Bento XVI Homilias 30612


Quinta-feira, 7 de Junho de 2012: SANTA MISSA NA SOLENIDADE DE CORPUS CHRISTI

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Basílica de São João de Latrão






Prezados irmãos e irmãs!

Esta tarde gostaria de meditar convosco sobre dois aspectos, ligados entre si, do Mistério eucarístico: o culto da Eucaristia e a sua sacralidade. É importante retomá-los em consideração para os preservar de visões incompletas do próprio Mistério, como aquelas que se relevaram no passado recente.

Antes de tudo, uma reflexão sobre o valor do culto eucarístico, em particular da adoração do Santíssimo Sacramento. É a experiência que, também esta tarde, nós viveremos após a Missa, antes da procissão, durante a sua realização e no seu encerramento. Uma interpretação unilateral do Concílio Vaticano ii tinha penalizado esta dimensão, limitando praticamente a Eucaristia ao momento celebrativo. Com efeito, foi muito importante reconhecer a centralidade da celebração, no qual o Senhor convoca o seu povo, o reúne ao redor da dúplice mesa da Palavra e do Pão de vida, o alimenta e o une a Si no ofertório do Sacrifício. Esta valorização da assembleia litúrgica, em que o Senhor age e realiza o seu mistério de comunhão, permanece obviamente válida, mas ela deve ser recolocada no equilíbrio justo. Com efeito — como acontece com frequência — para ressaltar um aspecto termina-se por sacrificar outro. Neste caso, a justa evidência conferida à celebração da Eucaristia prejudicou a adoração, como gesto de fé e de oração dirigido ao Senhor Jesus, realmente presente no Sacramento do altar. Este desequilíbrio teve repercussões inclusive na vida espiritual dos fiéis. Com efeito, concentrando toda a relação com Jesus Eucaristia unicamente no momento da Santa Missa, corre-se o risco de esvaziar da sua presença o resto do tempo e do espaço existenciais. E assim compreende-se menos o sentido da presença constante de Jesus no meio de nós e connosco, uma presença concreta, próxima, no meio das nossas casas, como «Coração vibrante» da cidade, do povoado, do território com as suas várias expressões e actividades. O Sacramento da Caridade de Cristo deve permear toda a vida quotidiana.

Na realidade, é errado opor a celebração à adoração, como se uma com a outra estivessem em concorrência. É precisamente o contrário: o culto do Santíssimo Sacramento constitui como que o «ambiente» espiritual em cujo contexto a comunidade pode celebrar bem e na verdade a Eucaristia. A acção litúrgica só pode expressar o seu pleno significado e valor se for precedida, acompanhada e seguida por esta atitude interior de fé e de adoração. O encontro com Jesus na Santa Missa realiza-se verdadeira e plenamente quando a comunidade é capaz de reconhecer que no Sacramento Ele habita a sua casa, nos espera, nos convida à sua mesa e depois, quando a assembleia se dissolve, permanece connosco, com a sua presença discreta e silenciosa, e acompanha-nos com a sua intercessão, continuando a receber os nossos sacrifícios espirituais e a oferecê-los ao Pai.

A este propósito, apraz-me sublinhar a experiência que juntos viveremos também esta noite. No momento da adoração, nós estamos todos no mesmo plano, de joelhos diante do Sacramento do Amor. O sacerdócio comum e o ministerial encontram-se unidos no culto eucarístico. É uma experiência muito bonita e significativa, que vivemos várias vezes na Basílica de São Pedro e também nas inesquecíveis vigílias com os jovens — recordo, por exemplo, as de Köln, London, Zagreb e Madrid. É evidente para todos que estes momentos de vigília eucarística preparam a celebração da Santa Missa e predispõem os corações para o encontro, de tal modo ele seja ainda mais fecundo. Estarmos todos em silêncio prolongado diante do Senhor presente no seu Sacramento é uma das experiências mais autênticas do nosso ser Igreja, que é acompanhado de maneira complementar pela celebração da Eucaristia, ouvindo a Palavra de Deus, cantando, aproximando-nos juntos da mesa do Pão de Vida. Comunhão e contemplação não se podem separar, pois caminham juntas. Para me comunicar verdadeiramente com outra pessoa devo conhecê-la, saber estar em silêncio ao seu lado, ouvi-la e fitá-la com amor. O amor autêntico e a amizade verdadeira vivem sempre desta reciprocidade de olhares, de silêncios intensos, eloquentes e repletos de respeito e de veneração, de tal maneira que o encontro seja vivido profundamente, de modo pessoal e não superficial. E infelizmente, se falta esta dimensão, também a própria comunhão sacramental pode tornar-se, da nossa parte, um gesto superficial. No entanto, na comunhão autêntica, preparada pelo diálogo da oração e da vida, nós podemos dirigir ao Senhor palavras de confiança, como aquelas que há pouco ressoaram no Salmo responsorial: «Senhor, sou teu servo, filho da tua serva; / quebraste as minhas cadeias. / Hei-de oferecer-te sacrifícios de louvor / invocando, Senhor, o teu nome» (
Ps 115,16-17).

Agora gostaria de passar brevemente ao segundo aspecto: a sacralidade da Eucaristia. Também aqui ressentimos, no passado recente, de um determinado desentendimento a respeito da mensagem autêntica da Sagrada Escritura. A novidade cristã em relação ao culto foi influenciada por uma certa mentalidade secularista dos anos sessenta e setenta do século passado. É verdade, e permanece sempre válido, que o centro do culto já não se encontra nos ritos e nos sacrifícios antigos, mas no próprio Cristo, na sua pessoa, na sua vida e no seu mistério pascal. E todavia, desta novidade fundamental não se deve concluir que o sagrado já não existe, mas que ele encontrou o seu cumprimento em Jesus Cristo, Amor divino encarnado. A Carta aos Hebreus, que ouvimos esta tarde na segunda Leitura, fala-nos precisamente da novidade do sacerdócio de Cristo, «Sumo Sacerdote dos bens futuros» (He 9,11), mas não afirma que o sacerdócio terminou. Cristo «é Mediador de uma nova aliança» (He 9,15), estabelecida no seu sangue, que purifica «a nossa consciência das obras mortas» (He 9,14). Ele não aboliu o sagrado, mas completou-o, inaugurando um novo culto, que é sem dúvida plenamente espiritual, mas que no entanto, enquanto estivermos a caminho no tempo, ainda se serve de sinais e de ritos, que só virão a faltar no final, na Jerusalém celeste, onde já não haverá templo algum (cf. Ap 21,22). Graças a Cristo, a sacralidade é mais verdadeira, mais intensa e, como acontece no caso dos mandamentos, também mais exigente! Não é suficiente a observância ritual, mas exigem-se a purificação do coração e o compromisso da vida.

Apraz-me ressaltar também que o sagrado tem uma função educativa, e inevitavelmente o seu desaparecimento empobrece a cultura, em particular a formação das novas gerações. Se, por exemplo, em nome de uma fé secularizada que já não precisa de sinais sagrados, fosse abolida esta procissão urbana do Corpus Christi, o perfil espiritual de Roma ficaria «nivelado» e por isso a nossa consciência pessoal e comunitária seria debilitada. Ou então, pensemos numa mãe e num pai que, em nome de uma fé dessacralizada, privassem os próprios filhos de toda a ritualidade religiosa: na realidade, acabariam por deixar este campo livre aos numerosos sucedâneos presentes na sociedade consumista, a outros ritos e sinais, que mais facilmente poderiam tornar-se ídolos. Deus, nosso Pai, não agiu assim com a humanidade: mandou o seu Filho ao mundo não para abolir, mas para levar a cumprimento também o sagrado. No ápice desta missão, na última Ceia, Jesus instituiu o Sacramento do seu Corpo e do seu Sangue, o Memorial do seu Sacrifício pascal. Agindo deste modo, Ele pôs-se no lugar dos sacrifícios antigos, mas fê-lo no âmbito de um rito, que ordenou aos Apóstolos que perpetuassem como sinal supremo do verdadeiro Sagrado, que é Ele mesmo. Caros irmãos e irmãs, é com esta fé que nós celebramos hoje e cada dia o Mistério eucarístico e que O adoramos como Centro da nossa vida e âmago do mundo! Amém.



Sexta-feira, 29 de Junho de 2012: CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA E IMPOSIÇÃO DOS PÁLIOS

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AOS NOVOS ARCEBISPOS METROPOLITANOS
NA SOLENIDADE DOS SANTOS PEDRO E PAULO
Basílica Vaticana






Venerados Cardeais,
Amados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Queridos irmãos e irmãs!

Reunimo-nos à volta do altar para celebrar solenemente os Apóstolos São Pedro e São Paulo, Padroeiros principais da Igreja de Roma. Temos connosco os Arcebispos Metropolitas nomeados durante os últimos doze meses, que acabaram de receber o pálio: a eles dirijo, de modo especial e afectuoso, a minha saudação. E, enviada por Sua Santidade Bartolomeu I, está presente também uma eminente Delegação do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, que acolho com gratidão fraterna e cordial. Em espírito ecuménico, tenho o prazer de saudar, e agradecer pela sua participação, «The Choir of Westminster Abbey», que anima a Liturgia juntamente com a Capela Sistina. Saúdo também os Senhores Embaixadores e as Autoridades civis: a todos agradeço pela presença e a oração.

À frente da Basílica de São Pedro, como todos bem sabem, estão colocadas duas estátuas imponentes dos Apóstolos Pedro e Paulo, facilmente identificáveis pelas respectivas prerrogativas: as chaves na mão de Pedro e a espada na mão de Paulo. Também na entrada principal da Basílica de São Paulo Extra-muros, estão conjuntamente representadas cenas da vida e do martírio destas duas colunas da Igreja. Desde sempre a tradição cristã tem considerado São Pedro e São Paulo inseparáveis: na verdade, juntos, representam todo o Evangelho de Cristo. Mas, a sua ligação como irmãos na fé adquiriu um significado particular em Roma. De facto, a comunidade cristã desta Cidade viu neles uma espécie de antítese dos mitológicos Rómulo e Remo, o par de irmãos a quem se atribui a fundação de Roma. E poder-se-ia, continuando em tema de fraternidade, pensar ainda noutro paralelismo antitético formado com o primeiro par bíblico de irmãos: mas, enquanto nestes vemos o efeito do pecado pelo qual Caim mata Abel, Pedro e Paulo, apesar de ser humanamente bastante diferentes e não obstante os conflitos que não faltaram no seu mútuo relacionamento, realizaram um modo novo e autenticamente evangélico de ser irmãos, tornado possível precisamente pela graça do Evangelho de Cristo que neles operava. Só o seguimento de Cristo conduz a uma nova fraternidade: esta é, para cada um de nós, a primeira e fundamental mensagem da Solenidade de hoje, cuja importância se reflecte também na busca da plena comunhão, à qual anelam o Patriarca Ecuménico e o Bispo de Roma, bem como todos os cristãos.

Na passagem do Evangelho de São Mateus que acabamos de ouvir, Pedro faz a sua confissão de fé em Jesus, reconhecendo-O como Messias e Filho de Deus; fá-lo também em nome dos outros apóstolos. Em resposta, o Senhor revela-lhe a missão que pretende confiar-lhe, ou seja, a de ser a «pedra», a «rocha», o fundamento visível sobre o qual está construído todo o edifício espiritual da Igreja (cf.
Mt 16,16-19). Mas, de que modo Pedro é a rocha? Como deve realizar esta prerrogativa, que naturalmente não recebeu para si mesmo? A narração do evangelista Mateus começa por nos dizer que o reconhecimento da identidade de Jesus proferido por Simão, em nome dos Doze, não provém «da carne e do sangue», isto é, das suas capacidades humanas, mas de uma revelação especial de Deus Pai. Caso diverso se verifica logo a seguir, quando Jesus prediz a sua paixão, morte e ressurreição; então Simão Pedro reage precisamente com o impeto «da carne e do sangue»: «Começou a repreender o Senhor, dizendo: (...) Isso nunca Te há-de acontecer!» (Mt 16,22). Jesus, por sua vez, replicou-lhe: «Vai-te daqui, Satanás! Tu és para Mim uma ocasião de escândalo...» (Mt 16,23). O discípulo que, por dom de Deus, pode tornar-se uma rocha firme, surge aqui como ele é na sua fraqueza humana: uma pedra na estrada, uma pedra onde se pode tropeçar (em grego, skandalon). Por aqui, se vê claramente a tensão que existe entre o dom que provém do Senhor e as capacidades humanas; e aparece de alguma forma antecipado, nesta cena de Jesus com Simão Pedro, o drama da história do próprio Papado, caracterizada precisamente pela presença conjunta destes dois elementos: graças à luz e força que provêm do Alto, o Papado constitui o fundamento da Igreja peregrina no tempo, mas, ao longo dos séculos assoma também a fraqueza dos homens, que só a abertura à acção de Deus pode transformar.

E no Evangelho de hoje sobressai, forte e clara, a promessa de Jesus: «as portas do inferno», isto é, as forças do mal, «non praevalebunt», não conseguirão levar a melhor. Vem à mente a narração da vocação do profeta Jeremias, a quem o Senhor diz ao confiar-lhe a missão: «Eis que hoje te estabeleço como cidade fortificada, como coluna de ferro e muralha de bronze, diante de todo este país, dos reis de Judá e de seus chefes, dos sacerdotes e do povo da terra. Far-te-ão guerra, mas não hão-de vencer - non praevalebunt -, porque Eu estou contigo para te salvar» (Jr 1,18-19). Na realidade, a promessa que Jesus faz a Pedro é ainda maior do que as promessas feitas aos profetas antigos: de facto, estes encontravam-se ameaçados por inimigos somente humanos, enquanto Pedro terá de ser defendido das «portas do inferno», do poder destrutivo do mal. Jeremias recebe uma promessa que diz respeito à sua pessoa e ministério profético, enquanto Pedro recebe garantias relativamente ao futuro da Igreja, da nova comunidade fundada por Jesus Cristo e que se prolonga para além da existência pessoal do próprio Pedro, ou seja, por todos os tempos.

Detenhamo-nos agora no símbolo das chaves, de que nos fala o Evangelho. Ecoa nele o oráculo do profeta Isaías a Eliaquim, de quem se diz: «Porei sobre os seus ombros a chave do palácio de David; o que ele abrir, ninguém fechará; o que ele fechar, ninguém abrirá» (Is 22,22). A chave representa a autoridade sobre a casa de David. Entretanto, no Evangelho, há outra palavra de Jesus, mas dirigida aos escribas e fariseus, censurando-os por terem fechado aos homens o Reino dos Céus (cf. Mt 23,13). Também este dito nos ajuda a compreender a promessa feita a Pedro: como fiel administrador da mensagem de Cristo, compete-lhe abrir a porta do Reino dos Céus e decidir se alguém será aí acolhido ou rejeitado (cf. Ap 3,7). As duas imagens – a das chaves e a de ligar e desligar – possuem significado semelhante e reforçam-se mutuamente. A expressão «ligar e desligar» pertencia à linguagem rabínica, aplicando-se tanto no contexto das decisões doutrinais como no do poder disciplinar, ou seja, a faculdade de infligir ou levantar a excomunhão. O paralelismo «na terra (...) nos Céus» assegura que as decisões de Pedro, no exercício desta sua função eclesial, têm valor também diante de Deus.

No capítulo 18 do Evangelho de Mateus, consagrado à vida da comunidade eclesial, encontramos outro dito de Jesus dirigido aos discípulos: «Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no Céu» (Mt 18,18). E na narração da aparição de Cristo ressuscitado aos Apóstolos na tarde da Páscoa, São João refere esta palavra do Senhor: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos» (Jn 20,22-23). À luz destes paralelismos, é claro que a autoridade de «desligar e ligar» consiste no poder de perdoar os pecados. E esta graça, que despoja da sua energia as forças do caos e do mal, está no coração do mistério e do ministério da Igreja. A Igreja não é uma comunidade de seres perfeitos, mas de pecadores que se devem reconhecer necessitados do amor de Deus, necessitados de ser purificados através da Cruz de Jesus Cristo. Os ditos de Jesus sobre a autoridade de Pedro e dos Apóstolos deixam transparecer precisamente que o poder de Deus é o amor: o amor que irradia a sua luz a partir do Calvário. Assim podemos compreender também por que motivo, na narração evangélica, à confissão de fé de Pedro se segue imediatamente o primeiro anúncio da paixão: na verdade, foi com a sua própria morte que Jesus venceu as forças do inferno; com o seu sangue, Ele derramou sobre o mundo uma torrente imensa de misericórdia, que irriga, com as suas águas salutares, a humanidade inteira.

Queridos irmãos, como recordei no princípio, a iconografia tradicional apresenta São Paulo com a espada, e sabemos que esta representa o instrumento do seu martírio. Mas, repassando os escritos do Apóstolo dos Gentios, descobrimos que a imagem da espada se refere a toda a sua missão de evangelizador. Por exemplo, quando já sentia aproximar-se a morte, escreve a Timóteo: «Combati o bom combate» (2Tm 4,7); aqui não se trata seguramente do combate de um comandante, mas daquele de um arauto da Palavra de Deus, fiel a Cristo e à sua Igreja, por quem se consumou totalmente. Por isso mesmo, o Senhor lhe deu a coroa de glória e colocou-o, juntamente com Pedro, como coluna no edifício espiritual da Igreja.

Amados Metropolitas, o pálio, que vos entreguei, recordar-vos-á sempre que estais constituídos no e para o grande mistério de comunhão que é a Igreja, edifício espiritual construído sobre Cristo como pedra angular e, na sua dimensão terrena e histórica, sobre a rocha de Pedro. Animados por esta certeza, sintamo-nos todos juntos colaboradores da verdade, que – como sabemos – é una e «sinfónica», exigindo de cada um de nós e das nossas comunidades o esforço contínuo de conversão ao único Senhor na graça de um único Espírito. Que nos guie e acompanhe sempre no caminho da fé e da caridade, a Santa Mãe de Deus. Rainha dos Apóstolos, rogai por nós!

Amen.



Domingo, 15 de Julho de 2012: VISITA PASTORAL A FRASCATI - SANTA MISSA

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Praça de São Pedro, Frascati





Estimados irmãos e irmãs

É-me grato estar hoje no meio de vós para celebrar esta Eucaristia e para compartilhar alegrias e esperanças, dificuldades e compromissos, ideais e aspirações desta Comunidade diocesana. Saúdo o Senhor Cardeal Tarcisio Bertone, meu Secretário de Estado e Titular desta Diocese. Saúdo o vosso Pastor, D. Raffaello Martinelli, e o Presidente da Câmara municipal de Frascati, agradecendo-lhes as amáveis palavras de boas-vindas com que me receberam em nome de todos vós. Estou feliz por saudar o Senhor Ministro, os Presidentes da Região e da Província, o Presidente da Câmara municipal de Roma, os Presidentes dos demais Municípios aqui presentes e todas as distintas Autoridades.

E estou muito feliz por celebrar hoje esta Missa com o vosso Bispo que, como disse, foi para mim durante mais de vinte anos, um colaborador fidelíssimo e muito competente na Congregação para a Doutrina da Fé. Trabalhando sobretudo nos campos do catecismo e da catequese, com grande silêncio e discrição, contribuiu para o Catecismo da Igreja Católica e para o Compêndio do Catecismo. Nesta grande sinfonia da fé também a sua voz está muito presente.

No Evangelho deste domingo, Jesus toma a iniciativa de enviar os doze Apóstolos em missão (cf.
Mc 6,7-13). Com efeito, o termo «apóstolos» significa precisamente «enviados, mandados». A sua vocação realiza-se plenamente depois da Ressurreição de Cristo, mediante o dom do Espírito Santo no Pentecostes. No entanto, é muito importante que desde o início Jesus queira comprometer os Doze na sua obra: trata-se de uma espécie de «estágio» em vista da grande responsabilidade que os espera. O facto de que Jesus chame alguns discípulos a colaborar directamente para a sua missão manifesta um aspecto do seu amor: ou seja, Ele não desdenha a ajuda que outros homens podem oferecer à sua obra; conhece os seus limites, as suas debilidades, mas não os despreza; aliás, confere-lhes a dignidade de ser seus enviados. Jesus envia-os dois a dois e dá-lhes instruções que o Evangelista resume em poucas frases. A primeira diz respeito ao espírito de desapego: os apóstolos não devem viver apegados ao dinheiro e à comodidade. Depois, Jesus avisa os discípulos que nem sempre receberão um acolhimento favorável: às vezes serão rejeitados; aliás, poderão ser até perseguidos. Mas isto não os deve impressionar: eles devem falar em nome de Jesus e pregar o Reino de Deus, sem se preocupar em alcançar o sucesso. Sucesso! O sucesso deixam-no a Deus.

A primeira Leitura proclamada apresenta-nos a mesma perspectiva, demonstrando-nos que os enviados de Deus muitas vezes não são bem acolhidos. Este é o caso do profeta Amós, enviado por Deus para profetizar no santuário de Betel, um santuário do reino de Israel (cf. Am 7,12-15). Amós prega com grande energia contra as injustiças, denunciando sobretudo os abusos do rei e dos ilustres, abusos que ofendem o Senhor e tornam vãos os gestos de culto. Por isso Amasias, sacerdote de Betel, ordena que Amós vá embora. Responde que não foi ele quem escolheu essa missão, mas o Senhor quem fez dele um profeta e que o enviou precisamente ali, ao reino de Israel. Portanto, quer seja aceite, quer seja rejeitado, ele continuará a profetizar, pregando aquilo que Deus diz e não o que os homens gostariam de ouvir. E este permanece o mandato da Igreja: não prega aquilo que os poderosos querem ouvir. O seu critério é a verdade e a justiça, mesmo que vá contra os aplausos e contra o poder humano.

Analogamente, no Evangelho, Jesus avisa os Doze que poderá acontecer que nalguma localidade eles sejam rejeitados. Em tal caso, deverão ir alhures, depois de ter realizado diante do povo o gesto de sacudir a poeira dos pés, sinal que exprime o desapego em dois sentidos: desapego moral — como dizer: o anúncio foi-vos comunicado, sois vós que o rejeitais — e desapego material — não quisemos e não queremos nada para nós mesmos (cf. Mc 6,11). A outra indicação muito importante do trecho evangélico é que os Doze não podem contentar-se com pregar a conversão: segundo as instruções e o exemplo de Jesus, a pregação dever ser acompanhada da cura dos doentes. Cura corporal e espiritual dos doentes. Fala das curas concretas das doenças, fala também da expulsão dos demónios, ou seja, da purificação da mente humana, da limpeza, limpeza dos olhos da alma que são obscurecidos pelas ideologias e por isso não podem ver Deus, não conseguem ver a verdade e a justiça. Esta dúplice cura corporal e espiritual é sempre o mandato dos discípulos de Cristo. Por conseguinte, a missão apostólica deve abranger sempre os dois aspectos de pregação da Palavra de Deus e de manifestação da sua bondade mediante gestos de caridade, de serviço e de dedicação.

Prezados irmãos e irmãs, dou graças a Deus que me enviou hoje para vos anunciar de novo esta Palavra de salvação! Uma Palavra que se encontra na base da vida e da acção da Igreja, também desta Igreja que está em Frascati. O vosso Bispo informou-me acerca do compromisso pastoral que lhe está mais a peito, que é em síntese um compromisso formativo, dirigido antes de tudo aos formadores: formar os formadores. É precisamente aquilo que Jesus fez com os seus discípulos: instruiu-os, preparou-os, formou-os inclusive mediante o «estágio» missionário, para que fossem capazes de assumir a responsabilidade apostólica na Igreja. Na comunidade cristã, este é sempre o primeiro serviço que os responsáveis oferecem: a partir dos pais, que na família cumprem a missão educativa em relação aos filhos; pensemos nos párocos, que são responsáveis pela formação na comunidade; em todos os sacerdotes, nos vários campos de trabalho: todos vivem uma dimensão educativa prioritária; e os fiéis leigos, para além do papel já recordado de pais, estão comprometidos no serviço formativo com os jovens ou com os adultos, como responsáveis na Acção Apostólica e noutros Movimentos eclesiais, ou empenhados em ambientes civis e sociais, sempre com uma forte atenção à formação das pessoas.

O Senhor chama todos, distribuindo vários dons para diversas tarefas na Igreja. Chama ao sacerdócio e à vida consagrada, e chama ao matrimónio e ao compromisso como leigos na própria Igreja e na sociedade. É importante que a riqueza dos dons encontre pleno acolhimento, especialmente da parte dos jovens; que se sinta a alegria de responder a Deus com todo o próprio ser, transmitindo-a no caminho do sacerdócio e da vida consagrada, ou no caminho do matrimónio, duas veredas complementares que se iluminam reciprocamente, que se enriquecem de forma mútua e, juntas, enriquecem a comunidade. A virgindade pelo Reino de Deus e o matrimónio são ambas vocações, chamadas de Deus às quais responder com e para a vida inteira. Deus chama: é necessário ouvir, acolher e responder. Como Maria: Eis-me, faça-se em mim segundo a tua palavra (cf. Lc 1,38).

Também aqui, na comunidade diocesana de Frascati, o Senhor semeia generosamente os seus dons, chama a segui-lo e a prolongar a sua missão no presente. Também aqui há necessidade de uma nova evangelização, e é por isso que vos proponho viver intensamente o Ano da Fé, que terá início em Outubro, a cinquenta anos da abertura do Concílio Vaticano II. Os Documentos do Concílio contêm uma riqueza enorme para a formação das novas gerações cristãs, para a formação da nossa consciência. Portanto lede-o, lede o Catecismo da Igreja Católica, e assim redescobrireis a beleza de ser cristão, de ser Igreja, de viver o grande «nós» que Jesus formou ao seu redor, para evangelizar o mundo: o «nós» da Igreja, jamais fechado, mas sempre aberto e orientado para o anúncio do Evangelho.

Caros irmãos e irmãs de Frascati! Sede unidos entre vós e ao mesmo tempo abertos, missionários. Permanecei firmes na fé, arraigados em Cristo mediante a Palavra e a Eucaristia; sede pessoas que rezam, para permanecer sempre unidos a Cristo, como ramos à videira, e ao mesmo tempo ide, anunciai a sua mensagem a todos, especialmente aos mais pequeninos, aos pobres e a quantos sofrem. Em cada comunidade, amai-vos uns aos outros, não permaneçais divididos mas vivei como irmãos, a fim de que o mundo creia que Jesus está vivo na sua Igreja, e o Reino de Deus está próximo. Os Padroeiros da Diocese de Frascati são dois Apóstolos: Filipe e Tiago, dois dos Doze. À sua intercessão confio o caminho da vossa Comunidade, para que se renove na fé e dê testemunho claro dela mediante as obras da caridade. Amém!



Quarta-feira 15 de Agosto de 2012: SANTA MISSA NA SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO

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Paróquia de Santo Tomás de Vilanova, Castel Gandolfo





Prezados irmãos e irmãs!

No dia 1 de Novembro de 1950, o Venerável Papa Pio XII proclamava como dogma que a Virgem Maria, «concluindo o curso da vida terrena, foi elevada à glória celeste em alma e corpo». Esta verdade de fé era conhecida pela Tradição, afirmada pelos Padres da Igreja, e representava sobretudo um aspecto relevante do culto prestado à Mãe de Cristo. Precisamente o elemento cultual constituiu, por assim dizer, a força motriz que determinou a formulação deste dogma: o dogma manifesta-se como um acto de louvor e de exaltação à Virgem Santa. Isto sobressai também do próprio texto da Constituição apostólica, onde se afirma que o dogma é proclamado «em honra do Filho, para a glorificação da Mãe e o júbilo de toda a Igreja». Assim, exprime-se de forma dogmática aquilo que já tinha sido celebrado no culto e na devoção do Povo de Deus, como a mais elevada e estável glorificação de Maria: o acto de proclamação da Assunção apresenta-se quase como uma liturgia da fé. E no Evangelho que há pouco ouvimos, a própria Maria pronuncia profeticamente algumas palavras que orientam nesta perspectiva. Ela diz: «Doravante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada» (
Lc 1,48). Trata-se de uma profecia para toda a história da Igreja. Esta expressão do Magnificat, mencionada por são Lucas, indica que o louvor à Virgem Santa, Mãe de Deus, intimamente unida a Cristo seu Filho, diz respeito à Igreja de todos os tempos e de todos os lugares. E a anotação destas palavras por parte do Evangelista pressupõe que a glorificação de Maria já estava presente no período de são Lucas e que ele a considerava um dever e um compromisso da comunidade cristã para todas as gerações. As palavras de Maria dizem que é um dever da Igreja recordar a grandeza de Nossa Senhora para a fé. Por conseguinte, esta solenidade é um convite a louvar a Deus e a contemplar a grandeza de Nossa Senhora, porque é no rosto dos seus que nós conhecemos quem é Deus.

Mas por que motivo Maria é glorificada com a Assunção ao Céu? Como ouvimos, são Lucas vê a raiz da exaltação e do louvor a Maria na expressão de Isabel: «Bem-aventurada aquela que acreditou» (Lc 1,45). E o Magnificat, este cântico ao Deus vivo e em acção na história, é um hino de fé e de amor, que brota do coração da Virgem. Ela viveu com fidelidade exemplar e conservou no mais íntimo do seu coração as palavras de Deus ao seu povo, as promessas feitas a Abraão, Isaac e Jacob, fazendo delas o conteúdo da sua oração: no Magnificat a Palavra de Deus tornou-se a palavra de Maria, lâmpada do seu caminho, de maneira a torná-la disponível a acolher também no seu seio o Verbo de Deus que se fez carne. A página evangélica de hoje evoca esta presença de Deus na história e no próprio desenrolar dos acontecimentos; aqui há uma referência particular ao Segundo livro de Samuel no capítulo 6 (2S 6,1-15), onde David transporta a Santa Arca da Aliança. O paralelo que o Evangelista faz é claro: Maria à espera do nascimento do Filho Jesus é a Arca Santa que traz em si a presença de Deus, uma presença que é fonte de consolação, de alegria plena. Com efeito, João dança no seio de Isabel, precisamente como David dançava diante da Arca. Maria é a «visita» de Deus que cria júbilo. No seu cântico de louvor, Zacarias di-lo-á explicitamente: «Bendito o Senhor, Deus de Israel, que visitou e redimiu o seu povo» (Lc 1,68). A casa de Zacarias experimentou a visita de Deus com o nascimento inesperado de João Baptista, mas sobretudo com a presença de Maria, que traz no seu seio o Filho de Deus.

Mas agora interroguemo-nos: o que é que a Assunção de Maria confere ao nosso caminho, à nossa vida? A primeira resposta é: na Assunção vemos que em Deus existe espaço para o homem, o próprio Deus é a casa de muitos aposentos da qual Jesus fala (cf. Jn 14,2); Deus é a casa do homem, em Deus há espaço de Deus. Quanto a Maria, unindo-se, unida a Deus, não se afasta de nós, não vai a uma galáxia desconhecida, mas quem procura Deus aproxima-se, porque Deus está próximo de todos nós; e Maria, unida a Deus, participa da presença de Deus, encontra-se extremamente próxima de nós, de cada um de nós. Há uma bonita palavra de são Gregório Magno sobre são Bento, que podemos aplicar de novo a Maria: são Gregório Magno afirma que o coração de são Bento se tornou tão grande, que toda a criação podia entrar nesse coração. Isto é válido ainda mais para Maria: totalmente unida a Deus, Maria tem um coração tão grande que toda a criação pode entrar nele, e os ex-votos demonstram-no em todas as partes da terra. Maria está próxima, pode ouvir, pode ajudar, encontra-se próxima de todos nós. Em Deus há espaço para o homem e Deus está próximo; quanto a Maria, unida a Deus, está extremamente próxima, tem um coração tão grande quanto o coração de Deus.

Mas existe também outro aspecto: em Deus não existe espaço unicamente para o homem; no homem há espaço para Deus. Também isto vemos em Maria, a Arca Santa que traz em si a presença de Deus. Em nós há espaço para Deus, e esta presença de Deus em nós, tão importante para iluminar o mundo na sua tristeza, nos seus problemas, esta presença realiza-se na fé: na fé abrimos as portas do nosso ser, de tal forma que Deus entre em nós, a fim de que Deus possa ser a força que dá vida e caminho ao nosso ser. Em nós existe espaço, abramo-nos como Maria se abriu, dizendo: «Que se cumpra em mim a tua vontade, eu sou a serva do Senhor». Abrindo-nos a Deus, nada perdemos. Pelo contrário: a nossa vida torna-se rica e grande.

E deste modo fé, esperança e amor combinam-se entre si. Hoje existem muitas palavras sobre um mundo melhor a esperar: seria a nossa esperança. Se e quando este mundo melhor virá, nós não o sabemos, eu não sei. Obviamente, um mundo que se afasta de Deus não se torna melhor, mas pior. Somente a presença de Deus pode garantir também um mundo bom. Mas deixemos isto.

Uma realidade, uma esperança é certa: Deus espera por nós, aguarda-nos, não caminhamos no vazio, somos aguardados. Deus espera-nos e, indo para o outro mundo, encontramos a bondade da Mãe, encontramos os nossos, encontramos o Amor eterno. Deus aguarda-nos: esta é a nossa grande alegria e a grandiosa esperança que nasce precisamente desta festa. Maria visita-nos, é a alegria da nossa vida, e a alegria é esperança.

Portanto, o que podemos dizer? Coração grande, presença de Deus no mundo, espaço de Deus em nós e espaço de Deus para nós, esperança, ser esperado: tal é a sinfonia desta festa, a indicação que a meditação desta Solenidade nos concede. Maria é aurora e esplendor da Igreja triunfante; ela constitui a consolação e a esperança para o povo ainda a caminho, comenta o Prefácio hodierno. Confiemo-nos à sua intercessão materna para que, através do Senhor, fortaleçamos a nossa fé na vida eterna; ajude-nos a viver bem o tempo que Deus nos oferece com esperança. Uma esperança cristã, que não é apenas saudade do Céu, mas desejo vivo e concreto de Deus aqui no mundo, desejo de Deus que nos torna peregrinos incansáveis, alimentando em nós a coragem e a força da fé, que é ao mesmo tempo coragem e fortaleza do amor. Amém!



Bento XVI Homilias 30612