Christifideles laici PT 29

Formas agregativas de participação

29 A comunhão eclesial, já presente e operante na acção do indivíduo, encontra uma expressão específica no operar associado dos fiéis leigos, isto é, na acção solidária que eles desenvolvem ao participar responsavelmente na vida e na missão da Igreja.

Nestes tempos mais recentes, o fenómeno da agregação dos leigos entre si assumiu formas de particular variedade e vivacidade. Se na história da Igreja tal fenómeno representou sempre uma linha constante, como o provam até aos nossos dias as várias confrarias, as ordens terceiras e os diversos sodalícios, ele recebeu, todavia, um notável impulso nos tempos modernos que têm visto o nascer e o irradiar de múltiplas formas agregativas: associações, grupos, comunidades, movimentos. Pode falar-se de uma nova era agregativa dos fiéis leigos. Com efeito, « ao lado do associativismo tradicional e, por vezes, nas suas próprias raízes, brotaram movimentos e sodalícios novos, com fisionomia e finalidade específicas: tão grande é a riqueza e a versatilidade de recursos que o Espírito infunde no tecido eclesial e tamanha é a capacidade de iniciativa e a generosidade do nosso laicado ».(105)

Estas agregações de leigos aparecem muitas vezes bastante diferentes umas das outras em vários aspectos, como a configuração exterior, os caminhos e métodos educativos e os campos operativos. Encontram, porém, as linhas de uma vasta e profunda convergência na finalidade que as anima: a de participar responsavelmente na missão da Igreja de levar o Evangelho de Cristo, qual fonte de esperança para o homem e de renovação para a sociedade.

A agregação dos fiéis leigos por motivos espirituais e apostólicos brota de várias fontes e vai ao encontro de diversas exigências: exprime, de facto, a natureza social da pessoa e obedece ao imperativo de uma mais vasta e incisiva eficácia operativa. Na verdade, a incidência « cultural » fonte e estímulo e, simultaneamente, fruto e sinal de todas as demais transformações do ambiente e da sociedade, só se pode alcançar com a acção, não tanto dos indivíduos, mas de um « sujeito social », isto é, com a acção de um grupo, de uma comunidade, de uma associação, de um movimento. E isso é particularmente verdade no contexto de um a sociedade pluralista e fragmentada — como é, em tantas partes do mundo, a actual — e perante os problemas tornados enormemente complexos e difíceis. Por outro lado, sobretudo num mundo secularizado, as várias formas agregativas podem representar para muitos uma ajuda preciosa em favor de uma vida cristã coerente, com as exigências do Evangelho e de um empenhamento missionário e apostólico.

Para além destes motivos, a razão profunda que justifica e exige o agregar-se dos fiéis leigos é de ordem teológica: uma razão eclesiológica, como abertamente reconhece o Concílio Vaticano II, ao apontar o apostolado associado como um « sinal da comunhão e da unidade da Igreja em Cristo ».(106)

é um « sinal » que deve manifestar-se nas relações de « comunhão », tanto no interior como no exterior das várias formas agregativas, no mais vasto contexto da comunidade cristã. É a própria razão eclesiológica apontada que explica, por um lado o « direito » de agregação próprio dos fiéis leigos e, por outro, a necessidade de « critérios » de discernimento sobre a autenticidade eclesial das suas formas agregativas.

Antes de mais, é necessário reconhecer-se a liberdade associativa dos fiéis leigos na Igreja. Essa liberdade constitui um verdadeiro e próprio direito que não deriva de uma espécie de « concessão » da autoridade, mas que promana do Baptismo, qual sacramento que chama os fiéis leigos para participarem activamente na comunhão e na missão da Igreja. O Concílio é muito explícito a este propósito: « Respeitada a devida relação com a autoridade eclesiástica, os leigos têm o direito de fundar associações, dirigi-las e dar nome às já existentes ».(107) E o recente Código textualmente diz: « Os fiéis podem livremente fundar e dirigir associações para fins de caridade ou de piedade, ou para fomentar a vocação cristã no mundo, e reunir-se para alcançar em comum esses mesmos fins ».(108)

Trata-se de uma liberdade reconhecida e garantida pela autoridade eclesiástica e que deve ser exercida sempre e só na comunhão da Igreja: nesse sentido o direito dos fiéis leigos em agregar-se é essencialmente relativo à vida de comunhão e missão e à própria Igreja.

(105) João Paulo II, Angelus (23 de agosto de 1987): Insegnamenti, X, 3 (1987), 240.
(106) Conc. Ecum. Vat, II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem,
AA 18.
(107) Ibid., AA 19; cf. também ibid., AA 15; Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 37.
(108) C.I.C., can. CIC 215.


Critérios de eclesialidade para as agregações laicais

30 É sempre na perspectiva da comunhão e da missão da Igreja e não, portanto, em contraste com a liberdade associativa, que se compreende a necessidade de claros e precisos critérios de discernimento e de reconhecimento das agregações laicais, também chamados « critérios de eclesialidade ».

Como critérios fundamentais para o discernimento de toda e qualquer agregação dos fiéis leigos na Igreja, podem considerar-se de forma unitária, os seguintes:

— O primado dado à vocação de cada cristão à santidade, manifestado « nos frutos da graça que o Espírito produz nos fiéis »(109) como crescimento para a plenitude da vida cristã e para a perfeição da caridade.(110)

Nesse sentido, toda e qualquer agregação de fiéis leigos é chamada a ser sempre e cada vez mais instrumento de santidade na Igreja, favorecendo e encorajando « uma unidade mais íntima entre a vida prática dos membros e a própria fé ».(111)

— A responsabilidade em professar a fé católica, acolhendo e proclamando a verdade sobre Cristo, sobre a Igreja e sobre o homem, em obediência ao Magistério da Igreja, que autenticamente a interpreta. Por isso, toda a agregação de fiéis leigos deve ser lugar de anúncio e de proposta da fé e de educação na mesma, no respeito pelo seu conteúdo integral.

— O testemunho de uma comunhão sólida e convicta, em relação filial com o Papa, centro perpétuo e visivel da unidade da Igreja universal,(112) e com o Bispo « princípio visível e fundamento da unidade » da Igreja particular,(113) e na « estima recíproca entre todas as formas de apostolado na Igreja ».(114)

A comunhão com o Papa e com o Bispo é chamada a exprimir-se na disponibilidade leal em aceitar os seus ensinamentos doutrinais e orientações pastorais. A comunhão eclesial exige, além disso, que se reconheça a legítima pluralidade das formas agregativas dos fiéis leigos na Igreja e, simultaneamente, a disponibilidade para a sua recíproca colaboração.

— A conformidade e a participação na finalidade apostólica da Igreja, que é a evangelização e a santificação dos homens e a formação cristã das suas consciências, de modo a conseguir permear de espírito evangélico as várias comunidades e os vários ambientes ».(115)

Nesta linha, exige-se de todas as formas agregativas de fiéis leigos, e de cada uma deles, um entusiasmo missionário que as torne, sempre e cada vez mais, sujeitos de uma nova evangelização.

— O empenho de uma presença na sociedade humana que, à luz da doutrina social da Igreja, se coloque ao serviço da dignidade integral do homem.

Assim, as agregações dos fiéis leigos devem converter-se em correntes vivas de participação e de solidariedade para construir condições mais justas e fraternas no seio da sociedade.

Os critérios fundamentais acima expostos encontram a sua verificação nos frutos concretos que acompanham a vida e as obras das diversas formas associativas, tais como: o gosto renovado pela oração, a contemplação, a vida litúrgica e sacramental; a animação pelo florescimento de vocações ao matrimónio cristão, ao sacerdócio ministerial, à vida consagrada; a disponibilidade em participar nos programas e nas atividades da Igreja, tanto a nível local como nacional ou internacional; o empenhamento catequético e a capacidade pedagógica de formar os cristãos; o impulso em ordem a uma presença cristã nos vários ambientes da vida social e a criação e animação de obras caritativas, culturais e espirituais; o espírito de desapego e de pobreza evangélica em ordem a uma caridade mais generosa para com todos; as conversões à vida cristã ou o regresso à comunhão por parte de baptizados « afastados ».

(109) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium,
LG 39.
(110) Cf. ibid., LG 40.
(111) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem, AA 19.
(112) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 23.
(113) Ibid. LG 23
(114) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem, AA 23.
(115) Ibid., AA 20.


O serviço dos Pastores para a comunhão

31 Os Pastores na Igreja, mesmo perante possíveis e compreensíveis dificuldades de algumas formas agregativas e perante novas formas, que se vão impondo, não podem abdicar do serviço da sua autoridade, não apenas pelo bem da Igreja, mas até pelo bem dessas mesmas agregações laicais. Nesse sentido, eles devem acompanhar a sua acção de discernimento com a orientação e, sobretudo, com o encorajamento em ordem a um crescimento das agregações dos fiéis leigos na comunhão e na missão da Igreja.

é sem dúvida oportuno que algumas novas associações e alguns novos movimentos, pela sua difusão, muitas vezes, nacional e até internacional, venham a receber um reconhecimento oficial, uma aprovação explícita da competente autoridade eclesiástica. Nesse sentido, já dizia o Concílio: « O apostolado dos leigos admite diversos modos de relação com a Hierarquia, segundo as suas várias formas e seus objectivos... Certas formas de apostolado dos leigos são, de diversos modos, expressamente reconhecidas pela Hierarquia. Além disso, a autoridade eclesiástica, tendo em conta as exigências do bem da Igreja, pode escolher de entre as várias associações e iniciativas apostólicas com um fim directamente espiritual, algumas em particular, e promovê-las de um modo especial, assumindo sobre elas uma maior responsabilidade ».(116)

Entre as várias formas de apostolado dos leigos, que têm uma particular relação com a Hierarquia, os Padres sinodais expressamente mencionaram vários movimentos e associações de Acção Católica, onde « os leigos se associam livremente de forma orgânica e estável, sob o impulso do Espírito Santo, na comunhão com o Bispo e com os sacerdotes, de forma a poderem servir, no estilo próprio da sua vocação, com um método particular, o crescimento de toda a comunidade cristã, os projectos pastorais e a animação evangélica de todos os âmbitos da vida, com fidelidade e operosidade ».(117)

Foi confiado ao Pontifício Conselho dos Leigos o encargo de elaborar um elenco das associações que recebem a aprovação oficial da Santa Sé e de definir, em colaboração com o Secretariado da Unidade dos Cristãos, as condições segundo as quais se pode aprovar uma associação ecuménica, onde a maioria seja católica ao lado de uma minoria não católica, estabelecendo também em que casos se não pode dar parecer positivo.(118)

Todos, Pastores e fiéis, temos a obrigação de favorecer e de alimentar constantemente os vínculos e as relações fraternas de estima, cordialidade e colaboração entre as várias formas agregativas de leigos. Só assim, a riqueza dos dons e dos carismas que o Senhor nos dá pode dar o seu contributo fecundo e ordenado para a edificação da casa comum: « Para se edificar solidariamente a casa comum, é preciso, além do mais, depor todo o espírito de antagonismo e de disputa, e que a competição se faça, antes, na estima mútua (cf. Rom
Rm 12,10), na recíproca antecipação do afecto e na vontade de colaboração, com a paciência, a abertura de visão, a disponibilidade para o sacrifício, que isso, por vezes, pode comportar ».(119)

Voltamos de novo às palavras de Jesus: « Eu sou a videira e vós as vides » (Jn 15,5), para darmos graças a Deus pelo grande dom da comunhão eclesial, que reflecte no tempo a comunhão eterna e inefável do amor de Deus Uno e Trino. A consciência do dom deve ser acompanhada de um grande sentido de responsabilidade: trata-se, com efeito, de um dom que, à semelhança do talento evangélico, deve ser posto a render numa vida de crescente comunhão.

Ser responsáveis do dom da comunhão significa, antes de mais, empenharmo-nos na vitória sobre toda a tentação de divisão e de contraposição que ameaça a vida e o empenhamento apostólico dos cristãos. O grito de dor e de estranheza do apóstolo Paulo: « Refiro-me ao facto de cada um de vós dizer: "Eu sou de Paulo", "Eu, porém, sou de Apolo», «E eu sou de Cefas", «E eu de Cristo»! Foi Cristo por ventura dividido? » (1Co 1,12-13) continua a ecoar como repreensão pelas « feridas feitas ao Corpo de Cristo ». Ressoem, antes, como apelo persuasivo estas outras palavras do apóstolo: « Exorto-vos, irmãos, no nome de nosso Senhor Jesus Cristo, a serdes unânimes no falar, para que não haja divisões entre vós, mas vivais em perfeita união de pensamento e de propósitos » (1Co 1,10).

Assim, a vida de comunhão, eclesial torna-se um sinal para o mundo e uma força de atracção que leva à fé em Cristo: « Como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste » (Jn 17,21). Dessa maneira, a comunhão abre-se para a missão e converte-se ela própria em missão.

(116) Ibid., AA 24.
(117) Propositio 13.
(118) Cf. Propositio 15.
(119) João Paulo II, Discurso no Convénio da Igreja italiana em Loreto (10 de Abril de 1985): AAS77 (1985), 964.


CAPÍTULO III

CONSTITUÍ-VOS PARA IRDES E DARDES FRUTO

A corresponsabilidade dos fiéis leigos na Igreja-Missão


Comunhão missionária

32 Retomemos a imagem bíblica da videira e dos ramos. Ela leva-nos, de forma imediata e espontânea, à consideração da fecundidade e da vida. Radicados e vivificados pela videira, os ramos são chamados a dar fruto: « Eu sou a videira e vós os ramos. Quem permanece em Mim e Eu nele dá muito fruto » (Jn 15,5). Dar fruto é uma exigência essencial da vida cristã e eclesial. Quem não dá fruto não permanece na comunhão: « Toda a vide que em Mim não dá fruto (o Meu Pai) corta-a » (Jn 15,2).

A comunhão com Jesus, donde promana a comunhão dos cristãos entre si, é condição absolutamente indispensável para dar fruto: « Sem Mim não podeis fazer nada » (Jn 15,5). E a comunhão com os outros é o fruto mais lindo que as vides podem dar: ela é, na verdade, um dom de Cristo e do Seu Espírito.

Ora, a comunhão gera comunhão e reveste essencialmente a forma de comunhão missionária.Jesus, de facto, diz aos Seus discípulos: « Não fostes vós que Me escolhestes; fui Eu que vos escolhi e vos constituí para irdes e dardes fruto e para que o vosso fruto permaneça » (Jn 15,16).

A comunhão e a missão estão profundamente ligadas entre si, compenetram-se e integram-se mutuamente, ao ponto de a comunhão representar a fonte e, simultaneamente, o fruto da missão: a comunhão é missionária e a missão é para a comunhão. É sempre o único e mesmo Espírito que convoca e une a Igreja e que a manda pregar o Evangelho « até aos confins da terra » (Ac 1,8). Por sua vez, a Igreja sabe que a comunhão, recebida em dom, tem um destino universal. Assim, a Igreja sente-se devedora à humanidade inteira e a cada um dos homens do dom recebido do Espírito, que derrama nos corações dos crentes a caridade de Jesus Cristo, força prodigiosa de coesão interna e, ao mesmo tempo, de expansão externa. A missão da Igreja deriva da sua própria natureza, tal como Cristo a quis: ser « sinal e instrumento ... de unidade de todo o género humano ».(120) Essa missão tem por finalidade dar a conhecer a todos e fazer com que todos vivam a « nova » comunhão que, no Filho de Deus feito homem, entrou na história do mundo. Nesse sentido, o testemunho do evangelista João já define, de forma irrevocável, a meta beatificante para onde se encaminha toda a missão da Igreja: « O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também vós tenhais comunhão connosco. A nossa comunhão é com o Pai e com o Seu Filho Jesus Cristo » (1Jn 1,3).

Ora, no contexto da missão da Igreja o Senhor confia aos fiéis leigos, em comunhão com todos os outros membros do Povo de Deus, uma grande parte de responsabilidade. Tinham disso plena consciência os Padres do Concílio Vaticano II: « Os sagrados Pastores conhecem, com efeito, perfeitamente quanto os leigos contribuem para o bem de toda a Igreja. Pois eles próprios sabem que não foram instituídos por Jesus Cristo para se encarregarem por si sós de toda a missão salvadora da Igreja para com o mundo, mas que o seu cargo sublime consiste em pastorear de tal modo os fiéis e de tal modo reconhecer os seus serviços e carismas, que todos, cada um segundo o seu modo próprio, cooperem na obra comum ».(121) Essa consciência reapareceu, depois, com renovada clareza e com maior vigor, em todos os trabalhos do Sínodo.

(120) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 1.
(121) Ibid., LG 30.


Anunciar o Evangelho

33 Os fiéis leigos, precisamente por serem membros da Igreja, têm por vocação e por missão anunciar o Evangelho: para essa obra foram habilitados e nela empenhados pelos sacramentos da iniciação cristã e pelos dons do Espírito Santo.

Leiamos um texto claro e denso do Concílio Vaticano II: « Porque participam no múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, os leigos têm parte activa na vida e na acção da Igreja... Fortalecidos pela participação activa na vida litúrgica da comunidade, empenham-se nas obras apostólicas da mesma. Conduzem à Igreja os homens que porventura andem longe, cooperam intensamente na comunicação da Palavra de Deus, sobretudo pela actividade catequética, e tornam mais eficaz, com o contributo da sua competência, a cura de almas e até a administração dos bens da Igreja ».(122)

Ora, é na evangelização que se concentra e se desenrola toda a missão da Igreja, cujo percurso histórico se faz sob a graça e ordem de Jesus Cristo: « Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura... Eis que Eu estou convosco todos os dias até ao fim do mundo » (
Mt 16,15 cf. Mt 28,20). « Evangelizar — escreve Paulo VI — é a graça e a vocação própria da Igreja, a sua identidade mais profunda ».(123)

Com a evangelização, a Igreja é construída e plasmada como comunidade de fé: mais precisamente, como comunidade de uma fé confessada na adesão à Palavra de Deus, celebrada nos Sacramentos e vivida na caridade, como alma da existência moral cristã. Com efeito, a « boa nova » tende a suscitar no coração e na vida do homem a conversão e a adesão pessoal a Jesus Cristo Salvador e Senhor; dispõe ao Baptismo e à Eucaristia e consolida-se no propósito e na realização da nova vida segundo o Espírito.

Sem dúvida, a ordem de Jesus: « Ide e pregai o Evangelho » conserva sempre a sua validade e está cheia de uma urgência que não passa. Todavia, a situação actual, não só do mundo mas também de tantas partes da Igreja, exige absolutamente que à palavra de Cristo se preste uma obediência mais pronta e generosa. Todo o discípulo é chamado em primeira pessoa; nenhum discípulo pode eximir-se a dar a sua própria resposta: « Ai de mim se não evangelizar » (1Co 9,16).

(122) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem, AA 10.
(123) Paulo VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, 14: AAS 68 (1976), EN 13.


Chegou a hora de nos lançarmos numa nova evangelização

34 Países inteiros e nações, onde a religião e a vida cristã foram em tempos tão prósperas e capazes de dar origem a comunidades de fé viva e operosa, encontram-se hoje sujeitos a dura prova, e, por vezes, até são radicalmente transformados pela contínua difusão do indiferentismo, do secularismo e do ateísmo. É o caso, em especial, dos países e das nações do chamado Primeiro Mundo, onde o bem-estar económico e o consumismo, embora à mistura com tremendas situações de pobreza e de miséria, inspiram e permitem viver « como se Deus não existisse ». Ora, a indiferença religiosa e a total insignificância prática de Deus nos problemas, mesmo graves, da vida não são menos preocupantes e subversivos do que o ateísmo declarado. E também a fé cristã, mesmo sobrevivendo em algumas manifestações tradicionais e ritualistas, tende a desaparecer nos momento mais significativos da existência, como são os momentos do nascer, do sofrer e do morrer. Daí que se levantem interrogações e enigmas tremendos, que, ao ficarem sem resposta, expõem o homem contemporâneo à desilusão desconfortante e à tentação de eliminar a mesma vida humana que levanta esses problemas.

Noutras regiões ou nações, porém, conservam-se bem vivas ainda tradições de piedade e de religiosidade popular cristã; mas, esse património moral e espiritual corre hoje o risco de esbater-se sob o impacto de múltiplos processos, entre os quais sobressaem a secularização e a difusão das seitas. Só uma nova evangelização poderá garantir o crescimento de uma fé límpida e profunda, capaz de converter tais tradições numa força de liberdade autêntica.

é urgente, sem dúvida, refazer em toda a parte o tecido cristão da sociedade humana. Mas, a condição é a de se refazer o tecido cristão das próprias comunidades eclesiais que vivem nesses países e nessas nações.

Ora, os fiéis leigos, por força da sua participação no múnus profético de Cristo, estão plenamente envolvidos nessa tarefa da Igreja. Pertence-lhes, em particular, dar testemunho de como a fé cristã, mais ou menos conscientemente. ouvida e invocada por todos, seja a única resposta plenamente válida para os problemas e as esperanças que a vida põe a cada homem e a cada sociedade. Será isso possível, se os fiéis leigos souberem ultrapassar em si mesmos a ruptura entre o Evangelho e a vida, refazendo na sua quotidiana actividade em família, no trabalho e na sociedade, a unidade de uma vida que no Evangelho encontra inspiração e força para se realizar em plenitude.

Repito mais uma vez a todos os homens contemporâneos o grito apaixonado com que iniciei o meu serviço pastoral: « Não tenhais medo! Abri, ou antes, escancarai as portas a Cristo! Abri ao Seu poder salvador os confins dos Estados, os sistemas económicos assim como os políticos, os vastos campos da cultura, da civilização, do progresso. Não tenhais medo! Cristo sabe bem "o que está dentro do homem". Só Ele o sabe! Hoje em dia muito frequentemente o homem não sabe o que traz no interior de si mesmo, no profundo do seu ânimo e do seu coração. Muito frequentemente se encontra incerto acerca do sentido da sua vida sobre esta Terra. E sucede que é invadido pela dúvida que se transforma em desespero. Permiti, pois, — peço-vos e vo-lo imploro com humildade e confiança — deixai que Cristo fale ao homem. Só Ele tem palavras de vida; sim, de vida eterna ».(124)

Escancarar a porta a Cristo, acolhe-l'O no espaço da própria humanidade, não é, de modo algum, ameaça para o homem, mas antes, é a única estrada a percorrer, se quisermos reconhecer o homem na sua verdade total e exaltá-lo nos seus valores.

A síntese vital que os fiéis leigos souberem fazer entre o Evangelho e os deveres quotidianos da vida será o testemunho mais maravilhoso e convincente de que não é o medo, mas a procura e a adesão a Cristo, que são o factor determinante para que o homem viva e cresça, e para que se alcancem novas formas de viver mais conformes com a dignidade humana.

O homem é amado por Deus! Este é o mais simples e o mais comovente anúncio de que a Igreja é devedora ao homem. A palavra e a vida de cada cristão podem e devem fazer ecoar este anúncio: Deus ama-te, Cristo veio por ti, para ti Cristo é « Caminho, Verdade, Vida » (
Jn 14,6)!

Esta nova evangelização, dirigida, não apenas aos indivíduos mas a inteiras faixas de população, nas suas diversas situações, ambientes e culturas, tem por fim formar comunidades eclesiais maduras,onde, a fé desabroche e realize todo o seu significado originário de adesão à pessoa de Cristo e ao Seu Evangelho, de encontro e de comunhão sacramental com Ele, de existência vivida na caridade e no serviço.

Os fiéis leigos têm a sua parte a desempenhar na formação de tais comunidades eclesiais, não só com uma participação activa e responsável na vida comunitária e, portanto, com o seu insubstituível testemunho, mas também com o entusiasmo e com a acção missionária dirigida a quantos não crêem ainda ou já não vivem a fé recebida no Baptismo.

Em relação às novas gerações, os fiéis leigos devem dar um precioso contributo, necessário como nunca, com uma obra sistemática de catequese: Os Padres sinodais acolheram com gratidão o trabalho dos catequistas, reconhecendo que eles « têm uma tarefa de grande importância na animação das comunidades eclesiais ».(125) é verdade que os pais cristãos são os primeiros e insubstituíveis catequistas dos próprios filhos, habilitados que o foram para isso pelo sacramento do Matrimónio, mas, ao mesmo tempo, devemos todos ter consciência do direito que assiste a todo o baptizado de ser instruído, educado, acompanhado na fé e na vida cristã.

(124) João Paulo II, Homilia do início do ministério de Pastor Supremo da Igreja (22 de Outubro de 1978): AAS 70 (1978), 947.
(125) Propositio 10.


Ide por todo o mundo

35 A Igreja, ao aperceber-se e ao viver a urgência actual de uma nova evangelização, não pode eximir-se da missão permanente de levar o Evangelho a quantos — e são milhões e milhões de homens e mulheres — não conhecem ainda a Cristo Redentor do homem. Esta é a tarefa mais especificamente missionária que Jesus confiou e continua todos os dias a confiar à Sua Igreja.

A acção dos fiéis leigos, que, aliás, nunca faltou neste campo, aparece hoje cada vez mais necessária e preciosa. Na verdade, a ordem do Senhor « Ide por todo o mundo » continua a encontrar muitos leigos generosos, prontos a deixar o seu ambiente de vida, o seu trabalho, a sua região ou pátria, para ir, ao menos por um certo tempo, para zonas de missão. Mesmo casais cristãos, a exemplo de Áquila e Priscila (cfr.
Ac 18 Rm 16,3 s.), oferecem o confortante testemunho de amor apaixonado por Cristo e pela Igreja com a sua presença activa em terras de missão. Autêntica presença missionária é também a daqueles que, vivendo por vários motivos em países ou ambientes onde a Igreja ainda não foi estabelecida, dão o testemunho da sua fé.

Mas, o problema missionário apresenta-se hoje à Igreja com tal amplitude e gravidade que só se todos os membros da Igreja o assumirem de forma verdadeiramente solidária e responsável, tanto singularmente como em comunidade, é que se poderá confiar numa resposta mais eficaz.

O convite que o Concílio Vaticano II dirigiu às Igrejas particulares conserva todo o seu valor, ou antes, reclama hoje um acolhimento mais amplo e mais decidido: « A Igreja particular, devendo representar na forma mais perfeita a Igreja universal, tenha plena consciência de ser enviada também àqueles que não acreditam em Cristo ».(126)

A Igreja deve dar hoje um grande passo em frente na sua evangelização, deve entrar numa nova etapa histórica do seu dinamismo missionário. Num mundo que, com o encurtar das distâncias, se torna sempre mais pequeno, as comunidades eclesiais devem ligar-se entre si, trocar energias e meios, empenhar-se juntas na missão, única e comum, de anunciar e de viver o Evangelho. « As Igrejas ditas mais jovens — disseram os Padres sinodais — têm necessidade da força das mais antigas, enquanto que estas precisam do testemunho e do entusiasmo das mais jovens, de forma que cada Igreja beneficie das riquezas das outras Igrejas ».(127)

Nesta nova etapa, a formação, não só do clero local mas também de um laicado maduro e responsável, coloca-se nas novas Igrejas como elemento essencial e obrigatório da plantatio Ecclesiae.(128) Dessa forma, as próprias comunidades evangelizadas lançam-se para novas paragens do mundo a fim de responderem, também elas, à missão de anunciar e testemunhar o Evangelho de Cristo.

Os fiéis leigos, com o exemplo da sua vida e com a própria acção, podem favorecer o melhoramento das relações entre os adeptos das diferentes religiões, como oportunamente observaram os Padres sinodais: « Hoje, a Igreja vive em toda a parte entre homens de religiões diferentes. Todos os fiéis, especialmente os leigos que vivem no meio de povos de outras religiões, tanto nas terras de origem como em terras de emigração, devem constituir para estes um sinal do Senhor e da Sua Igreja, de maneira adaptada às circunstâncias de vida de cada lugar. O diálogo entre as religiões tem uma importância fundamental, pois conduz ao amor e ao respeito recíproco, elimina, ou ao menos, atenua os preconceitos entre os adeptos das várias religiões e promove a unidade e a amizade entre os povos ».(129)

Para evangelizar o mundo são necessários, antes de mais, os evangelizadores. Por isso, todos, a começar pelas famílias cristãs, devem sentir a responsabilidade de favorecer o despertar e o amadurecer de vocações especificamente missionárias, tanto sacerdotais e religiosas como laicais, recorrendo a todos os meios oportunos e sem nunca esquecer o meio privilegiado da oração, conforme a própria palavra do Senhor Jesus: « A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rezai, poi, ao dono da seara que mande trabalhadores para a sua seara! » (Mt 9,37-38).

(126) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre a actividade missionária da Igreja Ad gentes, AGD 20; cf. também ibid., AGD 37.
(127) Propositio 29.
(128) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre a actividade missionária da Igreja Ad gentes, AGD 21.
(129) Propositio 30 bis.


Viver o Evangelho servindo a pessoa e a sociedade

36 Ao anunciar e ao acolher o Evangelho na força do Espírito, a Igreja torna-se comunidade evangelizada e evangelizadora e, precisamente por isso, faz-se serva dos homens. Nela, os fiéis leigos participam na missão de servir a pessoa e a sociedadeÉ verdade que a Igreja tem como fim supremo o Reino de Deus, do qual ela « constitui na terra o gérmen e o início »,(130) e, portanto, está inteiramente consagrada à glorificação do Pai. Mas, o Reino é fonte de libertação plena e de salvação total para os homens: com estes, portanto, a Igreja caminha e vive, real e intimamente solidária com a sua história.

Tendo recebido o encargo de manifestar ao mundo o mistério de Deus, que brilha em Jesus Cristo, ao mesmo tempo, a Igreja descobre o homem ao homem, esclarece-o acerca do sentido da sua existência, abre-o à verdade total acerca dele e do seu destino.(131) Nesta perspectiva, a Igreja é chamada, em virtude da sua própria missão evangelizadora, a servir o homem. Tal serviço tem a sua raiz primeiramente no facto prodigioso e empolgante de que, « com a encarnação, o Filho de Deus uniu-se de certa forma a todo o homem ».(132)

Por isso, o homem « é o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer no desempenho da sua missão: ele é o caminho primeiro e fundamental da Igreja, caminho traçado pelo próprio Cristo, caminho que imutavelmente passa através do mistério da Encarnação e da Redenção ».(133)

Precisamente neste sentido se pronunciou repetidas vezes e com singular clareza e vigor o Concílio Vaticano II nos seus diversos documentos. Releiamos um texto particularmente iluminador da Constituição Gaudium et spes: « A Igreja, ao procurar o seu fim salvífico próprio, não se limita a comunicar ao homem a vida divina; espalha sobre todo o mundo os reflexos da sua luz, sobretudo enquanto cura e eleva a dignidade da pessoa humana, consolida a coesão da sociedade e dá um sentido mais profundo à quotidiana atividade dos homens. A Igreja pensa, assim, que por meio de cada um dos seus membros e por toda a sua comunidade, muito pode ajudar para tornar mais humana a família dos homens e a sua história ».(134)

Neste contributo à família dos homens, de que é responsável a Igreja inteira, cabe aos fiéis leigos um lugar de relevo, em razão da sua « índole secular », que os empenha, com modalidades próprias e insubstituíveis, na animação cristã da ordem temporal.

(130) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium,
LG 5.
(131) Cf. Conc.. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, GS 22.
(132) Ibid. GS 22
(133) João Paulo II, Encicl. Redemptor hominis, RH 14: AAS 71 (1979), 284-285.
(134) Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, GS 40.



Christifideles laici PT 29