Christifideles laici PT 52

Compresença e colaboração dos homens e das mulheres

52 Não faltou na aula sinodal a voz daqueles que manifestaram o receio de que uma excessiva insistência sobre a condição e o papel das mulheres pudesse levar a um inaceitável esquecimento: nomeadamente em relação aos homens. Na verdade, várias situações eclesiais devem lamentar a ausência ou a presença demasiado fraca dos homens, uma parte dos quais abdica das próprias responsabilidades eclesiais, deixando-as ao cuidado exclusivo das mulheres, como, por exemplo, a participação na oração litúrgica na Igreja, a educação e, em especial, a catequese dos próprios filhos e das outras crianças, a presença em encontros religiosos e culturais, a colaboração em iniciativas caritativas e missionárias.

Torna-se, assim, uma urgência pastoral conseguir-se a presença coordenada dos homens e das mulheres para se tornar mais completa, harmónica e rica a participação dos fiéis leigos na missão salvadora da Igreja.

A razão fundamental que exige e explica a presença simultânea e a colaboração dos homens e das mulheres não é unicamente, como se sublinhou acima, a maior expressividade e eficácia da acção pastoral da Igreja; nem, tão pouco, o simples dado sociológico de uma convivência humana que é naturalmente feita de homens e de mulheres. É, sobretudo, o desígnio originário do Criador, que desde o « princípio » quis o ser humano como « unidade de dois », quis o homem e a mulher como primeira comunidade de pessoas, raiz de todas as outras comunidades e, simultaneamente, como « sinal » daquela comunhão interpessoal de amor que constitui a misteriosa vida íntima de Deus Uno e Trino.

Precisamente por isso, o modo mais comum e capilar e, ao mesmo tempo, fundamental, para assegurar essa presença coordenada e harmónica de homens e de mulheres na vida e na missão da Igreja, é o exercício das tarefas e das responsabilidades do casal e da família cristã, no qual transparece e se comunica a variedade das diversas formas de amor e de vida: a forma conjugal, paterna e materna, filial e fraterna. Lemos na Exortação Familiaris consortio: « Se a família cristã é comunidade, cujos laços são renovados por Cristo através da fé e dos sacramentos, a sua participação na missão da Igreja deve processar-se segundo uma modalidade comunitária: juntos, portanto, os cônjuges enquanto casal, os pais e os filhos enquanto família, devem prestar o seu serviço à Igreja e ao mundo ... A família cristã edifica, assim, o Reino de Deus na história, mediante aquelas mesmas realidades quotidianas que dizem respeito à sua condição de vida e a identificam: é, portanto, no amor conjugal e familiar — vivido na sua extraordinária riqueza de valores e de exigências de totalidade, unicidade, fidelidade e fecundidade — que se exprime e se realiza a participação da família cristã no múnus profético, sacerdotal e real de Jesus Cristo e da Sua Igreja ».(195)

Colocando-se nesta perspectiva, os Padres sinodais recordaram o significado que o sacramento do Matrimónio deve assumir na Igreja e na sociedade a fim de iluminar e inspirar todas as relações entre o homem e a mulher. Nesse sentido, reafirmaram « a urgente necessidade de cada cristão viver e anunciar a mensagem de esperança contida na relação entre o homem e a mulher. O sacramento do Matrimónio, que consagra esta relação na sua forma conjugal e a revela como sinal da relação de Cristo com a Sua Igreja, encerra uma doutrina de grande importância para a vida da Igreja; essa doutrina deve atingir, por meio da Igreja, o mundo de hoje; todas as relações entre o homem e a mulher se devem alimentar desse espírito. A Igreja deve utilizar tais riquezas de forma ainda mais plena ».(196) Os próprios Padres justamente sublinharam que « a estima da virgindade e o respeito pela maternidade devem ambos ser recuperados »:(197) uma vez mais, para o florescer de vocações diferentes e complementares no contexto vivo da comunhão eclesial e ao serviço do seu constante crescimento.

(195) João Paulo II, Exort. Ap. Familiaris consortio,
FC 50: AAS 74 (1982), 141-142.
(196) Propositio 46.


Doentes e atribulados

53 O homem é destinado à alegria, mas todos os dias experimenta variadíssimas formas de sofrimento e de dor. Na sua mensagem final, os Padres sinodais dirigiram-se aos homens e às mulheres atingidos pelas mais diversas formas de sofrimento e de dor, com estas palavras: « Vós, os abandonados e marginalizados pela nossa sociedade de consumo: doentes, diminuídos físicos, pobres, famintos, emigrados, refugiados, prisioneiros, desempregados, crianças abandonadas, pessoas sozinhas e idosas; vós, vítimas da guerra e de toda a espécie de violência da nossa sociedade permissiva. A Igreja participa no vosso sofrimento que conduz ao Senhor, que vos associa à Sua Paixão redentora e vos faz viver à luz da Sua Ressurreição. Contamos convosco para ensinar ao mundo inteiro o que é o amor. Faremos tudo o que nos é possível para que encontreis o lugar a que tendes direito na sociedade e na Igreja ».(198)

No contexto de um mundo tão vasto como é o do sofrimento humano, consideramos em especial os que são vítimas da doença nas suas diversas formas: com efeito, os doentes são a expressão mais frequente e mais comum do sofrer humano.

A todos e a cada um se dirige a chamada do Senhor: também os doentes são mandados como trabalhadores para a Sua vinha. O peso que fatiga os membros do corpo e que perturba a serenidade da alma, em vez de os impedir de trabalhar na vinha, convida-os a viver a sua vocação humana e cristã e a participar no crescimento do Reino de Deus com modalidades novas e mesmo preciosas. As palavras do apóstolo Paulo devem tornar-se o seu programa e, ainda mais, a luz que faz brilhar aos seus olhos o significado de graça da sua situação: « Completo na minha carne o que falta à paixão de Cristo, em favor do Seu corpo, que é a Igreja » (
Col 1,24). Precisamente ao fazer tal descoberta, o apóstolo encontrou a alegria: « Por isso, alegro-me nos sofrimentos que suporto por vossa causa » (Col 1,24). Do mesmo modo, muitos doentes podem tornar-se veículo da « alegria do Espírito Santo em muitas tribulações » (1Th 1,6) e ser testemunhas da Ressurreição de Jesus. Como afirmou um diminuído físico na sua intervenção na aula sinodal, « é de grande importância sublinhar o facto de que os cristãos que vivem em situações de doença, dor e velhice, não são convidados por Deus apenas a unir a sua dor à Paixão de Cristo, mas também a receber desde já em si mesmos e a transmitir aos outros a força da renovação e a alegria de Cristo ressuscitado (cf. 2Co 4,10-11 1P 4,13 Rm 8,18 ss.) ».(199)

Por sua parte — como se lê na Carta Apostólica Salvifici doloris — « a Igreja, que nasce do mistério da redenção na Cruz de Cristo, deve procurar encontrar-se com o homem, de modo especial, na estrada do seu sofrimento. Nesse encontro, o homem "torna-se o caminho da Igreja", sendo este um dos caminhos mais importantes ».(200) Ora, o homem que sofre é caminho da Igreja, por ser, antes de mais, caminho do próprio Cristo, o bom Samaritano que « não passa adiante », mas « se compadece, aproxima-se ... liga-lhe as feridas ... e cuida dele » (Lc 10,32-34).

A comunidade cristã continuamente escreve, de século em século, na imensa multidão das pessoas que estão doentes e que sofrem, a parábola evangélica do bom Samaritano, revelando e comunicando o amor de Jesus Cristo que cura e que consola. Fê-lo mediante o testemunho da vida religiosa consagrada ao serviço dos doentes e mediante a acção incansável de todos os operadores de saúde. Hoje, também nos próprios hospitais e casas de saúde católicos, geridos por pessoal religioso, torna-se cada vez mais numerosa e, por vezes, até total e exclusiva a presença dos fiéis leigos, homens e mulheres: eles mesmo, médicos, enfermeiros, operadores de saúde, voluntários, são chamados a tornar-se a imagem viva de Cristo e da Sua Igreja no amor para com os doentes e os que sofrem.

(197) Propositio 47.
(198) VII Assemb. Ger. Ord. Sínodo dos Bispos (1987), Per Concilii semitas ad Populum Dei Nuntius, 12.
(199) Propositio 53.
(200) João Paulo II, Carta Ap. Salvifici doloris, 3: AAS 76 (1984), 203.


Acção pastoral renovada

54 É necessário que esta preciosíssima herança, que a Igreja recebeu de Jesus Cristo « médico do corpo e do espírito »,(201) não só não esmoreça, mas se valorize e enriqueça cada vez mais com a recuperação e o decidido arrojo de uma acção pastoral em favor dos doentes e dos que sofrem.Deve ser uma acção capaz de garantir e promover atenção, proximidade, presença, escuta, diálogo, partilha e ajuda concreta ao homem, nos momentos em que, por causa da doença e do sofrimento, são postas à prova não só a sua confiança na vida mas também a sua própria fé em Deus e no Seu amor de Pai. Este esforço pastoral tem a sua expressão mais significativa na celebração sacramental com e em favor dos doentes, como fortaleza na dor e na fraqueza, esperança no desespero, lugar de encontro e de festa.

Um dos objectivos fundamentais desta renovada e intensificada acção pastoral, que não pode deixar de envolver, e de forma coordenada, todos os componentes da comunidade eclesial, é considerar o doente, o diminuído físico, o que sofre, não simplesmente objecto do amor e do serviço da Igreja, mas sim, sujeito activo e responsável da obra de evangelização e de salvação. Nesta perspectiva, a Igreja tem uma boa nova a dar no seio da sociedade e da cultura que, tendo perdido do sofrer humano, « censuram » todo o discurso sobre essa dura realidade da vida. E a boa nova consiste no anúncio de que o sofrer pode ter também um significado positivo para o homem e para a própria sociedade, chamado, como é, a tornar-se uma forma de participação no sofrimento salvífico de Cristo e na Sua alegria de Ressuscitado e, portanto, uma força de santificação e de edificação da Igreja.

O anúncio dessa boa nova será crível, quando não ficar simplesmente nos lábios, mas passar para o testemunho da vida, tanto em todos aqueles que com amor cuidam dos doentes, dos diminuídos físicos, dos que sofrem, como nestes mesmos, tornados cada vez mais conscientes e responsáveis do seu lugar e da sua missão na Igreja e para a Igreja.

A renovada meditação da Carta Apostólica Salvifici doloris, de que recordamos as linhas conclusivas, poderá ser de grande utilidade para que a « civilização do amor » consiga dar flores e frutos no vasto mundo da dor humana: « é preciso, portanto, que aos pés da Cruz do Calvário se juntem idealmente todos os que, sofrendo, acreditam em Cristo e, de modo particular, aqueles que sofrem por causa da sua fé n'Ele, que foi crucificado e que ressuscitou, para que a oferta dos seus sofrimentos apresse o cumprimento da oração do mesmo Salvador pela unidade de todos (cf.
Jn 17,11 Jn 17,21-22). Juntem-se lá também os homens de boa vontade, pois na Cruz está o "Redentor do homem", o Homem das dores, que carregou em si os sofrimentos físicos e morais dos homens de todos os tempos, para que no amor possam encontrar o sentido salvador do seu sofrimento e as respostas válidas para todas as suas interrogações. Com Maria, Mãe de Cristo, que estava ao pé da Cruz (cf. Jn 19,25), nos detemos junto de todas as cruzes do homem de hoje... E pedimos a vós, todos os que sofreis, que nos apoieis. Precisamente a vós, que sois fracos, pedimos que vos torneis uma fonte de força para a Igreja e para a humanidade. No terrível combate entre as forças do bem e as do mal, de que nos dá espectáculo o nosso mundo contemporâneo, vença o vosso sofrimento em união com a Cruz de Cristo! ».(202)

(201) S. Ignácio de Antioquia, Ad Ephesios, VII, 2: S. Ch. 10, 64.
(202) João Paulo II, Carta Ap. Salvifici doloris, 31: AAS 76 (1984), 249-250.


Estados de vida e vocações

55 Trabalhadores da vinha são todos os membros do Povo de Deus: os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, os fiéis leigos, todos simultaneamente objecto e sujeito da comunhão da Igreja e da participação na sua missão de salvação. Todos e cada um trabalham na única e comum vinha do Senhor com carismas e com ministérios diferentes e complementares.

Já ao nível do ser, ainda antes do nível do agir, os cristãos são vides da única fecunda videira que é Cristo, são membros vivos do único Corpo do Senhor edificado na força do Espírito. A nível do ser: não significa apenas através da vida de graça e de santidade, que é a primeira e a mais rica fonte da fecundidade apostólica e missionária da santa Madre Igreja; mas significa também através do estado de vida que caracteriza os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, os membros dos Institutos seculares, os fiéis leigos.

Na Igreja-Comunhão os estados de vida encontram-se de tal maneira interligados que são ordenados uns para os outros. Comum, direi mesmo único, é, sem dúvida, o seu significado profundo: o de constituir a modalidade segundo a qual se deve viver a igual dignidade cristã e a universal vocação à santidade na perfeição do amor. São modalidades, ao mesmo tempo,diferentes e complementares, de modo que cada uma delas tem uma sua fisionomia original e inconfundível e, simultaneamente, cada uma delas se relaciona com as outras e se põe ao seu serviço.

Assim, o estado de vida laical tem na índole secular a sua especificidade e realiza um serviço eclesial ao testemunhar e ao lembrar, à sua maneira, aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas, o significado que as coisas terrenas e temporais têm no desígnio salvífico de Deus. Por sua vez, o sacerdócio ministerial representa a garantia permanente da presença sacramental de Cristo Redentor nos diversos tempos e lugares.

O estado religioso testemunha a índole escatológica da Igreja, isto é, a sua tensão para o Reino de Deus, que é prefigurado e, de certo modo, antecipado e pregustado nos votos de castidade, pobreza e obediência.

Todos os estados de vida, tanto no seu conjunto como cada um deles em relação com os outros, estão ao serviço do crescimento da Igreja, são modalidades diferentes que profundamente se unem no « mistério de comunhão » da Igreja e que dinamicamente se coordenam na sua única missão.

Desse modo, o único e idêntico mistério da Igreja revela e revive, na diversidade dos estados de vida e na variedade das vocações, a riqueza infinita do mistério de Jesus Cristo. Como gostam de repetir os Padres, a Igreja é como um campo de fascinante e maravilhosa variedade de ervas, plantas, flores e frutos. Santo Ambrósio escreve: « Um campo produz muitos frutos, mas melhor é o que está cheio de frutos e de flores. Pois bem, o campo da Santa Igreja é fecundo nuns e noutras. Aqui, podes ver as pérolas da virgindade dar flores; ali, dominar a austera viuvez como as florestas na planície; além, a rica sementeira das núpcias abençoadas pela Igreja encher os grandes celeiros do mundo com abundantes colheitas, e os lagares do Senhor Jesus extravasar como de frutos de viçosa videira, frutos de que são ricas as núpcias cristãs ».(203)

(203) S. Ambrósio, De virginitate, VI, 34: PL 16, 288; cf. S. Agostinho, Sermo CCCIV, III, 2: PL38, 1396.



As várias vocações laicais

56 A rica variedade da Igreja encontra uma sua ulterior manifestação no seio de cada estado de vida. Assim, dentro do estado de vida laical há lugar para várias « vocações », isto é, diversos caminhos espirituais e apostólicos que dizem respeito a cada fiel leigo. No trilho de uma vocação laical « comum » florescem vocações laicais « particulares ». Neste âmbito podemos lembrar também a experiência espiritual que recentemente amadureceu na Igreja com o desabrochar de diversas formas de Institutos seculares: aos fiéis leigos, e também aos próprios sacerdotes, abre-se a possibilidade de professar os conselhos evangélicos de pobreza, castidade e obediência por meio dos votos ou das promessas, conservando plenamente a própria condição laical e clerical.(204) Como observaram os Padres sinodais, « o Espírito Santo suscita também outras formas de doação de si mesmos, a que se entregam pessoas que permanecem inteiramente na vida laical ». (205)

Podemos concluir, relendo uma linda página de São Francisco de Sales, o qual promoveu tanto a espiritualidade dos leigos.(206) Falando da « devoção », ou seja, da perfeição cristã ou « vida segundo o Espírito », ele apresenta de uma forma simples e esplêndida a vocação de todos os cristãos à santidade e, ao mesmo tempo, a forma específica com que cada cristão a realiza: « Na criação Deus ordenou às plantas que produzissem os seus frutos, cada uma " segundo a própria espécie" (
Gn 1,11). A mesma ordem dá aos cristãos, que são as plantas vivas da Sua Igreja, para produzirem frutos de devoção, cada um segundo o seu estado e a sua condição. A devoção deve ser praticada de forma diferente pelo cavalheiro, pelo operário, pelo doméstico, pelo príncipe, pela viúva, pela mulher solteira e pela casada. Isso não basta, é preciso também conciliar a prática da devoção com as forças, os empenhos e os deveres de cada pessoa... É um erro, uma heresia mesmo, excluir do ambiente militar, da oficina dos operários, da corte dos príncipes, das casas dos cônjuges, a prática da devoção. É verdade, Filoteia, que a devoção puramente contemplativa, monástica e religiosa só pode ser vivida nesses estados, mas, além destes três tipos de devoção, há muitos outros capazes de tornar perfeitos os que vivem em condições seculares. Por isso, onde quer que nos encontremos, podemos e devemos aspirar à vida perfeita ».(207))

Colocando-se na mesma linha, o Concílio Vaticano II escreve: « Esta espiritualidade dos leigos deverá assumir características especiais, conforme o estado de matrimónio e familiar, de celibato ou viuvez, situação de enfermidade, actividade profissional e social. Não deixem, por isso, de cultivar assiduamente as qualidades e dotes condizentes a essas situações, e utilizar os dons por cada um recebidos do Espírito Santo ».(208)

O que vale para as vocações espirituais vale também, e de certa forma com maior razão, para as infinitas modalidades várias com que todos e cada um dos membros da Igreja são trabalhadores da vinha do Senhor, edificando o Corpo místico de Cristo. Na verdade, cada um é chamado pelo seu nome, na unicidade e irrepetibilidade da sua história pessoal, a dar o próprio contributo para o advento do Reino de Deus. Nenhum talento, nem mesmo o mais pequeno, pode ser enterrado ou deixado inutilizado (cf. Mt 25,24-27).

O apóstolo Pedro adverte-nos: « cada qual viva segundo o carisma que recebeu, colocando-o ao serviço dos outros, como bons administradores da multiforme graça de Deus » (1P 4,10).

(204) Cf. Pio XII, Const. Ap. Provida Mater (2 de Fevereiro de 1947): AAS 39 (1947), 114-124; C.I.C., can. CIC 573.
(205) Propositio 6.
(206) Cf. Paulo VI, Carta Ap. Sabaudiae gemma (29 de Janeiro de 1967): AAS 59 (1967), 113-123.
(207) S. Francisco de Sales, Introdução à vida devota, Parte I, 3: OEuvres completes, Monastère de la Visitation, Annecy 1983, III, 19-21.
(208) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem, AA 4.


CAPÍTULO V

PARA QUE DEIS MAIS FRUTO

A formação dos fiéis leigos


Amadurecer continuamente

57 A imagem evangélica da videira e dos ramos mostra-nos um outro aspecto fundamental da vida e da missão dos fiéis leigos: a chamada para crescer, amadurecer continuamente, dar cada vez mais fruto.

Como diligente agricultor, o Pai cuida da sua vinha. A presença carinhosa de Deus é ardentemente invocada por Israel, que assim reza: « Voltai, Deus dos exércitos, olhai do Céu e vede e visitai esta vinha, protegei a cepa que a vossa mão direita plantou, o rebento que cultivastes » (
Ps 80,15-16). O próprio Jesus fala da obra do Pai: « Eu sou a verdadeira videira e o Meu Pai é o agricultor. Toda a vide que em Mim não der fruto, Ele corta-a, e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto » (Jn 15,1-2).

A vitalidade das vides depende da sua ligação à videira, que é Jesus Cristo: « Quem permanece em Mim e Eu nele, dá muito fruto, porque sem Mim não podeis fazer nada » (Jn 15,5).

O homem é interpelado na sua liberdade pela chamada que Deus lhe faz para crescer, amadurecer, dar fruto. Ele terá que responder, terá que assumir a própria responsabilidade. É a essa responsabilidade, tremenda e sublime, que aludem as palavras graves de Jesus: « Se alguém não permanecer em Mim, será lançado fora, como a vide, e secará; lançá-lo-ão ao fogo e arderá » (Jn 15,6).

Neste diálogo entre Deus que chama e a pessoa interpelada na sua responsabilidade, situa-se a possibilidade, antes, a necessidade de uma formação integral e permanente dos fiéis leigos, a que os Padres sinodais justamente dedicaram grande parte do seu trabalho. Em particular, depois de terem descrito a formação cristã como « um contínuo processo pessoal de maturação na fé e de configuração com Cristo, segundo a vontade do Pai, sob a guia do Espírito Santo », claramente afirmaram que « a formação dos fiéis leigos deverá figurar entre as prioridades da Diocese e ser colocada nos programas de acção pastoral, de modo que todos os esforços da comunidade (sacerdotes, leigos e religiosos) possam convergir para esse fim ».(209)

(209) Propositio 40.


Descobrir e viver a própria vocação e missão

58 A formação dos fiéis leigos tem como objectivo fundamental a descoberta cada vez mais clara da própria vocação e a disponibilidade cada vez maior para vivê-la no cumprimento da própria missão.

Deus chama-me e envia-me como trabalhador para a Sua vinha; chama-me e envia-me a trabalhar para o advento do Seu Reino na história: esta vocação e missão pessoal define a dignidade e a responsabilidade de cada fiel leigo e constitui o ponto forte de toda a acção formativa, em ordem ao reconhecimento alegre e agradecido de tal dignidade e ao cumprimento fiel e generoso de tal responsabilidade.

Com efeito, Deus, na eternidade, pensou em nós e amou-nos como pessoas únicas e irrepetíveis, chamando cada um de nós pelo próprio nome, como o bom Pastor que « chama pelo nome as suas ovelhas » (
Jn 10,3). Mas, o plano eterno de Deus só se revela a cada um de nós na evolução histórica da nossa vida e das suas situações, e, portanto, só gradualmente: num certo sentido, dia a dia.

Ora, para poder descobrir a vontade concreta do Senhor sobre a nossa vida, são sempre indispensáveis a escuta pronta e dócil da palavra de Deus e da Igreja, a oração filial e constante, a referência a uma sábia e amorosa direcção espiritual, a leitura, feita na fé, dos dons e dos talentos recebidos, bem como das diversas situações sociais e históricas em que nos encontramos.

Na vida de cada fiel leigo há, pois, momentos particularmente significativos e decisivos para discernir o chamamento de Deus e para aceitar a missão que Ele confia: entre esses momentos estão os da adolescência e da juventude. Ninguém, todavia, esqueça que o Senhor, como o proprietário em relação aos trabalhadores da vinha, chama — no sentido de tornar concreta e pontual a Sua santa vontade — a todas as horas de vida: por isso, a vigilância, qual cuidadosa atenção à voz de Deus, é uma atitude fundamental e permanente do discípulo.

Não se trata, no entanto, apenas de saber o que Deus quer de nós, de cada um de nós, nas várias situações da vida. É preciso fazer o que Deus quer: assim nos recorda a palavra de Maria, a Mãe de Jesus, dirigida aos criados de Caná: « Fazei o que Ele vos disser » (Jn 2,5). E para agir em fidelidade à vontade de Deus, precisa ser capazes e tornar-se cada vez mais capazes. Sem dúvida, com a graça do Senhor, que nunca falta, como diz São Leão Magno: « Dará a força quem confere a dignidade! »; (210) mas também com a colaboração livre e responsável de cada um de nós.

Eis a tarefa maravilhosa e empenhativa que espera por todos os fiéis leigos, todos os cristãos, sem paragem alguma: conhecer cada vez mais as riquezas da fé e do Baptismo e vivê-las em plenitude crescente. O apóstolo Pedro, ao falar de nascimento e de crescimento como sendo as duas etapas da vida cristã, exorta-nos: « Como crianças recém-nascidas, desejai o leite espiritual, para que ele vos faça crescer para a salvação» (1P 2,2).

(210) « Dabit virtutem, qui contulit dignitatem! » (S. Leão Magno, Serm.II, 1: S. Ch. 200, 248).


Uma formação integral para viver em unidade

59 Ao descobrir e viver a própria vocação e missão, os fiéis leigos devem ser formados para aquelaunidade, de que está assinalada a sua própria situação de membros da Igreja e de cidadãos da sociedade humana.

Não pode haver na sua existência duas vidas paralelas: por um lado, a vida chamada « espiritual », com os seus valores e exigências; e, por outro, a chamada vida « secular », ou seja, a vida da família, do trabalho, das relações sociais, do empenhamento politico e da cultura. A vide, incorporada na videira que é Cristo, dá os seus frutos em todos os ramos da actividade e da existência. Pois, os vários campos da vida laical entram todos no desígnio de Deus, que os quer como o « lugar histórico », em que se revela e se realiza a caridade de Jesus Cristo para glória do Pai e ao serviço dos irmãos. Toda a actividade, toda a situação, todo o empenho concreto — como, por exemplo, a competência e a solidariedade no trabalho, o amor e a dedicação na família e na educação dos filhos, o serviço social e político, a proposta da verdade na esfera da cultura — são ocasiões providenciais de um « contínuo exercício da fé, da esperança e da caridade ».(211)

O Concílio Vaticano II convidou todos os fiéis leigos a viver esta unidade de vida, ao denunciar com energia a gravidade da ruptura entre fé e vida, entre Evangelho e cultura: « O Concílio exorta os cristãos, cidadãos de ambas as cidades, a que procurem cumprir fielmente os seus deveres terrenos, guiados pelo espírito do Evangelho. Erram os que, sabendo que não temos aqui na terra uma cidade permanente, mas que vamos em demanda da futura, pensam que podem por isso descuidar os seus deveres terrenos, sem atenderem a que a própria fé ainda os obriga mais a cumpri-los, segundo a vocação própria de cada um ... O divórcio que se nota em muitos entre a fé que professam e a sua vida quotidiana, deve ser tido entre os mais graves erros do nosso tempo ».(212) Por isso, afirmei que uma fé que não se torne cultura é uma fé « não plenamente recebida, não inteiramente pensada, nem fielmente vivida ».(213)

(211) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem,
AA 4.
(212) Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, GS 43; cf. também Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre a atividade missionária da Igreja Ad gentes, AGD 21; Paulo VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, EN 20: AAS 68 (1976), 19.
(213) João Paulo II, Discurso aos participantes no Congresso Nacional do Movimento Eclesial de Empenhamento Cultural (M.E.I.C.) (16 de Janeiro de 1982), 2: Insegnamenti, V, 1 (1982), 131; cf. também a Carta ao Cardeal Agostino Casaroli, Secretário de Estado, com a qual se criava o Pontifício Conselho da Cultura (20 de Maio de 1982): AAS 74 (1982), 685; Discurso à Comunidade universitária de Lovánio (20 de Maio de 1985), 2: Insegnamenti, VIII, 1 (1985), 1591.


Aspectos da formação

60 Dentro desta síntese de vida situam-se os múltiplos e coordenados aspectos da formação integral dos fiéis leigos.

Não há dúvida de que a formação espiritual deve ocupar um lugar privilegiado na vida de cada um, chamado a crescer incessantemente na intimidade com Jesus Cristo, na conformidade com a vontade do Pai, na dedicação aos irmãos, na caridade e na justiça. Escreve o Concílio: a Esta vida de íntima união com Cristo alimenta-se na Igreja com as ajudas espirituais que são comuns a todos os fiéis, sobretudo a participação activa na sagrada Liturgia, e os leigos devem socorrer-se dessas ajudas, de modo que, ao cumprir com rectidão os próprios deveres do mundo, nas condições normais da vida, não separem da própria vida a união com Cristo, mas, desempenhando a própria actividade segundo a vontade de Deus, cresçam nela ».(214)

A formação doutrinal dos fiéis leigos mostra-se hoje cada vez mais urgente, não só pelo natural dinamismo de aprofundar a sua fé, mas também pela exigência de « racionalizar a esperança » que está dentro deles, perante o mundo e os seus problemas graves e complexos. Tornam-se, desse modo, absolutamente necessárias uma sistemática acção de catequese, a dar-se gradualmente, conforme a idade e as várias situações de vida, e uma mais decidida promoção cristã da cultura,como resposta às eternas interrogações que atormentam o homem e a sociedade de hoje.

Em particular, sobretudo para os fiéis leigos, de várias formas empenhados no campo social e político, é absolutamente indispensável uma consciência mais exacta da doutrina social da Igreja,como repetidamente os Padres sinodais recomendaram nas suas intervenções. Falando da participação política dos fiéis leigos, assim se exprimiram: « Para que os leigos possam realizar activamente este nobre propósito na política (isto é, o propósito de fazer reconhecer e estimar os valores humanos e cristãos), não são suficientes as exortações, é preciso dar-lhes a devida formação da consciência social, sobretudo acerca da doutrina social da Igreja, a qual contém os princípios de reflexão, os critérios de julgar e as directivas práticas (cf. Congregação para a Doutrina da Fé,Instrução sobre liberdade cristã e libertação, 72). Tal doutrina já deve figurar na instrução catequética geral, nos encontros especializados e nas escolas e universidades. A doutrina social da Igreja é, todavia, dinâmica, isto é, adaptada às circunstâncias dos tempos e lugares. É direito e dever dos pastores propor os princípios morais, também sobre a ordem social, e é dever de todos os cristãos dedicarem-se à defesa dos direitos humanos; a participação activa nos partidos políticos é, todavia, reservada aos leigos ».(215)

E, finalmente, no contexto da formação integral e unitária dos fiéis leigos, é particularmente significativo, para a sua acção missionária e apostólica, o crescimento pessoal no campo dos valores humanos. Precisamente neste sentido, o Concílio escreveu: « (os leigos) tenham também em grande conta a competência profissional, o sentido da família, o sentido cívico e as virtudes próprias da convivência social, como a honradez, o espírito de justiça, a sinceridade, a amabilidade, a fortaleza de ânimo, sem as quais nem sequer se pode dar uma vida cristã autêntica ».(216)

Ao amadurecer a síntese orgânica da sua vida, que, simultaneamente, é expressão da unidade do seu ser e condição para o cumprimento eficaz da sua missão, os fiéis leigos serão interiormente conduzidos e animados pelo Espírito Santo, que é Espírito de unidade e de plenitude de vida.

(214) Conc.. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem,
AA 4.
(215) Propositio 22; cf. também João Paulo II, Encicl. Sollicitudo rei socialis, SRS 41: AAS 80 (1988), 570-572.
(216) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem, AA 4.


Colaboradores de Deus educador

61 Quais são os lugares e os meios da formação dos fiéis leigos? Quais as pessoas e as comunidades chamadas a desempenhar a tarefa da formação integral e unitária dos fiéis leigos?

Como a acção educativa humana está intimamente ligada à paternidade e à maternidade, assim a formação cristã encontra a sua raiz e força em Deus, O Pai que ama e que educa os Seus filhos. Sim,Deus é o primeiro e o grande educador do Seu Povo, como diz o maravilhoso passo do Cântico de Moisés: « Encontrou-o numa região deserta, nas solidões ululantes e selvagens; protegeu-o e velou por ele. Guardou-o como a menina dos Seus olhos. Como a águia vela pela sua ninhada ou paira sobre os seus filhos, Ele estendeu as Suas asas para o recolher e levou-o sobre as Suas asas. Só o Senhor o conduz e nenhum Deus estranho o ajuda » (
Dt 32,10-12 cf. Dt 8,5).

A acção educativa de Deus revela-se e cumpre-se em Jesus, o Mestre, e atinge, por dentro, o coração de cada homem, graças à presença dinâmica do Espírito. A Igreja Mãe, tanto em si mesma, como nas suas diversas articulações e expressões, é chamada a tomar parte na acção educativa divina. Assim, os fiéis leigos são formados pela Igreja e na Igreja, numa recíproca comunhão e colaboração de todos os seus membros: sacerdotes, religiosos e fiéis leigos. Desse modo, toda a comunidade eclesial, nos seus vários membros, recebe a fecundidade do Espírito e nela colabora activamente. Nesse sentido Metódio de Olimpo escrevia: « Os imperfeitos ... são levados e formados, como no seio de uma mãe, pelos mais perfeitos, a fim de serem gerados e nascerem para a grandeza e para a beleza da virtude »,(217) como acontece com Paulo, trazido e introduzido na Igreja pelos perfeitos (na pessoa de Ananias) e tornando-se, depois, também ele perfeito e fecundo de tantos filhos.

Educadora é, antes de mais, a Igreja universal, na qual o Papa desempenha o papel de primeiro formador dos fiéis leigos. Cabe-lhe, como sucessor de Pedro, o ministério de « confirmar na fé os irmãos », ensinando a todos os crentes os conteúdos essenciais da vocação e missão cristã e eclesial. Não só a sua palavra directa, mas também a sua palavra veiculada pelos documentos dos vários Dicastérios da Santa Sé devem ser recebidos pelos fiéis leigos com docilidade e amor.

A Igreja una e universal está presente, nas várias partes do mundo, nas Igrejas particulares. Em cada uma delas, o Bispo tem uma responsabilidade pessoal em relação aos fiéis leigos, que deve formar mediante o anúncio da Palavra, a celebração da Eucaristia e dos sacramentos, a animação e a orientação da sua vida cristã.

Dentro da Igreja particular ou diocese, encontra-se e actua a paróquia, que tem um papel essencial na formação mais imediata e pessoal dos fiéis leigos. Efectivamente, com uma relação que pode atingir mais facilmente cada pessoa e cada grupo, a Paróquia é chamada a educar os seus membros para a escuta da Palavra, para o diálogo litúrgico e pessoal com Deus, para a vida de caridade perfeita, permitindo-lhes compreender, de forma mais directa e concreta, o sentido da comunhão eclesial e da responsabilidade missionária.

Depois, no seio de algumas Paróquias, sobretudo quando vastas e dispersas, as pequenas comunidades eclesiais existentes podem dar uma ajuda notável na formação dos cristãos, podendo tornar mais capilares e incisivas a consciência e a experiência da comunhão e da missão edesial. Uma ajuda pode ser dada, como disseram os Padres sinodais, também por uma catequese pós-baptismal, em forma de catecumenado, através de uma ulterior proposta de certos conteúdos do « Ritual da Iniciação Cristã dos Adultos », destinados a permitir uma maior compreensão e vivência das imensas e extraordinárias riquezas e da responsabilidade do Baptismo recebido.(218)

Na formação que os fiéis leigos recebem na diocese e na Paróquia, especialmente em ordem ao sentido da comunhão e da missão, tem particular importância a ajuda que os vários membros da Igreja se dão reciprocamente: é uma ajuda que, revela e simultaneamente realiza o mistério da Igreja Mãe e Educadora. Os sacerdotes e os religiosos devem ajudar os fiéis leigos na sua formação. Neste sentido, os Padres do Sínodo convidaram os presbíteros e os candidatos às Ordens a « prepararem-se diligentemente para serem capazes de favorecer a vocação e a missão dos leigos ».(219) Por sua vez, os próprios fiéis leigos podem e devem ajudar os sacerdotes e os religiosos no seu caminho espiritual e pastoral.

(217) S. Metódio de Olimpo, Symposion II, 8: S. Ch. 95, 110.
(218) Cf. Propositio 11.
(219) Propositio 40.



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