Bento XVI Homilias 23411


Domingo, 1° de Maio de 2011: CAPELA PAPAL POR OCASIÃO DA BEATIFICAÇÃO DO SERVO DE DEUS JOÃO PAULO II

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Átrio da Basílica Vaticana


Amados irmãos e irmãs,


Passaram já seis anos desde o dia em que nos encontrávamos nesta Praça para celebrar o funeral do Papa João Paulo II. Então, se a tristeza pela sua perda era profunda, maior ainda se revelava a sensação de que uma graça imensa envolvia Roma e o mundo inteiro: graça esta, que era como que o fruto da vida inteira do meu amado Predecessor, especialmente do seu testemunho no sofrimento. Já naquele dia sentíamos pairar o perfume da sua santidade, tendo o Povo de Deus manifestado de muitas maneiras a sua veneração por ele. Por isso, quis que a sua Causa de Beatificação pudesse, no devido respeito pelas normas da Igreja, prosseguir com discreta celeridade. E o dia esperado chegou! Chegou depressa, porque assim aprouve ao Senhor: João Paulo II é Beato!

Desejo dirigir a minha cordial saudação a todos vós que, nesta circunstância feliz, vos reunistes, tão numerosos, aqui em Roma vindos de todos os cantos do mundo: cardeais, patriarcas das Igrejas Católicas Orientais, irmãos no episcopado e no sacerdócio, delegações oficiais, embaixadores e autoridades, pessoas consagradas e fiéis leigos; esta minha saudação estende-se também a quantos estão unidos connosco através do rádio e da televisão.

Estamos no segundo domingo de Páscoa, que o Beato João Paulo II quis intitular Domingo da Divina Misericórdia. Por isso, se escolheu esta data para a presente celebração, porque o meu Predecessor, por um desígnio providencial, entregou o seu espírito a Deus justamente ao anoitecer da vigília de tal ocorrência. Além disso, hoje tem início o mês de Maio, o mês de Maria; e neste dia celebra-se também a memória de São José operário. Todos estes elementos concorrem para enriquecer a nossa oração; servem-nos de ajuda, a nós que ainda peregrinamos no tempo e no espaço; no Céu, a festa entre os Anjos e os Santos é muito diferente! E todavia Deus é um só, e um só é Cristo Senhor que, como uma ponte, une a terra e o Céu, e neste momento sentimo-lo muito perto, sentimo-nos quase participantes da liturgia celeste.

«Felizes os que acreditam sem terem visto» (
Jn 20,29). No Evangelho de hoje, Jesus pronuncia esta bem-aventurança: a bem-aventurança da fé. Ela chama de modo particular a nossa atenção, porque estamos reunidos justamente para celebrar uma Beatificação e, mais ainda, porque o Beato hoje proclamado é um Papa, um Sucessor de Pedro, chamado a confirmar os irmãos na fé. João Paulo II é Beato pela sua forte e generosa fé apostólica. E isto traz imediatamente à memória outra bem-aventurança: «Feliz de ti, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas sim meu Pai que está nos Céus» (Mt 16,17). O que é que o Pai celeste revelou a Simão? Que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus vivo. Por esta fé, Simão se torna «Pedro», rocha sobre a qual Jesus pode edificar a sua Igreja. A bem-aventurança eterna de João Paulo II, que a Igreja tem a alegria de proclamar hoje, está inteiramente contida nestas palavras de Cristo: «Feliz de ti, Simão» e «felizes os que acreditam sem terem visto». É a bem-aventurança da fé, cujo dom também João Paulo II recebeu de Deus Pai para a edificação da Igreja de Cristo.

Entretanto perpassa pelo nosso pensamento mais uma bem-aventurança que, no Evangelho, precede todas as outras. É a bem-aventurança da Virgem Maria, a Mãe do Redentor. A Ela, que acabava de conceber Jesus no seu ventre, diz Santa Isabel: «Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor» (Lc 1,45). A bem-aventurança da fé tem o seu modelo em Maria, pelo que a todos nos enche de alegria o facto de a beatificação de João Paulo II ter lugar no primeiro dia deste mês mariano, sob o olhar materno d’Aquela que, com a sua fé, sustentou a fé dos Apóstolos e não cessa de sustentar a fé dos seus sucessores, especialmente de quantos são chamados a sentar-se na cátedra de Pedro. Nas narrações da ressurreição de Cristo, Maria não aparece, mas a sua presença pressente-se em toda a parte: é a Mãe, a quem Jesus confiou cada um dos discípulos e toda a comunidade. De forma particular, notamos que a presença real e materna de Maria aparece assinalada por São João e São Lucas nos contextos que precedem tanto o Evangelho como a primeira Leitura de hoje: na narração da morte de Jesus, onde Maria aparece aos pés da Cruz (Jn 19,25); e, no começo dos Actos dos Apóstolos, que a apresentam no meio dos discípulos reunidos em oração no Cenáculo (Ac 1,14).

Também a segunda Leitura de hoje nos fala da fé, e é justamente São Pedro que escreve, cheio de entusiasmo espiritual, indicando aos recém-baptizados as razões da sua esperança e da sua alegria. Apraz-me observar que nesta passagem, situada na parte inicial da sua Primeira Carta, Pedro exprime-se não no modo exortativo, mas indicativo. De facto, escreve: «Isto vos enche de alegria»; e acrescenta: «Vós amais Jesus Cristo sem O terdes conhecido, e, como n’Ele acreditais sem O verdes ainda, estais cheios de alegria indescritível e plena de glória, por irdes alcançar o fim da vossa fé: a salvação das vossas almas» (1P 1,6 1P 1,8-9). Está tudo no indicativo, porque existe uma nova realidade, gerada pela ressurreição de Cristo, uma realidade que nos é acessível pela fé. «Esta é uma obra admirável – diz o Salmo (Ps 118,23) – que o Senhor realizou aos nossos olhos», os olhos da fé.

Queridos irmãos e irmãs, hoje diante dos nossos olhos brilha, na plena luz de Cristo ressuscitado, a amada e venerada figura de João Paulo II. Hoje, o seu nome junta-se à série dos Santos e Beatos que ele mesmo proclamou durante os seus quase 27 anos de pontificado, lembrando com vigor a vocação universal à medida alta da vida cristã, à santidade, como afirma a Constituição conciliar Lumem gentium sobre a Igreja. Os membros do Povo de Deus – bispos, sacerdotes, diáconos, fiéis leigos, religiosos e religiosas – todos nós estamos a caminho da Pátria celeste, tendo-nos precedido a Virgem Maria, associada de modo singular e perfeito ao mistério de Cristo e da Igreja. Karol Wojtyla, primeiro como Bispo Auxiliar e depois como Arcebispo de Cracóvia, participou no Concílio Vaticano II e bem sabia que dedicar a Maria o último capítulo da Constituição sobre a Igreja significava colocar a Mãe do Redentor como imagem e modelo de santidade para todo o cristão e para a Igreja inteira. Foi esta visão teológica que o Beato João Paulo II descobriu na sua juventude, tendo-a depois conservado e aprofundado durante toda a vida; uma visão, que se resume no ícone bíblico de Cristo crucificado com Maria ao pé da Cruz. Um ícone que se encontra no Evangelho de João (Jn 19,25-27) e está sintetizado nas armas episcopais e, depois, papais de Karol Wojtyla: uma cruz de ouro, um «M» na parte inferior direita e o lema «Totus tuus», que corresponde à conhecida frase de São Luís Maria Grignion de Monfort, na qual Karol Wojtyla encontrou um princípio fundamental para a sua vida: «Totus tuus ego sum et omnia mea tua sunt. Accipio Te in mea omnia. Praebe mihi cor tuum, Maria – Sou todo vosso e tudo o que possuo é vosso. Tomo-vos como toda a minha riqueza. Dai-me o vosso coração, ó Maria» (Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n. 266).

No seu Testamento, o novo Beato deixou escrito: «Quando, no dia 16 de Outubro de 1978, o conclave dos cardeais escolheu João Paulo II, o Card. Stefan Wyszynski, Primaz da Polónia, disse-me: “A missão do novo Papa será a de introduzir a Igreja no Terceiro Milénio”». E acrescenta: «Desejo mais uma vez agradecer ao Espírito Santo pelo grande dom do Concílio Vaticano II, do qual me sinto devedor, juntamente com toda a Igreja e sobretudo o episcopado. Estou convencido de que será concedido ainda por muito tempo, às sucessivas gerações, haurir das riquezas que este Concílio do século XX nos prodigalizou. Como Bispo que participou no evento conciliar, desde o primeiro ao último dia, desejo confiar este grande património a todos aqueles que são, e serão, chamados a realizá-lo. Pela minha parte, agradeço ao Pastor eterno que me permitiu servir esta grandíssima causa ao longo de todos os anos do meu pontificado». E qual é esta causa? É a mesma que João Paulo II enunciou na sua primeira Missa solene, na Praça de São Pedro, com estas palavras memoráveis: «Não tenhais medo! Abri, melhor, escancarai as portas a Cristo!». Aquilo que o Papa recém-eleito pedia a todos, começou, ele mesmo, a fazê-lo: abriu a Cristo a sociedade, a cultura, os sistemas políticos e económicos, invertendo, com a força de um gigante – força que lhe vinha de Deus –, uma tendência que parecia irreversível. Com o seu testemunho de fé, de amor e de coragem apostólica, acompanhado por uma grande sensibilidade humana, este filho exemplar da Nação Polaca ajudou os cristãos de todo o mundo a não ter medo de se dizerem cristãos, de pertencerem à Igreja, de falarem do Evangelho. Numa palavra, ajudou-nos a não ter medo da verdade, porque a verdade é garantia de liberdade. Sintetizando ainda mais: deu-nos novamente a força de crer em Cristo, porque Cristo é o Redentor do homem – Redemptor hominis: foi este o tema da sua primeira Encíclica e o fio condutor de todas as outras.

Karol Wojtyla subiu ao sólio de Pedro trazendo consigo a sua reflexão profunda sobre a confrontação entre o marxismo e o cristianismo, centrada no homem. A sua mensagem foi esta: o homem é o caminho da Igreja, e Cristo é o caminho do homem. Com esta mensagem, que é a grande herança do Concílio Vaticano II e do seu «timoneiro» – o Servo de Deus Papa Paulo VI –, João Paulo II foi o guia do Povo de Deus ao cruzar o limiar do Terceiro Milénio, que ele pôde, justamente graças a Cristo, chamar «limiar da esperança». Na verdade, através do longo caminho de preparação para o Grande Jubileu, ele conferiu ao cristianismo uma renovada orientação para o futuro, o futuro de Deus, que é transcendente relativamente à história, mas incide na história. Aquela carga de esperança que de certo modo fora cedida ao marxismo e à ideologia do progresso, João Paulo II legitimamente reivindicou-a para o cristianismo, restituindo-lhe a fisionomia autêntica da esperança, que se deve viver na história com um espírito de «advento», numa existência pessoal e comunitária orientada para Cristo, plenitude do homem e realização das suas expectativas de justiça e de paz.

Por fim, quero agradecer a Deus também a experiência de colaboração pessoal que me concedeu ter longamente com o Beato Papa João Paulo II. Se antes já tinha tido possibilidades de o conhecer e estimar, desde 1982, quando me chamou a Roma como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, pude durante 23 anos permanecer junto dele crescendo sempre mais a minha veneração pela sua pessoa. O meu serviço foi sustentado pela sua profundidade espiritual, pela riqueza das suas intuições. Sempre me impressionou e edificou o exemplo da sua oração: entranhava-se no encontro com Deus, inclusive no meio das mais variadas incumbências do seu ministério. E, depois, impressionou-me o seu testemunho no sofrimento: pouco a pouco o Senhor foi-o despojando de tudo, mas permaneceu sempre uma «rocha», como Cristo o quis. A sua humildade profunda, enraizada na união íntima com Cristo, permitiu-lhe continuar a guiar a Igreja e a dar ao mundo uma mensagem ainda mais eloquente, justamente no período em que as forças físicas definhavam. Assim, realizou de maneira extraordinária a vocação de todo o sacerdote e bispo: tornar-se um só com aquele Jesus que diariamente recebe e oferece na Igreja.

Feliz és tu, amado Papa João Paulo II, porque acreditaste! Continua do Céu – nós te pedimos – a sustentar a fé do Povo de Deus. Muitas vezes, do Palácio, tu nos abençoaste nesta Praça! Hoje nós te pedimos: Santo Padre, abençoa-nos! Amen.



Domingo, 8 de Maio de 2011: VISITA PASTORAL A AQUILEIA E VENEZA - SANTA MISSA

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Parque São Juliano - Mestre





Queridos irmãos e irmãs!

Sinto-me muito feliz por estar hoje convosco e por celebrar convosco e para vós esta solene Eucaristia. É significativo que o lugar escolhido para esta Liturgia seja o Parque de São Juliano: um espaço onde habitualmente não se celebram ritos religiosos, mas manifestações culturais e musicais. Hoje, este espaço hospeda Jesus ressuscitado, realmente presente na sua Palavra, na assembleia do Povo de Deus com os seus Pastores e, de modo eminente, no sacramento do seu Corpo e do seu Sangue. A vós, Venerados Irmãos Bispos, com os Presbíteros e os Diáconos, a vós religiosos, religiosas e leigos dirijo a minha saudação mais cordial, com um pensamento especial para os doentes e os enfermos aqui presentes, acompanhados pela UNITALSI. Obrigado pelo vosso caloroso acolhimento! Saúdo com afecto o Patriarca, Cardeal Angelo Scola, ao qual agradeço as comovedoras palavras que me dirigiu no início da santa Missa. Dirijo um pensamento deferente ao Presidente da Câmara Municipal, ao Ministro para os Bens e as Actividades Culturais em representação do Governo, ao Ministro do Trabalho e das Políticas Sociais e às Autoridades civis e militares, que com a sua presença quiseram honrar este nosso encontro. Dirijo um pensamento agradecido a quantos ofereceram generosamente a sua colaboração para a preparação e a realização desta minha Visita Pastoral. Obrigado de coração!

O Evangelho do Terceiro Domingo de Páscoa — que acabamos de escutar — apresenta o episódio dos discípulos de Emaús (cf.
Lc 24,13-35), uma narração que nos faz admirar e comover sempre. Este episódio mostra as consequências que Jesus ressuscitado realiza nos dois discípulos: conversão do desespero em esperança; conversão da tristeza em alegria; e também conversão à vida comunitária. Por vezes, quando se fala de conversão, pensa-se unicamente no seu aspecto cansativo, de desapego e renúncia. Ao contrário, a conversão cristã é também e sobretudo fonte de alegria, de esperança e de amor. Ela é sempre obra de Cristo ressuscitado, Senhor da vida, que nos obteve esta graça por meio da sua paixão e no-la comunica em virtude da sua ressurreição.

Queridos irmãos e irmãs! Vim até vós como Bispo de Roma e continuador do ministério de Pedro, para vos confirmar na fidelidade ao Evangelho e na comunhão. Vim para partilhar com os Bispos e com os Presbíteros o anseio do anúncio missionário, que a todos deve incluir num sério e bem coordenado serviço à causa do Reino de Deus. Vós, hoje aqui presentes, representais as Comunidades eclesiais nascidas na Igreja-mãe de Aquileia. Assim como no passado, quando aquelas Igrejas se distinguiram pelo fervor apostólico e o dinamismo pastoral, também hoje é preciso promover e defender com coragem a verdade e a unidade da fé. É necessário dizer a razão da esperança cristã ao homem moderno, com frequência subjugado por vastas e preocupantes problemáticas que põem em crise os próprios fundamentos do seu ser e agir.

Vós viveis num contexto no qual o Cristianismo se apresenta como a fé que acompanhou, nos séculos, o caminho de tantos povos, também através de perseguições e provações muito duras. Desta fé são expressões eloquentes os numerosos testemunhos espalhados em toda a parte: as igrejas, as obras de arte, os hospitais, as bibliotecas, as escolas; o próprio ambiente das vossas cidades, assim como do campo e das montanhas, todos constelados de referências a Cristo. Não obstante, hoje este ser de Cristo corre o risco de se esvaziar da sua verdade e dos seus conteúdos mais profundos; arrisca tornar-se um horizonte que só superficialmente — e nos aspectos mais sociais e culturais — abraça a vida; arrisca reduzir-se a um cristianismo no qual a experiência de fé em Jesus crucificado e ressuscitado não ilumina o caminho da existência, como ouvimos no Evangelho de hoje a propósito dos dois discípulos de Emaús, os quais, depois da crucifixão de Jesus, regressavam a casa cheios de dúvidas, tristes e desiludidos. Infelizmente, esta atitude tende a difundir-se também no vosso território: isto acontece quando os discípulos de hoje se afastam da Jerusalém do Crucificado e do Ressuscitado, tendo perdido a crença no poder e na presença viva do Senhor. O problema do mal, da dor e do sofrimento, o problema da injustiça e da subjugação, o medo dos outros, dos alheios e dos distantes que chegam às nossas terras e parecem ameaçar aquilo que somos, levam os cristãos de hoje a dizer com tristeza: nós esperávamos que o Senhor nos libertasse do mal, da dor, do sofrimento, do medo, da injustiça.

É então necessário, para cada um de nós, como aconteceu com os dois discípulos de Emaús, deixar-se instruir por Jesus: antes de tudo, ouvindo-o e amando a Palavra de Deus, lida à luz do Mistério Pascal, para que aqueça o nosso coração e ilumine a nossa mente, e nos ajude a interpretar os acontecimentos da vida e dar-lhes um sentido. Depois, é preciso sentar-se à mesa com o Senhor, tornar-se seus comensais, para que a sua presença humilde no Sacramento do seu Corpo e do seu Sangue nos restitua o olhar da fé, para vermos tudo e todos com os olhos de Deus, na luz do seu amor. Estar com Jesus que permaneceu connosco, assimilar o seu estilo de vida doada, escolher com ele a lógica da comunhão entre nós, da solidariedade e da partilha. A Eucaristia é a máxima expressão da doação que Jesus faz de si mesmo e é um convite constante a viver a nossa existência na lógica eucarística, como um dom a Deus e ao próximo.

O Evangelho refere também que os dois discípulos, depois de terem reconhecido Jesus no partir do pão, «imediatamente voltaram para Jerusalém» (Lc 24,33). Eles sentem a necessidade de regressar a Jerusalém e contar a extraordinária experiência que viveram: o encontro com o Senhor ressuscitado. Há um grande esforço que deve ser realizado para que cada cristão, tanto aqui no Nordeste como em qualquer outra parte do mundo, se transforme em testemunha, pronta a anunciar com vigor e com alegria o acontecimento da morte e da ressurreição de Cristo. Conheço o cuidado com que, como Igreja do Trivéneto, procurais compreender as razões do coração do homem moderno e como, recordando as antigas tradições cristãs, vos preocupais por traçar as linhas programáticas da nova evangelização, olhando com atenção para os numerosos desafios do tempo actual e reconsiderando o futuro desta região. Desejo, com a minha presença, apoiar a vossa obra e infundir em todos confiança no intenso programa pastoral iniciado pelos vossos Pastores, desejando um proveitoso compromisso da parte de todas as componentes da Comunidade eclesial.

Contudo, também um povo tradicionalmente católico pode sentir o aspecto negativo, ou assimilar quase inconscientemente, os golpes de uma cultura que acaba por insinuar um modo de pensar no qual é abertamente rejeitado, ou secretamente obstada, a mensagem evangélica. Sei quanto foi e quanto continua a ser grande o vosso compromisso na defesa dos valores perenes da fé cristã. Encorajo-vos a nunca ceder às frequentes tentações da cultura hedonista e às tentações do consumismo materialista. Aceitai o convite do Apóstolo Pedro, contido na segunda Leitura de hoje, a comportar-vos «com temor de Deus no tempo em que viveis na terra como estrangeiros» (1P 1,17); convite que se concretiza numa vida vivida intensamente nos caminhos do nosso mundo, conscientes da meta que devemos alcançar: a unidade com Deus, em Cristo crucificado e ressuscitado. De facto, a nossa fé e a nossa esperança estão depostas em Deus (cf. 1P 1,21): dirigidas para Deus porque radicadas n'Ele, fundadas no seu amor e na sua fidelidade. Nos séculos passados, as vossas Igrejas conheceram uma rica tradição de santidade e de serviço generoso aos irmãos, graças à obra de zelosos sacerdotes, religiosos e religiosas de vida activa e contemplativa. Se quisermos pôr-nos à escuta do seu ensinamento espiritual, não é difícil reconhecer o apelo pessoal e inconfundível que eles nos dirigem: Sede santos! Ponde Cristo no centro da vossa vida! Construí sobre Ele o edifício da vossa existência. Em Jesus encontrareis a força para vos abrirdes aos outros e para fazer de vós mesmos, a seu exemplo, um dom para toda a humanidade.

Em volta de Aquileia encontraram-se unidos povos de línguas e culturas diversas, que convergiram não só por exigências políticas mas, sobretudo, pela fé em Cristo e pela civilização inspirada pelo ensinamento evangélico, a Civilização do Amor. As Igrejas que surgiram em Aquileia são hoje chamadas a restabelecer aquela antiga unidade espiritual, em particular à luz do fenómeno da imigração e das novas circunstâncias geopolíticas em acto. A fé cristã pode certamente contribuir para concretizar tal programa, que diz respeito ao harmonioso e integral progresso do homem e da sociedade na qual ele vive. A minha presença entre vós quer ser, portanto, também um apoio real aos esforços que são feitos para favorecer a solidariedade entre as vossas Dioceses do Nordeste. Pretende ser também um encorajamento para todas as iniciativas que se propõem superar aquelas divisões que poderiam tornar vãs as aspirações concretas pela justiça e pela paz.

Eis, irmãos, os meus votos, a minha oração que dirijo a Deus por todos vós, invocando a celeste intercessão da Virgem Maria e dos numerosos Santos e Beatos, entre os quais me apraz recordar são Pio X e o beato João XXIII, mas também o Venerável Giuseppe Toniolo, cuja beatificação já está próxima. Estas luminosas testemunhas do Evangelho são a maior riqueza do vosso território: segui os seus exemplos e ensinamentos, conjugando-os com as exigências actuais. Tende confiança: o Senhor ressuscitado caminha convosco, ontem, hoje e sempre. Amen.



VIAGEM APOSTÓLICA À CROÁCIA (4-5 DE JUNHO DE 2011)

Domingo, 5 de Junho de 2011: SANTA MISSA POR OCASIÃO DO DIA NACIONAL DAS FAMÍLIAS CATÓLICAS CROATAS

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Hipódromo de Zagreb




Amados Irmãos e Irmãs!

Nesta Santa Missa que tenho a alegria de presidir, concelebrando com numerosos Irmãos no episcopado e com um grande número de sacerdotes, agradeço ao Senhor por todas as queridas famílias aqui reunidas e por muitas outras que estão unidas connosco através do rádio e da televisão. O meu agradecimento particular ao Cardeal Josip Bozanic, Arcebispo de Zagrábia, pelas sentidas palavras que me dirigiu no início da Santa Missa. A todos dirijo a minha saudação e exprimo a minha grande estima com um abraço de paz.

Celebrámos há pouco a Ascensão do Senhor e preparamo-nos para receber o grande dom do Espírito Santo. Vimos, na primeira leitura, como a comunidade apostólica se reunira em oração no Cenáculo com Maria, a Mãe de Jesus (cf.
Ac 1,12-14). Este é um retrato da Igreja cujas raízes assentam no evento pascal: de facto, o Cenáculo é o lugar onde Jesus instituiu a Eucaristia e o Sacerdócio na Última Ceia, e onde, ressuscitado dos mortos, efundiu o seu Espírito sobre os Apóstolos ao entardecer do dia de Páscoa (cf. Jn 20,19-23). O Senhor ordenara aos seus discípulos que «não se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem a Promessa do Pai» (Ac 1,4), isto é, pedira que permanecessem juntos preparando-se para receber o dom do Espírito Santo. E eles reuniram-se em oração com Maria no Cenáculo à espera do acontecimento prometido (Ac 1,14). Permanecer juntos foi a condição que Jesus pôs para acolherem a vinda do Paráclito, e a prolongada oração foi o pressuposto da sua concórdia. Aqui encontramos uma lição estupenda para cada comunidade cristã. Às vezes pensa-se que a eficácia missionária dependa principalmente de uma cuidadosa programação e da sua realização inteligente através de um compromisso concreto. O Senhor pede certamente a nossa colaboração, mas, antes de qualquer resposta da nossa parte, é necessária a sua iniciativa: o verdadeiro protagonista é o seu Espírito, que se deve invocar e acolher.

No Evangelho, ouvimos a primeira parte da chamada «oração sacerdotal» de Jesus (cf. Jn 17,1-11a) – depois dos discursos de despedida – repleta de familiaridade, ternura e amor. Designa-se «oração sacerdotal», porque nela Jesus aparece na atitude de sacerdote que intercede pelos seus, quando está para deixar este mundo. Predomina no texto um duplo tema: o da hora e o da glória.Trata-se da hora da morte (cf. Jn 2,4 Jn 7,30 Jn 8,20), a hora em que o Filho deve passar deste mundo para o Pai (Jn 13,1); mas ao mesmo tempo é também a hora da sua glorificação que se realiza através da cruz, designada pelo evangelista João como «exaltação», isto é, levantamento, elevação à glória: a hora da morte de Jesus, a hora do amor supremo, é a hora da sua glória mais alta. Também para a Igreja, para cada cristão, a glória mais alta é aquela Cruz, é viver a caridade, dom total a Deus e aos outros.

Amados irmãos e irmãs! De bom grado acolhi o convite que me fizeram os Bispos da Croácia para visitar este País por ocasião do primeiro Encontro Nacional das Famílias Católicas Croatas. Desejo exprimir vivo apreço pela vossa solicitude e empenho a favor da família, não só porque esta realidade humana fundamental tem hoje no vosso país, como noutros lados, de enfrentar dificuldades e ameaças e, por conseguinte, precisa particularmente de ser evangelizada e sustentada, mas também porque as famílias cristãs são um recurso decisivo para a educação na fé, para a edificação da Igreja como comunhão e para a sua presença missionária nas mais diversas situações da vida. Conheço a generosidade e dedicação com que vós, queridos Pastores, servis o Senhor e a Igreja. O vosso trabalho diário, tanto na formação da fé das novas gerações como na preparação para o matrimónio e no acompanhamento das famílias, é o caminho fundamental para regenerar incessantemente a Igreja e também para vivificar o tecido social do país. Possa este precioso serviço pastoral continuar a contar com a vossa disponibilidade!

Cada um bem sabe como a família cristã é um sinal especial da presença e do amor de Cristo e como está chamada a dar uma contribuição específica e insubstituível para a evangelização. O Beato João Paulo II, que visitou três vezes este nobre país, afirmava que «a família cristã é chamada a tomar parte viva e responsável na missão da Igreja de modo próprio e original, colocando-se ao serviço da Igreja e da sociedade no seu ser e agir, enquanto comunidade íntima de vida e de amor» (Familiaris consortio FC 50). A família cristã foi sempre a primeira via de transmissão da fé e ainda hoje conserva grandes possibilidades para a evangelização em muitos âmbitos.

Queridos pais, empenhai-vos sempre em ensinar os vossos filhos a rezar, e rezai com eles; aproximai-os dos Sacramentos, especialmente da Eucaristia (este ano, celebrais seis séculos do «milagre eucarístico de Ludberg»); introduzi-os na vida da Igreja; na intimidade doméstica, não tenhais medo de ler a Sagrada Escritura, iluminando a vida familiar com a luz da fé e louvando a Deus como Pai. Sede uma espécie de Cenáculo em miniatura, como o de Maria e dos discípulos, onde se vive a unidade, a comunhão, a oração.

Hoje, graças a Deus, muitas famílias cristãs vão adquirindo cada vez maior consciência da sua vocação missionária, e comprometem-se seriamente dando testemunho de Cristo Senhor. O Beato João Paulo II fez questão de salientar: «Uma família autêntica, fundada no matrimónio, é em si mesma uma “boa notícia” para o mundo». E acrescentou: «No nosso tempo, são cada vez mais numerosas as famílias que colaboram activamente na evangelização (…). Amadureceu na Igreja a hora da família, que é também a hora da família missionária» (Angelus, 21 de Outubro de 2001).

Na sociedade actual, é muito necessária e urgente a presença de famílias cristãs exemplares. Infelizmente temos de constatar, sobretudo na Europa, o aumento de uma secularização que leva a deixar Deus à margem da vida e a uma crescente desagregação da família. Absolutiza-se uma liberdade sem compromisso com a verdade, e cultiva-se como ideal o bem-estar individual através do consumo de bens materiais e de experiências efémeras, descuidando a qualidade das relações com as pessoas e os valores humanos mais profundos; reduz-se o amor a mera emoção sentimental e à satisfação de impulsos instintivos, sem empenhar-se por construir laços duradouros de mútua pertença e sem abertura à vida. Somos chamados a contrastar esta mentalidade. A par da palavra da Igreja, é muito importante o testemunho e o compromisso das famílias cristãs, o seu testemunho concreto, sobretudo para afirmar a intangibilidade da vida humana desde a concepção até ao seu fim natural, o valor único e insubstituível da família fundada no matrimónio e a necessidade de disposições legislativas que sustentem as famílias na sua tarefa de gerar e educar os filhos.

Queridas famílias, sede corajosas! Não cedais à mentalidade secularizada que propõe a convivência como preparação ou mesmo substituição do matrimónio. Mostrai com o vosso testemunho de vida que é possível amar, como Cristo, sem reservas, que não é preciso ter medo de assumir um compromisso com outra pessoa. Queridas famílias, alegrai-vos com a paternidade e a maternidade! A abertura à vida é sinal de abertura ao futuro, de confiança no futuro, tal como o respeito da moral natural, antes que mortificar a pessoa, liberta-a. O bem da família é igualmente o bem da Igreja. Quero repetir aqui o que disse um dia: «A edificação de cada uma das famílias cristãs situa-se no contexto daquela família mais ampla que é a Igreja, a qual a sustenta e leva consigo. (…) E, vice-versa, a Igreja é edificada pelas famílias, pequenas Igrejas domésticas» (Discurso de abertura do Congresso eclesial diocesano de Roma, 6 de Junho de 2005: Insegnamenti di Benedetto XVI, vol. I, 2005, p. 205). Peçamos ao Senhor que cada vez mais as famílias se tornem pequenas Igrejas e as comunidades eclesiais sejam cada vez mais família.

Queridas famílias croatas, vivendo na comunhão de fé e caridade, sede testemunhas de maneira sempre mais transparente da promessa que o Senhor, ao subir ao Céu, fez a cada um de nós: «Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28,20). Amados cristãos croatas, senti-vos chamados a evangelizar com toda a vossa vida; senti intensamente a palavra do Senhor: «Ide, pois, fazer discípulos de todas as nações» (Mt 28,19). A Virgem Maria, Rainha dos Croatas, vele incessantemente sobre este vosso caminho. Amen. Sejam louvados Jesus e Maria!




Domingo, 12 de Junho de 2011: CAPELA PAPAL NA SOLENIDADE DE PENTECOSTES

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Basílica Vaticana




Queridos irmãos e irmãs

Hoje celebramos a importante solenidade do Pentecostes. Se, num certo sentido, todas as solenidades litúrgicas da Igreja são grandes, maior é o Pentecostes porque, chegando ao quinquagésimo dia, assinala o cumprimento do acontecimento da Páscoa, da morte e ressurreição do Senhor Jesus, através da dádiva do Espírito do Ressuscitado. Para o Pentecostes, a Igreja preparou-nos nos dias passados com a sua oração, com a invocação reiterada e intensa a Deus, para alcançar uma renovada efusão do Espírito Santo sobre nós. Assim, a Igreja reviveu aquilo que acontecera nas suas origens quando os Apóstolos, reunidos no Cenáculo de Jerusalém, «perseveravam unanimemente na oração com as mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele» (
Ac 1,14). Estavam congregados na expectativa humilde e confiante, que se cumprisse a promessa do Pai, a eles comunicada por Jesus: «Vós sereis baptizados no Espírito Santo, daqui a poucos dias... descerá sobre vós o Espírito Santo, que vos dará a sua força» (Ac 1,5 Ac 1,8).

Na liturgia do Pentecostes, na narração dos Actos dos Apóstolos sobre o nascimento da Igreja (cf. Ac 2,1-11), corresponde o salmo 103 que ouvimos: um louvor de toda a criação, que exalta o Espírito Criador que fez tudo com sabedoria: «Ó Senhor, quão variadas são as vossas obras! Todas elas foram feitas com sabedoria, a terra está cheia das vossas criaturas... Ao Senhor, glória eterna; alegre-se o Senhor pelas suas obras» (Ps 103,24 Ps 103,31). O que a Igreja nos quer dizer é isto: o Espírito criador de todas as coisas, e o Espírito Santo que Cristo fez descer do Pai sobre a comunidade dos discípulos são um só e único: criação e redenção pertencem-se reciprocamente e constituem, em profundidade, um único mistério de amor e de salvação. O Espírito Santo é antes de tudo Espírito Criador e portanto o Pentecostes é inclusive festa da criação. Para nós, cristãos, o mundo é fruto de um gesto de amor de Deus, que criou também todas as coisas e pelo qual Ele se alegra porque é «coisa boa», «coisa muito boa», como diz a narração da criação (cf. Gn 1,1-31). Por isso, Deus não é o totalmente Outro, inominável e obscuro. Deus revela-se, tem uma face, Deus é razão, Deus é vontade, Deus é amor, Deus é beleza. A fé no Espírito Criador e a fé no Espírito que Cristo Ressuscitado concedeu aos Apóstolos e oferece a cada um de nós estão unidas para sempre.

A segunda Leitura e o Evangelho do dia de hoje mostram-nos esta ligação. O Espírito Santo é Aquele que nos faz reconhecer em Cristo o Senhor, levando-nos a pronunciar a profissão de fé da Igreja: «Jesus é o Senhor» (cf. 1Co 12,3b). Senhor é o título atribuído a Deus no Antigo Testamento, título que na leitura da Bíblia tomava o lugar do seu nome impronunciável. O Credo da Igreja mais não é que o desenvolvimento daquilo que se diz com esta simples afirmação: «Jesus é o Senhor». Desta profissão de fé, são Paulo diz-nos que se trata precisamente da palavra e da obra do Espírito. Se quisermos estar no Espírito Santo, temos que aderir a este Credo. Fazendo-o nosso, aceitando-o como nossa palavra, acedemos à obra do Espírito Santo. A expressão «Jesus é o Senhor» pode ser lida nos dois sentidos. Significa: Jesus é Deus e, contemporaneamente: Deus é Jesus. O Espírito Santo ilumina esta reciprocidade: Jesus tem dignidade divina, e Deus tem o rosto humano de Jesus. Deus mostra-se em Jesus e, assim, oferece-nos a verdade sobre nós mesmos. Deixar-se iluminar no profundo desta palavra é o acontecimento do Pentecostes. Recitando o Credo, nós entramos no mistério do primeiro Pentecostes: da confusão de Babel, daquelas vozes que vociferam umas contra as outras, deriva uma transformação radical: na multiplicidade faz-se unidade multiforme, a partir do poder unificador da Verdade cresce a compreensão. No Credo que nos une de todos os recantos da Terra que, mediante o Espírito Santo, faz com que nos compreendamos apesar da diversidade das línguas, através da fé, da esperança e do amor, forma-se a nova comunidade da Igreja de Deus.

Depois, o trecho evangélico oferece-nos uma imagem maravilhosa para esclarecer a ligação entre Jesus, o Espírito Santo e o Pai: o Espírito Santo é representado como o sopro de Jesus Cristo ressuscitado (cf. Jn 20,22). O evangelista João retoma aqui uma imagem da narração da criação, onde nos diz que Deus inspirou nas narinas do homem um sopro de vida (cf. Gn 2,7). O sopro de Deus é vida. Ora, o Senhor inspira na nossa alma o novo sopro de vida, o Espírito Santo, a sua essência mais íntima, e deste modo recebe-nos na família de Deus. Mediante o Baptismo e a Crisma recebemos este dom de maneira específica, e com os sacramentos da Eucaristia e da Penitência ele repete-se continuamente: o Senhor inspira na nossa alma um sopro de vida. Todos os Sacramentos, cada um segundo a maneira que lhe é própria, comunicam ao homem a vida divina, graças ao Espírito Santo que age neles.

Na liturgia de hoje vemos mais uma ligação. O Espírito Santo é Criador e, ao mesmo tempo, Espírito de Jesus Cristo, porém de tal modo que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um só e único Deus. E à luz da primeira Leitura podemos acrescentar: o Espírito Santo anima a Igreja. Ela não deriva da vontade humana, da reflexão, da habilidade do homem e/ou da sua capacidade organizativa, porque se fosse assim, ela já se teria extinguido há muito tempo, do mesmo modo como passam todas as realidades humanas. Ela, a Igreja, ao contrário, é o Corpo de Cristo, animado pelo Espírito Santo. As imagens do vento e do fogo, utilizadas por são Lucas para representar a vinda do Espírito Santo (cf. Ac 2,2-3), recordam o Sinai, onde Deus se tinha revelado ao povo de Israel, concedendo-lhe a sua aliança; «Todo o monte Sinai fumegava — lê-se no Livro do Êxodo — porque o Senhor tinha descido sobre ele no meio das chamas» (Ex 19,18). Com efeito, Israel festejou o quinquagésimo dia depois da Páscoa, após a comemoração da fuga do Egipto, como a festa do Sinai, a festividade do Pacto. Quando são Lucas fala de línguas de fogo, para representar o Espírito Santo, é evocado aquele antigo Pacto, estabelecido com base na Lei recebida de Israel no monte Sinai. Assim o acontecimento do Pentecostes é representado como um novo Sinai, como o dom de um novo Pacto no qual são abrangidos com a aliança de Israel todos os povos da Terra, na qual decaem todos os limites da antiga Lei e aparece o seu coração mais santo e imutável, ou seja o amor, que precisamente o Espírito Santo comunica e difunde, o amor que tudo abraça. Ao mesmo tempo, a Lei dilata-se, abre-se, embora se torne mais simples: trata-se do novo Pacto, que o Espírito «inscreve» nos corações de quantos crêem em Cristo. A extensão do Pacto a todos os povos da Terra é representada por são Lucas através de um elenco de populações considerável para aquela época (cf. Ac 2,9-11). Com isto, é-nos dito algo muito importante: que a Igreja é católica desde o primeiro momento, que a sua universalidade não é o fruto da inclusão sucessiva de diversas comunidades. Com efeito, desde o primeiro instante o Espírito Santo criou-a como a Igreja de todos os povos; ela abraça o mundo inteiro, supera todas as fronteiras de raça, classe e nação; abate todas as barreiras e une os homens na profissão do Deus uno e trino. Desde o início a Igreja é una, católica e apostólica: esta é a sua verdadeira natureza e, como tal, deve ser reconhecida. Ela é santa, não graças à capacidade dos seus membros, mas porque é o próprio Deus, com o seu Espírito, que a cria, purifica e santifica sempre.

Enfim, o Evangelho de hoje confia-nos esta linda expressão: «Os discípulos alegraram-se ao ver o Senhor» (Jn 20,20). Estas palavras são profundamente humanas. O Amigo perdido está novamente presente, e quantos antes se sentiam assolados agora rejubilam. Mas ela diz muito mais, pois o Amigo perdido não vem de um lugar qualquer, mas sim da noite da morte; e Ele atravessou-a! Ele não é qualquer um, mas sim o Amigo e, ao mesmo tempo, Aquele que é a Verdade que leva os homens a viver; e aquilo que Ele oferece não é uma alegria qualquer, mas sim o próprio júbilo, dom do Espírito Santo. Sim, é bonito viver, porque sou amado, e é a Verdade que me ama. Os discípulos alegraram-se ao ver o Senhor. Hoje, no Pentecostes, esta expressão é destinada também a nós, porque na fé podemos vê-lo; na fé, Ele vem ao meio de nós e mostra também a nós as mãos e o lado, e nós alegramo-nos com isto. Por isso, queremos rezar: Senhor, mostra-te! Concede-nos o dom da tua presença e teremos a dádiva mais bonita: a tua alegria. Amém!



Bento XVI Homilias 23411