Christifideles laici PT 21

Os Ministérios e os carismas, dons do Espírito à Igreja

21 O Concílio Vaticano II apresenta os ministérios e os carismas como dons do Espírito Santo em ordem à edificação do Corpo de Cristo e à Sua missão de salvação no mundo.(64) A Igreja, com efeito, é dirigida e guiada pelo Espírito que distribui diversos dons hierárquicos e carismáticos a todos os baptizados, chamando-os a ser, cada qual a seu modo, activos e corresponsáveis.

Vamos agora considerar os ministérios e os carismas em referência directa aos fiéis leigos e à sua participação na vida da Igreja-Comunhão.

(64) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium,
LG 4.


Ministérios, ofícios e funções

Os ministérios presentes e operantes na Igreja são todos, embora de diferentes modalidades, uma participação no mesmo ministério de Jesus Cristo, o bom Pastor que dá a vida pelas Suas ovelhas (cf. Jn 10,11), o servo humilde e totalmente sacrificado para a salvação de todos (cf. Mc 10,45). Paulo é sobremaneira explícito sobre a constituição ministerial das Igrejas apostólicas. Na Primeira Carta aos Coríntios escreve: « Alguns, Deus estabeleceu na Igreja em primeiro lugar como apóstolos, em segundo lugar como profetas, em terceiro lugar como mestres ... » (1Co 12,28). Na Carta aos Efésios lemos: « A cada um de nós foi dada a graça segundo a medida do dom de Cristo ... A uns, Ele constituiu apóstolos; a outros, profetas; a outros evangelistas, pastores, doutores, para o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do Corpo de Cristo, até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo » (Ep 4,7 Ep 4,11-13 cf. Rm 12,4 Rm 12,8). Como resulta destes e de outros textos do Novo Testamento, os ministérios, bem como os dons e as funções eclesiais, são variados.


Os ministérios derivados da Ordem

22 Na Igreja encontramos, em primeiro lugar, os ministérios ordenados, isto é, os ministérios quederivam do sacramento da Ordem. O Senhor Jesus, com efeito, escolheu e instituiu os Apóstolos — semente do Povo da nova Aliança e origem da sagrada Hierarquia,(65) com o mandato de fazer discípulos de todas as gentes (cf. Mt 28,19), de formar e de guiar o povo sacerdotal. A missão dos Apóstolos, que o Senhor Jesus continua a confiar aos pastores (Bispos, Presbíteros, Diáconos) do Seu povo, é um verdadeiro serviço, a que a Sagrada Escritura significativamente denomina «diakonia », isto é, serviço, ministério. Os ministros recebem de Cristo Ressuscitado o carisma do Espírito Santo, na ininterrupta sucessão apostólica, através do sacramento da Ordem: d'Ele recebem a autoridade e o poder sagrado para servirem a Igreja, agindo « in persona Christi Capitis » (66) (na pessoa de Cristo Cabeça) e reuni-la no Espírito Santo por meio do Evangelho e dos Sacramentos. Os ministérios ordenados, antes de o serem para aqueles que os recebem, são uma imensa graça para a vida e para a missão da Igreja inteira. Exprimem e realizam uma participação no sacerdócio de Jesus Cristo que se diferencia, não só em grau mas também em essência, da participação dada no Baptismo a todos os fiéis. Por outro lado, o sacerdócio ministerial, como recordou o Concílio Vaticano II, é essencialmente finalizado no sacerdócio real de todos os fiéis e para ele ordenado.(67)

Por isso, a fim de assegurar e de aumentar a comunhão na Igreja, em especial no âmbito dos diversos e complementares ministérios, os pastores devem reconhecer que o seu ministério é radicalmente ordenado para o serviço de todo o Povo de Deus (cf. Heb He 5,1),e os fiéis leigos, pela sua parte, devem reconhecer que o sacerdócio ministerial é absolutamente necessário para a sua vida e para a sua participação na missão da Igreja.(68)

(65) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre a atividade missionaria da Igreja Ad gentes, AGD 5.
(66) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 21; Decr. Presbyterorum ordinis, PO 2.
(67) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 10.
(68) Cf. João Paulo II, Carta de Quinta-Feira Santa, a todos os sacerdotes da Igreja, 9 de Abril de 1979, nn. 3-4: Insegnamenti, II (1979), 844-847.



Ministérios ofícios e funções dos leigos

23 A missão salvífica da Igreja no mundo realiza-se, não só pelos ministros, que o são em virtude do sacramento da Ordem, mas também por todos os fiéis leigos: estes, com efeito, por força da sua condição baptismal e da sua vocação específica, na medida própria e cada um, participam no múnus sacerdotal, profético e real de Cristo.

Por isso, os pastores devem reconhecer e promover os ofícios e as funções dos fiéis leigos, que têm o seu fundamento sacramental no Baptismo e na Confirmação, bem como, para muitos deles, no Matrimónio.

E, quando a necessidade ou a utilidade da Igreja o pedir, os pastores podem, segundo as normas estabelecidas pelo direito universal, confiar aos fiéis leigos certos ofícios e certas funções que, embora ligadas ao seu próprio ministério de pastores, não exigem, contudo, o carácter da Ordem. O Código de Direito Canónico escreve: « Onde as necessidades da Igreja o aconselharem, por falta de ministros, os leigos, mesmo que não sejam leitores ou acólitos, podem suprir alguns ofícios, como os de exercer o ministério da palavra, presidir às orações litúrgicas, conferir o Baptismo e distribuir a Sagrada Comunhão, segundo as prescrições do direito ».(69) Todavia, o exercício de semelhante tarefa não transforma o fiel leigo em pastor: na realidade, o que constitui o ministério não é a tarefa, mas a ordenação sacramental. Só o sacramento da Ordem confere ao ministro ordenado uma peculiar participação no ofício de Cristo, Chefe e Pastor, e no Seu sacerdócio eterno.(70) A tarefa que se exerce como suplente recebe a sua legitimidade, formalmente e imediatamente, da delegação oficial que lhe dão os pastores e, no seu exercício concreto, submete-se à direcção da autoridade eclesiástica.(71)

A recente Assembleia sinodal perspectivou um vasto e significativo panorama da situação eclesial acerca dos ministérios, ofícios e funções dos baptizados. Os Padres manifestaram vivo apreço pelo notável contributo apostólico dos fiéis leigos, homens e mulheres, pelos seus carismas e por toda a sua acção em favor da evangelização, da santificação e da animação cristã das realidades temporais. Ao mesmo tempo, foi muito apreciado o seu serviço ordinário nas comunidades eclesiais e a sua generosa disponibilidade para a suplência em situações de emergência e de necessidades crónicas.(72)

Na sequência da renovação litúrgica promovida pelo Concílio, os próprios fiéis leigos, tomando mais viva consciência das tarefas que lhes pertencem na assembleia litúrgica e na sua preparação, tornaram-se largamente disponíveis no seu desempenho: a celebração litúrgica, com efeito, é uma acção sagrada, não só do clero, mas de toda a assembleia. É, portanto, natural que as tarefas que não são exclusivas dos ministros ordenados, sejam desempenhadas pelos fiéis leigos.(73) Torna-se assim espontânea a passagem de um efectivo envolvimento dos fiéis leigos na acção litúrgica para o anúncio da Palavra de Deus e para a cura pastoral.(74)

Na mesma Assembleia sinodal, porém, não faltaram, ao lado dos positivos, pareceres críticos sobre o uso indiscriminado do termo « ministério », a confusão e o nivelamento entre sacerdócio comum e sacerdócio ministerial, a pouca observância de leis e normas eclesiásticas, a interpretação arbitrária do conceito de « suplência », uma certa tolerância por parte da própria autoridade legítima, a « clericalização » dos fiéis leigos e o risco de se criar de facto uma estrutura eclesial de serviço, paralela à fundada no sacramento da Ordem.

Precisamente para obviar tais perigos, os Padres sinodais insistiram na necessidade de serem expressas com clareza, até na própria terminologia,(75) quer a unidade de missão da Igreja, em que participam todos os baptizados, quer a diversidade substancial do ministério dos pastores, radicado no sacramento da Ordem, em relação com os outros ofícios e as outras funções eclesiais, radicados nos sacramentos do Baptismo e da Confirmação.

é, pois, necessário, em primeiro lugar, que os pastores, ao reconhecer e ao conferir aos fiéis leigos os vários ministérios, ofícios e funções, tenham o máximo cuidado em instruí-los sobre a raiz baptismal destas tarefas. Igualmente, os pastores deverão zelar para que se evite um recurso fácil e abusivo a presumíveis « situações de emergência » ou de « necessária suplência », onde objectivamente não existam ou onde é possível remediar com uma programação pastoral mais racional.

Os vários ofícios e funções que os fiéis leigos podem legitimamente desempenhar na liturgia, na transmissão da fé e nas estruturas pastorais da Igreja, deverão ser exercidos em conformidade com a sua específica vocação laical, diferente da dos ministros sagrados. Nesse sentido, a ExortaçãoEvangelii nuntiandi, que teve tanto e tão benéfico mérito em estimular a diversificada colaboração dos fiéis leigos na vida e na missão evangelizadora da Igreja, lembra que « o campo próprio da sua actividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos "mass-media" e, ainda, outras realidades abertas para a evangelização, como sejam, o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento. Quantos mais leigos houver impregnados do Evangelho, responsáveis em relação a tais realidades e comprometidos claramente nas mesmas, competentes para as promover e conscientes de que é necessário fazer desabrochar a sua capacidade cristã, muitas vezes escondida e asfixiada, tanto mais essas realidades, sem nada perderem ou sacrificarem do próprio coeficiente humano, mas patenteando uma dimensão transcendente para o além, não raro desconhecida, se virão a encontrar ao serviço da edificação do Reino de Deus e, por conseguinte, da salvação em Jesus Cristo ».(76)

Durante os trabalhos do Sínodo, os Padres dedicaram bastante atenção ao Leitorado e aoAcolitado. Enquanto, no passado, eles existiam na Igreja Latina apenas como etapas espirituais do itinerário para os ministérios ordenados, com o Motu Próprio de Paulo VI, Ministeria quaedam (15 de Agosto de 1972) eles adquiriram uma própria autonomia e estabilidade, bem como uma sua possível destinação aos próprios fiéis leigos, se bem que exclusivamente para os homens. No mesmo sentido se expressou o novo Código de Direito Canónico.(77) Agora, os Padres sinodais manifestaram o desejo de que « o Motu Próprio " Ministeria quaedam " fosse revisto, tendo em conta o uso das Igrejas locais e sobretudo indicando os critérios segundo os quais se devam escolher os destinatários de cada ministério ».(78)

Em tal sentido foi constituída expressamente uma comissão, não só para responder a este desejo manifestado pelos Padres sinodais, mas também e ainda mais para estudar de modo aprofundado os diversos problemas teológicos, litúrgicos, jurídicos e pastorais levantados pelo actual grande florescimento de ministérios confiados aos fiéis leigos.

Esperando que a Comissão conclua o seu estudo, para que a praxe eclesial dos ministérios confiados aos fiéis leigos resulte ordenada e frutuosa, deverão ser fielmente respeitados por todas as Igrejas particulares os princípios teológicos atrás recordados, em particular a diversidade essencial entre o sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum e, consequentemente, a diversidade entre os ministérios derivados do Sacramento da Ordem e os ministérios derivados dos sacramentos do Baptismo e da Confirmação.

(69) C.I.C., can.
CIC 230.
(70) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Presbyterorum ordinis, PO 2 PO 5.
(71) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos Leigos Apostolicam actuositatem, AA 24.
(72) Código de Direito Canónico elenca uma série de funções ou tarefas próprias dos ministros sagrados, que, todavia, por circunstâncias especiais e graves, e, concretamente, por falta de Presbíteros ou Diáconos, são temporariamente exercidas por fiéis leigos, com prévia faculdade jurídica e mandato da autoridade eclesiástica competente: Cf. can. CIC 230, § 3; CIC 517, § 2; CIC 776 CIC 861, 4 2; CIC 910, § 2; CIC 943 CIC 1112, etc.
(73) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, SC 28; Cf. C.I.C., can. CIC 230, § 2.
(74) O Código de Direito Canónico apresenta diversas funções ou tarefas que os fiéis leigos podem desempenhar nas estruturas organizativas da Igreja: Cf. cann. CIC 228 CIC 229, § 3; CIC 317, § 3; CIC 463, 4 1 n. 5 e § 2; CIC 483 CIC 494 CIC 537 CIC 759 CIC 776 CIC 784 CIC 785 CIC 1282 CIC 1421, § 2; CIC 1424 CIC 1428, 4 2; CIC 1435; etc.
(75) Cf. Propositio 18.
(76) Paulo VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, EN 70: AAS 68 (1976), 60.
(77) Cf. C.I.C., can. CIC 230, S 1.
(78) Propositio 18.



Os carismas

24 O Espírito Santo, ao confiar à Igreja-Comunhão os diversos ministérios, enriquece-a com outros dons e impulsos especiais, chamados carismas. Podem assumir as mais variadas formas, tanto como expressão da liberdade absoluta do Espírito que os distribui, como em resposta às múltiplas exigências da história da Igreja. A descrição e a classificação que os textos do Novo Testamento fazem desses dons são um sinal da sua grande variedade: « A manifestação do Espírito é dada a cada um para proveito comum. A um, o Espírito dá uma palavra de sabedoria; a outro, uma palavra de ciência, segundo o mesmo Espírito; a outro, a fé, no mesmo Espírito; a outro, o dom das curas, nesse único Espírito; a outro, o operar milagres; a outro, a profecia; a outro, o descernimento dos espíritos; a outro, o falar diversas línguas e a outro ainda o interpretar essas línguas » (1Co 12,7-10 cfr. 1Co 12,4-6 1Co 12,28-31 Rm 12,6-8 1P 4,10-11).

Os carismas, sejam extraordinários ou simples e humildes, são graças do Espírito Santo que têm,directa ou indirectamente, uma utilidade eclesial, ordenados como são à edificação da Igreja, ao bem dos homens e às necessidades do mundo.

Também aos nossos dias não falta o florescer de diversos carismas entre os fiéis leigos, homens e mulheres. São dados ao indivíduo, mas também podem ser partilhados por outros e de tal modo perseveram no tempo como uma herança preciosa e viva, que gera uma afinidade espiritual entre as pessoas. Precisamente em referência ao apostolado dos leigos, o Concílio Vaticano II escreve: « Para exercerem este apostolado, o Espírito Santo, que opera a santificação do Povo de Deus por meio do ministério e dos sacramentos, concede também aos fiéis dons particulares (cfr. 1Co 12,7), «distribuindo-os por cada um conforme Lhe apraz» (cfr. 1Co 12,7-11), a fim de que "cada um ponha ao serviço dos outros a graça que recebeu", e todos actuem "como bons administradores da multiforme graça de Deus" (1P 4,10), para a edificação, no amor, do corpo todo (cfr. Ep 4,6)».(79)

Na lógica da originária doação donde derivam, os dons do Espírito Santo exigem que todos aqueles que os receberam os exerçam para o crescimento de toda a Igreja, como no-lo recorda o Concílio.(80)

Os carismas devem ser recebidos com gratidão: tanto da parte de quem os recebe, como da parte de todos na Igreja. Com efeito, eles são uma especial riqueza de graça para a vitalidade apostólica e para a santidade de todo o Corpo de Cristo: uma vez que sejam dons verdadeiramente provenientes do Espírito e se exerçam em plena conformidade com os autênticos impulsos do Espírito. Nesse sentido, torna-se sempre necessário o discernimento dos carismas. Na verdade, como disseram os Padres sinodais, « a acção do Espírito Santo, que sopra onde quer, nem sempre é fácil de se descobrir e de se aceitar. Sabemos que Deus actua em todos os fiéis cristãos e estamos conscientes dos benefícios que provêm dos carismas, tanto para os indivíduos como para toda a comunidade cristã. Todavia, também temos consciência da força do pecado e dos seus esforços para perturbar e confundir a vida dos fiéis e da comunidade.(81)

Por isso, nenhum carisma está dispensado da sua referência e dependência dos Pastores da Igreja.O Concílio escreve com palavras claras: « O juízo acerca da sua (dos carismas) autenticidade e recto uso, pertence àqueles que presidem na Igreja e aos quais compete de modo especial não extinguir o Espírito, mas julgar tudo e conservar o que é bom (cfr. 1Th 5,12 1Th 5,19-21),(82) de modo que todos os carismas concorram, na sua diversidade e complementariedade, para o bem comum.(83)

(79) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem, AA 3.
(80) « A recepção destes carismas, mesmo dos mais simples, confere a cada um dos fiéis o direito e o dever de os exercer na Igreja e no mundo, para bem dos homens e edificação da Igreja, na liberdade do Espírito Santo que "sopra onde quer" (Jn 3,8) e, simultaneamente, em comunhão com os outros irmãos em Cristo, sobretudo com os próprios Pastores » (Ibid. AA 3).
(81) Propositio 9.
(82) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 12.
(83) Cf. ibid., LG 30.


A participação dos fiéis leigos na vida da Igreja

25 Os fiéis leigos participam na vida da Igreja, não só pondo em acção os seus ministérios e carismas, mas também de muitas outras formas.

Essa participação encontra a sua primeira e necessária expressão na vida e missão das Igrejas particulares, das Dioceses, nas quais « está verdadeiramente presente e actua a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica ».(84)

(84) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja Christus Dominus,
CD 11.

Igrejas particulares e Igreja Universal

Com vista a uma adequada participação na vida da Igreja, é absolutamente urgente que os fiéis leigos tenham uma ideia clara e precisa da Igreja particular na sua originária ligação com a Igreja universal. A Igreja particular não é o produto de uma espécie de fragmentação da Igreja universal, nem a Igreja universal resulta do simples somatório das Igrejas particulares; mas um laço vivo, essencial e perene as une entre si, enquanto a Igreja universal existe e se manifesta nas Igrejas particulares. Por isso, o Concílio afirma que as Igrejas particulares « são formadas à imagem da Igreja universal, das quais e pelas quais existe a Igreja católica, una e única ».(85)

O mesmo Concílio incita fortemente os fiéis leigos a viver operosamente a sua pertença à Igreja particular, assumindo simultaneamente um respiro cada vez mais « católico »: « Cultivem constantemente — lemos no Decreto sobre o apostolado dos leigos — o sentido da Diocese, de que a Paróquia é como que uma célula, e estejam sempre prontos, à voz do seu pastor, a juntar as suas forças às iniciativas diocesanas. Mas, para responder às necessidade das cidades e das regiões rurais, não confinem a sua cooperação aos limites da Paróquia ou da Diocese, mas esforcem-se por estendê-la ao âmbito interparoquial, interdiocesano, nacional ou internacional. Tanto mais que a crescente migração dos povos, o incremento de relações mútuas e a facilidade de comunicações já não permitem que parte alguma da sociedade permaneça fechada em si. Assim, devem interessar-se pelas necessidades do Povo de Deus disperso por toda a Terra ».(86)

O recente Sínodo pediu, nesse sentido, que se favorecesse a criação dos Conselhos Pastorais diocesanos, a que se deveria recorrer conforme as oportunidades. Trata-se, na verdade, da principal forma de colaboração e de diálogo, bem como de discernimento, a nível diocesano. A participação dos fiéis leigos nestes Conselhos poderá aumentar o recurso à consulta, e o princípio da colaboração — que em determinados casos também é de decisão — e encontrará uma aplicação mais vasta e mais incisiva.(87)

A participação dos fiéis leigos nos Sínodos diocesanos e nos Concílios particulares, provinciais ou plenários, está contemplada no Código de Direito Canónico; (88) poderá contribuir para a comunhão e para a missão eclesial da Igreja particular, tanto no seu próprio âmbito, como em relação com as demais Igrejas particulares da Província eclesiástica ou da Conferência Episcopal.

As Conferências Episcopais são chamadas a descobrir a forma mais oportuna de desenvolver, a nível nacional ou regional, a consulta e a colaboração dos fiéis leigos, homens e mulheres: assim se poderão examinar bem os problemas comuns e melhor se manifestará a comunhão eclesial de todos.(89)

(85) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 23.
(86) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem, AA 10.
(87) Cf. Propositio 10.
(88) Cf. C.I.C., cann. CIC 443, § 4 e CIC 463, §1 e 2.
(89) Propositio 10.


A paróquia

26 A comunhão eclesial, embora possua sempre uma dimensão universal, encontra a sua expressão mais imediata e visível na Paróquia: esta é a última localização da Igreja; é, em certo sentido, a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas.(90)

é necessário que todos redescubramos, na fé, a verdadeira face da Paróquia, ou seja, o próprio « mistério » da Igreja presente e operante nela: embora, por vezes, pobre em pessoas e em meios, e outras vezes dispersa em territórios vastíssimos ou quase desaparecida no meio de bairros modernos populosos e caóticos, a Paróquia não é principalmente uma estrutura, um território, um edifício, mas é sobretudo « a família de Deus, como uma fraternidade animada pelo espírito de unidade »,(91) é « uma casa de família, fraterna e acolhedora »,(92) é a « comunidade de fiéis ».(93) Em definitivo, a Paróquia está fundada sobre uma realidade teológica, pois ela é uma comunidade eucarística.(94)Isso significa que ela é uma comunidade idónea para celebrar a Eucaristia, na qual se situam a raiz viva do seu edificar-se e o vínculo sacramental do seu estar em plena comunhão com toda a Igreja. Essa idoneidade mergulha no facto de a Paróquia ser uma comunidade de fé e uma comunidade orgânica, isto é, constituída pelos ministros ordenados e pelos outros cristãos, na qual o pároco — que representa o Bispo diocesano — (95) é o vínculo hierárquico com toda a Igreja particular.

é deveras imenso o trabalho da Igreja nos nossos dias e, para realizá-lo, a Paróquia sozinha não pode bastar. Por isso, o Código de Direito Canónico prevê formas de colaboração entre paróquias no âmbito do território (96) e recomenda ao Bispo o cuidado de todas as categorias de fiéis, até das que não são atingidas pelo cuidado pastoral ordinário.(97)

De facto, muitos lugares e formas de presença e de acção são absolutamente necessários para levar a palavra e a graça do Evangelho às variadas condições de vida dos homens de hoje, e muitas outras funções de irradiação religiosa e de apostolado do ambiente, no campo cultural, social, educativo, profissional, etc., não podem ter como centro ou ponto de partida a Paróquia. Todavia, a Paróquia ainda hoje vive uma fase nova e prometedora. Como dizia Paulo VI, no início do seu Pontificado, dirigindo-se ao Clero romano: « Acreditamos simplemente que esta antiga a venerada estrutura da Paróquia tem uma missão indispensável de grande actualidade: pertence-lhe criar a primeira comunidade do povo cristão, iniciar e reunir o povo na expressão normal da vida litúrgica, conservar e reanimar a fé nas pessoas de hoje, dar-lhes a escola da doutrina salvadora de Cristo, praticar no sentir e na acção a humilde caridade das obras boas e fraternas ».(98)

Os Padres sinodais, por sua vez, debruçaram-se cuidadosamente sobre a situação actual de muitas paróquias, pedindo para elas uma mais decidida renovação: « Muitas Paróquias, tanto nas zonas urbanas como em terras de missão, não conseguem funcionar plena e efectivamente por falta de meios materiais ou de homens ordenados, ou também pela excessiva extensão geográfica e pela especial condição de alguns cristãos (como, por exemplo, os refugiados e os emigrantes). Para que tais Paróquias sejam verdadeiramente comunidades cristãs, as autoridades locais devem favorecer:a) a adaptação das estruturas paroquiais à ampla flexibilidade concedida pelo Direito Canónico, sobretudo ao promover a participação dos leigos nas responsabilidades pastorais; b) as pequenas comunidades eclesiais de base, também chamadas comunidades vivas, onde os fiéis possam comunicar entre si a Palavra de Deus e exprimir-se no serviço e no amor; estas comunidades são autênticas expressões da comunhão eclesial e centros de evangelização, em comunhão com os seus Pastores ... ».(99) Para a renovação das paróquias e para melhor assegurar a sua eficácia operativa devem favorecer-se também formas institucionais de cooperação entre as diversas paróquias de um mesmo território.

(90) Lemos no Concílio: « Visto que na sua Igreja o Bispo não pode presidir pessoalmente sempre e em toda a parte a todo o seu rebanho, vê-se na necessidade de constituir agrupamentos de fiéis, entre os quais têm lugar proeminente as Paróquias, organizadas localmente sob a presidência dum pastor que faz as vezes do Bispo. As Paróquias representam, de algum modo, a Igreja visível espalhada por todo o mundo » (Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium
SC 42).
(91) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 28.
(92) João Paulo II, Exort. Ap. Catechesi tradendae, CTR 67: AAS 71 (1979), 1333.
(93) C.I.C., can. CIC 515, 41.
(94) Cf. Propositio 10.
(95) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Conciliam, SC 42.
(96) Cf. can. CIC 555, 4 1, 1.
(97) Cf. can. CIC 383, § 1.
(98) Paulo VI, Discurso ao Clero romano (24 de Junho de 1963): AAS 55 (1963), 674.
(99) Propositio 11.


O empenhamento apostólico na paróquia

27 Necessário se torna agora considerar mais de perto a comunhão e a participação dos fiéis leigos na vida da Paróquia. Nesse sentido deve chamar-se a atenção de todos os fiéis leigos, homens e mulheres, para uma observação tão verdadeira, significativa e estimulante, feita pelo Concílio: « No seio das comunidades da Igreja — lemos no Decreto sobre o apostolado dos leigos — a sua acção é tão necessária que, sem ela, o próprio apostolado dos pastores não pode conseguir, na maior parte das vezes, todo o seu efeito ».(100) Esta é uma afirmação radical que, evidentemente, deve ser vista à luz da « eclesiologia de comunhão »: sendo diferentes e complementares, os ministérios e os carismas são todos necessários para o crescimento da Igreja, cada um segundo a própria modalidade.

Os fiéis leigos devem convencer-se cada vez mais do particular significado que tem o empenhamento apostólico na sua Paróquia. É ainda o Concílio que com autoridade o sublinha: « A Paróquia dá-nos um exemplo claro de apostolado comunitário porque congrega numa unidade toda a diversidade humana que aí se encontra e insere essa diversidade na universalidade da Igreja. Habituem-se os leigos a trabalhar na Paróquia intimamente unidos aos seus sacerdotes, a trazer para a comunidade eclesial os próprios problemas e os do mundo e as questões que dizem respeito à salvação dos homens, para que se examinem e resolvam com o concurso de todos. Habituem-se a prestar auxílio a toda a iniciativa apostólica e missionária da sua comunidade eclesial na medida das próprias forças ».(101)

O acento posto pelo Concílio na análise e na solução dos problemas pastorais « com o contributo de todos » deve encontrar o seu progresso adequado e estruturado na valorização cada vez mais convicta, ampla e decidida, dos Conselhos pastorais paroquiais, nos quais justamente insistiram os Padres sinodais.(102)

Nas actuais circunstâncias, os fiéis leigos podem e devem fazer muitíssimo para o crescimento de uma autêntica comunhão eclesial no seio das suas paróquias e para o despertar do impulso missionário em ordem aos não crentes e, mesmo, aos crentes que tenham abandonado ou arrefecido a prática da vida cristã.

A Paróquia, sendo a Igreja colocada no meio das casas dos homens, vive e actua profundamente integrada na sociedade humana e intimamente solidária com as suas aspirações e os seus dramas. Frequentemente, o contexto social, sobretudo em certos países e ambientes, é violentemente sacudido por forças de desagregação e de desumanização: o homem pode encontrar-se perdido e desorientado, mas no seu coração permanece o desejo, cada vez maior, de poder sentir e cultivar relações mais fraternas e humanas. A resposta a esse desejo pode ser dada pela Paróquia, quando esta, graças à participação viva dos fiéis leigos, se mantém coerente com a sua originária vocação e missão: ser no mundo « lugar » da comunhão dos crentes e, ao mesmo tempo, « sinal » e « instrumento » da vocação de todos para a comunhão; numa palavra, ser a casa que se abre para todos e que está ao serviço de todos, ou, como gostava de dizer o Papa João XXIII, o fontanário da aldeia a que todos acorrem na sua sede.

(100) Conc. Ecum. Vat, II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem,
AA 10.
(101) Ibid. AA 10
(102) Cf. Propositio 10.


Formas de participação na vida da Igreja

28 Os fiéis leigos, juntamente com os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, formam o único Povo de Deus e Corpo de Cristo.

Ser « membros » da Igreja nada tira ao facto de cada cristão ser um ser « único e irrepetível », antes, garante e promove o sentido mais profundo da sua unicidade e irrepetibilidade, enquanto é fonte de verdade e de riqueza para a Igreja inteira. Nesse sentido, Deus, em Jesus Cristo, chama cada qual pelo próprio e inconfundível nome. O convite do Senhor: « Ide vós também para a minha vinha » dirige-se a cada um pessoalmente e soa: « Vem também tu para a minha vinha »!

Assim, cada um na sua unicidade e irrepetibilidade, com o seu ser e o seu agir, põe-se ao serviço do crescimento da comunhão eclesial, como, por sua vez, recebe singularmente e faz sua a riqueza comum de toda a Igreja. Esta é a « Comunhão dos Santos », que nós professamos no Credo: o bem de todos torna-se o bem de cada um e o bem de cada um torna-se o bem de todos. « Na santa Igreja — escreve São Gregório Magno — cada um é apoio dos outros e os outros são seu apoio ».(103)

(103) S. Gregório Magno, Hom. in Ez., II, I, 5: CCL 142, 211.



Formas pessoais de participação

é absolutamente necessário que cada fiel leigo tenha sempre viva consciência de ser um « membro da Igreja », a quem se confia um encargo original insubstituível e indelegável, que deverá desempenhar para o bem de todos. Numa tal perspectiva, assume todo o seu significado a afirmação conciliar sobre a necessidade absoluta do apostolado de cada pessoa: « O apostolado individual que deriva com abundância da fonte de uma vida verdadeiramente cristã (cf. Jn 4,14), é origem e condição de todo o apostolado dos leigos, mesmo do associado, e nada o pode substituir. A este apostolado, sempre e em toda a parte proveitoso e em certas circunstâncias o único conveniente e possível, são chamados e, por isso, obrigados todos os leigos, de qualquer condição, ainda que não se lhes proporcione ocasião ou possibilidade de cooperar nas associações ».(104)

No apostolado individual existem grandes riquezas que precisam de ser descobertas em ordem a uma intensificação do dinamismo missionário de cada fiel leigo. Com essa forma de apostolado, a irradiação do Evangelho pode tornar-se mais capilar, chegando a tantos lugares e ambientes quanto os que estão ligados à vida quotidiana e concreta dos leigos. Trata-se, além disso, de uma irradiaçãoconstante, estando ligada à contínua coerência da vida pessoal com a fé; e também de uma irradiação particularmente incisiva, porque, na total partilha das condições de vida, do trabalho, das dificuldades e esperanças dos irmãos, os fiéis leigos podem atingir o coração dos seus vizinhos, amigos ou colegas, abrindo-o ao horizonte total, ao sentido pleno da existência: a comunhão com Deus e entre os homens.

(104) Conc. Ecum. Vat, II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem, AA 16.



Christifideles laici PT 21