Catechesi tradendae PT 56

56 Vivemos num mundo difícil em que a angústia de ver as melhores criações do homem a escaparem-se-lhe e a voltarem-se contra ele (99) cria um clima de incerteza. É neste mundo assim que a catequese tem de ajudar os cristãos a serem, pela sua alegria e serviço a todos, «luz» e «sal» (100). Isso exige que ela os consolide na sua identidade própria e que incessantemente se reserve a si mesma das hesitações, incertezas e insipidez ambientes. Dentre muitas outras dificuldades, que constituem para a fé outros tantos desafios, vou anotar algumas para ajudar a catequese a superá-las.

99. Cf. Encíclica Redemptor Hominis, nn.
RH 15-16: AAS 71 (1979), pp. 286-295.
100. Cf. Mt 5,13-16.


Num mundo indiferente

57 Falava-se muito, há alguns anos, de mundo secularizado e de era pós-cristã. A moda, como sempre, passa... Mas permanece uma realidade profunda. Os cristãos de hoje têm de ser formados para viverem num mundo que em vasta escala ignora a Deus, ou que em matéria religiosa, em vez de diálogo exigente e fraterno, estimulante para todos, se atola com muita frequência num indiferentismo nivelador, quando não permanece mesmo numa atitude despiciente de «suspeita», em nome dos seus progressos em matéria de «explicações» científicas. Para conseguir «aguentar» neste mundo assim, para oferecer a todos a possibilidade de um «diálogo da salvação» (101) em que cada um se sinta respeitado na sua dignidade verdadeiramente fundamental, que é a de um ser que busca Deus, precisamos de uma catequese que ensine jovens e adultos das nossas comunidades a permanecerem lúcidos e coerentes na sua fé e a afirmarem serenamente a sua identidade cristã e católica, a «verem o invisível» (102) e a aderirem de tal modo ao absoluto de Deus, que possam dele dar testemunho no seio de uma civilização materialista que o nega.

101. Cf. Paulo PP. VI, Encíclica Ecclesiam Suam, III parte: AAS 56 (1964), pp. 637-659.
102. Cf.
He 12,27.


Com a pedagogia original da fé

58 A originalidade inconfundível da identidade cristã, tem como corolário e condição uma pedagogia não menos original da fé. Dentre as inúmeras e prestigiosas ciências do homem, nas quais se verifica em nossos dias imenso progresso, a pedagogia é certamente uma das mais importantes. Além disso as conquistas de outras ciências — biologia, psicologia, sociologia — fornecem-lhe elementos preciosos. Acontece ainda que tanto a ciência da educação como a arte de ensinar estão a ser objecto de contínuas investigações para conseguir delas melhor adaptação ou maior eficácia, com resultados também diversos.

Ora sucede que há também uma pedagogia da fé; e nunca será demais tudo o que se disser sobre o que essa pedagogia pode contribuir para a catequese. É normal que se adaptem à educação da fé as técnicas aperfeiçoadas e comprovadas da educação em geral. No entanto, importa ter em conta em cada momento a originalidade própria da fé. Na pedagogia da fé, não se trata simplesmente de transmitir um saber humano, por mais elevado que se considere; trata-se de comunicar na sua integridade a Revelação de Deus. Ora ao longo de toda a história sagrada, sobretudo no Evangelho, o próprio Deus serviu-se de uma pedagogia que deve continuar a ser modelo para a pedagogia da fé. Nenhuma técnica será válida na catequese senão na medida em que for posta ao serviço da fé a transmitir e a educar; caso contrário, não terá valor.



Linguagem adaptada ao serviço do Credo

59 Problema em continuidade com o precedente é o da linguagem. De todos é sabido quanto esta questão é candente nos dias de hoje. Não será porventura paradoxal verificar que enquanto por um lado os estudos contemporâneos, nos campos da comunicação, da semântica e da ciência dos símbolos, por exemplo, dão notável importância à linguagem, essa mesma linguagem seja por outro lado, abusivamente utilizada nos nossos dias ao serviço da mistificação ideológica, da massificação do pensamento e da redução do homem ao estado de objecto?

Tudo isto tem notáveis influências no domínio da catequese. Para esta, de facto, é um dever imperioso, encontrar a linguagem adaptada às crianças, aos jovens do nosso tempo em geral e a muitas outras categorias de pessoas: linguagem para os estudantes, para os intelectuais e para os homens de ciência; linguagem para os analfabetos e para as pessoas de cultura elementar; linguagem para os deficientes, etc. Santo Agostinho tinha já deparado com este problema e contribuiu para o resolver no que se refere à sua época, com a obra famosa, De catechizandis rudibus. Na catequese, como na teologia, o problema da linguagem é, sem dúvida, primordial. No entanto não será supérfluo recordar aqui o seguinte: a catequese nunca poderia admitir uma linguagem que, sob qualquer pretexto que fosse, mesmo pretensamente científico, levasse a desfigurar o conteúdo doCredo. Nem lhe convém, em qualquer hipótese, uma linguagem que engane ou seduza. A lei suprema, deve ser esta: os grandes progressos da ciência da linguagem só podem ser postos ao serviço da catequese, a fim de que esta esteja em condições de «dizer» e «comunicar» verdadeiramente às crianças, aos adolescentes, aos jovens e aos adultos de hoje todo o conteúdo doutrinal de sempre, sem deformações.



Investigação e certeza da fé

60 Desafio mais subtil provém, por vezes, da própria concepção da fé. Certas escolas filosóficas contemporâneas, que parecem exercer forte influência nalgumas correntes teológicas e, através delas, na prática pastoral, acentuam de bom grado que a atitude humana fundamental é a atitude de procura até ao infinito, de busca que nunca chega a alcançar o seu objectivo. Em teologia, este modo de ver as coisas levará mesmo a afirmar categoricamente que a fé nunca é uma certeza, mas uma interrogação; que não é uma claridade, mas um salto na escuridão.

Tais correntes de pensamento têm a vantagem de nos recordar que a fé diz respeito a coisas que ainda não são possuídas, pois se esperam e não se vêem ainda, senão como que «num espelho, de maneira confusa» (103); que Deus habita sempre numa luz inacessível (104). Ajudam-nos também a não fazermos da fé cristã uma atitude de instalados, mas a considerá-la como uma marcha para diante, como a de Abraão. E com maior razão ainda a evitar apresentar como certas, coisas que o não são.

É preciso, todavia, não cair no extremo oposto, como se faz muitas vezes. A Epístola aos Hebreus diz-nos que «a fé é firme fundamento daquilo que se espera e demonstração de realidades que não se vêem» (105). Contudo, se nós não temos uma posse plena, temos uma garantia e uma prova. Quando educamos crianças, adolescentes e jovens, não lhe demos da fé um conceito totalmente negativo — com um não-saber absoluto, uma espécie de cegueira, uni mundo de trevas; procuremos antes fazer-lhes ver que a atitude de procura humilde e corajosa do crente, longe de partir do nada, de simples ilusões, de opiniões falíveis, de incertezas, se funda na Palavra de Deus, que não se engana nem engana, e se constrói incessantemente sobre a rocha inabalável dessa Palavra. É a procura dos Magos no seguimento de uma estrela (106), procura a respeito da qual, retomando um pensamento de Santo Agostinho, escrevia Pascal de maneira profundíssima: «Tu não me buscarias, se não me tivesses já encontrado» (107).

É, pois, uma das finalidades da catequese proporcionar aos jovens catecúmenos as certezas que temos, simples mas sólidas; são elas que os hão-de ajudar a procurar mais e melhor o conhecimento do Senhor.

103.
1Co 13,12.
104. Cf. 1Tm 6,16.
105. He 11,1.
106. Cf. Mt 2,1 ss
107. PASCAL-Blaise, Le mystère de Jésus: Pensées, n. 553.


Catequese e teologia

61 Neste contexto parece-me importante que se compreenda bem a ligação entre a catequese e a teologia.

Esta ligação é evidentemente algo de profundo e vital para quem compreenda a missão insubstituível da teologia ao serviço da fé. Não é de admitir, pois, que qualquer turbilhão no campo da teologia venha também a provocar repercussões no campo da catequese. Ora sucede que a Igreja está, precisamente agora a seguir ao Concílio, a viver um momento importante, mas que não deixa de ser arriscado para a pesquisa teológica. E o mesmo se terá de dizer quanto à hermenêutica na exegese.

Os Padres sinodais, provenientes de todos os continentes, ventilaram este assunto com linguagem muito clara: falaram eles de um «equilíbrio instável», que corre o risco de passar da teologia para a catequese, e frisarem a necessidade de se achar remédio a esse mal. O Papa Paulo VI tinha já tocado este problema, em termos não menos claros, na introdução à sua Solene Profissão de Fé (108) e na Exortação Apostólica que assinalou o quinto aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II (109).

Convém insistir novamente neste ponto. Conscientes da influência das suas investigações no ensino catequístico, os teólogos e exegetas têm o dever de estar muito atentos para procederem de tal maneira que não se tomem como verdades certas aquelas coisas que ainda são questões de opinião ou de disputa entre peritos. Os catequistas, por seu turno, hão-de ter a prudência de colher no campo da investigação teológica aquilo que possa esclarecer a sua própria reflexão e o seu ensino, indo beber, como os mesmos teólogos, nas verdadeiras fontes, à luz do Magistério. E terão o cuidado de não perturbarem o espírito das crianças e dos jovens, nesta fase da sua catequese, com teorias peregrinas, vãos problemas ou discussões estéreis, coisas muitas vezes repreendidas por São Paulo nas suas Cartas pastorais (110).

O dom mais precioso que a Igreja pode oferecer ao mundo contemporâneo, desorientado e inquieto, é o de nele formar cristãos bem firmados no essencial e humildemente felizes na sua fé. A catequese há-de ensinar-lhes isto e ela própria daí tirará proveito: «O homem que quiser compreender-se a si próprio profundamente — não apenas segundo critérios e medidas imediatas, parciais, por vezes superficiais e só aparentes — deve aproximar-se de Cristo, com toda a sua inquietude e incerteza, sua fraqueza e pecaminosidade, sua vida e sua morte. Deve, por assim dizer, entrar n'Ele com tudo o que é em si mesmo, deve «apropriar-se e assimilar toda a realidade da Encarnação e da Redenção, para se encontrar a si mesmo» (111).

108. PAULO PP. VI, Sollemnis Prof. Fidei, n. 4: AAS 60 (1968), p. 434.
109. PAULO PP. VI, Exortação Apostólica Quinque iam Anni: AAS 63 (1971), p. 99.
110. Cf.
1Tm 1,3 ss.; 1Tm 4,1 ss.; 2Tm 2,14 ss.; 2Tm 4,1-5; Tt 1,10-12; cf. também Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, EN 78: AAS 68 (1976), p. 60.
111. Encíclica Redemptor Hominis, n. RH 10: AAS 71 (1979), p. 274.


IX

A TAREFA DIZ RESPEITO A TODOS NÓS


Encorajamento a todos os responsáveis

62 Agora, caríssimos Irmãos e Filhos, desejaria que as minhas palavras, escritas à maneira de grave e ardente exortação, ditada pelo meu ministério de Pastor da Igreja universal, inflamassem os vossos corações, como as Cartas de São Paulo inflamaram seus companheiros de Evangelho Tito e Timóteo; ou então, vos alentassem como Santo Agostinho, quando escreveu esse verdadeiro tratado em ponto pequeno, sobre a alegria de catequizar (112), dirigido ao Diácono Deogratias, que andava desalentado com a sua tarefa de catequista. Sim, desejaria semear abundantemente nos corações de tão numerosos e diversos responsáveis pelo ensino religioso e pela preparação para uma vida conforme ao Evangelho, a coragem, a esperança e o entusiasmo.

112. De catechizandis rudibus: PL 40,310-347.



Bispos

63 Dirijo-me em primeiro lugar aos meus Irmãos Bispos: o Concílio Vaticano II já vos recordou explicitamente as vossas tarefas no campo da catequese (113); os próprios Padres da IV Assembleia Geral do Sínodo as acentuaram com vigor.

Na verdade, caríssimos Irmãos, tendes neste campo uma missão particular nas vossas Igrejas; sois aí os primeiros responsáveis pela catequese, os catequistas por excelência. Depois, também a vós juntamente com o Papa, no espírito da colegialidade episcopal, incumbe a responsabilidade pela catequese na Igreja inteira. Permiti, pois, que vos fale com o coração nas mãos.

Sei que tendes de arrostar com um ministério episcopal cada vez mais complexo e sobrecarregado. Mil e um compromissos vos solicitam. Desde a formação de novos sacerdotes à presença activa no meio das comunidades dos fiéis. Desde a celebração digna e vivida do culto e dos Sacramentos ao cuidado da promoção humana e da defesa dos direitos do homem. Pois bem: que a preocupação de promover uma catequese activa e eficaz não ceda nada frente a qualquer outra preocupação, seja ela qual for. Tal solicitude levar-vos-á, certamente, a transmitirdes vós próprios a doutrina da vida aos fiéis. Mas o mesmo cuidado há-de levar-vos a assumir nas vossas Dioceses, segundo planos da Conferência Episcopal de que fazeis parte, a superior direcção da catequese, rodeando-vos de colaboradores competentes e merecedores de confiança. O vosso papel principal há-de ser o de suscitar e alimentar nas vossas Igrejas uma verdadeira paixão pela catequese; uma paixão, porém, que se encarne numa organização adaptada e eficaz, que empenhe na actividade as pessoas, meios e instrumentos e também os recursos financeiros necessários. Podeis ter a certeza disto: se a catequese for bem feita, nas vossas Igrejas locais tudo o mais será feito com maior facilidade. Por outro lado — nem seria necessário que vo-lo dissesse — se o vosso zelo tiver de vos impor algumas vezes a ingrata tarefa de denunciar desvios, corrigir erros, muito mais frequentemente há-de proporcionar-vos a alegria e a consolação de ver as vossas Igrejas florescentes, por a catequese aí ser dada como o Senhor quer.

113. Cf. Decr. sobre o Múnus Pastoral dos Bispos Christus Dominus, n.
CD 14: AAS 58 (1966), p. 679.


Sacerdotes

64 Quanto a vós sacerdotes, estamos num terreno em que sois os colaboradores imediatos dos vossos Bispos. Foi o Concílio que vos chamou «educadores da fé» (114); e de que maneira melhor o podereis ser do que envidando todos os esforços possíveis para o crescimento das vossas comunidades na fé ? Quer estejais encarregados duma paróquia, ou sejais assistentes espirituais numa escola, liceu ou universidade, quer sejais responsáveis pela pastoral a qualquer nível, os animadores de pequenas ou grandes comunidades mas sobretudo de grupos de jovens, a Igreja espera que nada descureis em vista de uma actividade catequética bem estruturada e orientada. Os diáconos e outros ministros, se porventura tendes a dita de os terdes convosco, são para isso os vossos cooperadores natos. Todos os que crêem têm direito à catequese; e todos os pastores têm o dever de a ela proverem. Aos detentores do poder civil eu pediria para respeitarem sempre a liberdade de ensino catequético; e a vós, ministros de Jesus Cristo, suplico com todas as minhas forças: nunca deis azo a que, por falta de zelo, ou em consequência de qualquer malfadada ideia preconcebida, os fiéis fiquem privados de catequese. Que jamais se possa dizer: «Os pequeninos pediram pão, e não havia quem lho desse» (115).

114. Decr. sobre o Ministério e Vida dos Sacerdotes Presbyterorum Ordinis, n.
PO 6: AAS 58 (1966), p. 999.
115. Lm 4,4.


Religiosos e Religiosas

65 Há muitas Famílias religiosas, masculinas e femininas, que nasceram para a educação cristã das crianças e dos jovens, sobretudo dos mais abandonados. No decorrer da história, os Religiosos e as Religiosas estiveram muito comprometidos na actividade catequética da Igreja, realizando nesse campo trabalho particularmente adaptado e eficaz. Estando nós numa altura em que se pretendem estreitar os laços entre religiosos e pastores e, por consequência, acentuar a presença activa das Comunidades religiosas e seus membros nos planos pastorais das Igrejas locais, exorto-vos de todo o coração — a vós, a quem a consagração religiosa há-de tornar ainda mais disponíveis para o serviço da Igreja — a que vos prepareis o melhor possível para a tarefa da catequese, segundo as diversas vocações dos vossos institutos e as missões que vos são confiadas, levando convosco por toda a parte esta preocupação. Que as comunidades consagrem o máximo das suas capacidades e possibilidades à obra específica da catequese!


Catequistas leigos

66 Desejo agradecer-vos em nome de toda a Igreja, também a vós, catequistas paroquiais, leigos, homens, e mulheres em maior número ainda, a vós todos que pelo mundo inteiro vos dedicastes à educação religiosa de numerosas gerações. A vossa actividade, muitas vezes humilde e escondida, mas realizada com zelo inflamado e generoso, é uma forma eminente de apostolado leigo, particularmente importante naquelas partes onde, por diversas razões, as crianças e os jovens não recebem no lar formação religiosa conveniente. Quantos somos, realmente, aqueles que recebemos de pessoas como vós as primeiras noções de catecismo e a preparação para o sacramento da Penitência, para a primeira Comunhão, para a Confirmação! A IV Assembleia Geral do Sínodo não vos esqueceu. E, em continuidade com ela, vos encorajo a prosseguir na colaboração que prestais à vida da Igreja.

No entanto, são os que ensinam em terras de missão que por excelência têm este título de «catequistas». Nascidos de famílias já cristãs ou convertidas um dia ao cristianismo, e instruídos pelos missionários ou por outro catequista, consagram depois a própria vida, durante longos anos, à catequização das crianças e dos adultos das suas povoações. Igrejas hoje florescentes não teriam sido edificadas sem eles. Regozijo-me com os esforços desenvolvidos pela Sagrada Congregação para a Evangelização dos Povos no sentido de aperfeiçoar cada vez mais a formação desses catequistas. E neste momento evoco com gratidão a memória daqueles que o Senhor já chamou para Si. Quero invocar também a intercessão daqueles que os meus Predecessores elevaram à glória dos altares. De todo o coração, exorto à coragem aqueles que estão em actividade; e de igual modo desejo que muitos outros se prontifiquem a rendê-los e que o seu número aumente, na dedicação a uma obra tão necessária para a causa missionária.



Na paróquia

67 Quero evocar agora o enquadramento concreto onde agem habitualmente todos estes catequistas, voltando ainda, de maneira mais sintética, ao assunto dos «lugares» da catequese; alguns destes já foram evocados no capítulo IV: paróquia, família, escola e movimentos.

Se é verdade que em toda a parte se pode catequizar, quero no entanto realçar — em conformidade com o voto de grande número de Bispos — que a comunidade paroquial deve continuar a ser a animadora da catequese e o seu lugar privilegiado. É certo que, em muitas nações, a paróquia foi profundamente abalada pelo fenómeno da urbanização. Alguns chegaram mesmo a admitir com demasiada facilidade, que a paróquia estava ultrapassada, se não mesmo votada ao desaparecimento, em favor de pequenas comunidades mais adaptadas e mais eficazes. Quer se queira quer não, a paróquia continua a ser ponto de referência importante para o povo cristão, e até para os não praticantes. O realismo e a prudência exigem, pois, que se continue a dar-lhe de novo estruturas adequadas, conforme for preciso, e sobretudo novo impulso mediante a integração crescente de membros qualificados, responsáveis e generosos.

Dito isto, e tendo em conta a necessária diversidade dos lugares de catequese — a própria paróquia, as famílias que acolhem crianças e adolescentes, as aulas de religião nas escolas do Estado, as instituições escolares católicas, os movimentos de apostolado que mantêm tempos reservados à catequese, os centros abertos a todos os jovens, os «fins de semana» para formação espiritual, etc. — importa sobremaneira que todos estes canais catequéticos convirjam realmente para uma mesma confissão de fé, para uma comum consciência de pertencer à mesma Igreja e para uma fidelidade aos compromissos na sociedade, vividos com o mesmo espírito evangélico: «... um só Senhor, uma só fé, um só baptismo, um só Deus e Pai ...» (116).

É por isso que todas as paróquias importantes e todos os agrupamentos de paróquias numericamente mais reduzidas têm o grave dever de formar responsáveis, que se dediquem totalmente à animação da catequese: sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos; o dever de proverem ao que for necessário para uma catequese considerada sob todos os seus aspectos; o dever de multiplicarem e adaptarem os locais de catequese, na medida em que isso for possível e útil, e o de vigiarem pela qualidade da formação religiosa e pela integração dos diversos grupos no corpo eclesial.

Em resumo, sem monopolizar nem querer uniformizar, a paróquia, como se disse acima, continua a ser o lugar privilegiado da catequese. Precisa para isso de reencontrar a sua vocação neste aspecto, que é a de ser a casa de família, fraterna e acolhedora, onde os baptizados e confirmados tomam consciência de ser Povo de Deus e onde o pão da boa doutrina e o pão da Eucaristia lhes são repartidos com abundância, no quadro de um único acto de culto (117); é daí que são quotidianamente reenviados para a sua missão apostólica em todos os sectores da vida do mundo.

116.
Ep 4,5 s.
117. Cf. Conc. Ecum. Vaticano II, Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, nn. SC 35 SC 52: AAS 56 (1964), pp. 109, 114; cf. também Institutio Generalis Missalis Ronzani, promulgado por decreto da Sagrada Congregação dos Ritos, a 6 de Abril de 1969, n. 33; e, ainda, aquilo que se disse mais acima no capítulo VI sobre a homilia.


Na família

68 A acção catequética da família tem um carácter particular e, em certo sentido, insubstituível, justificadamente posto em evidência pela Igreja, de modo especial pelo Concílio Vaticano II (118). A educação para a fé, feita pelos pais — a começar desde a mais tenra idade das crianças (119) — já se realiza quando os membros de determinada família se ajudam uns aos outros a crescer na fé, graças ao próprio testemunho de vida cristã muitas vezes silencioso, mas perseverante, no desenrolar da vida de todos os dias, vivida segundo o Evangelho. Torna-se ainda mais marcante quando, ao ritmo dos acontecimentos familiares — como por exemplo a recepção dos Sacramentos, a celebração de grandes festas litúrgicas, o nascimento de um filho, um luto — se tem o cuidado de explicar em família o conteúdo cristão ou religioso de tais acontecimentos. Importa. porém, ir ainda mais longe: os pais cristãos hão-de esforçar-se por prosseguir e retomar no ambiente familiar, a formação mais metódica que é recebida noutras partes. Só o facto de determinadas verdades sobre os principais problemas da fé e da vida cristã serem retomadas num quadro familiar, impregnado de amor e de respeito, fará muitas vezes que elas marquem as crianças de maneira decisiva para toda a vida. E os próprios pais beneficiarão do esforço que isso lhes impõe, porque nesse diálogo catequético cada um recebe e dá alguma coisa.

A catequese familiar, portanto, precede, acompanha e enriquece todas as outras formas de catequese. Por outro lado, naquelas partes onde uma legislação anti-religiosa pretende impedir a educação para a fé, e onde a incredulidade difundida ou o secularismo avassalador tornam praticamente impossível um verdadeiro crescimento religioso, a família, essa «como que Igreja doméstica» (120), acaba por ser o único meio onde as crianças e os jovens poderão receber uma autêntica catequese. Sendo assim, nunca serão demais os esforços que fizerem os pais cristãos para se prepararem para este ministério de catequistas de seus próprios filhos e para o exercerem com zelo infatigável. Nesta linha é preciso encorajar também as pessoas ou instituições que, mediante contactos individuais, encontros, reuniões e recurso a toda a espécie de meios pedagógicos, ajudam os pais a cumprirem a sua missão: prestam à catequese um serviço inestimável.

118. Desde a alta Idade Média, os concílios provinciais insistiam na responsabilidade dos pais quanto à educação para a fé: cfr. o VI Concílio de Arles (813), can. 19; Concílio de Mogúncia (813), can.s 45,47; VI Concílio de Paris (829), livro 1, cap. 7: MANSI, Sacrorum Conciliorum nova et amplissima collectio, XIV, 62,74,542. Entre os documentos mais recentes do Magistério, devem citar-se a Encíclica Divini illius Magistri de Pio XI, de 31 de Dezembro de 1929: AAS 22 (1930), pp. 49-86; numerosos discursos e mensagens de Pio XII; e sobretudo os textos do Concílio Vaticano II. Constituição dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium, nn.
LG 11 LG 35: AAS 57 (1965), pp. 15,40; Decreto sobre o Apostolado dos Leigos Apostolicam Actuositatem, nn. AA 11 AA 30: AAS 58 (1966), pp. 847, 850; Constituição pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo Gaudium et Spes, n. GS 52: AAS 58 (1966), p. 1073; e especialmente a Declaração sobre a Educação CristãGravissimum Educationis, n. GE 3: AAS 58 (1966), p. 731.
119. Cf. Conc. Ecum. Vaticano II, Decl. sobre a Educação Cristã Gravissimum Educationis, n. GE 3:AAS 58 (1966), p. 731.
120. Conc. Ecum. Vaticano II, Const. dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium, n. LG 11: AAS 57 (1965), p. 16; cf. Decr. sobre o Apostolado dos Leigos Apostolicam Actuositatem, n. AA 11: AAS 58 (1966), p. 848.


Na escola

69 Ao lado da família e em ligação com ela, também a escola proporciona à catequese possibilidades que não hão-de ser desaproveitadas. Naqueles países, cada vez mais raros infelizmente, onde é possível ministrar uma educação da fé dentro do enquadramento escolar, é dever da Igreja procurar fazê-lo o melhor possível. Isto refere-se, em primeiro lugar, evidentemente, às escolas católicas: mereceriam elas esse nome, se, apesar de brilharem por um nível elevado de ensino em matérias profanas, houvesse justificados motivos de lhes censurar negligência ou desvio na educação propriamente religiosa? E não se diga que esta sempre se há-de dar implicitamente ou de maneira indirecta! O carácter próprio e a profunda razão de ser das escolas católicas, aquilo por que os pais católicos as devem preferir é precisamente a qualidade de o ensino religioso ser integrado na educação dos alunos. Se é verdade que as instituições católicas devem respeitar a liberdade de consciência, quer dizer, evitar influenciar esta do exterior, mediante pressões físicas ou morais, especialmente no que se refere aos actos religiosos dos adolescentes, têm não obstante o grave dever de propor uma formação religiosa, adaptada às situações dos alunos frequentemente muito diversas; têm além disso o dever de lhes fazer compreender que o apelo de Deus a servi-l'O em espírito e verdade, segundo os seus mandamentos e os preceitos da Igreja, não deixa de obrigar o homem em consciência, embora sem o constranger.

Mas penso também nas escolas não-confessionais e nas públicas. Quero exprimir ardentes votos por que, em consonância com um claro direito da pessoa humana e das famílias e no respeito pela liberdade de cada um, se torne possível a todos os alunos católicos progredirem na sua formação espiritual, com a contribuição de um ensino religioso que dependa da Igreja. Esse ensino, conforme os países, pode ser proporcionado pela escola ou no quadro da própria escola, ou então no quadro de um acordo com os poderes públicos sobre a programação e horários escolares, no caso de a catequese ser dada só na paróquia ou noutro centro pastoral. Com efeito, mesmo naqueles lugares onde existam dificuldades objectivas, por exemplo a de os alunos serem de religiões diversas, é necessário combinar os horários escolares de tal maneira que permitam aos católicos aprofundarem a sua fé e a sua experiência religiosa, com a ajuda de educadores qualificados, sacerdotes e leigos.

Muitos outros elementos vitais, para além da escola, contribuem certamente para influenciar a mentalidade dos jovens: divertimentos, meio social, meio de trabalho, etc. Os que se encontram em fase escolar são forçosamente marcados por isso, ao serem iniciados em valores culturais ou morais no clima da instituição de ensino e ainda postos frente-a-frente com as ideias recebidas na escola. Importa, pois, que a catequese tenha muito em conta esta escolarização, a fim de abranger realmente os outros elementos do saber e da educação, de modo a que o Evangelho impregne a mentalidade dos alunos no próprio ambiente da sua formação e a harmonização da sua cultura se faça à luz da fé. Neste sentido, desejo estimular os sacerdotes, os professores de religião e assistentes espirituais, religiosos ou leigos, que se aplicam a dar apoio à fé desses alunos. Mais uma vez se me oferece ocasião para reafirmar a minha firme convicção de que o respeito manifestado pela fé dos jovens até ao ponto de lhes facilitar a educação, o arreigamento, a consolidação e a livre profissão e prática da sua fé, só poderá honrar qualquer Governo seja qual for o sistema em que se baseie ou a ideologia que o inspire.



Nas associações e movimentos

70 Por fim, também uma palavra de encorajamento para as associações, movimentos ou agrupamentos de fiéis, quer tenham como objectivo a vida de piedade, quer visem o apostolado directo, a prática da caridade, a assistência, ou mesmo a presença cristã nas realidades temporais. Todos eles alcançarão melhor os seus objectivos e melhor servirão a Igreja, se na sua organização interna e nos seus métodos de acção souberem dar lugar importante a uma séria formação religiosa dos seus membros. Neste sentido, todas as associações de fiéis têm na Igreja, por definição, o dever de ser educadoras da fé.

Aparece assim mais manifesta a parte atribuída aos leigos na catequese dos nossos dias, sempre sob a direcção pastoral dos seus Bispos, como por mais de uma vez frisaram as Proposições apresentadas pelo Sínodo.


Institutos de formação

71 Este facto, do papel reconhecido aos leigos na catequese, pelo qual devemos estar reconhecidos ao Senhor, constitui um desafio à nossa responsabilidade de Pastores. Esses catequistas leigos, com efeito, têm de ser cuidadosamente formados para o seu papel que, se não é um ministério formalmente instituído, é pelo menos uma função de grandíssima importância na Igreja. A necessidade de tal formação há-de levar-nos, pois a organizar Centros e Institutos adaptados, que os Bispos hão-de acompanhar com uma assídua atenção. Aqui está um sector em que uma conjugação de esforços a nível diocesano, interdiocesano, ou mesmo nacional, se demonstra fecunda e frutuosa. Trata-se igualmente de um campo em que a ajuda material dada pelas Igrejas mais favorecidas às suas irmãs mais pobres poderá manifestar a maior eficácia: que melhor coisa uma Igreja poderá dar a outra do que ajudá-la a crescer por si mesma como Igreja?

A todos aqueles que trabalham generosamente ao serviço do Evangelho e aos quais acabo de exprimir os meus vivos encorajamentos, quereria ainda lembrar urna recomendação que gostava de fazer o meu venerando Predecessor Paulo VI: «Corno evangelizadores, devemos apresentar... a imagem de pessoas amadurecidas na fé, capazes de se encontrarem para além de tensões que se verifiquem, graças à procura comum, sincera e desinteressada da verdade. Sim, a sorte da evangelização anda sem dúvida ligada ao testemunho de unidade dado pela Igreja. Nisto se há-de ver uma fonte de responsabilidade, como também de reconforto» (121).

121. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, n.
EN 77: AAS 68 (1966), p. 69.


CONCLUSÃO


O Espírito Santo, Mestre interior

72 Ao terminar esta Exortação Apostólica, o olhar do coração volta-se para Aquele que é o princípio inspirador de todas as actividades catequéticas e daqueles que as realizam: o Espírito do Pai e do Filho — o Espírito Santo. Ao descrever a missão que este Espírito havia de ter na Igreja, Cristo usa estas palavras significativas: «Ele ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que eu vos disse» (122). E acrescenta: «Quando vier o Espírito da Verdade, ele guiar-vos-á por toda a verdade..., e anunciar-vos-á as coisas vindouras» (123).

O Espírito Santo, por conseguinte, é prometido à Igreja e a cada um dos fiéis como Mestre interior, que no segredo da consciência e do coração faz compreender aquilo que se tinha ouvido, sem se estar ainda em condições de o captar. «O Espírito Santo instrui doravante os fiéis—dizia a este propósito Santo Agostinho—segundo a capacidade espiritual de cada um. E acende nos seus corações um desejo cada vez mais vivo, à medida que cada um vai progredindo nesta caridade, que o leva a amar aquilo que já conhece e a desejar o que ainda não conhece» (124).

Além disso, é também missão do Espírito Santo transformar os discípulos em testemunhas de Cristo: «Ele dará testemunho de mim» e «vós também dareis testemunho de mim» (125).

Mas ainda há mais. Para São Paulo, que sintetiza neste ponto uma teologia latente em todo o Novo Testamento, é «todo o ser cristão». toda a vida cristã, vida nova dos filhos de Deus, que é unia vida segundo o Espírito (126). Só o Espírito nos permite dizer a Deus: «Abbá, Pai» (127). Sem o Espírito não podemos dizer: «Jesus é o Senhor» (128). E do Espírito, enfim, vêm todos os carismas que edificam a Igreja, comunidade dos cristãos (129). E neste sentido que São Paulo dá a todos os discípulos de Cristo esta norma: «Procurai estar repletos do Espírito» (130). E Santo Agostinho é bem explícito: «O facto de acreditar e o facto de agir rectamente são coisas muito nossas, em razão da escolha livre da nossa vontade; e no entanto, uma e outra coisa são um dom, proveniente do Espírito de fé e de caridade» (131).

A catequese, que é crescimento na fé e amadurecimento da vida cristã em ordem à sua plenitude é, por consequência, obra do Espírito Santo, obra que só Ele pode suscitar e manter na Igreja.

Tal verificação, originada da leitura dos textos acima citados e de numerosas outras passagens do Novo Testamento, leva-nos a formar duas convicções.

Antes de mais, a convicção de que a Igreja, ao realizar a sua missão de catequizar — como de resto cada um dos cristãos que em Igreja e em nome da Igreja se aplica a essa missão — deve estar. bem consciente de agir como instrumento vivo e dócil do Espírito Santo. Por isso, invocar incessantemente esse Espírito, estar em comunhão com Ele, esforçar-se por conhecer as suas autênticas inspirações, tem de ser a atitude da Igreja que ensina, bem como de todo e qualquer catequista.

Depois — uma vez que «estamos a viver na Igreja um momento privilegiado do Espírito», como notava o meu Predecessor Paulo VI na sua Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (132) — a convicção de que o desejo profundo de compreender melhor a acção do Espírito e de se confiar mais a Ele deve provocar um despertar catequético. A «renovação no Espírito», efectivamente, será autêntica e terá na Igreja verdadeira fecundidade, não tanto na medida em que ela suscitar carismas extraordinários, mas na medida em que levar o maior número de fiéis, pelos caminhos da vida de todos os dias, ao esforço humilde, paciente e perseverante de conhecerem cada vez melhor o mistério de Cristo e darem testemunho dele.

Invoco pois sobre a Igreja catequizante, esse Espírito do Pai e do Filho e suplico-Lhe que renove na mesma Igreja o dinamismo catequético.

122.
Jn 14,26.
123. Jn 16,13.
124. In loannis Evangelium Tractatus, 97 PL 35,1877.
125. Jn 15,26-27.
126. Cf. Rm 8,14-17 Ga 4,6.
127. Rm 8,15.
128. 1Co 12,3.
129. Cf. 1Co 12,4-11.
130. Ep 5,18.
131. Retractationum liber I, 23,2: PL 32,621.
132. N. EN 75: AAS 68 (1976), p. 66.



Catechesi tradendae PT 56