliar com Deus» (2Co 5,20). Na segunda Leitura, são Paulo oferece-nos outro elemento no caminho da conversão. O Apóstolo convida a desviar o olhar dele e a dedicar atenção a quem o convidou e ao conteúdo da mensagem que traz: «Somos, por conseguinte, embaixadores de Cristo, e é Deus que vos exorta por nosso intermédio. Suplicamos-vos, pois, em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus» (Ibid. 2Co 5,20). Um embaixador repete o que ouviu pronunciar pelo seu Senhor e fala com a autoridade e dentro dos limites que recebeu. Quem desempenha a função de embaixador não deve chamar a atenção para si mesmo, mas pôr-se ao serviço da mensagem que deve transmitir e de quem o enviou. Assim se comporta são Paulo no desempenho do seu ministério de pregador da Palavra de Deus e de Apóstolo de Jesus Cristo. Ele não se retira perante a tarefa que recebeu, mas cumpre-a com total dedicação, convidando a abrir-se à Graça, a deixar que Deus nos converta: «Sendo Seus colaboradores — escreve — exortamos-vos a que não recebais em vão a graça de Deus» (2Co 6,1). «O apelo de Cristo à conversão — diz-nos o Catecismo da Igreja Católica — continua a ressoar na vida dos cristãos. [...] é um compromisso contínuo para toda a Igreja que “tem no seu seio os pecadores” e que, “ao mesmo tempo santa mas sempre necessitada de purificação, se dedica sem cessar à penitência e à sua renovação”. Este esforço de conversão não é apenas uma obra humana. É o dinamismo do “coração constrangido” (Ps 51,19), atraído e movido pela graça a responder ao amor misericordioso de Deus que nos amou primeiro» (n. CEC 1428). São Paulo fala aos cristãos de Corinto, mas através deles pretende dirigir-se a todos os homens. De facto, todos precisam da graça de Deus, que ilumine a mente e o coração. E o Apóstolo insiste: «Este é o tempo favorável; este é o dia da salvação» (2Co 6,2). Todos se podem abrir à acção de Deus, ao seu amor; com o nosso testemunho evangélico, nós cristãos devemos ser uma mensagem viva, aliás, em muitos casos somos o único Evangelho que os homens de hoje ainda lêem. Eis a nossa responsabilidade nas pegadas de são Paulo, eis um motivo a mais para viver bem a Quaresma: oferecer o testemunho da fé viva a um mundo em dificuldade que precisa de voltar para Deus, que tem necessidade de conversão.

«Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por eles» (Mt 6,1). Jesus, no Evangelho de hoje, relê as três obras fundamentais de piedade previstas pela lei mosaica. A esmola, a oração e o jejum caracterizam o judeu que respeita a lei. No decorrer do tempo, estas prescrições tinham sido corroídas pela ferrugem do fundamentalismo exterior, ou até se tinham transformado num sinal de superioridade. Jesus põe em evidência nestas três obras de piedade uma tentação comum. Quando realizamos algo de bom, quase instintivamente surge o desejo de sermos estimados e admirados pelas acções boas, isto é, de ter uma satisfação. E isto, por um lado, leva a um fechamento em nós mesmos, por outro, conduz para fora de nós próprios, porque vivemos projectados para aquilo que os outros pensam de nós e admiram em nós. Ao repropor estas prescrições, o Senhor Jesus não exige um respeito formal por uma lei alheia ao homem, imposta por um legislador severo como um fardo pesado, mas convida a redescobrir estas três obras de piedade vivendo-as de modo mais profundo, não por amor próprio, mas por amor a Deus, como meios no caminho de conversão a Ele. Esmola, oração e jejum: é o percurso da pedagogia divina que nos acompanha, não só na Quaresma, rumo ao encontro com o Senhor Ressuscitado: um percurso que se deve percorrer sem ostentação, na certeza de que o Pai celeste sabe ler e ver também no segredo do nosso coração.

Queridos irmãos e irmãs, iniciemos confiantes e rejubilantes o itinerário quaresmal. Quarenta dias nos separam da Páscoa. Este tempo «forte» do ano litúrgico é um tempo propício que nos é doado para corresponder, com maior empenho, à nossa conversão, para intensificar a escuta da Palavra de Deus, a oração e a penitência, abrindo o coração à aceitação dócil da vontade divina, para uma prática mais generosa da mortificação, graças à qual ir mais amplamente em ajuda do próximo necessitado: um itinerário espiritual que nos prepara para reviver o Mistério pascal.

Maria, nossa guia no caminho quaresmal, nos conduza a um conhecimento cada vez mais profundo de Cristo, morto e ressuscitado, nos ajude no combate espiritual contra o pecado, nos ampare ao invocar com vigor: «Converte nos, Deus salutaris noster» — Convertei-nos a Vós, ó Deus, nossa salvação».

Amém!



Domingo, 20 de Março de 2011: SANTA MISSA E RITO DE DEDICAÇÃO DA NOVA PARÓQUIA ROMANA DE SÃO CORBINIANO

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Estimados irmãos e irmãs!

Sinto-me muito feliz por estar no meio de vós, para celebrar um acontecimento significativo como a Dedicação a Deus e ao serviço da comunidade desta igreja intitulada a são Corbiniano. A Providência quis que este nosso encontro tivesse lugar no 2º Domingo de Quaresma, caracterizado pelo Evangelho da Transfiguração de Jesus. Por isso, hoje temos a aproximação entre dois elementos, ambos muito importantes: por um lado, o mistério da Transfiguração e, por outro, o do templo, ou seja da casa de Deus no meio das vossas casas. As Leituras bíblicas que ouvimos foram escolhidas para iluminar estes dois aspectos.

A Transfiguração. O evangelista Mateus narrou-nos aquilo que aconteceu quando Jesus subiu a um monte alto, levando consigo três dos seus discípulos: Pedro, Tiago e João. Enquanto estavam lá em cima, sozinhos, o rosto de Jesus tornou-se fulgurante, assim como as suas vestes. É a isto que chamamos «Transfiguração»: um mistério luminoso, confortador. Qual é o seu significado? A Transfiguração é uma revelação da pessoa de Jesus, da sua profunda realidade. Com efeito, as testemunhas oculares de tal acontecimento, ou seja os três Apóstolos, foram envolvidos por uma nuvem, também ela luminosa — que na Bíblia anuncia sempre a presença de Deus — e ouviram uma voz que dizia: «Eis o meu Filho muito amado, em quem pus todo o meu enlevo; escutai-O!» (
Mt 17,5). Mediante este acontecimento, os discípulos são preparados para o mistério pascal de Jesus: superar a terrível prova da paixão e compreender bem o acontecimento luminoso da ressurreição.

A narração fala também de Moisés e Elias, que apareceram e conversaram com Jesus. Efectivamente, este episódio está relacionado com outras duas revelações divinas. Moisés tinha subido ao monte Sinai, e ali tivera a revelação de Deus. Pedira para ver a sua glória, mas Deus respondera-lhe que não o teria visto face a face, mas só por detrás (cf. Ex 33,18-23). De modo análogo, também Elias teve uma revelação de Deus sobre o monte: uma manifestação mais íntima, não com uma tempestade, com um tremor de terra ou com o fogo, mas com uma brisa ligeira (cf. 1R 19,11-13). Diversamente do que aconteceu nestes dois episódios, na Transfiguração não é Jesus que recebe a revelação de Deus, mas é precisamente nele que Deus se revela e que revela o seu rosto aos Apóstolos. Portanto, quem quer conhecer Deus, deve contemplar o rosto de Jesus, o seu rosto transfigurado: Jesus é a revelação perfeita da santidade e da misericórdia do Pai. Além disso, recordemos que no monte Sinai Moisés recebeu também a revelação da vontade de Deus: os dez Mandamentos. Além disso, ainda sobre o monte, Elias recebeu de Deus a revelação divina de uma missão a cumprir. Jesus, ao contrário, não recebe a revelação daquilo que deverá cumprir: já o conhece; são sobretudo os Apóstolos que ouvem, na nuvem, a voz de Deus que comanda: «Escutai-o!». A vontade de Deus revela-se plenamente na pessoa de Jesus. Quem quer viver segundo a vontade de Deus, deve seguir Jesus, ouvi-lo, aceitar as suas palavras e, com a ajuda do Espírito Santo, aprofundá-las. Este é o primeiro convite que desejo dirigir-vos, caros amigos, com grande afecto: crescei no conhecimento e no amor a Cristo, quer como indivíduos, quer como comunidade paroquial, encontrai-O na Eucaristia, na escuta da sua palavra, na oração e na caridade.

O segundo ponto é a Igreja, como edifício e principalmente como comunidade. No entanto, antes de meditar sobre a Dedicação da vossa igreja, gostaria de vos dizer que existe um motivo particular que aumenta a minha alegria por me encontrar hoje convosco. Com efeito, são Corbiniano é o fundador da diocese de Freising, na Baviera, da qual fui bispo durante quatro anos. No meu brasão episcopal, eu quis inserir um elemento estritamente associado à história deste santo: o urso. Um urso — assim é narrado — tinha devorado o cavalo de Corbiniano, que estava a caminho de Roma. Ele repreendeu-o duramente, conseguiu domesticá-lo e carregou sobre as suas costas a bagagem que, até àquele momento, tinha sido carregado pelo cavalo. O urso transportou aquele fardo até Roma, e somente aqui o santo o libertou.

Talvez este seja o momento para dizer duas palavras sobre a vida de são Corbiniano. São Corbiniano era francês, sacerdote da região de Paris, e tinha fundado um mosteiro nos arredores daquela cidade. Era muito estimado como conselheiro espiritual, mas procurava sobretudo a contemplação e, por isso, veio a Roma para fundar um mosteiro aqui, junto aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo. Mas o Papa Gregório II — estamos mais ou menos no ano 720 — estimava as suas qualidades, tinha compreendido as suas qualidades, ordenou-o bispo, encarregando-o de ir à Baviera e anunciar o Evangelho naquela terra: o Papa pensava no país entre o Danúbio e os Alpes, que durante quinhentos anos tinha sido a província romana da Récia; só no final do século v a população latina tinha voltado em grande parte para a Itália. Ali permaneceram poucos, pessoas simples; a terra era pouco habitada e ali chegara uma nova população, o povo bávaro, que tinha encontrado uma herança cristã porque o país fora cristianizado na época romana. O povo bávaro compreendera imediatamente que esta era a verdadeira religião, e queria tornar-se cristão, mas faltavam pessoas cultas, havia escassez de sacerdotes para anunciar o Evangelho. E deste modo, o Cristianismo permanecera muito fragmentário, numa fase inicial. O Papa conhecia esta situação, conhecia a sede de fé que havia naquele país e, por isso, incumbiu são Corbiniano de partir para lá com a finalidade de anunciar o Evangelho. E em Freising, na cidade do duque, no cimo de uma colina, o santo construiu a Catedral — onde já encontrara um santuário dedicado a Nossa Senhora — e onde permaneceu durante mais de mil anos a sede do bispo. Só depois do período napoleónico, ela foi transferida trinta quilómetros mais ao sul, em München. Ainda hoje é chamada diocese de München e Freising, e a majestosa catedral românica de Freising permanece o coração da diocese. Assim vemos como os santos contribuem para a unidade e a universalidade da Igreja. A universalidade: são Corbiniano une a França, a Alemanha e Roma. A unidade: são Corbiniano diz-nos que a Igreja está fundada sobre Pedro e garante-nos também a perenidade da Igreja, construída sobre a rocha, que há mil anos era a mesma Igreja de hoje, porque o Senhor é sempre o mesmo. Ele é sempre a Verdade, sempre antiga e sempre nova, extremamente actual, presente, é a chave que abre ao futuro.

Agora, gostaria de agradecer a quantos contribuíram para construir esta igreja. Sei como a diocese de Roma se empenha para garantir a cada um dos bairros, conjuntos paroquiais que sejam adequados. Saúdo e agradeço ao Cardeal Vigário, ao Bispo Auxiliar do Sector e ao Bispo Secretário da Obra Romana para a Preservação da Fé e a Provisão de Novas Igrejas. Saúdo sobretudo os meus dois sucessores. Saúdo o Cardeal Wetter, que teve a iniciativa de dedicar uma igreja paroquial a são Corbiniano e uma ajuda válida para a realização deste projecto. Obrigado, Eminência! Muito obrigado. É-me grato saber que a igreja foi construída tão rapidamente. Saúdo o Cardeal Marx, actual Arcebispo de München e Freising, que continua com o amor não apenas por são Corbiniano, mas também pela sua Igreja em Roma. Muito obrigado inclusive a Sua Excelência D. Clemens, da diocese de Paderborn e Secretário do Pontifício Conselho para os Leigos. Dirijo um pensamento particular ao Pároco, Pe. Antonio Magnotta, com um profundo agradecimento pelas palavras que me dirigiu. Obrigado! E saúdo, naturalmente, também o vice-pároco! Através de todos vós, aqui presentes, desejo transmitir uma palavra de proximidade afectuosa aos cerca de dez mil residentes no território desta Paróquia. Reunidos ao redor da Eucaristia, sentimos mais facilmente que a missão de cada comunidade cristã consiste em comunicar a todos a mensagem do amor de Deus, fazendo com que todos conheçam o seu Rosto. Eis por que motivo é importante que a Eucaristia seja sempre o fulcro da vida dos fiéis, como é no dia de hoje para a vossa Paróquia, embora nem todos os seus membros tenham podido participar pessoalmente nela.

Hoje vivemos um dia importante, que coroa os esforços, as dificuldades, os sacrifícios levados a cabo e o compromisso das pessoas aqui residentes, de se constituírem como comunidade cristã amadurecida, capaz de dispor de uma igreja já consagrada definitivamente ao culto de Deus. Alegro-me por esta meta alcançada e estou convicto de que ela há-de favorecer a agregação e o crescimento da família dos crentes neste território. A Igreja quer estar presente em cada bairro, onde as pessoas vivem e trabalham, com o testemunho evangélico de cristãos coerentes e fiéis, mas também com edifícios que permitem reunir-se para a oração e os Sacramentos, para a formação cristã e para estabelecer relações de amizade e fraternidade, fazendo crescer as crianças, os jovens, as famílias e os idosos naquele espírito de comunidade que Cristo nos ensinou e do qual o mundo tem tanta necessidade.

Assim como foi realizado o edifício paroquial, do mesmo modo a minha visita deseja encorajar-vos a realizar cada vez melhor aquela Igreja de pedras vivas, que sois vós. Na segunda leitura ouvimos estas palavras: «Vós sois o campo de Deus, o edifício de Deus», escreve são Paulo aos Coríntios (1Co 3,9), mas também a nós; e exorta-os a construir sobre o único verdadeiro fundamento, que é Jesus Cristo (cf. 1Co 3,11). Por isso, também eu vos exorto a fazer da vossa nova igreja o lugar onde se aprenda a ouvir a Palavra de Deus, a «escola» permanente de vida cristã, onde tenham início todas as actividades desta paróquia jovem e comprometida. A propósito deste aspecto, é iluminador o texto do Livro de Neemias, que nos foi proposto na primeira leitura. Nele vê-se bem que Israel é o povo convocado para ouvir a Palavra de Deus, escrita no livro da Lei. Este livro é lido solenemente pelos ministros e explicado ao povo, que permanece de pé, eleva as mãos ao céu e depois ajoelha-se e prostra-se com o rosto no chão, em sinal de adoração. É uma autêntica liturgia, animada pela fé em Deus que fala, pelo arrependimento diante da própria infidelidade à Lei do Senhor, mas principalmente pela alegria, pelo facto de que a proclamação da sua Palavra é sinal de que Ele não abandonou o seu povo e permanece próximo dele. Também vós, queridos irmãos e irmãs, congregando-vos para ouvir a Palavra de Deus com fé e perseverança, haveis de tornar-vos, de domingo em domingo, Igreja de Deus, formados e plasmados interiormente pela sua Palavra. Como é grande este dom! Estai sempre gratos por isto.

A vossa comunidade é jovem, constituída em grande parte por recém-casados, que vêm viver neste bairro; há muitas crianças e adolescentes. Conheço o compromisso e a atenção que são dedicados à família e ao acompanhamento dos jovens casais: sabei dar vida a uma pastoral familiar caracterizada pelo acolhimento aberto e cordial dos novos núcleos familiares, que saiba favorecer o conhecimento recíproco, de tal forma que a comunidade paroquial seja cada vez mais uma «família de famílias», capaz de partilhar com eles, juntamente com as alegrias, inclusive as dificuldades inevitáveis do início. Sei também que vários grupos de fiéis se reúnem para rezar, para se formar na escola do Evangelho, participar nos Sacramentos e viver aquela dimensão essencial para a vida cristã, que é a caridade. Penso naqueles que, juntamente com a Cáritas paroquial, procuram ir ao encontro das numerosas exigências do território, especialmente correspondendo às expectativas dos mais pobres e necessitados.

Alegro-me por aquilo que fazeis na preparação dos adolescentes e dos jovens aos Sacramentos da vida cristã, e exorto-vos a interessar-vos cada vez mais também pelos seus pais, de modo especial por aqueles que têm filhos pequenos; a Paróquia se esforce por propor inclusive a eles, em horários e de modos convenientes, encontros de oração e de formação, sobretudo para os pais das crianças que devem receber o Baptismo e os outros Sacramentos da iniciação cristã. Tende também especiais cuidado e atenção pelas famílias em dificuldade, ou que se encontram em condições de precariedade ou de irregularidade. Não as deixeis sozinhas, mas permanecei próximos delas com amor, ajudando-as a compreender o autêntico desígnio de Deus sobre o matrimónio e a família. Uma especial palavra de carinho e de amizade, o Papa deseja dirigi-la inclusive a vós, prezados adolescentes e jovens que me ouvis, bem como aos vossos coetâneos que vivem nesta Paróquia. O hoje e o amanhã da comunidade eclesial e civil são confiados de modo particular a vós. A Igreja espera muito do vosso entusiasmo, da vossa capacidade de olhar em frente e do vosso desejo de radicalidade nas opções da vida.

Queridos amigos de são Corbiniano! O Senhor Jesus, que conduziu os Apóstolos ao cimo do monte para rezar e lhes demonstrou a sua glória, hoje convidou-nos nesta nova igreja: aqui podemos ouvi-lo, aqui podemos reconhecer a sua presença na fracção do Pão eucarístico; e deste modo tornar-nos Igreja viva, templo do Espírito Santo, sinal no mundo do amor de Deus. Voltai para as vossas casas com o coração cheio de reconhecimento e de júbilo, porque fazeis parte deste grandioso edifício espiritual, que é a Igreja. À Virgem Maria confiemos o nosso caminho quaresmal, assim como o da Igreja inteira. Nossa Senhora, que seguiu o seu Filho Jesus até à cruz, nos ajude a ser discípulos fiéis de Cristo, para podermos participar juntamente com Ela na alegria da Páscoa. Amém!



Bento XVI Homilias 25211