Bento XVI Homilias 24911

Erfurt, Sábado, 24 de Setembro de 2011: SANTA MISSA

24911
Praça da Catedral de Erfurt,



Amados irmãos e irmãs


«Louvai o Senhor em todo o tempo, porque Ele é bom»: assim cantámos antes do Evangelho. Sim, temos verdadeiramente motivos para agradecer a Deus com todo o coração. Nesta cidade, se recuarmos com o pensamento até 1981, o ano jubilar de Santa Isabel, há trinta anos – eram os tempos da República Democrática Alemã –, quem teria imaginado que o muro e o arame farpado nas fronteiras cairiam poucos anos depois? E, se recuarmos ainda mais – cerca de setenta anos – até 1941, até ao tempo do nacional-socialismo, durante a Grande Guerra, quem seria capaz de predizer que o chamado «Reich milenário» ficaria reduzido a cinzas apenas quatro anos mais tarde?

Amados irmãos e irmãs, aqui na Turíngia, na República Democrática Alemã de então, tivestes de suportar uma ditadura «pardacenta» [nazista] e uma «vermelha» [comunista], cujo efeito sobre a fé era parecido com o que tem a chuva ácida. Desse tempo, há ainda muitas consequências tardias a debelar, sobretudo no âmbito intelectual e no religioso! Hoje, a maioria das pessoas nesta terra vive longe da fé em Cristo e da comunhão da Igreja. Mas as últimas duas décadas mostram também experiências positivas: um horizonte mais largo, um intercâmbio para além das fronteiras, uma certeza confiante de que Deus não nos abandona e nos guia por caminhos novos. «Onde há Deus, há futuro».

Todos nós estamos convencidos de que a nova liberdade ajudou a dar ao homem uma dignidade maior e a abrir novas e variadas possibilidades. Do ponto de vista da Igreja podemos assinalar, com gratidão, muitas facilitações: novas possibilidades para as actividades paroquiais, a restauração e o alargamento de igrejas e centros paroquiais, iniciativas diocesanas de carácter pastoral ou cultural. Mas diante de nós surge, naturalmente, a pergunta: estas possibilidades trouxeram-nos também um crescimento na fé? Não será talvez preciso procurar o fundamento da fé e da vida cristã a um nível mais profundo que o da liberdade social? Houve muitos católicos resolutos que permaneceram fiéis a Cristo e à Igreja, precisamente na difícil situação de uma opressão exterior. E nós, onde estamos hoje? Aquelas pessoas aceitaram arcar com desvantagens pessoais, para viverem a própria fé. Quero aqui agradecer aos sacerdotes e aos seus colaboradores e colaboradoras de então. De modo particular, quero recordar a pastoral dos refugiados imediatamente depois da II Guerra Mundial: então muitos clérigos e leigos realizaram grandes coisas para atenuar a penosa situação dos prófugos e dar-lhes uma nova Pátria. Por fim, dirijo um sincero agradecimento aos pais que, no meio da diáspora e num ambiente político hostil à Igreja, educaram os seus filhos na fé católica. Queria recordar, com gratidão, as Semanas Religiosas para as crianças durante as férias, e também o trabalho frutuoso das Casas para a juventude católica Sankt Sebastian, em Erfurt, e Marcel Callo, em Heiligenstadt. Especialmente em Eichsfeld, houve muitos cristãos católicos que resistiram à ideologia comunista. Queira Deus recompensar a todos abundantemente pela perseverança na fé. O corajoso testemunho e o viver pacientemente com Ele, a paciente confiança na providência de Deus são como uma semente preciosa que promete fruto abundante para o futuro.

A presença de Deus manifesta-se sempre, de maneira particularmente clara, nos Santos. O seu testemunho de fé pode, também hoje, dar-nos a coragem para um novo despertar. Aqui pensemos sobretudo nos Santos Padroeiros da diocese de Erfurt: Isabel da Turíngia, Bonifácio e Kilian. Isabel veio de um país estrangeiro, da Hungria, para Wartburg na Turíngia. Levou uma vida de intensa oração, associada com a penitência e a pobreza evangélica. Regularmente, descia do seu castelo até à cidade de Eisenach para lá cuidar pessoalmente dos pobres e dos doentes. Foi breve a sua vida nesta terra – chegou apenas à idade de vinte e quatro anos –, mas o fruto da sua santidade dura pelos séculos. Santa Isabel goza de grande estima também entre os cristãos evangélicos; pode ajudar-nos a todos a descobrir a plenitude da fé, a sua beleza e a sua profundidade e a sua força transformadora e purificante, e a traduzi-la na nossa vida diária.

Para as raízes cristãs do nosso país, remete também a fundação da diocese de Erfurt, no ano 742, por São Bonifácio. Este facto constitui simultaneamente a primeira menção escrita que há da cidade de Erfurt. O Bispo missionário Bonifácio viera da Inglaterra e fazia parte do seu estilo de trabalho agir em unidade essencial e estreita ligação com o Bispo de Roma, o Sucessor de São Pedro. Sabia que a Igreja deve estar unida ao redor de Pedro. Veneramo-lo como o «Apóstolo da Alemanha»; morreu mártir. Dois dos seus companheiros, que partilharam com ele o testemunho do sangue pela fé cristã, estão aqui sepultados na catedral de Erfurt: são os Santos Eoban e Adelar.

Antes dos missionários anglo-saxões, tinha já trabalhado na Turíngia São Kilian, um missionário itinerante que provinha da Irlanda. Juntamente com dois companheiros, morreu mártir em Würzburg, porque criticara o comportamento moralmente transviado do duque da Turíngia, lá residente. E, por fim, não quero esquecer São Severo, o Padroeiro da Severikirche, aqui na Praça da Catedral: no século IV, era Bispo de Ravena; no ano 836, os seus restos mortais foram trazidos para Erfurt, para enraizar mais profundamente a fé cristã nesta região. Com efeito, a partir destes mortos partia o testemunho vivo da Igreja que perdura no tempo, da fé que fecunda cada época e nos indica o caminho da vida.

Perguntemo-nos: que têm em comum estes Santos? Como podemos descrever a faceta particular da sua vida e compreender que nos diz respeito e que pode influir na nossa vida? Os Santos mostram-nos, em primeiro lugar, que é possível e que é bom viver em relação com Deus e viver esta relação de modo radical, colocando-O em primeiro lugar e não reservando para Ele apenas qualquer canto. Os Santos põem em evidência o facto de que foi Deus que tomou a iniciativa de Se dirigir a nós. Nós não poderíamos chegar a Ele e nem tender, de qualquer forma, para aquilo que é desconhecido, se Ele não nos tivesse amado primeiro, se não tivesse vindo ao nosso encontro primeiro. Depois de ter vindo já ao encontro dos Patriarcas com as palavras do chamamento, Ele mesmo Se mostrou a nós em Jesus Cristo, e n’Ele continua a mostrar-se a nós. Também hoje, Cristo vem ao nosso encontro, fala a cada um, como acaba de fazer no Evangelho, e convida cada um de nós a escutá-Lo, a aprender a compreendê-Lo e a segui-Lo. Este convite e esta possibilidade foram valorizados pelos Santos: reconheceram o Deus concreto, viram-No e escutaram-No, foram ao seu encontro e caminharam com Ele; deixaram-se, por assim dizer, contagiar por Ele e, a partir do íntimo de si mesmos, propenderam para Ele - no diálogo contínuo da oração - e d’Ele receberam a luz que lhes desvendou a vida verdadeira.

Essencialmente, a fé é sempre também um acreditar junto com os outros. Ninguém pode crer sozinho. Recebemos a fé, diz-nos Paulo, através da escuta. E a escuta é um processo que requer o estar juntos de modo espiritual e físico. Somente na grande comunhão dos fiéis de todos os tempos que encontraram a Cristo e foram encontrados por Ele, posso crer. O facto de poder crer devo-o, antes de mais nada, a Deus que Se dirige a mim e, por assim dizer, «acende» a minha fé. Mas, de um modo muito concreto, devo a minha fé àqueles que vivem ao meu redor e que acreditaram antes de mim e acreditam juntamente comigo. Este grande «com», sem o qual não pode haver qualquer fé pessoal, é a Igreja. E esta Igreja não se detém diante das fronteiras dos países; demonstra-o as nacionalidades dos Santos que mencionei: Hungria, Inglaterra, Irlanda e Itália. Daqui se vê como é importante a permuta espiritual, que se dilata através da Igreja inteira. Sim, para o desenvolvimento da Igreja no nosso País foi, e continua a ser, fundamental que acreditemos juntos em todos os Continentes e aprendamos uns dos outros a acreditar. Se nos abrirmos à fé integral ao longo de toda a história e nos seus testemunhos em toda a Igreja, então a fé católica tem um futuro, mesmo como força pública na Alemanha. Ao mesmo tempo as figuras dos Santos, de que falei, mostram-nos a grande fecundidade de uma vida com Deus, a fecundidade deste amor radical a Deus e ao próximo. Os Santos, mesmo onde são poucos, mudam o mundo. E os grandes Santos continuam a ser forças transformadoras em cada tempo.

Assim as mudanças políticas do ano 1989, no nosso país, não foram motivadas apenas pelo desejo de bem-estar e liberdade de ir e vir, mas, e de modo decisivo, pelo anseio de veracidade. Este anseio foi mantido desperto, para além do mais, por pessoas que se devotaram totalmente ao serviço de Deus e do próximo e estavam dispostas a sacrificar a própria vida. Tais pessoas e os Santos recordados dão-nos a coragem para tirarmos proveito da nova situação. Não queremos esconder-nos numa fé apenas privada, mas queremos administrar responsavelmente a liberdade alcançada. À semelhança dos Santos Kilian, Bonifácio, Adelar, Eoban e Isabel da Turíngia, queremos ir, como cristãos, ao encontro dos nossos concidadãos e convidá-los a descobrirem connosco a plenitude da Boa Nova, a sua presença, a sua força vital e beleza. Então seremos semelhantes ao famoso sino da catedral de Erfurt que se chama «Glorioso». É considerado o maior sino medieval do mundo que oscila livremente. É um sinal palpável do nosso profundo enraizamento na tradição cristã, mas também um sinal para nos pormos a caminho empenhando-nos na missão. O referido sino tocará também hoje no fim da Missa solene. Possa servir-nos de estímulo para, a exemplo dos Santos, tornarmos visível e audível o testemunho de Cristo no mundo; para tornarmos visível e audível a glória de Deus e, desse modo, viver num mundo onde Deus está presente e torna a vida bela e rica de significado. Amen.




Friburgo, Domingo, 25 de Setembro de 2011: SANTA MISSA

25911

Esplanada do Aeroporto de Friburgo


Amados irmãos e irmãs


É com particular emoção que celebro aqui a Eucaristia, a Acção de Graças, com tanta gente vinda de diversas partes da Alemanha e dos países limítrofes. A nossa acção de graças, queremos dirigi-la sobretudo a Deus, em Quem vivemos, nos movemos e existimos (cf.
Ac 17,28); mas quero agradecer também a todos vós pela vossa oração em favor do Sucessor de Pedro, para que ele possa continuar a desempenhar o seu ministério com alegria e segura esperança, confirmando os irmãos na fé.

«Ó Deus, que manifestais a vossa omnipotência sobretudo com a misericórdia e o perdão…»: rezamos na colecta de hoje. Na primeira leitura, ouvimos dizer como Deus manifestou o poder da sua misericórdia, na história de Israel. A experiência do exílio babilonense fizera o povo cair numa profunda crise de fé: Por que sucedera aquela desgraça? Seria Deus verdadeiramente poderoso?

Há teólogos que, à vista de todas as coisas terríveis que acontecem hoje no mundo, põem em dúvida se Deus não possa ser realmente omnipotente. Diversamente, nós professamos Deus, o Omnipotente, o Criador do céu e da terra. E sentimo-nos felizes e agradecidos por Ele ser omnipotente; mas devemos, ao mesmo tempo, dar-nos conta de que Ele exerce o seu poder de maneira diferente de como costumamos fazer nós, os homens. Ele próprio impôs um limite ao seu poder, ao reconhecer a liberdade das suas criaturas. Sentimo-nos felizes e agradecidos pelo dom da liberdade; mas, quando vemos as coisas tremendas que sucedem por causa dela, assustamo-nos. Mantenhamos a confiança em Deus, cujo poder se manifesta sobretudo na misericórdia e no perdão. E estejamos certos, amados fiéis, de que Deus deseja a salvação do seu povo. Deseja a nossa salvação, a minha salvação, a salvação de cada um. Sempre, mas sobretudo em tempos de perigo e transtorno, Ele está perto de nós, e o seu coração comove-se por nós, inclina-se sobre nós. Para que o poder da sua misericórdia possa tocar os nossos corações, requer-se a abertura a Ele, é necessária a disponibilidade para abandonar livremente o mal, levantar-se da indiferença e dar espaço à sua Palavra. Deus respeita a nossa liberdade; não nos constrange. Ele aguarda o nosso «sim» e, por assim dizer, mendiga-o.

No Evangelho, Jesus retoma este tema fundamental da pregação profética. Narra a parábola dos dois filhos que são convidados pelo pai para irem trabalhar na vinha. O primeiro filho respondeu: «“Não quero”. Depois, porém, arrependeu-se e foi» (Mt 21,29). O outro, ao contrário, disse ao pai: «“Eu vou, senhor.” Mas, de facto, não foi» (Mt 21,30). À pergunta de Jesus sobre qual dos dois cumprira a vontade do pai, os ouvintes justamente respondem: «O primeiro» (Mt 21,31). A mensagem da parábola é clara: Não são as palavras que contam, mas o agir, os actos de conversão e de fé. Jesus, como ouvimos, dirige esta mensagem aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo de Israel, isto é, aos peritos de religião do seu povo. Estes começam por dizer «sim» à vontade de Deus; mas a sua religiosidade torna-se rotineira, e Deus já não os inquieta. Por isso sentem a mensagem de João Baptista e a de Jesus como um incómodo. E assim o Senhor conclui a sua parábola com estas palavras drásticas: «Os publicanos e as mulheres de má vida vão antes de vós para o Reino de Deus. João Baptista veio ao vosso encontro pelo caminho que leva à justiça, e não lhe destes crédito, mas os publicanos e as mulheres de má vida acreditaram nele. E vós, que bem o vistes, nem depois vos arrependestes, acreditando nele» (Mt 21,31-32). Traduzida em linguagem de hoje, a frase poderia soar mais ou menos assim: agnósticos que, por causa da questão de Deus, não encontram paz e pessoas que sofrem por causa dos seus pecados e sentem desejo dum coração puro estão mais perto do Reino de Deus de quanto o estejam os fiéis rotineiros, que na Igreja já só conseguem ver o aparato sem que o seu coração seja tocado por isto: pela fé.

Assim, a palavra deve fazer-nos reflectir seriamente; antes, deve abalar a todos nós. Isto, porém, não significa de modo algum que todos quantos vivem na Igreja e trabalham para ela se devam considerar distantes de Jesus e do Reino de Deus. Absolutamente, não! Antes, este é o momento bom para dizer um palavra de profunda gratidão a tantos colaboradores, contratados ou voluntários, sem os quais a vida nas paróquias e na Igreja inteira seria impensável. A Igreja na Alemanha possui muitas instituições sociais e caritativas, onde se cumpre o amor do próximo de forma eficaz, mesmo socialmente e até aos confins da terra. Quero exprimir, neste momento, a minha gratidão e o meu apreço a todos quantos estão empenhados na Cáritas alemã ou noutras organizações, ou então que disponibilizam generosamente o seu tempo e as suas forças para tarefas de voluntariado na Igreja. Tal serviço requer, primariamente, uma competência objectiva e profissional; mas, no espírito do ensinamento de Jesus, exige-se algo mais, ou seja, o coração aberto, que se deixa tocar pelo amor de Cristo, e deste modo é prestado ao próximo, que precisa de nós, mais do que um serviço técnico: o amor, no qual se torna visível ao outro o Deus que ama, Cristo. Neste sentido e a partir do Evangelho de hoje, interroguemo-nos: Como é a minha relação pessoal com Deus na oração, na participação na Missa dominical, no aprofundamento da fé por meio da meditação da Sagrada Escritura e do estudo do Catecismo da Igreja Católica? Queridos amigos, em última análise, a renovação da Igreja só poderá realizar-se através da disponibilidade à conversão e duma fé renovada.

No Evangelho deste domingo, como vimos, fala-se de dois filhos, mas misteriosamente por detrás deles há um terceiro. O primeiro filho diz «não», mas depois cumpre a vontade do pai. O segundo filho diz «sim», mas não faz o que lhe foi ordenado. O terceiro filho diz «sim» e faz também o que lhe foi ordenado. Este terceiro filho é o Filho Unigénito de Deus, Jesus Cristo, que aqui nos reuniu a todos. Ao entrar no mundo, Ele disse: «Eis que venho (…) para fazer, ó Deus, a vossa vontade» (He 10,7). Este «sim», Ele não se limitou a pronunciá-lo, mas cumpriu-o e sofreu até a morte. Diz-se no hino cristológico da segunda leitura: «Ele, que era de condição divina, não quis ter a exigência de ser posto ao nível de Deus. Antes, a Si próprio Se despojou, tomando a condição de escravo, ficando semelhante aos homens. Tido no aspecto como simples homem, ainda mais Se humilhou a Si mesmo, obedecendo até à morte e morte na cruz» (Ph 2,6-8). Em humildade e obediência, Jesus cumpriu a vontade do Pai, morreu na cruz pelos seus irmãos e irmãs – por nós – e redimiu-nos da nossa soberba e obstinação. Agradeçamos-Lhe pelo seu sacrifício, ajoelhemos diante do seu Nome e, juntamente com os discípulos da primeira geração, proclamemos: «Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai» (Ph 2,11).

A vida cristã deve medir-se continuamente pela de Cristo: «Tende entre vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus» (Ph 2,5) – escreve São Paulo ao introduzir o hino cristológico. E, alguns versículos antes, já nos exorta: «Se há em Cristo alguma consolação, algum conforto na caridade; se existe alguma participação nos dons do Espírito Santo, alguns sentimentos de ternura e misericórdia, então completai a minha alegria, mantendo-vos unidos nos mesmos sentimentos: conservai a mesma caridade, uma alma comum, um mesmo e único sentir» (Ph 2,1-2). Assim como Cristo estava totalmente unido ao Pai e era-Lhe obediente, assim também os seus discípulos devem obedecer a Deus e manter entre si um mesmo sentir. Queridos amigos, com Paulo ouso exortar-vos: Tornai plena a minha alegria, permanecendo firmemente unidos em Cristo! A Igreja na Alemanha vencerá os grandes desafios do presente e do futuro e continuará a ser fermento na sociedade, se os sacerdotes, as pessoas consagradas e os leigos que acreditam em Cristo, na fidelidade à vocação específica de cada um, colaborarem em unidade; se as paróquias, as comunidades e os movimentos se apoiarem e enriquecerem mutuamente; se os baptizados e os crismados, em união com o Bispo, mantiverem alta a chama de uma fé intacta e, por ela, deixarem iluminar a riqueza dos seus conhecimentos e capacidades. A Igreja na Alemanha continuará a ser uma bênção para a comunidade católica mundial, se permanecer fielmente unida aos Sucessores de São Pedro e dos Apóstolos, se tiver a peito de variados modos a cooperação com os países de missão e se nisto se deixar «contagiar» pela alegria na fé das jovens Igrejas.

Com a exortação da unidade, Paulo associa o apelo à humildade. Diz: «Não façais nada por rivalidade, nem por vanglória; mas, por humildade, considerai os outros superiores a vós mesmos, sem olhar cada um aos seus próprios interesses, mas aos interesses dos outros» (Ph 2,3-4). A vida cristã é uma «existência-para»: um viver para o outro, um compromisso humilde a favor do próximo e do bem comum. Amados fiéis, a humildade é uma virtude que no mundo de hoje e, de modo geral, de todos os tempos, não goza de grande estima. Mas os discípulos do Senhor sabem que esta virtude é, por assim dizer, o óleo que torna fecundos os processos de diálogo, possível a colaboração e cordial a unidade. Humilitas, a palavra latina donde deriva «humildade», tem a ver com humus, isto é, com a aderência à terra, à realidade. As pessoas humildes vivem com ambos os pés na terra; mas sobretudo escutam Cristo, a Palavra de Deus, que ininterruptamente renova a Igreja e cada um dos seus membros.

Peçamos a Deus a coragem e a humildade de prosseguirmos pelo caminho da fé, de nos saciarmos na riqueza da sua misericórdia e de mantermos o olhar fixo em Cristo, a Palavra que faz novas todas as coisas, que é para nós «o caminho, a verdade e a vida» (Jn 14,6), que é o nosso futuro. Amen.



VISITA PASTORAL A LAMEZIA TERME E A SERRA SAN BRUNO - Domingo, 9 de Outubro de 2011


Lamezia Terme, SANTA MISSA

9101
Periferia industrial de Lamezia Terme




Amados irmãos e irmãs!


É grande a minha alegria por poder partir convosco o pão da Palavra de Deus e da Eucaristia. Sinto-me feliz por estar pela primeira vez aqui na Calábria e por me encontrar nesta Cidade de Lamezia Terme. Apresento a minha cordial saudação a todos vós que acorrestes tão numerosos e agradeço-vos o vosso caloroso acolhimento! Saúdo em particular o vosso Pastor, D. Luigi Antonio Cantafora, e agradeço-lhe as gentis expressões de boas-vindas que me dirigiu em nome de todos. Saúdo também os Arcebispos e Bispos presentes, os Sacerdotes, os Religiosos e as Religiosas, os representantes das Associações e dos Movimentos eclesiais. Dirijo um deferente pensamento ao Presidente da Câmara Municipal, Prof. Gianni Speranza, grato pela gentil saudação, ao Representante do Governo e às Autoridades civis e militares, que com a sua presença quiseram honrar este nosso encontro. Um agradecimento especial a quantos colaboraram generosamente na realização da minha Visita Pastoral.

A liturgia deste domingo propõe-nos uma parábola que fala de um banquete de núpcias para o qual muitos são convidados. A primeira leitura, tirada do livro de Isaías, prepara este tema, porque fala do banquete de Deus. É uma imagem — do banquete — usada com frequência nas Escrituras para indicar a alegria na comunhão e na abundância dos dons do Senhor, e deixa intuir algo da festa de Deus com a humanidade, como descreve Isaías: «O Senhor dos Exércitos prepara para todos os povos sobre este monte um banquete de manjares suculentos, um festim de vinhos velhos... de vinhos velhos purificados» (
Is 25,6). O profeta acrescenta que a intenção de Deus é pôr fim à tristeza e à vergonha; quer que todos os homens vivam felizes no amor para com Ele e na comunhão recíproca; o seu projecto é, então, eliminar a morte para sempre, enxugar as lágrimas de cada rosto, fazer desaparecer a condição de desonra do seu povo, como ouvimos (cf. vv. Is 25,7-8). Tudo isto suscita profunda gratidão e esperança: «Eis o nosso Deus, de quem esperávamos a salvação» (v. Is 25,9).

No Evangelho Jesus fala-nos da resposta que é dada ao convite de Deus — representado por um rei — a participar neste seu banquete (cf. Mt 22,1-14). Os convidados são muitos, mas algo de inesperado se verifica: recusam-se a participar na festa, têm outras coisas a fazer; aliás, alguns mostram desprezo pelo convite. Deus é generoso para connosco, oferece-nos a sua amizade, os seus dons, a sua alegria, mas muitas vezes nós não aceitamos as suas palavras, mostramos mais interesse por outras coisas, pomos no primeiro lugar as nossas preocupações materiais, os nossos interesses. O convite do rei encontra inclusive reacções hostis, agressivas. Mas isto não faz diminuir a sua generosidade. Ele não desanima, e envia os seus servos a convidar muitas outras pessoas, A recusa dos primeiros convidados tem como efeito a extensão do convite a todos, até aos mais pobres, abandonados e deserdados. Os servos reúnem todos os que encontram, e a sala enche-se: a bondade do rei não tem confins e a todos é dada a possibilidade de responder à sua chamada. Mas há uma condição para permanecer neste banquete de núpcias: vestir o hábito nupcial. E ao entrar na sala, o rei distingue alguém que não o quis vestir e, por esse motivo, é excluído da festa. Gostaria de meditar um momento sobre este aspecto com uma pergunta: como é que este comensal aceitou o convite do rei, entrou na sala do banquete, lhe foi aberta a porta, mas não vestiu o hábito nupcial? O que é este hábito nupcial? Na Missa in Coena Domini deste ano fiz referência a um bonito comentário de são Gregório Magno a esta parábola. Ele explica que aquele hóspede respondeu ao convite do Senhor para participar no seu banquete, de certa forma, tem a fé que lhe abriu a porta da sala, mas falta-lhe algo essencial: a veste nupcial, que é a caridade, o amor. E são Gregório acrescenta: «Portanto, cada um de vós que na Igreja tem fé em Deus já participou no banquete de núpcias, mas não pode dizer que vestiu o hábito nupcial se não conserva a graça da Caridade» (Homilia 38, 9; PL 76, 1287). E este hábito está ligado simbolicamente por dois madeiros, um em cima e o outro em baixo: o amor a Deus e o amor ao próximo (cf. ibid., 10: PL 76, 1288). Todos nós somos convidados a ser comensais do Senhor, a entrar com a fé no seu banquete, mas devemos vestir e guardar o hábito nupcial, a caridade, viver um profundo amor a Deus e ao próximo.

Queridos irmãos e irmãs! Vim para partilhar convosco alegrias e esperanças, canseiras e compromissos, ideais e aspirações desta comunidade diocesana. Sei que vos preparastes para esta Visita com um intenso caminho espiritual, adoptando como mote um versículo dos Actos dos Apóstolos: «Em nome de Jesus Cristo Nazareno, anda!» (Ac 3,6). Sei que também em Lamezia Terme, como em toda a Calábria, não faltam dificuldades, problemas e preocupações. Se observamos esta bonita região, reconhecemos nela uma terra sísmica não só sob o ponto de vista geológico, mas também de um ponto de vista estrutural, comportamental e social; isto é, uma terra onde os problemas se apresentam de formas agudas e desestabilizadoras; uma terra na qual o desemprego é preocupante, onde uma criminalidade muitas vezes cruel, fere o tecido social, uma terra na qual se tem continuamente a sensação de estar em emergência. À emergência, vós calabreses soubestes responder com rapidez e disponibilidade surpreendentes, com uma extraordinária capacidade de adaptação às privações. Tenho certeza de que sabereis superar as dificuldades de hoje para preparar um futuro melhor. Nunca cedais à tentação do pessimismo e do fechamento em vós mesmos. Fazei apelo aos recursos da vossa fé e das vossas capacidades humanas; esforçai-vos por crescer na capacidade de colaborar, de ocupar-se do próximo e de todos os bens públicos, conservai o hábito nupcial do amor; perseverai no testemunho dos valores humanos e cristãos tão profundamente radicados na fé e na história deste território e da sua população.

Queridos amigos! a minha visita realiza-se quase no final do caminho iniciado por esta Igreja local com a redacção do projecto pastoral quinquenal. Desejo agradecer convosco ao Senhor o proveitoso caminho percorrido e os numerosos gérmens de bem semeados, que deixam ter esperança no futuro. Para enfrentar a nova realidade social e religiosa, diversa do passado, talvez mais sobrecarregada de dificuldades, mas também mais rica de potencialidades, é necessário um trabalho pastoral moderno e orgânico que comprometa em redor do Bispo todas as forças cristãs: sacerdotes, religiosos e leigos, animados pelo comum compromisso de evangelização. A este respeito, tomei conhecimento de bom grado do esforço que está a ser feito para se pôr à escuta atenta e perseverante da Palavra de Deus, através da promoção de encontros mensais em diversos centros da Diocese e da difusão da prática da Lectio divina. De igual modo oportuna é também a Escola de Doutrina Social da Igreja, quer pela qualidade estruturada da proposta, quer pela sua minuciosa divulgação. Desejo profundamente que destas iniciativas surja uma nova geração de homens e mulheres capazes de promover não tanto interesses individuais, mas o bem comum. Desejo também encorajar e abençoar os esforços de quantos, sacerdotes e leigos, se ocupam da preparação dos casais cristãos para o matrimónio e a família, a fim de dar uma resposta evangélica e competente aos numerosos desafios contemporâneos no campo da família e da vida.

Depois, conheço o zelo e a dedicação com a qual os sacerdotes desempenham o seu serviço pastoral, assim como o metódico e incisivo trabalho de formação a eles destinado, em particular aos mais jovens. Queridos sacerdotes, exorto-vos a radicar cada vez mais a vossa vida espiritual no Evangelho, cultivando a vida interior, uma intensa relação com Deus e afastando-vos decididamente de uma certa mentalidade consumista e mundana, que é uma tentação frequente na realidade na qual vivemos. Aprendei a crescer na comunhão entre vós e com o Bispo, entre vós e os fiéis leigos, favorecendo a estima e a colaboração recíprocas: isto proporcionará certamente muitíssimos benefícios, quer para a vida das paróquias quer para a própria sociedade civil. Sabei valorizar, com discernimento, segundo os conhecidos critérios de eclesialidade, os grupos e movimentos: eles devem ser bem integrados no âmbito da pastoral ordinária da diocese e das paróquias, num profundo espírito de comunhão.

A vós fiéis leigos, jovens e famílias, digo: não tenhais medo de viver e testemunhar a fé nos vários âmbitos da sociedade, nas múltiplas situações da existência humana! Tendes todos os motivos para vos mostrardes fortes, confiantes e corajosos, e isto graças à luz da fé e à força da caridade. E se encontrardes a oposição do mundo, fazei vossas as palavras do Apóstolo: «Tudo posso naquele que me dá a força» (Ph 4,13). Assim se comportaram os Santos e as Santas, florescidos, ao longo dos séculos, em toda a Calábria. Que eles vos conservem sempre unidos e alimentem em cada um o desejo de proclamar, com as palavras e as obras, a presença e o amor de Cristo. A Mãe de Deus, por vós tão venerada, vos assista e conduza ao conhecimento profundo do seu Filho. Amém!



Serra San Bruno, CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS

9411
Igreja da Cartuxa de Serra San Bruno




Venerados Irmãos no Episcopado
Amados Irmãos Cartuxos
Irmãos e Irmãs!

Dou graças ao Senhor que me conduziu a este lugar de fé e de oração, a Cartuxa da Serra San Bruno. Ao renovar a minha saudação reconhecida a D. Vincenzo Bertolone, Arcebispo de Catanzaro-Squillace, dirijo-me com profundo afecto a esta Comunidade Cartuxa, a cada um dos seus membros, a começar pelo Prior, Pe. Jacques Dupont, a quem agradeço de coração as palavras pronunciadas, pedindo-lhe que transmita o meu pensamento de gratidão e bênção ao Ministro-Geral e às Monjas da Ordem.

É-me grato sublinhar, antes de tudo, que esta minha Visita se insere em continuidade com alguns sinais de comunhão vigorosa entre a Sé Apostólica e a Ordem dos Cartuxos, ocorridos ao longo do século passado. Em 1924 o Papa Pio XI emanou uma Constituição Apostólica com a qual aprovou os Estatutos da Ordem, revistos à luz do Código de Direito Canónico. Em Maio de 1984, o beato João Paulo II dirigiu ao Ministro-Geral uma Carta especial, por ocasião do nono centenário da fundação, por parte de são Bruno, da primeira comunidade da Cartuxa, nos arredores de Grenoble. No dia 5 de Outubro daquele mesmo ano, o meu amado Predecessor veio aqui, e a recordação da sua passagem entre estas paredes ainda está viva. No sulco destes acontecimentos passados, mas sempre actuais, venho visitar-vos hoje, e gostaria que este nosso encontro salientasse o vínculo profundo que existe entre Pedro e Bruno, entre o serviço pastoral à unidade da Igreja e a vocação contemplativa na Igreja. Com efeito, a comunhão eclesial tem necessidade de uma força interior, daquele vigor que há pouco o Padre Prior recordava, citando a expressão «captus ab Uno», referida a são Bruno: «Capturado por Um», por Deus, «Unus potens per omnia», como cantámos no Hino das Vésperas. O ministério dos Pastores haure das comunidades contemplativas uma linfa espiritual que provém de Deus.

«Fugitiva relinquere et aeterna captare»: abandonar as realidades fugazes e procurar capturar o eterno. Nesta expressão da carta que o vosso Fundador dirigiu ao Abade de Reims, Rodolfo, está encerrado o núcleo da vossa espiritualidade (cf. Carta a Rodolfo, 13): o forte desejo de entrar em união de vida com Deus, abandonando tudo o resto, tudo aquilo que impede esta comunhão, e deixando-se capturar pelo amor imenso de Deus, para viver só deste amor. Caros irmãos, vós encontrastes o tesouro escondido, a pérola de grande valore (cf.
Mt 13,44-46); respondestes com radicalidade ao convite de Jesus: «Se quiseres ser perfeito, vai, vende os teus bens, distribui-os aos pobres e terás um tesouro no Céu. Depois, vem e segue-me!» (Mt 19,21). Cada mosteiro — masculino ou feminino — é um oásis em que, com a oração e a meditação, se cava incessantemente o poço profundo do qual haurir a «água viva» para a nossa sede mais profunda. Mas a Cartuxa é um oásis especial, onde o silêncio e a solidão são conservados com cuidado particular, segundo a forma de vida iniciada por são Bruno e que permaneceu inalterada ao longo dos séculos. «Habito no deserto com irmãos», é a frase sintética que escrevia o vosso Fundador (Carta a Rodolfo, 4). A visita do Sucessor de Pedro a esta Cartuxa histórica tenciona confirmar-vos não só a vós, que viveis aqui, mas toda a Ordem na sua missão, mais actual e significativa do que nunca no mundo de hoje.

O progresso técnico, nomeadamente no campo dos transportes e das comunicações, tornou a vida do homem mais confortável, mas também mais agitada, às vezes até desordenada. As cidades são quase sempre ruidosas: nelas raramente há silêncio, porque um barulho de fundo permanece sempre, nalgumas áreas até de noite. Além disso, nas últimas décadas o desenvolvimento dos mass media difundiu e amplificou um fenómeno que já se perfilava nos anos 60: a virtualidade, que corre o risco de dominar a realidade. Cada vez mais, mesmo sem se dar conta, as pessoas vivem imersas numa dimensão virtual, por causa de mensagens audiovisuais que acompanham a sua vida, desde a manhã até à noite. Os mais jovens, que já nasceram nesta condição, parecem desejar encher com músicas e imagens cada momento vazio, como se tivessem medo de sentir, precisamente, este vazio. Trata-se de uma tendência que sempre existiu, especialmente entre os jovens e nos contextos urbanos mais desenvolvidos, mas hoje ela alcançou um nível tal, que se chega a falar de mutação antropológica. Algumas pessoas já não são capazes de permanecer por muito tempo em silêncio e solidão.

Quis referir-me a esta condição sociocultural, porque ela põe em relevo o carisma específico da Cartuxa, como um dom precioso para a Igreja e para o mundo, um dom que contém uma mensagem profunda para a nossa vida e para a humanidade inteira. Eu resumi-lo-ia assim: retirando-se no silêncio e na solidão o homem, por assim dizer, «expõe-se» à realidade na sua nudez, expõe-se àquele aparente «vazio» ao qual me referia antes, para experimentar ao contrário a Plenitude, a presença de Deus, da Realidade mais real que existe, e que se encontra para além da dimensão sensível. Trata-se de uma presença perceptível em cada criatura: no ar que respiramos, na luz que vemos e que nos aquece, na relva, nas pedras... Deus, Creator omnium, atravessa tudo, mas vai mais além e, precisamente por isso, é o fundamento de tudo. Deixando tudo, o monge por assim dizer «arrisca»: expõe-se à solidão e ao silêncio para não viver a não ser do que é essencial, e precisamente ao viver do essencial encontra também uma profunda comunhão com os irmãos, com cada homem.

Alguém poderia pensar que é suficiente vir aqui, para fazer este «salto». Mas não é assim. Esta vocação, como cada vocação, encontra resposta num caminho, na busca de uma vida inteira. Com efeito, não é suficiente retirar-se num lugar como este para aprender a estar na presença de Deus. Assim como no matrimónio não basta celebrar o Sacramento para se tornar efectivamente um só, mas é necessário deixar que a graça de Deus aja e percorrer juntos a quotidianidade da vida conjugal, também o tornar-se monge exige tempo, exercício e paciência, «numa vigilância divina perseverante — como afirmava são Bruno — à espera da volta do Senhor, para lhe abrir imediatamente a porta» (Carta a Rodolfo, 4); e precisamente nisto consiste a beleza de cada vocação no seio da Igreja: dar tempo a Deus, para agir com o seu Espírito, e à própria humanidade para se formar, para crescer em conformidade com a medida da maturidade de Cristo, naquela particular condição de vida. Em Cristo encontra-se tudo, a plenitude; quanto a nós, temos necessidade de tempo para fazer nossa uma das dimensões do seu mistério. Poderíamos dizer que se trata de um caminho de transformação, em que se realiza e se manifesta o mistério da Ressurreição de Cristo em nós, mistério para o qual nos interpelou esta tarde a Palavra de Deus, na Leitura bíblica tirada da Carta aos Romanos: o Espírito Santo, que ressuscitou Jesus dos mortos, e que dará vida também aos nossos corpos mortais (cf. Rm 8,11), é Aquele que realiza também a nossa configuração com Cristo, segundo a vocação de cada indivíduo, um caminho que vai desde a pia baptismal até à morte, passagem para a Casa do Pai. Às vezes, aos olhos do mundo, parece impossível permanecer durante a vida inteira num mosteiro, mas na verdade toda uma vida é apenas suficiente para entrar nesta união com Deus, naquela Realidade essencial e profunda, que é Jesus Cristo.

Estimados Irmãos que formais a Comunidade Cartuxa de Serra San Bruno, foi por isto que vim aqui! Para vos dizer que a Igreja tem necessidade de vós, e que vós precisais da Igreja. O vosso lugar não é marginal: nenhuma vocação é marginal no Povo de Deus: somos um único corpo, em que cada membro é importante e tem a mesma dignidade, e é inseparável do todo. Também vós, que viveis em isolamento voluntário, estais realmente no coração da Igreja, e fazeis correr nas suas veias o sangue puro da contemplação e do amor de Deus.

Stat Crux dum volvitur orbis — assim recita o vosso lema. A Cruz de Cristo é o ponto firme, no meio das mudanças e dos transtornos do mundo. A vida numa Cartuxa participa da estabilidade da Cruz, que é a de Deus, do seu amor fiel. Permanecendo solidamente unidos a Cristo, como ramos à Videira, também vós, Irmãos Cartuxos, estais associados ao seu mistério de salvação, como a Virgem Maria, que junto da Cruz stabat, unida ao Filho na mesma oblação de amor. Assim, como Maria e juntamente com Ela, também vós estais profundamente inseridos no mistério da Igreja, Sacramento de união dos homens com Deus e entre si. Nisto vós estais também singularmente próximos do meu ministério. Por conseguinte, vele sobre nós a Santíssima Mãe da Igreja, e o santo Padre Bruno abençoe sempre do Céu a vossa Comunidade.



Bento XVI Homilias 24911