Código 1983



CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO

CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO PROMULGADO POR S.S. O PAPA JOÃO PAULO II

VERSÃO PORTUGUESA



4a edição revista

CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA - LISBOA

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EDITORIAL APOSTOLADO DA ORAÇÃO - BRAGA

Versão portuguesa de António Leite, S.J., revista por D. Serafim Ferreira e Silva, Samuel S. Rodrigues, V. Melícias Lopes,

O.F.M., e Manuel Luís Marques, O.F.M.

A ninguém é permitido reimprimir este Código ou traduzi-lo em outra língua sem licença da Santa Sé. Proibida também a reprodução, mesmo parcial, da versão portuguesa, sem autorização da Conferência Episcopal Portuguesa.

© Versão portuguesa: Copyright by Conferência Episcopal Portuguesa, Lisboa, 1983

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CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA “SACRAE DISCIPLINAE LEGES” DE PROMULGAÇÃO DO CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO (25.1. 1983)

AOS VENERÁVEIS IRMÃOS CARDEAIS, ARCEBISPOS, BISPOS, PRESBÍTEROS, DIÁCONOS E AOS OUTROS MEMBROS DO POVO DE DEUS

JOÃO PAULO BISPO

SERVO DOS SERVOS DE DEUS PARA PERPÉTUA MEMÓRIA

AS LEIS DA DISCIPLINA SAGRADA teve a Igreja Católica, no decurso dos séculos, o costume de as reformar e renovar para que, conservando sempre a fidelidade ao seu divino Fundador, correspondessem adequadamente à missão salvífica que lhe foi confiada. Movidos por este mesmo propósito e satisfazendo finalmente a expectativa de todo o orbe católico, determinamos neste dia, 25 de Janeiro de 1983, a publicação do Código de Direito Canónico já revisto. Ao fazê-lo, o Nosso pensamento volta-se para o mesmo dia do ano 1959, quando o Nosso Predecessor João XXIII, de feliz memória, anunciou pela primeira vez ter decidido a reforma do Corpus vigente das leis canónicas, que tinha sido promulgado na solenidade de Pentecostes do ano 1917.

Esta decisão da renovação do Código foi tomada com outras duas, das quais aquele Pontífice falou nesse mesmo dia, que se referiam à intenção de realizar o Sínodo da diocese de Roma e de convocar o Concílio Ecuménico. Destes dois factos, embora o primeiro não tenha estreita relação com a reforma do Código, o segundo porém, isto é o Concílio, tem suma importância para a nossa matéria e está estreitamente ligado com a sua substância.

E, se perguntarmos a razão por que João XXIII sentiu a necessidade de reformar o Código em vigor, a resposta talvez se encontre no mesmo Código, promulgado em 1917. Contudo, existe também outra resposta e é a principal: a saber, a reforma do Código de Direito Canónico parecia ser vivamente pedida e desejada pelo próprio Concílio, que voltara principalmente toda a sua atenção para a Igreja.

Como é evidente, quando pela primeira vez foi anunciada a revisão do Código, o Concílio era um empreendimento que pertencia totalmente ao futuro. Acresce que os actos do seu Magistério e, principalmente, a sua doutrina sobre a Igreja se completariam nos anos 1962-1965. Todavia, não há ninguém que não veja que a intuição de João XXIII foi muito verdadeira, e com razão deve dizer-se que a sua decisão divisou longe o bem da Igreja.

Por isso, o novo Código, que hoje é publicado, exigiu necessariamente o trabalho prévio do Concílio; e embora tenha sido anunciado juntamente com o Concílio, vem contudo no tempo depois dele, pois os trabalhos empreendidos para o preparar, já que deviam basear-se no Concílio, não podiam ter início a não ser depois da sua conclusão.

Voltando hoje o pensamento para o início do longo caminho, isto é, para aquele dia 25 de Janeiro de 1959, e para o próprio João XXIII, promotor da revisão do Código, devemos reconhecer que este Código surgiu de uma única e mesma intenção, que era a de restaurar a vida cristã. De tal intenção, de facto, toda a obra do Concílio tirou as suas normas e a sua orientação.

Se agora passarmos a considerar a natureza dos trabalhos, que precederam a promulgação do Código, como também a maneira como foram conduzidos, especialmente durante os Pontificados de Paulo VI e de João Paulo I, e depois até ao dia de hoje, importa muito ressaltar que tais trabalhos foram levados a bom termo num espírito marcadamente colegial; e isto não só quanto à redacção material da obra, mas também quanto à substância das leis elaboradas.

De facto, esta nota de colegialidade, pela qual se distingue eminentemente o processo de origem do presente Código, está perfeitamente de acordo com o magistério e a índole do Concílio Vaticano II. Por isso, o Código, não só pelo seu conteúdo, mas também já no seu nascimento manifesta o espírito deste Concílio, em cujos documentos a Igreja, sacramento universal da salvação (cfr. Const. Lumen Gentium, LG 9 LG 48) é apresentada como Povo de Deus, e a sua constituição hierárquica aparece fundada no Colégio dos Bispos unido com a sua Cabeça.

Por este motivo pois os Bispos e os Episcopados foram convidados a prestar a sua colaboração na preparação do novo Código, a fim de que, através de tão longo caminho, com um método o mais possível colegial, pouco a pouco amadurecessem as fórmulas jurídicas, que, depois, deveriam servir para o uso de toda a Igreja. Em todas as fases dessa tarefa participaram nos trabalhos também peritos, isto é, homens especializados na doutrina teológica, na história e sobretudo no direito canónico, que foram recrutados de todas as partes do mundo.

A todos e a cada um deles desejamos hoje manifestar os sentimentos da Nossa viva gratidão.

Antes de mais, avultam aos Nossos olhos as figuras dos Cardeais falecidos, que presidiram à Comissão preparatória: o Cardeal Pietro Ciriaci, que iniciou a obra, e o Cardeal Péricles Felici, que durante muitos anos orientou o prosseguimento dos trabalhos até quase ao fim. Pensamos, em seguida, nos Secretários da mesma Comissão: o Reverendíssimo Monsenhor Tiago Violardo, depois Cardeal, e o Padre Raimundo Bidagor, da Companhia de Jesus, os quais prodigalizaram os dons da própria doutrina e sabedoria no desempenho deste cargo. Juntamente com eles, recordamos os Cardeais, Arcebispos, Bispos e todos os que foram membros daquela Comissão, bem como os Consultores de cada um dos Grupos de estudo realizados nestes anos para trabalho tão difícil, os quais entretanto foram chamados por Deus para receber a recompensa eterna. Por todos eles eleva-se a Deus a Nossa oração de sufrágio.

Apraz-Nos, porém, recordar ainda as pessoas vivas, a começar pelo actual Pró-Presidente da Comissão, o Venerável Irmão D. Rosálio Castillo Lara, que por longo tempo prestou excelentes serviços num empreendimento de tanta responsabilidade; e, depois dele, o dilecto filho, Mons. Guilherme Onclin, cuja assiduidade e diligência muito contribuíram para a feliz conclusão do trabalho, e todos os outros que nesta Comissão, quer como Membros Cardeais, quer como Oficiais, Consultores e Colaboradores nos vários Grupos de estudo ou em outros departamentos, deram o seu melhor contributo para a elaboração e conclusão de um trabalho de tanta grandeza e complexidade.

Portanto, ao promulgar hoje o Código, estamos plenamente cônscios de que este acto é expressão da autoridade Pontifícia, e por isso se reveste de um carácter primacial. Mas estamos de igual modo cônscios de que este Código, no que diz respeito à matéria, manifesta em si a solicitude colegial pela Igreja por parte de todos os Nossos Irmãos no Episcopado; além disso, por certa analogia com o Concílio, o mesmo Código deve ser considerado como o fruto de uma colaboração colegial, que surgiu de energias da parte de homens e instituições especializadas que, em toda a Igreja, se uniram num todo.

Surge agora uma outra questão sobre a natureza do próprio Código de Direito Canónico. Para responder devidamente a este pergunta, é preciso recordar o antigo património de direito contido nos livros do Antigo e do Novo Testamento, de onde provém, como da sua primeira fonte, toda a tradição jurídica e legislativa da Igreja.

De facto, Cristo Senhor, não destruiu de modo algum a riquíssima herança da Lei e dos Profetas, que pouco a pouco se formara pela história e pela experiência do Povo de Deus no Antigo Testamento, mas deu-lhe cumprimento (cf. Mt 5,17), de tal sorte que ela de modo novo e mais elevado começou a fazer parte da herança do Novo Testamento. Embora São Paulo, ao expor o mistério pascal, ensine que a justificação não se obtém pelas obras da Lei mas pela fé (cfr. Rm 3,28 cfr. Ga 2,16), todavia, com isto não exclui a obrigatoriedade do Decálogo (cfr. Rm 13,8-10 Ga 5,13-25 Ga 6,2), nem nega a importância da disciplina na Igreja de Deus (cfr. 1Co 5-6). Assim, os escritos do Novo Testamento permitem-nos compreender ainda mais esta mesma importância da disciplina, e poder entender melhor os vínculos, que, de modo mais estreito, a ligam à índole salvífica do próprio anúncio do Evangelho.

Deste modo, é bastante claro que o Código de modo algum tem o objectivo de substituir a fé, a graça, os carismas e principalmente a caridade na vida da Igreja ou dos fiéis. Pelo contrário, o seu fim é antes o de criar tal ordem na sociedade eclesial que, atribuindo a primazia ao amor, à graça e aos carismas, torne ao mesmo tempo mais fácil o seu desenvolvimento ordenado na vida quer da sociedade eclesial, quer também de cada um dos homens que dela fazem parte.

O Código, como principal documento legislativo da Igreja, baseado na herança jurídica e legislativa da Revelação e da Tradição, deve considerar-se o instrumento indispensável para assegurar a ordem tanto na vida individual e social, como na própria actividade da Igreja. Por isso, além de conter os elementos fundamentais da estrutura hierárquica e orgânica da Igreja, estabelecidos pelo seu Divino Fundador ou baseados na tradição apostólica ou na mais antiga tradição, e ainda as principais normas referentes ao exercício do tríplice múnus confiado à própria Igreja, deve o Código definir também as regras e as normas de comportamento.

Um instrumento, como é o Código, corresponde totalmente à natureza da Igreja, sobretudo como é proposta pelo magistério do Concílio Vaticano II, considerado em geral, e de modo peculiar pela sua doutrina eclesiológica. Mais ainda, de algum modo, este novo Código pode ser entendido como um grande esforço de traduzir em linguagem canónica esta mesma doutrina, isto é, a eclesiologia conciliar. Se não se pode fazer com que a imagem da Igreja descrita pela doutrina do Concílio seja perfeitamente traduzida em linguagem canónica, todavia o Código deve ser sempre referido a esta mesma imagem como ao modelo primário, cujos traços, dentro do possível, deve por sua própria natureza exprimir em si.

Daqui derivam algumas normas fundamentais, pelas quais todo o novo Código é regulado, no âmbito da sua matéria própria bem como da própria linguagem, que está relacionada com esta matéria.

Mais ainda, pode afirmar-se que daqui também deriva aquela nota, pela qual o Código é considerado como complemento do magistério proposto pelo Concílio Vaticano II, de modo peculiar no que diz respeito a duas Constituições, a saber, a dogmática e a pastoral.

Daí se segue que aquela razão fundamental de novidade, que não se afastando nunca da tradição legislativa da Igreja, se encontra no Concílio Vaticano II, sobretudo no que se refere à doutrina eclesiológica, constitua também a razão de novidade no novo Código.

Contudo, de entre os elementos que exprimem a verdadeira e própria imagem da Igreja, devem enumerar-se principalmente estes: a doutrina segundo a qual a Igreja é proposta como Povo de Deus (cfr. Const. Lumen gentium, LG 2), e a autoridade hierárquica como serviço (ibid, LG 3); além disso, a doutrina que apresenta a Igreja como comunhão e que, por conseguinte, determina as relações mútuas que devem existir entre a Igreja particular e a universal, e entre a colegialidade e o primado; igualmente, a doutrina segundo a qual todos os membros do Povo de Deus, segundo o modo que participam no tríplice múnus de Cristo, sacerdotal, profético e real. A esta doutrina está ligada também a referente aos deveres e direitos dos fiéis, e particularmente aos leigos; e, enfim, o empenho que a Igreja deve dedicar ao ecumenismo.

Portanto, se o Concílio Vaticano II tirou do tesouro da Tradição elementos antigos e novos e a sua novidade consiste precisamente nestes e noutros elementos, é evidente que o Código recebe em si a mesma nota de fidelidade na novidade e de novidade na fidelidade, e com ela se conforma no que diz respeito à sua própria matéria e ao modo peculiar de se exprimir.

O novo Código de Direito Canónico é publicado no momento em que os Bispos de toda a Igreja não só pedem a sua promulgação, mas a solicitam com insistência e veemência.

De facto, o Código de Direito Canónico é absolutamente necessário à Igreja. Já que ela também está constituída como um todo orgânico social e visível, tem necessidade de normas, para que a sua estrutura hierárquica e orgânica se torne visível, para que o exercício das funções a ela divinamente confiadas, especialmente a do poder sagrado e a da administração dos Sacramentos, possa ser devidamente organizado, para que as relações mútuas dos fiéis possam ser reguladas segundo a justiça baseada na caridade, garantidos e bem definidos os direitos de cada um, e, enfim, para que as iniciativas comuns, assumidas para uma vida cristã cada vez mais perfeita, sejam apoiadas, fortalecidas e promovidas mediante as normas canónicas.

Finalmente, as leis canónicas pela sua própria natureza devem ser observadas; por isso foi usada a máxima diligência, para que na longa preparação do Código a expressão das normas fosse precisa e elas se apoiassem num sólido fundamento jurídico, canónico e teológico.

Depois de todas estas considerações, deve sem dúvida augurar-se que a nova legislação canónica se torne um instrumento eficaz com que a Igreja possa aperfeiçoar-se de acordo com o espírito do Concílio Vaticano II, e mostrar-se cada vez mais capaz de cumprir neste mundo a sua missão salvífica.

Apraz-nos com ânimo confiante transmitir a todos estas Nossas considerações, no momento em que promulgamos este Corpus principal de leis eclesiásticas para toda a Igreja latina.

Praza a Deus que a alegria e a paz a par da justiça e obediência recomendem este Código, e o que for determinado pela cabeça seja observado no corpo.

Confiantes, portanto, no auxílio da graça divina, e apoiados na autoridade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, com ciência certa e anuindo aos desejos dos Bispos de todo o mundo, que com afecto colegial trabalharam conNosco, com a suprema autoridade de que dispomos, mediante esta Nossa Constituição para valer no futuro, promulgamos o presente Código, tal como foi elaborado e revisto. Determinamos, que no futuro tenha força de lei para toda a Igreja latina, e confiamo- -lo ao vigilante cuidado de todos aos quais diz respeito, para ser observado.

Mas para que todos possam mais confiadamente informar-se e conhecer a fundo estas disposições, antes que elas tenham força jurídica, decretamos e mandamos que tenham força de lei a partir do primeiro dia do Advento deste ano de 1983. Não obstante disposições, constituições, privilégios, mesmo dignos de especial e singular menção, e costumes em contrário.

Exortamos, portanto, os Nossos filhos dilectos a observarem com ânimo sincero e boa vontade as normas propostas, na esperança de que refloresça na Igreja uma renovada disciplina, e de que assim se promova cada vez mais, sob a protecção da Beatíssima Virgem Maria, Mãe da Igreja, a salvação das almas.

(Trad. de J. A. da Silva Marques)

Dada em Roma, no Palácio Vaticano, aos 25 de Janeiro de 1983, quinto ano do Nosso Pontificado.


PREFÁCIO

Desde os tempos da Igreja primitiva foi costume coligir os sagrados cânones para tornar mais fácil o seu conhecimento, a sua prática e a sua observância, sobretudo aos ministros sagrados, uma vez que “não é lícito a nenhum sacerdote ignorar os cânones ’’, como já advertia o Papa Celestino na carta aos Bispos da Apúlia e da Calábria (dia 21 de Julho de 429. Cfr. Jaffé2 n.° 371, Mansi IV, COL 469). Está em consonância com estas palavras o IV Concílio de Toledo (a. 633) que, depois de restaurada no reino dos Visigodos a disciplina da Igreja libertada do arianismo, prescreveu: “os sacerdotes saibam as sagradas escrituras e os cânones”porque “se deve evitar, principalmente nos sacerdotes de Deus, a ignorância, mãe de todos os erros” (cân. 25; Mansi, X, COL 627).

Na verdade, no decurso dos dez primeiros séculos, por muitas razões floresceram inúmeras colectâneas de leis eclesiásticas, compostas sobretudo por iniciativa privada, nas quais se continham normas dadas principalmente pelos Concílios e pelos Romanos Pontífices e outras tiradas de fontes menores. Em meados do século XII, o acervo destas colecções e normas, não raro opostas entre si, foi compilado de novo pela iniciativa privada do monge Graciano, numa concordância de leis e de colecções. Esta concordância, mais tarde denominada Decreto de Graciano, constitui a primeira parte daquela grande colecção das leis da Igreja que, a exemplo do Corpo de Direito Civil do imperador Justiniano, foi chamada Corpo de Direito Canónico, e continha as leis, que foram feitas durante quase dois séculos pela autoridade suprema dos Romanos Pontífices, com a ajuda dos peritos em direito canónico, que se chamavam glossadores. Este Corpo, além do Decreto de Graciano, no qual se continham as normas mais antigas, consta do “Livro Extra” de Gregório IX, do “Livro VI” de Bonifácio VIII, das Clementinas, isto é, da colecção de Clemente Vpromulgada por João XXII, às quais se acrescentaram as Decretais “Extravagantes ” deste Pontífice e as Decretais “Extravagantes Comuns ” de vários Romanos Pontífices nunca reunidas numa colecção autêntica. O direito eclesiástico, de que se compõe este Corpo, constitui o direito clássico da Igreja católica e é comummente designado com este nome.

A este Corpo de direito da Igreja Latina corresponde de algum modo a Colecção de Cânones (Syntagma Canonum) ou “Corpo Oriental de cânones ” da Igreja Grega.

As leis seguintes, principalmente as promulgadas no tempo da Reforma católica pelo Concílio de Trento e as emanadas posteriormente dos diversos Dicasté- rios da Cúria Romana, nunca foram compiladas numa colecção. Esta foi a razão por que a legislação existente fora do Corpo de Direito Canónico, com o decorrer do tempo, veio a constituir “um cúmulo imenso de leis amontoadas umas sobre as outras”, no qual não só a desordem, mas também a incerteza junta com a inutilidade e as lacunas de muitas leis fizeram que a própria disciplina da Igreja fosse posta, cada vez mais, em perigo e ao sabor da arbitrariedade.

Por isso, já durante a preparação do Concílio Vaticano I foi pedido por muitos Bispos que se preparasse uma nova e única colecção de leis, para efectuar de modo mais certo e seguro a cura pastoral do Povo de Deus. Tal obra não pôde ser levada a cabo pela acção conciliar, pelo que a Sé Apostólica procedeu depois a uma nova ordenação das leis sobre os assuntos mais urgentes, que pareciam pertencer mais propriamente à disciplina. Finalmente o Papa Pio X, logo no início do seu Pontificado, chamou a si o assunto, quando se propôs coligir e reformar todas as leis eclesiásticas, e mandou que o trabalho fosse levado a cabo sob a direcção do Cardeal Pedro Gasparri.

Ao empreender uma obra tão grande e tão árdua, em primeiro lugar surgiu a necessidade de resolver a questão acerca da forma interna e externa da nova colecção. Posto de lado o modo de compilação, segundo o qual cada uma das leis deveria ser apresentada no seu prolixo texto originário, pareceu bem escolher o modo hodierno da codificação, e assim os textos que continham e propunham o preceito foram redigidos numa forma nova e mais breve. Quanto à matéria, esta foi ordenada em cinco livros, que imitam substancialmente o sistema das instituições de direito romano acerca das pessoas, das coisas e das acções. A obra foi levada a cabo num espaço de doze anos, com a colaboração de homens peritos, de consultores e de Bispos de toda a Igreja. A índole do novo Código é claramente enunciada no proémio do cân. CIC 6: “O Código mantém quase sempre a disciplina vigente até aqui, embora traga mudanças oportunas”. Portanto, não se tratava de criar um novo direito, mas principalmente de ordenar de modo novo o direito vigente até àquele tempo. Falecido Pio X, esta colecção universal, exclusiva e autêntica foi promulgada no dia 27 de Maio de 1917 pelo seu sucessor Bento XV, e entrou em vigor no dia 19 de Maio de 1918.

O direito universal deste Código Pio-Beneditino foi comprovado pelo consenso de todos, e contribuiu muito no nosso tempo para promover eficazmente o múnus pastoral em toda a Igreja, que entretanto recebia novos desenvolvimentos. Todavia, quer as condições externas da Igreja neste mundo que, em poucos decénios, experimentou tão rápidas vicissitudes e tão graves mudanças dos costumes, quer as progressivas disposições internas da comunidade eclesiástica, fizeram necessariamente que cada vez mais urgisse e fosse pedida uma nova reforma das leis canónicas. Com efeito, o Sumo Pontífice João XXIII apercebeu-se claramente destes sinais dos tempos. Por isso, ao anunciar, no dia 25 de Janeiro de 1959, a celebração do Sínodo Romano e do Concílio Vaticano II, simultaneamente anunciou também que estes acontecimentos seriam necessariamente a preparação para instituir a desejada renovação do Código.

Mas, na realidade, embora a Comissão para a revisão do Código de Direito Canónico tivesse sido constituída a 28 de Março de 1963, depois de já ter começado o Concílio Ecuménico, tendo como Presidente o Cardeal Pedro Ciriaci e como Secretário o Reverendíssimo Mons. Tiago Violardo, os Cardeais membros, na reunião do dia 12 de Novembro do mesmo ano, juntamente com o Presidente concordaram em que os verdadeiros e próprios trabalhos de renovação deviam ser adiados e que não podiam começar senão depois de terminado o Concílio. Com efeito, a reforma devia realizar-se de acordo com as indicações e princípios a estabelecer pelo próprio Concílio. Entretanto, à Comissão constituída por João XXIII o seu Sucessor Paulo VI, no dia 17 de Abril de 1964, juntou setenta consultores, e depois nomeou como membros outros Cardeais e chamou consultores de todo o mundo, para que dessem o seu contributo ao trabalho a levar a cabo. No dia 24 de Fevereiro de 1965, o Sumo Pontífice nomeou o Reverendíssimo Padre Raimundo Bidagor, S.J., novo Secretário da Comissão, em virtude de o Reverendíssimo Mons. Violardo ter sido promovido ao cargo de Secretário da Congregação para a Disciplina dos Sacramentos, e, no dia 17 de Novembro do mesmo ano, constituiu Secretário Adjunto da Comissão o Reverendíssimo Mons. Guilherme Onclin. Falecido o Cardeal Ciriaci, no dia 21 de Fevereiro de 1967, foi nomeado Pró-Presidente o Arcebispo D. Péricles Fe- lici, que tinha sido Secretário do Concilio Vaticano II e, no dia 26 de Junho do mesmo ano, foi incorporado no Sacro Colégio dos Cardeais e a seguir recebeu o múnus de Presidente da Comissão. Como, porém, o Reverendíssimo Padre Bidagor, ao completar oitenta anos, no dia I de Novembro de 1973, tivesse deixado de exercer o múnus de Secretário, no dia 12 de Fevereiro de 1975, o Excelentíssimo D. Rosálio Castillo Lara, S.D.B., Bispo titular de Praecausa e Coadjutor de Trujillo na Venezuela, foi nomeado novo Secretário da Comissão.

Este mesmo, a 17 de Maio de 1982, após a morte prematura do Cardeal Péricles Felici, foi constituído Pró-Presidente da Comissão.

Quando o Concílio Vaticano II já caminhava para o fim, no dia 20 de Novembro de 1965, realizou-se, na presença do Sumo Pontífice Paulo VI, uma Sessão solene, a que assistiram os Cardeais membros, os Secretários, os consultores e oficiais da Secretaria, entretanto constituída, para celebrar a inauguração pública dos trabalhos da revisão do Código de Direito Canónico. Na alocução do Sumo Pontífice foram de algum modo lançadas as bases de todo o trabalho a realizar. Na verdade, recorda-se que o Direito Canónico dimana da natureza da Igreja, que a sua raiz está no poder de jurisdição conferido por Cristo à Igreja, e que o seu fim deve ser colocado na cura das almas para conseguirem a salvação eterna; além disso, esclarece-se a índole do Direito da Igreja, e reivindica-se a sua necessidade contra as objecções mais comuns, indica-se a história do desenvolvimento do direito e das colecções, mas principalmente põe-se em relevo a necessidade urgente da nova revisão, para que a disciplina da Igreja se adapte adequadamente às novas circunstâncias.

Além disso, o Sumo Pontífice indicou à Comissão dois elementos, que deviam presidir a todo o trabalho. Em primeiro lugar, não se tratava somente de uma nova ordenação das leis, como se tinha feito na elaboração do Código Pio-Beneditino, mas também e sobretudo duma reforma das normas que se devia adaptar aos novos hábitos mentais e às novas necessidades, embora o direito antigo devesse fornecer o fundamento. Depois, deviam ter-se com diligência diante dos olhos neste trabalho de revisão todos os Decretos e Actas do Concílio Vaticano II, uma vez que se encontram neles as linhas mestras próprias da renovação legislativa, quer porque foram dadas normas, que dizem directamente respeito aos novos institutos e à disciplina eclesiástica, quer também porque era necessário que as riquezas doutrinais deste Concílio, que muito contribuíram para a vida pastoral, tivessem na legislação canónica as suas consequências e o seu complemento necessário.

Em repetidas alocuções, preceitos e conselhos também nos anos seguintes os dois citados elementos foram recordados aos membros da Comissão pelo Sumo Pontífice, que nunca deixou de dirigir superiormente e de acompanhar assiduamente todo o trabalho.

Para que as subcomissões ou grupos de estudo pudessem acometer de modo orgânico o trabalho, era necessário enuclear e aprovar alguns princípios, que estabelecessem o caminho a seguir na revisão de todo o Código. Um grupo central de consultores preparou o texto do documento, que por mandato do Sumo Pontífice foi confiado, no mês de Outubro de 1967, ao estudo da Reunião Geral do Sínodo dos Bispos. Foram aprovados quase por unanimidade estes princípios:

1. ° ) Na renovação do direito deve ser absolutamente conservada a índole jurídica do novo Código, que é exigida pela própria natureza social da Igreja. Por isso compete ao Código dar normas para que os fiéis na vida cristã se tornem participantes dos bens oferecidos pela Igreja, que os conduzam à salvação eterna. Por conseguinte, para este fim o Código deve definir e tutelar os direitos e as obrigações de cada um para com os outros e para com a sociedade eclesiástica, na medida em que tendam para o culto de Deus e para a salvação das almas.
2. ° ) Entre o foro externo e o foro interno, que é próprio da Igreja e esteve em vigor ao longo dos séculos, deve existir coordenação, de tal forma que se evitem os conflitos entre ambos.
3. ° ) Para favorecer ao máximo a cura pastoral das almas, no novo direito, além da virtude da justiça, deve ter-se em conta também a caridade, a temperança, a humanidade, a moderação, pelas quais se procure aplicar a equidade não só na aplicação das leis por parte dos pastores de almas, mas também na própria legislação, e por isso devem ser postas de parte as normas demasiado rígidas, recorrendo-se pelo contrário de preferência às exortações e aos conselhos, quando não haja necessidade de observar o direito estrito por causa do bem público e da disciplina eclesiástica geral.
4. ° ) Para que o Sumo Legislador e os Bispos cooperem na cura das almas e apareça de modo mais positivo o múnus dos pastores, tornem-se ordinárias as faculdades acerca da dispensa das leis gerais, que até aqui eram extraordinárias, reservando-se ao poder Supremo da Igreja universal ou a outras autoridades superiores apenas aquelas que exijam excepção por causa do bem comum.
5. ° ) Deve atender-se bem ao princípio, que se deduz do anterior e se chama princípio de subsidiaridade, que deve aplicar-se tanto mais quanto é certo que o ofício dos Bispos com os poderes anexos é de direito divino. Com este princípio, enquanto se observam a unidade legislativa e o direito universal e geral, defendem-se também a conveniência e a necessidade de prover à utilidade, sobretudo de cada um dos institutos, a eles reconhecida pelos direitos particulares e pela sã autonomia do poder executivo particular. Por isso, apoiado no mesmo princípio, o novo Código confie quer aos direitos particulares quer ao poder executivo, o que não seja necessário à unidade da disciplina da Igreja universal, de tal forma que se proveja oportunamente a uma assim chamada “descentralização”, afastado o perigo de desagregação ou de constituição de Igrejas nacionais.
6. ° ) Por causa da igualdade fundamental de todos os fiéis e da diversidade de ofícios e de funções, baseada na própria ordem hierárquica da Igreja, importa que se definam adequadamente e se tutelem os direitos das pessoas. Daqui resulta que o exercício do poder apareça mais claramente como serviço, se robusteça mais o seu uso, e se afastem os abusos.
7. ° ) Para que tudo isto se ponha adequadamente em prática, é necessário que se empregue cuidado especial no ordenamento processual, no que diz respeito à tutela dos direitos subjectivos. Por isso, na renovação do direito deve atender-se àquelas coisas que eram muito desejadas, a saber os recursos administrativos e a administração da justiça. Para o conseguir, é necessário que as várias funções do poder eclesiástico se distingam claramente, a saber a função legislativa, administrativa e judicial, e se defina adequadamente por quais órgãos deve ser exercida cada uma delas.
8. ° ) Cumpre que de algum modo seja revisto o princípio segundo o qual se deve conservar a índole territorial no exercício do governo eclesiástico; na verdade, as condições do apostolado hodierno parecem recomendar unidades jurisdicionais pessoais. Por tal motivo, estabeleça-se no novo direito o princípio pelo qual, como regra geral, a porção do Povo de Deus a reger se determine pelo território; mas nada impede que, onde a utilidade o aconselhe, possam ser admitidas outras razões, pelo menos juntamente com o aspecto territorial, como critérios para determinar a comunidade dos fiéis.
9. ° ) Acerca do direito coactivo, ao qual a Igreja como sociedade externa, visível e independente não pode renunciar, as penas devem ser geralmente ferendae sententiae, e devem ser aplicadas e remitidas somente no foro externo. As penas latae sententiae devem ser reduzidas a poucos casos, e somente devem ser impostas contra delitos gravíssimos.
10. °) Finalmente, como todos admitem unanimemente, a nova disposição sistemática do Código, que exige a nova adaptação, pode, sem dúvida, desde o princípio ser esboçada, mas não exactamente definida e decidida. Por isso, só deve ser assente depois duma suficiente revisão de cada uma das partes, e até depois de toda a obra estar quase terminada.

Destes princípios, pelos quais se requeria fosse orientado o método de revisão do novo Código, concluía-se a necessidade de aplicar a cada passo a doutrina acerca da Igreja enucleada pelo Concílio Vaticano II, uma vez que ela estabelece que deve atender-se não só às circunstâncias externas e sociais do Corpo Místico de Cristo, mas também e principalmente à sua vida íntima.

E na realidade os consultores foram como que levados pela mão destes princípios ao elaborarem o texto do novo Código.

Entretanto, por carta de 15 de Janeiro de 1965, enviada pelo Eminentíssimo Cardeal Presidente da Comissão aos Presidentes das Conferências Episcopais, os Bispos de todo o orbe católico foram solicitados a propor votos e sugestões acerca do próprio direito a estabelecer e do modo como deviam processar-se convenientemente as relações entre as Conferências Episcopais e a Comissão, para se obter o máximo de cooperação nesta matéria em ordem ao bem comum. Além disso, pediu-se que fossem enviados à Secretaria da Comissão os nomes dos peritos em direito canónico, que segundo o parecer dos Bispos mais sobressaíssem na doutrina em cada uma das regiões, indicando-se também a sua especial competência, para que destes se pudessem escolher e nomear consultores e colaboradores. Na verdade, desde o início e no decurso dos trabalhos, além dos Eminentíssimos membros foram admitidos, entre os consultores da Comissão, Bispos, sacerdotes, religiosos, leigos, peritos em direito canónico e teologia, na cura pastoral das almas e em direito civil, de todo o orbe cristão, para colaborarem na preparação do novo Código de Direito Canónico. Ao longo de todo o tempo dos trabalhos colaboraram com a Comissão, provenientes dos cinco continentes e de 31 nações, como membros, consultores e outros colaboradores 105 Cardeais, 77 Arcebispos e Bispos, 73 presbíteros seculares, 47 presbíteros religiosos, 3 religiosas e I2 leigos.

Já antes da última sessão do Concílio Vaticano II, no dia 6 de Maio de 1965, os consultores da Comissão foram convocados para uma sessão privada, na qual, com o consentimento do Santo Padre, o Presidente da Comissão lhes propôs, para estudo, três questões fundamentais. Perguntava-se-lhes, na verdade, se se deviam preparar um ou dois Códigos, isto é o Latino e o Oriental; que ordem de trabalhos se devia seguir na sua redacção, ou como deviam proceder a Comissão e os seus órgãos; finalmente, como se devia fazer a adequada distribuição do trabalho a confiar às várias subcomissões, que actuariam simultaneamente. Acerca destas questões foram feitas relações pelos três grupos para isto constituídos, tendo as mesmas sido transmitidas a todos os membros.

No dia 25 de Novembro de 1965, os Eminentíssimos membros da Comissão celebraram a sua segunda sessão acerca destas questões, na qual foram solicitados para responderem a algumas dúvidas sobre o assunto.

No que diz respeito à ordenação sistemática do novo Código, por voto do grupo central dos consultores, que estiveram reunidos de 3 a 7 de Abril de 1967, foi redigido um princípio destinado a ser proposto ao Sínodo dos Bispos. Depois da sessão do Sínodo, pareceu oportuno constituir, no mês de Novembro de 1967, um grupo especial de consultores, que se dedicassem ao estudo da ordem sistemática. Na sessão deste grupo, realizada no início do mês de Abril de 1968, todos concordaram em não receber no novo Código nem as leis propriamente litúrgicas, nem as normas acerca dos processos de beatificação e de canonização, e nem sequer as normas acerca das relações da Igreja ad extra. Pareceu também conveniente a todos que na parte onde se trata do Povo de Deus, se colocasse o estatuto pessoal de todos os fiéis e se tratasse separadamente dos poderes e faculdades, que dizem respeito ao exercício dos diversos ofícios e funções. Finalmente, todos concordaram que não se podia manter inteiramente no novo Código a estrutura dos livros do Código Pio-Beneditino.

Na terceira sessão dos Eminentíssimos membros da Comissão, realizada no dia 28 de Maio de 1968, os Cardeais aprovaram, quanto à substância, a ordenação temporária, segundo a qual os grupos de estudo, que já antes tinham sido constituídos, foram dispostos em nova ordem: “Da ordenação sistemática do Código”, ‘'Das normas gerais”, ‘'Da Hierarquia Sagrada”, “Dos Institutos de perfeição ’’, “Dos leigos ’’, “Das pessoas físicas e morais em geral ’’, “Do Matrimónio ’’, “Dos Sacramentos, excepto o Matrimónio”, “Do Magistério eclesiástico”, “Do direito patrimonial da Igreja ’’, “Dos processos”, ‘'Do direito penal ’’.

A matéria tratada pelo grupo “Das pessoas físicas e jurídicas” (assim foi depois chamado) transitou para o livro “Das normas gerais”. Também pareceu oportuno constituir o grupo ‘’Dos lugares e tempos sagrados e do culto divino”. Em razão de mais ampla competência foram modificados os títulos de outros grupos: o grupo “Dos leigos” tomou o nome ‘’Dos direitos e das associações dos fiéis e dos leigos”; o grupo ‘’Dos religiosos’’foi denominado ‘’Dos institutos de perfeição’’ e, finalmente, ‘’Dos institutos de vida consagrada pela profissão dos conselhos evangélicos’’.

Acerca do método, que foi seguido no trabalho de revisão durante mais de 16 anos, devem ser recordadas brevemente as partes principais: os consultores de cada um dos grupos prestaram com a máxima dedicação uma colaboração egrégia, tendo em vista apenas o bem da Igreja, quer na preparação feita por escrito dos votos acerca das partes do próprio esquema, quer na discussão durante as sessões, que tinham lugar em Roma em determinadas datas, quer no exame das advertências, dos votos e das opiniões acerca do próprio esquema que chegavam à Comissão. O modo de proceder era o seguinte: a cada um dos consultores, que em número de oito a catorze constituíam cada um dos grupos de estudo, indicava-se o assunto que, fundado no direito do Código vigente, devia ser submetido ao estudo de revisão. Cada um, depois do exame das questões, enviava o seu voto exarado por escrito à Secretaria da Comissão e a sua cópia ao relator e, se havia tempo, distribuía-se a todos os membros do grupo. Nas sessões de estudo, a realizar em Roma segundo o calendário dos trabalhos, os consultores do grupo reuniam-se e, por proposta do relator, eram examinadas todas as questões e opiniões, até que o texto dos cânones se esclarecia por sufrágio mesmo nas suas partes e se redigia em projecto. Na sessão ajudava o relator um oficial, que exercia o múnus de actuário.

O número de sessões para cada grupo, segundo os assuntos concretos, era maior ou menor, e os trabalhos prolongaram-se por anos.

Havia, sobretudo nos últimos tempos, grupos mistos constituídos com o fim de que fossem discutidos por certos consultores, reunidos de diversos grupos, os as- suntos que diziam directamente respeito a vários grupos e era necessário decidir segundo um parecer comum.

Depois de completar a elaboração de alguns esquemas feita pelos grupos de estudo, foram pedidas indicações concretas ao Supremo Legislador acerca do caminho a seguir; tal caminho, segundo as normas então dadas, era o seguinte:

Os esquemas, acompanhados duma relação explicativa, eram enviados ao Sumo Pontífice, que decidia se devia proceder à consulta. Depois de obter esta autorização, os esquemas impressos foram submetidos ao exame de todo o Episcopado e dos restantes órgãos de consulta (a saber, os Dicastérios da Cúria Romana, as Universidades e as Faculdades Eclesiásticas e a União dos Superiores Gerais), para que esses órgãos, dentro dum período estabelecido prudentemente — não menos de seis meses — procurassem exprimir a sua opinião. Ao mesmo tempo, os esquemas também eram enviados aos Eminentíssimos membros da Comissão, para que a partir desta fase do trabalho fizessem as suas observações quer gerais quer particulares.

Eis a ordem pela qual os esquemas foram enviados para consulta: em 1972: o esquema “Doprocesso administrativo”; em 1973: ‘'Das sanções na Igreja”; em 1975: “Dos Sacramentos”; em 1976: “Do modo de proceder para a tutela dos direitos ou dos processos”; em 1977: “Dos institutos de vida consagrada pela profissão dos conselhos evangélicos ’’; “Das normas gerais” “Do Povo de Deus”; “Do múnus de ensinar da Igreja”; “Dos lugares e tempos sagrados e do culto divino”; “Do direito patrimonial da Igreja”.

Sem dúvida, o Código de Direito Canónico revisto não poderia ser adequadamente preparado sem a cooperação inestimável e contínua, que deram à Comissão as numerosas e valiosíssimas observações sobretudo de índole pastoral, apresentadas pelos Bispos e pelas Conferências Episcopais.

Na verdade, os Bispos apresentaram muitas observações por escrito: quer gerais quanto aos esquemas considerados no seu todo, quer particulares quanto a cada um dos cânones.

Além disso, foram de grande utilidade também as observações, apoiadas na sua própria experiência acerca do governo central da Igreja, que enviaram as Sagradas Congregações, os Tribunais e os outros Organismos da Cúria Romana, assim como as proposições e sugestões científicas e técnicas apresentadas pelas Universidades e Faculdades Eclesiásticas pertencentes a diversas escolas e a diversas correntes de pensamento.

O estudo, o exame e a discussão colegial de todas as observações gerais e particulares, que foram enviadas à Comissão, exigiram um pesado e imenso trabalho, que se prolongou por sete anos. O Secretariado da Comissão procurou com cuidado que se dispusessem ordenadamente e fossem redigidas em síntese todas as observações, proposições e sugestões, que, depois de terem sido enviadas aos consultores para serem por eles atentamente examinadas, fossem depois submetidas à discussão em sessões de trabalho colegial que deviam ser realizadas pelos dez grupos de trabalho.

Não houve nenhuma observação que não tivesse sido considerada com o máximo cuidado e diligência. Isto fez-se, mesmo quando se tratava de observações contrárias entre si (o que não raro aconteceu), tendo diante dos olhos não só o seu peso sociológico (a saber, o número dos órgãos de consulta e das pessoas que as propunham), mas sobretudo o seu valor doutrinal e pastoral e a sua coerência com a doutrina e as normas da aplicação do Concílio Vaticano II e com o Magistério pontifício, e igualmente, no que diz respeito à razão especificamente técnica e científica, a sua própria congruência necessária com o sistema jurídico canónico. Mais ainda, sempre que se tratava de algo duvidoso ou se agitavam questões de importância peculiar, pedia-se de novo a opinião dos Eminentíssimos membros da Comissão reunidos em sessão plenária. Noutros casos, porém, tendo em conta a matéria específica que se discutia, consultavam-se também a Congregação para a Doutrina da Fé e outros Dicastérios da Cúria Romana. Finalmente, foram introduzidas muitas correcções e modificações nos cânones dos primeiros Esquemas, a pedido ou por sugestão dos Bispos e dos restantes órgãos de consulta, de tal forma que alguns esquemas foram profundamente renovados ou emendados.

Uma vez reformados todos os esquemas, a Secretaria da Comissão e os consultores lançaram-se a um ulterior e pesado trabalho. Tratava-se, com efeito, de procurar a coordenação interna de todos os esquemas, de manter a uniformidade terminológica sobretudo sob o aspecto técnico-jurídico, de redigir os cânones em fórmulas breves e harmoniosas e, finalmente, de estabelecer definitivamente a ordenação sistemática, de tal forma que todos e cada um dos esquemas, preparados pelos distintos grupos, confluíssem num Código único e coerente sob todos os aspectos.

A nova ordenação sistemática, que nasceu como que espontaneamente do trabalho que foi amadurecendo pouco a pouco, apoia-se em dois princípios, dos quais um diz respeito à fidelidade aos princípios mais gerais já desde há muito estabelecidos pelo grupo central, e o outro refere-se à utilidade prática, de tal modo que o novo Código possa facilmente ser entendido e aplicado não só pelos peritos, mas também pelos Pastores e até por todos os fiéis.

O novo Código consta de sete Livros que são intitulados: Das Normas Gerais, Do Povo de Deus, Do múnus de ensinar da Igreja, Do múnus santificador da Igreja, Dos bens temporais da Igreja, Das sanções na Igreja, Dos processos. Ainda que da diferença das rubricas que encabeçam cada um dos Livros do antigo e do novo Código já apareça suficientemente também a diferença entre ambos os sistemas, contudo torna-se muito mais manifesta a renovação da ordem sistemática a partir das partes, secções, títulos e suas rubricas. Mas deve ter-se como certo que a nova ordenação corresponde mais que a antiga não só à matéria e índole própria do direito canónico, mas, o que tem maior importância, também está mais de acordo com a eclesiologia do Concílio Vaticano II e com aqueles princípios dela derivados que tinham sido propostos já no início da revisão.

O projecto de todo o Código uma vez editado, no dia 29 de Junho de 1980, solenidade dos Bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, foi apresentado ao Sumo Pontífice, que mandou que fosse enviado a cada um dos Cardeais membros da Comissão para fazerem o exame e o parecer definitivos. Contudo, para que se pusesse mais em evidência a participação de toda a Igreja também no último estádio da fase de trabalhos, o Sumo Pontífice decretou que fossem agregados à Comissão outros membros: Cardeais e também Bispos, escolhidos de toda a Igreja — propostos pelas Conferências Episcopais — e assim, desta vez, a mesma Comissão foi aumentada para o número de 74 membros. Estes, porém, no início de 1981, mandaram muitas observações, que depois a Secretaria da Comissão, com a cooperação de consultores dotados de competência peculiar em cada uma das matérias, submeteu a exame cuidadoso, a estudo diligente e a discussão colegial. No mês de Agosto de 1981, foi entregue aos membros da Comissão uma síntese de todas as observações juntamente com as respostas dadas pela Secretaria e pelos consultores.

A Sessão Plenária, convocada por mandato do Sumo Pontífice, para que deliberasse e votasse definitivamente todo o texto do novo Código, celebrou-se de 20 a 28 de Outubro de 1981 na Sala do Sínodo dos Bispos; nela realizou-se sobretudo a discussão acerca de seis pontos de maior peso e importância, mas também se discutiu sobre outros apresentados a pedido pelo menos de dez Padres. A dúvida proposta no fim da Sessão Plenária, “se os Padres estavam de acordo em que, depois de examinados na Sessão Plenária os Projectos do Código de Direito Canónico e as emendas já introduzidas, o mesmo Projecto, uma vez introduzidas as modificações que obtiveram aprovação maioritária na Sessão Plenária, e tendo também em conta outras observações, que tivessem sido feitas, e apurado o estilo e a latinidade (coisas estas que se confiam ao Presidente e à Secretaria), parecia digno de ser apresentado quanto antes ao Sumo Pontífice, para que ele promulgue o Código, quando e como lhe parecer melhor”, os Padres responderam unanimemente que estavam de acordo.

Todo o texto do Código deste modo corrigido e aprovado, acrescido com os cânones do projecto da Lei Fundamental da Igreja, que em razão da matéria importava inserir no Código, e também apurado quanto a latinidade, foi finalmente impresso e, para que já se pudesse proceder à promulgação, foi entregue ao Sumo Pontífice no dia 2I de Abril de 1982.

Então, o Sumo Pontífice, por si mesmo, com a ajuda de alguns peritos e ouvido o Pró-Presidente da Pontifícia Comissão para a revisão do Código de Direito Canónico, examinou este último projecto e ponderadas maduramente todas as coisas, decretou que o novo Código devia ser promulgado no dia 25 de Janeiro de 1983, aniversário do primeiro anúncio que João XXIII fez da revisão que se devia empreender do Código.

Uma vez, porém, que a Pontifícia Comissão para tal constituída há cerca de vinte anos, cumpriu felizmente o árduo múnus que lhe foi confiado, encontra-se agora à disposição dos Pastores e dos fiéis o novíssimo direito da Igreja, que não carece de simplicidade, clareza, de beleza e ciência do verdadeiro direito. Mais ainda, como não é estranho à caridade, à equidade, à humanidade, e está impregnado plenamente de verdadeiro espírito cristão, procura responder à índole externa e interna divinamente dada à Igreja e, ao mesmo tempo, espera ir ao encontro das suas condições e necessidades no mundo actual. E se, por causa das muito rápidas mudanças da sociedade humana hodierna, algumas coisas, já no tempo da revisão do direito se tornaram menos perfeitas e no futuro precisarem de nova revisão, a Igreja tem tal abundância de forças que, como em séculos passados, pode de novo tomar o caminho da renovação das leis da sua vida. Agora, porém, a lei já não pode mais ser ignorada; os Pastores têm normas seguras para dirigirem bem o exercício do ministério sagrado; desde agora cada um tem a possibilidade de conhecer os seus próprios direitos e deveres, e está vedado o caminho à arbitrariedade na acção; os abusos que porventura se tenham introduzido na disciplina eclesiástica por carência de leis, poderão mais facilmente ser extirpados e reprimidos; finalmente, todas as obras de apostolado, todos as instituições e obras têm sem dúvida aquilo de que precisam para expeditamente progredirem e serem promovidas, já que uma sã ordenação jurídica é absolutamente necessária para que a comunidade eclesiástica seja vigorosa, cresça e floresça. O que Deus benigníssimo se digne conceder pela intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja, do seu esposo S. José, Patrono da Igreja, e dos Santos Pedro e Paulo.

(Trad. de J. A. da Silva Marques)


CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO


LIVRO I: DAS NORMAS GERAIS


Código 1983