Bento XVI Homilias 16412


IV Domingo de Páscoa, 29 de Abril de 2012: SANTA MISSA COM ORDENAÇÕES SACERDOTAIS

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Basílica Vaticana






Venerados Irmãos
Prezados Ordinandos
Queridos irmãos e irmãs

A tradição romana de celebrar as Ordenações sacerdotais neste 4º Domingo de Páscoa, Domingo do «Bom Pastor», contém uma grande riqueza de significado, ligada à convergência entre a Palavra de Deus, o Rito litúrgico e o Tempo pascal em que se insere. Em particular, a figura do pastor, tão relevante na Sagrada Escritura e naturalmente muito importante para a definição do sacerdote, adquire a sua plena verdade e clareza no rosto de Cristo, à luz do Mistério da sua morte e ressurreição. Estimados Ordinandos, também vós podereis beneficiar sempre desta riqueza, em cada dia da vossa vida, e assim o vosso sacerdócio será renovado continuamente.

Este ano o trecho evangélico é o central do capítulo 10 de João, e começa precisamente com a afirmação de Jesus: «Eu sou o bom pastor», seguida imediatamente pela primeira característica fundamental: «O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas» (
Jn 10,11). Portanto, neste aspecto nós somos levados imediatamente ao centro, ao ápice da revelação de Deus como pastor do seu povo; este centro e ápice é Jesus, precisamente Jesus que morre na cruz e no terceiro dia ressuscita do sepulcro, ressuscita com toda a sua humanidade, e deste modo envolve cada um de nós, cada homem, na sua passagem da morte para a vida. Este acontecimento — a Páscoa de Cristo — em que se realiza plena e definitivamente a obra pastoral de Deus, é um evento sacrifical: por isso, o Bom Pastor e o Sumo Sacerdote coincidem na pessoa de Jesus, que deu a vida por nós.

Mas observemos brevemente também as primeiras duas Leituras e o Salmo responsorial (PS 118). O trecho dos Actos dos Apóstolos (Ac 4,8-12) apresenta-nos o testemunho de são Pedro diante dos chefes do povo e dos anciãos de Jerusalém, depois da cura milagrosa do paralítico. Pedro afirma com grande franqueza que «Jesus é a pedra que foi rejeitada por vós, construtores, e que se transformou em pedra angular»; e acrescenta: «E não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do céu qualquer outro nome dado aos homens que nos possa salvar» (vv. Ac 4,11-12). Depois, o Apóstolo interpreta à luz do mistério pascal de Cristo o Salmo 118, no qual o orante dá graças a Deus, que respondeu ao seu grito de ajuda e o salvou. Este Salmo reza: «A pedra que os construtores rejeitaram / veio a tornar-se pedra angular. / Isto foi obra do Senhor: / e é um prodígio aos nossos olhos» (Ps 118,22-23). Jesus viveu precisamente esta experiência: de ser rejeitado pelos chefes do seu povo e reabilitado por Deus, posto como fundamento de um novo templo, de um novo povo que louvará o Senhor com frutos de justiça (cf. Mt 21,42-43). Portanto, a primeira Leitura e o Salmo responsorial, que é o próprio Salmo 118, evocam fortemente o contexto pascal, e com esta imagem da pedra rejeitada e restabelecida atraem o nosso olhar sobre Jesus morto e ressuscitado.

A segunda Leitura, tirada da Primeira Carta de João (1Jn 3,1-2), fala-nos ao contrário do fruto da Páscoa de Cristo: o facto de nos termos tornado filhos de Deus. Nas palavras de João ainda se sente toda a admiração por esta dádiva: não somos só chamados filhos de Deus, mas «realmente o somos!» (v. 1Jn 3,1). Com efeito, a condição filial do homem é o fruto da obra salvífica de Jesus: com a sua encarnação, com a sua morte e ressurreição, e com o dom do Espírito Santo Ele inseriu o homem numa relação nova com Deus, a sua própria relação com o Pai. Por isso, Jesus ressuscitado diz: «Subo para o meu Pai, que é vosso Pai; para o meu Deus, que é vosso Deus» (Jn 20,17). Trata-se de uma relação já plenamente real, mas que ainda não se manifestou de maneira completa: sê-lo-á no final, quando — se Deus quiser — pudermos ver o seu rosto sem véus (cf. v. 1Jn 3,2).

Caros Ordinandos, é para lá que o Bom Pastor nos quer conduzir! É para lá que o sacerdote é chamado a levar os fiéis que lhe foram confiados: para a vida verdadeira, a vida «em abundância» (Jn 10,10). Por conseguinte, voltemos ao Evangelho e à parábola do pastor. «O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas» (Jn 10,11). Jesus insiste sobre esta característica essencial do verdadeiro pastor, que é Ele mesmo: a do «dar a sua vida». Repete-o três vezes e no final conclui, dizendo: «É por isso que meu pai me ama: porque Eu ofereço a minha vida, para depois a retomar. Ninguém ma tira, mas sou Eu que a ofereço livremente. Tenho o poder de a oferecer e o poder de a retomar. Tal é o encargo que recebi de meu Pai» (Jn 10,17-18). Claramente, esta é a característica qualificadora do pastor, como Jesus o interpreta pessoalmente, segundo a vontade do Pai que O enviou. A figura bíblica do rei-pastor, que compreende principalmente a tarefa de reger o povo de Deus, de o manter unido e de o orientar, toda esta função régia se realiza plenamente em Jesus Cristo, na dimensão sacrifical, no ofertório da vida. Numa palavra, realiza-se no mistério da Cruz, ou seja, no gesto supremo de humildade e de amor oblativo. O abade Teodoro Estudita diz: «Por meio da cruz nós, ovelhinhas de Cristo, fomos congregados num único aprisco, e fomos destinados às moradas eternas» (Discurso sobre a adoração da Cruz: PG 99,699).

Para esta perspectiva orientam as fórmulas do Rito da Ordenação dos Presbíteros, que estamos a celebrar. Por exemplo, entre as perguntas que dizem respeito aos «compromissos dos eleitos», a última, que possui uma índole culminante e de certa maneira sintética, reza assim: «Quereis estar cada vez mais estreitamente unidos a Cristo, Sumo Sacerdote, que como vítima pura se ofereceu ao Pai por nós, consagrando-vos a vós mesmos a Deus, juntamente com Ele, para a salvação de todos os homens?». Com efeito, o presbítero é aquele que é inserido de um modo singular no mistério do Sacrifício de Cristo, mediante uma união pessoal com Ele, para prolongar a sua missão salvífica. Esta união, que se verifica graças ao Sacramento da Ordem, exige que se torne «cada vez mais estreita», pela correspondência generosa do próprio sacerdote. Por isso, amados Ordinandos, daqui a pouco vós respondereis a esta pergunta, dizendo: «Sim, com a ajuda de Deus, eu quero». Sucessivamente, nos Ritos explicativos, no momento da unção crismal, o celebrante diz: «O Senhor Jesus Cristo, que o Pai consagrou no Espírito Santo e no poder, te conserve para a santificação do seu povo e para a oferenda do sacrifício». E depois, na entrega do pão e do vinho: «Recebe as ofertas do povo santo, para o sacrifício eucarístico. Toma consciência do que farás, imita o que celebrarás e conforma a tua vida com o mistério da cruz de Cristo Senhor». Ressalta vigorosamente que, para o sacerdote, celebrar todos os dias a Santa Missa não significa desempenhar uma função ritual, mas cumprir uma missão que envolve inteira e profundamente a existência, em comunhão com Cristo ressuscitado que, na sua Igreja, continua a realizar o Sacrifício redentor.

Esta dimensão eucarístico-sacrifical é inseparável da pastoral e constitui o núcleo de verdade e de força salvífica, do qual depende a eficácia de cada actividade. Naturalmente, não falamos da eficácia apenas no no plano psicológico ou social, mas da fecundidade vital da presença de Deus a nível profundamente humano. A mesma pregação, as obras e os gestos de vários tipos, que a Igreja cumpre com as suas múltiplas iniciativas, perderiam a sua fecundidade salvífica, se faltasse a celebração do Sacrifício de Cristo. E ela é confiada aos sacerdotes ordenados. Com efeito, o presbítero é chamado a viver em si mesmo aquilo que Jesus experimentou pessoalmente, ou seja, a dedicar-se de maneira completa à pregação e à cura do homem de todos os males do corpo e do espírito, e depois, no final, a resumir tudo no gesto supremo do «dar a vida» pelos homens, gesto que encontra a sua expressão sacramental na Eucaristia, memorial perpétuo da Páscoa de Jesus. É através desta «porta» do Sacrifício pascal que os homens e as mulheres de todos os tempos e lugares podem entrar na vida eterna; é através deste «caminho santo» que eles podem realizar o êxodo que os há-de conduzir à «terra prometida» da verdadeira liberdade, aos «verdes prados» da paz e da alegria sem fim (cf. Jn 10,7 Jn 10,9 Ps 77,14 Ps 77,20-21 Ps 23,2).

Prezados Ordinandos, esta Palavra de Deus ilumine toda a vossa vida. E quando o peso da cruz se tornar mais pesado, sabei que aquela será a hora mais preciosa, para vós e para as pessoas que vos forem confiadas: renovando com fé e com amor o vosso «Sim, com a ajuda de Deus, eu quero», vós cooperareis com Cristo, Sumo Sacerdote e Bom Pastor, para apascentar as suas ovelhas — talvez só aquela que se perdeu, mas pela qual se faz uma grande festa no Céu! A Virgem Maria, Salus Populi Romani, vele sempre sobre cada um de vós e sobre o vosso caminho. Amém!



Domingo, 13 de Maio de 2012: VISITA PASTORAL A AREZZO, LA VERNA E SANSEPOLCRO (13 DE MAIO DE 2012)

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CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


Parque "Il Prato", Arezzo





Estimados irmãos e irmãs

É com grande alegria que posso partir convosco o pão da Palavra de Deus e da Eucaristia. Transmito a minha cordial saudação a todos vós e agradeço-vos a calorosa hospitalidade! Saúdo o vosso Pastor, D. Riccardo Fontana, a quem agradeço as amáveis expressões de boas-vindas, os demais Prelados, os Sacerdotes, os Religiosos, as Religiosas e os Representantes das Associações e dos Movimentos eclesiais. Dirijo uma saudação deferente ao Presidente da Câmara municipal, Advogado Giuseppe Fanfani, enquanto lhe agradeço o discurso de saudação, ao Senador Mario Monti, Presidente do Conselho dos Ministros, e às outras Autoridades civis e militares. Um agradecimento especial a quantos colaboraram generosamente para esta minha Visita Pastoral.

Hoje recebe-me uma Igreja antiga, perita em relações e benemérita pelo seu compromisso ao longo dos séculos, e em ter construído a cidade do homem à imagem da Cidade de Deus. Com efeito, na terra da Toscana a comunidade de Arezzo distinguiu-se muitas vezes na história pelo sentido de liberdade e pela capacidade de diálogo entre diferentes componentes sociais. Enquanto venho pela primeira vez entre vós, os meus votos são para que a Cidade saiba fazer frutificar sempre esta herança preciosa.

Nos séculos passados, a Igreja que está em Arezzo foi enriquecida e animada por múltiplas expressões da fé cristã, entre as quais a mais elevado é a dos santos. Penso de maneira particular em são Donato, vosso padroeiro, cujo testemunho de vida, que fascinou a cristandade da Idade Média, ainda é actual. Ele foi um evangelizador intrépido, para que todos se libertassem dos costumes pagãos e voltassem a encontrar na Palavra de Deus a força para afirmar a dignidade de cada pessoa e o verdadeiro sentido da liberdade. Através da sua pregação, reconduziu à unidade mediante a oração e a Eucaristia, as populações das quais foi Bispo. O cálice quebrado e recomposto por são Donato, do qual fala são Gregório Magno (cf. Diálogos I, 7, 3), é imagem da obra pacificadora levada a cabo pela Igreja no seio da sociedade, para o bem comum. Assim dão testemunho de vós são Pier Damiani e, juntamente com ele, a grande tradição camaldulense que desde há mil anos, na região do Casentino, oferece a sua riqueza espiritual a esta Igreja diocesana e à Igreja universal.

Na vossa Catedral está sepultado o beato Gregório x, Papa, como que a demonstrar, na diversidade dos tempos e das culturas, a continuidade do serviço que a Igreja de Cristo tenciona prestar ao mundo. Sustentado pela luz que derivava das nascentes Ordens Mendicantes, de teólogos e de santos, entre os quais são Tomás de Aquino e são Boaventura de Bagnoregio, ele enfrentou os grandes problemas da sua época: a reforma da Igreja; a recomposição do cisma com o Oriente cristão, que procurou realizar com o Concílio de Lião; a atenção pela Terra Santa; a paz e as relações entre os povos — ele foi o primeiro no Ocidente a manter um intercâmbio de embaixadores com Kublai Khan, da China.

Prezados amigos! A primeira Leitura apresentou-nos um momento importante no qual se manifesta precisamente a universalidade da Mensagem cristã e da Igreja: na casa de Cornélio, são Pedro baptizou os primeiros pagãos. No Antigo Testamento, Deus desejava que a bênção do povo judeu não permanecesse exclusiva, mas fosse estendida a todas as nações. A partir do chamamento de Abraão, Ele tinha dito: «Todas as famílias da Terra serão em ti abençoadas» (
Gn 12,3). E assim Pedro, inspirado do Alto, compreende que «Deus não faz acepção de pessoas, mas em qualquer povo, quem O teme e põe em prática a justiça, lhe é agradável» (Ac 10,34-35). O gesto realizado por Pedro torna-se imagem da Igreja aberta à humanidade inteira. Seguindo a grande tradição da vossa Igreja e das vossas Comunidades, sede testemunhas autênticas do amor de Deus por todos!

Mas como podemos nós, com a nossa debilidade, transmitir este amor? Na segunda Leitura, são João disse-nos com vigor que a libertação do pecado e das suas consequências não é iniciativa nossa, mas de Deus. Não fomos nós que O amamos, mas foi Ele que nos amou e assumiu sobre Si o nosso pecado, lavando-o com o sangue de Cristo. Deus amou-nos primeiro e quer que entremos na sua comunhão de amor, para colaborar para a sua obra redentora.

No trecho do Evangelho ressoou o convite do Senhor: «Destinei-vos a irdes e a dardes fruto, e para que o vosso fruto permaneça» (Jn 15,16). Trata-se de uma palavra dirigida de modo específico aos Apóstolos mas, em sentido lato, diz respeito a todos os discípulos de Jesus. A Igreja inteira, todos nós somos enviados pelo mundo para anunciar o Evangelho e a salvação. Mas a iniciativa é sempre de Deus, que chama para os múltiplos ministérios, a fim de que cada um desempenhe a própria função em vista do bem comum. Chamados ao sacerdócio ministerial, à vida consagrada, à vida conjugal, ao compromisso no mundo, a todos é pedido que respondam com generosidade ao Senhor, sustentados pela sua Palavra que nos tranquiliza: «Não fostes vós que me escolhestes, fui Eu que vos escolhi» (Ibidem Jn 15,16).

Caros amigos! Conheço a obra da vossa Igreja para a promoção da vida cristã. Sede fermento na sociedade, sede cristãos presentes, empreendedores e coerentes. Na sua história multimilenária, a Cidade de Arezzo resume expressões significativas de culturas e valores. Entre os tesouros da vossa tradição conta-se o orgulho de uma identidade cristã, testemunhada por muitos sinais e por devoções radicadas, como aquela a Nossa Senhora do Alívio. Esta terra, onde nasceram grandes personalidades do Renascimento, de Petrarca a Vasari, desempenhou um papel concreto na afirmação daquele conceito do homem que incidiu na história da Europa, fundamentando-se nos valores cristãos. Também recentemente, pertence ao património ideal da cidade aquilo que alguns dos seus melhores filhos, na investigação universitária e nas sedes institucionais, souberam elaborar sobre o próprio conceito de civitas, declinando o ideal cristão da era dos comuns nas categorias da nossa época. No contexto da Igreja na Itália, comprometida nesta década sobre o tema da educação, devemos perguntar-nos, sobretudo na região que é pátria do Renascimento, que visão do homem somos capazes de propor às novas gerações. A Palavra de Deus que ouvimos é um convite forte a viver o amor de Deus por todos, e a cultura destas terras conta entre os seus valores distintivos a solidariedade, a atenção aos mais débeis e o respeito pela dignidade de cada um. A hospitalidade, que também em tempos mais recentes, vós soubestes oferecer a quantos vieram em busca de liberdade e de trabalho, é muito conhecida. Ser solidário com os pobres significa reconhecer o desígnio de Deus Criador, que fez de todos uma só família.

Sem dúvida, também a vossa Província é fortemente provada pela crise económica. A complexidade dos problemas torna difícil encontrar as soluções mais rápidas e eficazes para sair da actual situação, que atinge especialmente as camadas mais frágeis e preocupa não pouco os jovens. A atenção ao próximo, desde os séculos mais remotos, impeliu a Igreja a tornar-se concretamente solidária com quantos se encontram em necessidade, compartilhando recursos, promovendo estilos de vida mais essenciais e contrastando a cultura do efémero, que iludiu muitas pessoas, determinando uma profunda crise espiritual. Esta Igreja diocesana, enriquecida pelo testemunho luminoso do Pobrezinho de Assis, continue a estar atenta e a ser solidária com quantos se encontram em necessidade, mas saiba educar também para a superação de lógicas puramente materialistas, que muitas vezes marcam o nosso tempo e acabam por ofuscar precisamente o sentido da solidariedade e da caridade.

Dar testemunho do amor de Deus na atenção aos últimos conjuga-se inclusive com a defesa da vida, desde o seu nascimento até ao seu termo natural. Na vossa região, garantir a todos dignidade, saúde e direitos fundamentais é sentido justamente como um bem irrenunciável. A defesa da família, através de leis justas e capazes de tutelar também os mais débeis, constitua sempre um ponto importante para conservar um tecido social sólido e oferecer perspectivas de esperança para o futuro. Assim como na Idade Média os estatutos das vossas cidades foram instrumento para assegurar a muitos os direitos inalienáveis, também hoje continue o compromisso por promover uma Cidade com um rosto cada vez mais humano. Nisto a Igreja oferece a sua contribuição para que o amor a Deus seja sempre acompanhado pelo amor ao próximo.

Amados irmãos e irmãs! Continuai o serviço a Deus e ao homem, segundo o ensinamento de Jesus, o exemplo luminoso dos vossos santos e a tradição do vosso povo. Que nesta tarefa vos acompanhe e vos sustente sempre a salvaguarda materna de Nossa Senhora do Alívio, que vós tanto amais e venerais. Amém!



Domingo, 27 de Maio de 2012: CAPELA PAPAL NA SOLENIDADE DE PENTECOSTES

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Basílica Vaticana





Queridos irmãos e irmãs!

Sinto-me feliz por celebrar convosco esta Santa Missa, animada hoje também pelo Coro da Academia de Santa Cecília e pela Orquestra juvenil — à qual agradeço — na Solenidade de Pentecostes. Este mistério constitui o baptismo da Igreja, é um acontecimento que lhe conferiu, por assim dizer, a forma inicial e o estímulo para a sua missão. E esta «forma» e «estímulo» são sempre válidos, sempre actuais, e renovam-se de modo particular mediante as acções litúrgicas. Esta manhã gostaria de meditar sobre um aspecto essencial do mistério do Pentecostes, que nos nossos dias conserva toda a sua importância. O Pentecostes é a festa da união, da compreensão e da comunhão humana. Todos podemos constatar como no nosso mundo, mesmo se estamos cada vez mais próximos uns dos outros com o progresso dos meios de comunicação, e as distâncias geográficas parecem desaparecer, a compreensão e a comunhão entre as pessoas muitas vezes é superficial e difícil. Permanecem desequilíbrios que com frequência levam a conflitos; o diálogo entre as gerações torna-se difícil e por vezes prevalece a contraposição; assistimos a factos quotidianos nos quais nos parece que os homens estão a tornar-se mais agressivos e mais conflituosos; compreender-se parece demasiado comprometedor e prefere-se permanecer no próprio eu, nos próprios interesses. Nesta situação, podemos deveras encontrar e viver aquela unidade da qual temos necessidade?

A narração do Pentecostes nos Actos dos Apóstolos, que ouvimos na primeira leitura (cf.
Ac 2,1-11), contém um panorama dos últimos grandes afrescos que encontramos no início do Antigo Testamento: a antiga história da construção da Torre de Babel. Mas o que é Babel? É a descrição de um reino no qual os homens concentraram tanto poder que pensaram que já não precisavam de fazer referência a um Deus distante e deste modo eram tão fortes que podiam construir sozinhos um caminho que leva ao céu para abrir as suas portas e pôr-se no lugar de Deus. Mas precisamente nesta situação verifica-se algo anómalo e singular. Enquanto os homens estavam a trabalhar juntos, construindo a torre, repentinamente deram-se conta de que estavam a construir um contra o outro. Enquanto tentavam ser como Deus, corriam o perigo de nem sequer ser mais homens, porque tinham perdido um elemento fundamental do ser pessoas humanas: a capacidade de se aproximarem, de se compreenderem e de trabalhar juntos.

Esta narração bíblica contém uma sua verdade perene; podemos vê-la ao longo da história, mas também no nosso mundo. Com o progresso da ciência e da técnica alcançamos o poder de dominar forças da natureza, de manipular os elementos, de fabricar seres vivos, chegando quase até ao próprio ser humano. Nesta situação, rezar a Deus parece algo superado, inútil, porque nós próprios podemos construir e realizar tudo o que queremos. Mas não nos apercebemos de que estamos a viver a mesma experiência de Babel. É verdade, multiplicámos as possibilidades de comunicar, de obter informações, de transmitir notícias, mas podemos dizer que aumentou a capacidade de nos compreendermos ou talvez, paradoxalmente, entendemo-nos cada vez menos? Entre os homens não parece porventura que se insinua um sentido de desconfiança, de suspeita, de receio recíproco, até nos tornarmos inclusive perigosos uns para os outros? Voltemos então à pergunta inicial: pode haver deveras unidade, concórdia? E como?

Encontramos a resposta na Sagrada Escritura: só pode haver unidade com o dom do Espírito de Deus, o qual nos dará um coração novo e uma língua nova, uma capacidade nova de comunicar. E foi isto que se verificou no Pentecostes. Naquela manhã, cinquenta dias depois da Páscoa, um vento impetuoso soprou sobre Jerusalém e a chama do Espírito Santo desceu sobre os discípulos reunidos, pousou sobre cada um e acendeu neles o fogo divino, um fogo de amor, capaz de transformar. O receio desapareceu, o coração sentiu uma nova força, as línguas soltaram-se e começaram a falar com franqueza, de modo que todos pudessem compreender o anúncio de Jesus Cristo morto e ressuscitado. No Pentecostes, onde havia divisão e indiferença, surgiram unidade e compreensão.

Mas olhemos para o Evangelho de hoje, no qual Jesus afirma: «Quando vier o Espírito da Verdade, Ele guiar-vos-á para a verdade total» (Jn 16,13). Aqui Jesus, falando do Espírito Santo, explica-nos o que é a Igreja e como ela deva viver para ser ela mesma, para ser o lugar da unidade e da comunhão na Verdade: diz-nos que agir como cristãos significa não nos fecharmos no próprio «eu», mas orientarmo-nos para o todo: significa acolher em nós mesmos a Igreja inteira ou, ainda melhor, deixar que ela nos acolha interiormente. Então, quando eu falo, penso, ajo como cristão, não o faço fechando-me no meu eu, mas faço-o sempre no todo e a partir do todo: assim o Espírito Santo, Espírito de unidade e de verdade, pode continuar a ressoar nos nossos corações e nas mentes dos homens e estimulá-los a encontrar-se e a aceitar-se uns aos outros. O Espírito, precisamente pelo facto de que age desta forma, introduz-nos em toda a verdade, que é Jesus, guia-nos no seu aprofundamento e compreensão: não crescemos no conhecimento fechando-nos no nosso eu, mas unicamente tornando-nos capazes de ouvir e partilhar, só no «nós» da Igreja, com uma atitude de profunda humildade interior. E desta forma torna-se mais claro por que motivo Babel é Babel e o Pentecostes é o Pentecostes. Onde os homens pretendem tornar-se Deus, podem unicamente pôr-se uns contra os outros. Ao contrário, onde estão na verdade do Senhor, abrem-se à acção do seu Espírito que os ampara e une.

A contraposição entre Babel e o Pentecostes é repetida também na segunda leitura, onde o Apóstolo diz: «Caminhai segundo o Espírito e não sereis levados a satisfazer o desejo da carne» (Ga 5,16). São Paulo explica-nos que a nossa vida pessoal está marcada por um conflito interior, por uma divisão, entre os impulsos que provêm da carne e os que derivam do Espírito; e nós não podemos segui-los todos. Com efeito, não podemos ser contemporaneamente egoístas e generosos, seguir a tendência de dominar os outros e sentir a alegria do serviço abnegado. Devemos escolher sempre que impulso seguir e só o podemos fazer de modo autêntico com a ajuda do Espírito de Cristo. São Paulo enumera — como ouvimos — as obras da carne, que são os pecados de egoísmo e de violência, como inimizade, discórdia, ciúmes, desentendimentos; são pensamentos e acções que não fazem viver de modo deveras humano e cristão, no amor. É uma orientação que leva a perder a própria vida. Ao contrário, o Espírito Santo guia-nos rumo às alturas de Deus, porque podemos viver já nesta terra o germe de vida divina que está em nós. Com efeito, são Paulo afirma: «O fruto do Espírito é amor, alegria e paz» (Ga 5,22). E vemos que o Apóstolo usa o plural para descrever as obras da carne, que provocam a dispersão do ser humano, enquanto usa o singular para definir a acção do Espírito, fala de «fruto», precisamente como à dispersão de Babel se contrapõe a unidade do Pentecostes.

Queridos amigos, devemos viver segundo o Espírito de unidade e de verdade, e por isto temos que rezar a fim de que o Espírito nos ilumine e guie para vencermos o fascínio de seguir verdades nossas, e acolhermos a verdade de Cristo transmitida na Igreja. A narração do Pentecostes em Lucas diz-nos que Jesus antes de subir ao céu pediu aos Apóstolos que permanecessem juntos para se prepararem para receber o dom do Espírito Santo. E assim reuniram-se em oração com Maria no Cenáculo na expectativa do acontecimento prometido (cf. Ac 1,14). Recolhida com Maria, como no seu nascer, a Igreja reza também hoje: «Veni Sancte Spiritus! — Vem, Espírito Santo, enche os corações dos teus filhos e acende neles o fogo do teu amor!». Amém.



Domingo, 3 de Junho de 2012: VISITA PASTORAL À ARQUIDIOCESE DE MILÃO E VII ENCONTRO MUNDIAL DAS FAMÍLIAS (1-3 DE JUNHO DE 2012)

CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA

30612
Parque de Bresso




Venerados Irmãos,

Distintas Autoridades,
Amados irmãos e irmãs!

Grande momento de alegria e de comunhão é este que vivemos ao celebrar o Sacrifício Eucarístico, nesta manhã. Está reunida com o Sucessor de Pedro uma grande assembleia, composta por fiéis vindos de muitas nações. Nela temos uma expressiva imagem da Igreja, una e universal, fundada por Cristo e fruto da missão que Jesus, como ouvimos no Evangelho, confiou aos seus Apóstolos: «Ide, pois, fazer discípulos de todas as nações, baptizai-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo» (
Mt 28,18-19). Saúdo com afecto e gratidão o Cardeal Angelo Scola, Arcebispo de Milão, e o Cardeal Ennio Antonelli, Presidente do Pontifício Conselho para a Família, principais artífices deste VII Encontro Mundial das Famílias, bem como os seus colaboradores, os Bispos Auxiliares de Milão e todos os outros Prelados. Com prazer, saúdo todas as Autoridades presentes. E, hoje, o meu caloroso abraço vai sobretudo para vós, queridas famílias! Obrigado pela vossa participação!

Na segunda Leitura, o apóstolo Paulo recordou-nos que recebemos no Baptismo o Espírito Santo, que de tal modo nos une a Cristo como irmãos e liga ao Pai como filhos, que podemos gritar: «Abba! Pai!» (cf. Rm 8,15 Rm 8,17). Então foi-nos dado um gérmen de vida nova, divina, que se há-de fazer crescer até à realização definitiva na glória celeste; tornamo-nos membros da Igreja, a família de Deus, «sacrarium Trinitatis» – na expressão de Santo Ambrósio –, «um povo – como ensina o Concílio Vaticano II – unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo» (Const. Lumen gentium LG 4). A solenidade litúrgica da Santíssima Trindade, que hoje celebramos, convida-nos a contemplar este mistério, mas impele-nos também ao compromisso de viver a comunhão com Deus e entre nós segundo o modelo da comunhão trinitária. Somos chamados a acolher e a transmitir, concordes, as verdades da fé; a viver o amor recíproco e para com todos, compartilhando alegrias e sofrimentos, aprendendo a pedir e a dar o perdão, valorizando os diversos carismas sob a guia dos Pastores. Numa palavra, está-nos confiada a tarefa de construir comunidades eclesiais que sejam cada vez mais família, capazes de reflectir a beleza da Trindade e evangelizar não só com a palavra mas – diria eu – por «irradiação», com a força do amor vivido.

Não é só a Igreja que é chamada a ser imagem do Deus Uno em Três Pessoas, mas também a família fundada no matrimónio entre o homem e a mulher. No princípio, de facto, «Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus: Ele os criou homem e mulher. Abençoando-os, Deus disse-lhes: “Crescei e multiplicai-vos”» (Gn 1,27-28). Deus criou o ser humano, homem e mulher, com igual dignidade, mas também com características próprias e complementares, para que os dois fossem dom um para o outro, se valorizassem reciprocamente e realizassem uma comunidade de amor e de vida. O amor é o que faz da pessoa humana a autêntica imagem da Trindade, imagem de Deus. Queridos esposos, na vivência do matrimónio, não dais qualquer coisa ou alguma actividade, mas a vida inteira. E o vosso amor é fecundo, antes de mais nada, para vós mesmos, porque desejais e realizais o bem um do outro, experimentando a alegria do receber e do dar. Depois é fecundo na procriação generosa e responsável dos filhos, na solicitude carinhosa por eles e na educação cuidadosa e sábia. Finalmente é fecundo para a sociedade, porque a vida familiar é a primeira e insubstituível escola das virtudes sociais, tais como o respeito pelas pessoas, a gratuidade, a confiança, a responsabilidade, a solidariedade, a cooperação. Queridos esposos, cuidai dos vossos filhos e, num mundo dominado pela técnica, transmiti-lhes com serenidade e confiança as razões para viver, a força da fé desvendando-lhes metas altas e servindo-lhes de apoio na fragilidade. Mas também vós, filhos, sabei manter sempre uma relação de profundo afecto e solícito cuidado com os vossos pais, e as relações entre irmãos e irmãs sejam também oportunidade para crescer no amor.

O projecto de Deus para o casal humano alcança a sua plenitude em Jesus Cristo, que elevou o matrimónio a Sacramento. Com um dom especial do Espírito Santo, queridos esposos, Cristo faz-vos participar no seu amor esponsal, tornando-vos sinal do seu amor pela Igreja: um amor fiel e total. Se souberdes acolher este dom, renovando diariamente o vosso «sim» com fé e com a força que vem da graça do Sacramento, também a vossa família viverá do amor de Deus, tomando por modelo a Sagrada Família de Nazaré. Queridas famílias, pedi muitas vezes, na oração, o auxílio da Virgem Maria e de São José, para que vos ensinem a acolher o amor de Deus como o acolheram eles. A vossa vocação não é fácil de viver, especialmente hoje, mas a realidade do amor é maravilhosa, é a única força que pode verdadeiramente transformar o universo, o mundo. Aos vossos olhos foi oferecido o testemunho de tantas famílias, que indicam os caminhos para crescer no amor: manter um relacionamento perseverante com Deus e participar na vida eclesial, cultivar o diálogo, respeitar o ponto de vista do outro, estar disponíveis para servir, ser paciente com os defeitos alheios, saber perdoar e pedir perdão, superar com inteligência e humildade os possíveis conflitos, concordar as directrizes educacionais, estar abertos às outras famílias, atentos aos pobres, ser responsáveis na sociedade civil. Todos estes são elementos que constroem a família. Vivei-os com coragem, pois na medida em que, com o apoio da graça divina, viverdes o amor mútuo e para com todos, tornar-vos-eis um Evangelho vivo, uma verdadeira Igreja doméstica (cf. Exort. ap. Familiaris consortio, FC 49). Quero dedicar uma palavra também aos fiéis que, embora compartilhando os ensinamentos da Igreja sobre a família, estão marcados por experiências dolorosas de falência e separação. Sabei que o Papa e a Igreja vos apoiam na vossa fadiga. Encorajo-vos a permanecer unidos às vossas comunidades, enquanto almejo que as dioceses assumam adequadas iniciativas de acolhimento e proximidade.

No livro do Génesis, Deus confia ao casal humano a sua criação, para que a guarde, cultive e guie de acordo com o seu plano (cf. Gn 1,27-28 Gn 2,15). Nesta indicação da Sagrada Escritura, podemos ler a missão que tem o homem e a mulher de colaborar com Deus para transformar o mundo, através do trabalho, da ciência e da técnica. O homem e a mulher são também imagem de Deus nesta obra preciosa, que devem realizar com o mesmo amor do Criador. Vemos que, nas teorias económicas modernas, prevalece muitas vezes uma concepção utilitarista do trabalho, da produção e do mercado. Mas, o projecto de Deus e a própria experiência mostram que não é a lógica unilateral do que me é útil e do maior lucro que pode concorrer para um desenvolvimento harmonioso, o bem da família e para construir uma sociedade justa, porque traz consigo uma competição exasperada, fortes desigualdades, degradação do meio ambiente, corrida ao consumo, mal-estar nas famílias. Antes, a mentalidade utilitarista tende a estender-se também às relações interpessoais e familiares, reduzindo-as a convergências precárias de interesses individuais e minando a solidez do tecido social.

Um último elemento. O homem, enquanto imagem de Deus, é chamado também ao descanso e à festa. A narrativa da criação termina com estas palavras: «Concluída, no sétimo dia, toda a obra que tinha feito, Deus repousou, no sétimo dia, de todo o trabalho por Ele realizado. Deus abençoou o sétimo dia e santificou-o» (Gn 2,2-3). Para nós, cristãos, o dia de festa é o Domingo, dia do Senhor, Páscoa da semana. É o dia da Igreja, assembleia convocada pelo Senhor ao redor da mesa da Palavra e do Sacrifício Eucarístico, como estamos a fazer hoje, para nos alimentar d’Ele, entrar no seu amor e viver do seu amor. É o dia do homem e dos seus valores: convivência, amizade, solidariedade, cultura, contacto com a natureza, jogo, desporto. É o dia da família, em que se há-de viver, juntos, o sentido da festa, do encontro, da partilha, também com a participação na Santa Missa. Queridas famílias, mesmo nos ritmos acelerados do nosso tempo, não percais o sentido do dia do Senhor! É como o oásis onde parar para saborear a alegria do encontro e saciar a nossa sede de Deus.

Família, trabalho, festa: três dons de Deus, três dimensões da nossa vida que se devem encontrar num equilíbrio harmonioso. Harmonizar os horários do trabalho e as exigências da família, a profissão e a paternidade e maternidade, o trabalho e a festa é importante para construir sociedades com um rosto humano. Nisto, privilegiai sempre a lógica do ser sobre a do ter: a primeira constrói, a segunda acaba por destruir. É preciso educar-se para crer, em primeiro lugar na família, no amor autêntico: o amor que vem de Deus e nos une a Ele e, por isso mesmo, «nos transforma em um Nós, que supera as nossas divisões e nos faz ser um só, até que, no fim, Deus seja “tudo em todos” (1Co 15,28)» (Enc. Deus caritas est ). Amen.



Bento XVI Homilias 16412