Diretório 2013


CongregaÇÃO pARA O Clero










DIRETÓRIO PARA O MINISTÉRIO E A VIDA DOS PRESBÍTEROS


NOVA EDIÇÃO

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APRESENTAÇÃO

O fenômeno da “secularização” – tendência a viver a vida numa projeção horizontal, colocando de lado ou neutralizando, ainda que se acentue voluntariamente o discurso religioso, a dimensão do transcendente – há diversas décadas vem envolvendo, sem exceção, todos os batizados, em tal medida que aqueles que, por mandato divino, possuem a missão de guiar a Igreja, foram levados a tomarem uma posição decidida. Um destes efeitos, seguramente o mais relevante, é o distanciamento da prática religiosa, com uma rejeição – às vezes consciente, outras vezes induzida por tendências habituais subliminarmente impostas por uma cultura decidida a descristianizar a sociedade civil – seja do depositum fidei, assim como autenticamente ensinado pelo Magistério católico, seja da autoridade e do papel dos ministros sagrados, que Cristo chamou para Si (Mc 3,13-19) a fim de cooperarem em seu plano de salvação e de conduzirem os homens à obediência da fé (Si 48,10 He 4,1-11 Catecismo da Igreja Católica, n. CEC 144ss.). Daí o particular afã com o qual o Papa Bento XVI, desde os primeiros momentos de seu pontificado, se esmera na re-apresentação da doutrina católica como sistematização orgânica da sabedoria autenticamente revelada por Deus e que em Cristo tem o seu cumprimento, doutrina cujo valor de veridicidade está ao alcance da inteligência de todos os homens (Catecismo da Igreja Católica, n. CEC 27ss.). 

Porém, se é verdade que a Igreja existe, vive e se perpetua no tempo por meio da missão evangelizadora (Cf. Concílio Vaticano II, Decreto Ad Gentes), parece claro que, por isso mesmo, o efeito mais prejudicial causado pela difusão da secularização é a crise do ministério sacerdotal, crise que, por um lado, se manifesta numa sensível redução das vocações, e, por outro, na propagação de um espírito de verdadeira e própria perda do sentido sobrenatural da missão sacerdotal, formas de inautenticidade que, nas degenerações mais extremas, em não poucas vezes, deram origem a situações de graves sofrimentos. Por este motivo, a reflexão sobre o futuro do sacerdócio coincide com o futuro da evangelização e, portanto, da própria Igreja. Em 1992, o Beato João Paulo II, com a Exortação apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, já tinha colocado amplamente em evidência tudo isso que estamos dizendo, e, sucessivamente, tinha impulsionado a considerar seriamente o problema, mediante uma série de intervenções e iniciativas. Entre estas últimas, indubitavelmente recorda-se de modo todo especial o Ano Sacerdotal 2009-2010, significativamente celebrado em concomitância com o 150º Aniversário da morte de S. João Maria Vianney, patrono dos párocos e dos sacerdotes com cura de almas.

Foram estas as razões fundamentais que, depois de uma longa série de pareceres e consultas, nos viram envolvidos, em 1994, na redação da primeira edição do Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros, um instrumento adequado para iluminar e guiar no empenho pela renovação espiritual dos ministros sagrados, apóstolos que necessitam sempre mais de orientação, já que estão imersos em um mundo difícil e continuamente mutável.

A profícua experiência do Ano Sacerdotal (cujo eco está ainda próximo de nós), a promoção de uma «nova evangelização», as ulteriores e preciosas indicações do magistério de Bento XVI, e, infelizmente, as dolorosas feridas que atormentaram a Igreja pela conduta de alguns de seus ministros, nos exortaram a repensar em uma nova edição do Diretório, que pudesse ser mais adaptada ao presente momento histórico, ainda que mantendo substancialmente inalterado o esquema do documento original e também, naturalmente, o ensino perene da teologia e da espiritualidade do sacerdócio católico. Já em sua breve introdução, aparecem claramente as suas intenções: «Parece oportuno relembrar aqueles elementos doutrinais que são fundamentais e estão no centro da identidade, da espiritualidade e da formação permanente dos presbíteros, porque ajudam a aprofundar no significado de ser sacerdote e a crescer em sua exclusiva relação com Cristo Cabeça e Pastor: o que necessariamente beneficiará todo o ser e agir do presbítero». Que este não se torne um trabalho estéril, depende da medida com a qual será concretamente acolhido por seus diretos destinatários. «Este Diretório é um documento de edificação e santificação dos sacerdotes em um mundo, em muitos aspectos, secularizado e indiferente».

Vale a pena considerar alguns temas tradicionais que foram aos poucos obscurecidos ou às vezes rejeitados em benefício de uma visão funcionalista do sacerdote, considerado como “profissional do sagrado”, ou de uma concepção “política”, que lhe confere dignidade somente se for socialmente ativo. Tudo isto mortificou frequentemente a dimensão mais conotativa, que se poderia definir “sacramental” do ministro que, enquanto distribui os tesouros da graça divina, ainda que permanecendo nos limites de uma humanidade ferida pelo pecado, é ele mesmo misteriosa presença de Cristo no mundo. 

Antes de tudo, a relação do sacerdote com o Deus Trino. A revelação de Deus como Pai, Filho e Espírito Santo é ligada à manifestação de Deus como o Amor que cria e que salva. Ora, se a redenção é uma espécie de criação e um prolongamento desta (efetivamente é chamada de “nova”), então, o sacerdote, ministro da redenção, sendo, em seu ser, fonte de vida nova, torna-se, por isto mesmo, instrumento da nova criação. Isso já é suficiente para refletir a grandeza do ministro ordenado, independentemente das suas capacidades e dos seus talentos, dos seus limites e das suas misérias. É isso que induzia Francisco de Assis a declarar em seu Testamento: «E a eles e a todos os outros quero temer, amar e honrar como meus senhores. E neles não quero considerar pecado, porque neles escolho o Filho de Deus, e são meus senhores. E assim o faço porque nada vejo corporalmente do próprio altíssimo Filho de Deus, neste mundo, senão o seu santíssimo corpo e o seu santíssimo sangue, que eles recebem e somente eles ministram aos outros». Aquele Corpo e aquele Sangue que regeneram a humanidade.

Outro ponto importante sobre o qual comumente pouco se insiste, mas de que procedem todas as implicações práticas, é aquele da dimensão ontológica da oração, no qual a Liturgia das Horas ocupa uma função especial. Acentua-se muitas vezes como esta seja, no plano litúrgico, um tipo de prolongação do sacrifício eucarístico (Ps 49, «Honra-me quem oferece um sacrifício de louvor»), e, no plano jurídico, um dever imprescindível. Mas, na visão teológica do sacerdócio ordenado como participação ontológica na “capitalidade” de Cristo, a oração do ministro sagrado, não obstante sua condição moral, em todos os efeitos é oração de Cristo, com a mesma dignidade e a mesma eficácia. Ademais, esta, com a autoridade que os Pastores receberam do Filho de Deus de “empenhar” o Céu sobre as questões decididas na terra em benefício da santificação dos fiéis (Mt 18,18), satisfaz plenamente o mandamento do Senhor de orar sem cessar, em todo momento, sem se cansar (Lc 18,1 Lc 21,36). Este é um ponto em que é bom insistir. «Sabemos, porém, que Deus não ouve a pecadores, mas atende a quem lhe presta culto e faz a sua vontade» (Jn 9,31). Ora, além de Cristo em pessoa, quem mais honra o Pai e cumpre perfeitamente a sua vontade? Se, então, o sacerdote age in persona Christi em cada uma de suas atividades de participação na redenção – com as devidas diferenças: no ensino, na santificação, guiando os fiéis à salvação –, nada de sua natureza pecadora pode ofuscar o poder da sua oração. Isto, obviamente, não nos deve induzir a minimizar a importância de uma sã conduta moral do ministro (como, aliás, de cada batizado), cuja medida deve ser a santidade de Deus (Lv 20,8 1P 1,15-16); antes, serve para sublinhar como a salvação vem de Deus e como Ele precisa de sacerdotes para perpetuá-la no tempo, e como não são necessárias complicadas práticas ascéticas ou particulares formas de expressão espiritual, porque todos os homens podem desfrutar, também por meio da oração dos pastores, escolhidos por eles, dos efeitos benéficos do sacrifício de Cristo.

Insiste-se ainda na importância da formação do sacerdote, que deve ser integral, sem privilegiar um aspecto a despeito de outro. A essência da formação cristã, em cada caso, não pode ser entendida como um “adestramento” que toque as faculdades espirituais humanas (inteligência e vontade) nas suas, por assim dizer, manifestações exteriores. Esta é uma transformação do próprio ser do homem, e cada mudança ontológica não pode ser senão operada por Deus, por meio do Espírito, cuja obra, como se recita no Credo, é de «dar a vida». “Formar” significa dar o aspecto de qualquer coisa, ou, em nosso caso, de Alguém: «Aliás, sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os Seus desígnios. Os que Ele distinguiu de antemão, também os predestinou para serem conformes a imagem de seu Filho» (Rm 8,28-29). A formação específica do sacerdote, logo, já que ele é, como dissemos acima, uma espécie de “co-criador”, requer um abandono todo especial à obra do Espírito Santo, evitando, mesmo na valorização dos próprios talentos, que se caia no perigo do ativismo, da impressão de que a eficácia da própria ação pastoral dependa da notabilidade pessoal. Este ponto, bem considerado, pode certamente infundir confiança naqueles que, num mundo amplamente secularizado e surdo às requisições da fé, facilmente poderiam escorregar no desencorajamento e, deste, na mediocridade pastoral, na tibieza e, por último, no questionamento daquela missão que, no início, tinham acolhido com um entusiasmo tão grande e sincero.

O bom conhecimento das ciências humanas (em particular da filosofia e da bioética), para enfrentar de cabeça erguida os desafios do laicismo; a valorização e o uso dos meios de comunicação de massa, em auxílio à eficácia do anúncio da Palavra; a espiritualidade eucarística como especificidade da espiritualidade sacerdotal (a Eucaristia é o sacramento de Cristo que se faz dom incondicional e total do amor do Pai aos irmãos, e tal deve ser também aquele que é participação de Cristo-dom) e da qual depende o sentido do celibato (por muitas vozes combatido, porque mal compreendido); a relação com a hierarquia eclesiástica e a fraternidade sacerdotal; o amor a Maria, Mãe dos sacerdotes, cujo papel na economia da salvação é de primeiro nível, como elemento, não decorativo ou opcional, mas essencial; esses, e outros temas, são sucessivamente tratados neste Diretório, em um paradigma claro e completo, útil para purificar idéias equívocas ou tortuosas sobre a identidade e a função do ministro de Deus na Igreja e no mundo, e que, sobretudo, pode realmente servir de auxílio a cada presbítero para que se sinta orgulhosamente membro daquele maravilhoso plano do amor de Deus, que é a salvação do gênero humano.


Mauro Card. Piacenza

Prefeito


+ Celso Morga Iruzubieta

Arcebispo tit. de Alba marittima

Secretário



INTRODUÇÃO

Bento XVI, em seu discurso aos participantes do Congresso promovido pela Congregação para o Clero, em 12 de março de 2012, recordou que «o tema da identidade presbiteral [...] é determinante para o exercício do sacerdócio ministerial no presente e no futuro». Estas palavras sinalizam uma das questões centrais para a vida da Igreja, como é, de fato, a compreensão do ministério ordenado.

Há alguns anos, partindo da rica experiência da Igreja acerca do ministério e da vida dos presbíteros, condensada em diversos documentos do Magistério[1] e em particular nos conteúdos da Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis[2], este Dicastério apresentou o Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros[3].

A publicação deste documento respondia ainda a uma exigência fundamental: «a prioritária tarefa pastoral da nova evangelização, que diz respeito a todo o Povo de Deus e postula um novo ardor, novos métodos e uma nova expressão para o anúncio e o testemunho do Evangelho, exige sacerdotes, radical e integralmente imersos no mistério de Cristo, e capazes de realizar um novo estilo de vida pastoral»[4]. O referido Diretório foi, em 1994, uma resposta a esta exigência e também às requisições feitas por numerosos Bispos, seja durante o Sínodo de 1990, como por ocasião da consulta geral ao Episcopado feita por este Dicastério.

Depois do ano de 1994, o Magistério do Beato João Paulo II foi rico de conteúdos sobre o sacerdócio; um tema que, por sua vez, o Papa Bento XVI aprofundou com os seus numerosos ensinamentos. O Ano Sacerdotal, de 2009-2012, foi um tempo particularmente propício para meditar sobre o ministério sacerdotal e promover uma autêntica renovação espiritual dos sacerdotes.

Enfim, com a transmissão da competência sobre os Seminários da Congregação para a Educação Católica a este Dicastério, Bento XVI quis dar uma indicação clara referente a relaçao inquebrantável entre a identidade sacerdotal e a formação dos chamados ao sagrado ministério.

Por tudo isto, pareceu ser um dever providenciar uma versão atualizada do Diretório, que recolhesse o rico Magistério mais recente[5].

Como é lógico, a nova redação respeita o esquema do documento original, que foi bem acolhido pela Igreja, especialmente pelos próprios sacerdotes. Ao delinear os diversos conteúdos, levaram-se em conta seja as sugestões de todo o Episcopado mundial, consultado para este fim, seja aquilo que surgiu no curso dos trabalhos da Congregação plenária, que aconteceu no Vaticano em outubro de 1993, seja, enfim, as reflexões de não poucos teólogos, canonistas e especialistas na matéria, provenientes de diversas áreas geográficas e inseridos nas atuais situações pastorais. 

Na atualização do Diretório, procurou-se acentuar os aspectos mais relevantes do ensinamento magisterial sobre o sagrado ministério desenvolvido desde 1994 até os nossos dias, fazendo referência a documentos essenciais do Beato João Paulo II e de Bento XVI. Mantiveram-se também as indicações práticas úteis para empreender iniciativas, evitando, todavia, entrar naqueles detalhes que somente as legítimas práxis locais e as condições reais de cada Diocese e Conferência Episcopal poderão utilmente sugerir à prudência e ao zelo dos Pastores.

No atual clima cultural, convém recordar que a identidade do sacerdote como homem de Deus não foi e não sará superada. Parece oportuno relembrar aqueles elementos doutrinais que são fundamentais e estão no centro da identidade, da espiritualidade e da formação permanente dos presbíteros, porque ajudam a aprofundar no significado de ser sacerdote e a crescer em sua exclusiva relação com Cristo Cabeça e Pastor: o que necessariamente beneficiará todo o ser e agir do presbítero.

Enfim, como dizia a Introdução da primeira edição do Diretório, esta versão atualizada não quer oferecer uma exposição exaustiva sobre o sacerdócio ordenado, e também não se limita a uma pura e simples repetição de tudo o que já foi autenticamente declarado pelo Magistério da Igreja; deseja, mais precisamente, responder às principais interrogações, de ordem doutrinal, disciplinar e pastoral, apresentadas aos sacerdotes pelo desafio da nova evangelização, em vista da qual o Papa Bento XVI quis instituir um oportuno Pontifício Conselho[6]. 

Deste modo, por exemplo, quis-se por especial ênfase na dimensão cristológica  da identidade do presbítero, e também sobre a comunhão, a amizade e a fraternidade sacerdotais, considerados como bens vitais, dada sua incidência na existência do sacerdote. Pode-se dizer o mesmo da espiritualidade presbiteral, enquanto fundada na Palavra e nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia. Enfim, oferecem-se alguns conselhos para uma adequada formação permanente, entendida como auxílio para aprofundar no significado de ser sacerdote e, assim, viver com alegria e responsabilidade a própria vocação.

Este Diretório é um documento de edificação e santificação dos sacerdotes em um mundo, em muitos aspectos, secularizado e indiferente. O texto é destinado, principalmente, através dos Bispos, a todos os presbíteros da Igreja latina, mesmo que muitos dos seus conteúdos possam servir aos presbíteros da outros ritos. As diretivas contidas aqui dizem respeito, em particular, aos presbíteros do clero secular diocesano, embora muitas destas, com as devidas adaptações, devam ser levadas em consideração também pelos presbíteros membros dos Institutos de vida consagrada e das Sociedades de vida apostólica.

Mas, como já indicado nas primeiras linhas, esta nova edição do Diretório representa também um auxílio para os formadores de Seminário e os candidatos ao ministério ordenado. O Seminário representa o momento e o lugar de crescimento e amadurecimento da consciência do mistério de Cristo e, com esta, a consciência de que, se no nível exterior a autenticidade do nosso amor a Deus se mede pelo amor que temos pelos irmãos (1Jn 4,20-21), no nível interior o amor à Igreja é verdadeiro apenas se é efeito de uma ligação intensa e exclusiva a Cristo. Refletir sobre o sacerdócio equivale, assim, a meditar sobre Aquele pelo qual se dispôs a deixar tudo e seguí-Lo (Mc 10,17-30). Deste modo, o projeto formativo se identifica em sua essência com o conhecimento do Filho de Deus que, através da missão profética, sacerdotal e real, conduz cada homem ao Pai por meio do Espírito: «A uns Ele constituiu apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas, pastores, doutores, para o aperfeiçoamento dos cristãos, para o desempenho da tarefa que visa à construção do corpo de Cristo, até que todos tenhamos chegado à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, até atingirmos o estado de homem feito, a estatura da maturidade de Cristo» (Ep 4,11-13).

Que esta Nova edição do Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros possa constituir para cada homem chamado a participar do sacerdócio de Cristo Cabeça e Pastor um auxílio no aprofundamento da própria identidade vocacional e no crescimento da própria vida interior; um encorajamento no ministério e na realização da própria formação permanente, da qual cada um é o primeiro responsável; um ponto de referência para um apostolado rico e autêntico, em benefício da Igreja e do mundo inteiro.

Que Maria Santíssima faça ressoar em nossos corações, dia após dia, e particularmente quando nos preparamos para celebrar o Sacrifício do altar, o seu convite nas bodas de Caná da Galileia: “Fazei o que Ele vos disser” (Jn 2,5). Confiemo-nos a Maria, Mãe dos sacerdotes, com a oração do Papa Bento XVI:


«Mãe da Igreja,
nós, sacerdotes,
queremos ser pastores
que não se apascentam a si mesmos,
mas se oferecem a Deus pelos irmãos,
nisto mesmo encontrando a sua felicidade.

Queremos,
não só por palavras, mas com a própria vida,
repetir humildemente, dia após dia,
o nosso “eis-me aqui”.

Guiados por Vós,
queremos ser Apóstolos
da Misericórdia Divina,
felizes por celebrar cada dia
o Santo Sacrifício do Altar
e oferecer a quantos no-lo peçam
o sacramento da Reconciliação.

Advogada e Medianeira da graça,
Vós que estais totalmente imersa
na única mediação universal de Cristo,
solicitai a Deus, para nós,
um coração completamente renovado,
que ame a Deus com todas as suas forças
e sirva a humanidade como o fizestes Vós.

Repeti ao Senhor aquela
Vossa palavra eficaz:
“não têm vinho” (Jn 2,3),
para que o Pai e o Filho derramem sobre nós,
como que numa nova efusão,
o Espírito Santo»[7].


[1]     Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Constituição dogmática sobre a Igreja Lumen gentium:AAS 57 (1965), LG 28; Decreto sobre a formação sacerdotal Optatam totius: AAS 58 (1966), OT 22; Decreto sobre o ofício pastoral dos Bispos Christus Dominus: AAS 58 (1966), CD 16; Decreto sobre o ministério e a vida dos Presbíteros Presbyterorum Ordinis: AAS 58 (1966), 991-1024; Paulo VI, Carta enc. Sacerdotalis caelibatus (24 de junho de 1967): AAS 59 (1967), 657-697; Sagrada Congregação para o Clero, Carta circular Inter ea (4 de novembro de 1969): AAS 62 (1970), 123-134; Sínodo dos Bispos, Documento sobre o sacerdócio ministerial Ultimis temporibus (30 de novembro de 1971): AAS 63 (1971), 898-922; Codex Iuris Canonici (25 de janeiro de 1983), cann. CIC 273-289 CIC 232-264 CIC 1008-1054; Sagrada Congregação para a Educação Católica, Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis (19 de março de 1985), 101; João Paulo II, Cartas aos Sacerdotes por ocasião da Quinta-feira Santa; Catequeses sobre os presbíteros, nas Audiências gerais de 31 de março a 22 de setembro de 1993.
[2]     João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de março de 1992): AAS 84 (1992), 657-804.
[3]     Congregação para o Clero, Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros (31 de março de 1994), LEV, Cidade do Vaticano 1994.
[4]     João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis, PDV 18.
[5]     Cf., por exemplo, João Paulo II, Carta ap. em forma de Motu proprio Misericordia Dei (7 de abril de 2002): AAS 94 (2002), 452-459; Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17 de abril de 2003): AAS 95 (2003), 433-475; Exort. ap. pós-sinodal Pastores gregis (16 de outubro de 2003): AAS 96 (2004), 825-924; Cartas aos sacerdotes (1995-2002; 2004-2005); Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de fevereiro de 2007): AAS 99 (2007), 105-180; Mensagem aos participantes da XX edição do Curso para o Foro interno, promovido pela Penitenciaria Apostólica (12 de março de 2009): Insegnamenti V/1 (2009), 374-377; Discurso aos participantes da plenária da Congregação para o Clero (16 de março de 2009): Insegnamenti V/1 (2009), 391-394; Carta para a proclamação de um ano sacerdotal por ocasião do 150º aniversário do “Dies natalis” do Santo Cura d’Ars (16 de junho de 2009): AAS 101 (2009), 569-579; Discurso aos participantes do Curso promovido pela Penitenciaria Apostólica (11 de março de 2010): Insegnamenti VI/1 (2010), 318-321; Discurso aos participantes do Congresso Teológico promovido pela Congregação para o Clero (12 de março de 2010), AAS 102 (2010), 240; Vigília por ocasião da Conclusão do Ano sacerdotal (10 de junho de 2010): AAS 102 (2010), 397-406; Carta aos seminaristas (18 de outubro de 2010): AAS 102 (2010), 793-798.
[6]     Cf. Bento XVI, Carta Apostólica em forma de Motu proprio Ubicumque et semper, com a qual se institui o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização (21 de setembro de 2010): AAS 102 (2010), 788-792.
[7]     Bento XVI, Ato de confiança e consagração dos sacerdotes ao Coração Imaculado de Maria (12 de maio de 2010): Insegnamenti VI/1 (2010), 690-691.






I. IDENTIDADE DO PRESBÍTERO

Na sua Exortação apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, o Beato João Paulo II delineia a identidade do sacerdote: «Os presbíteros são, na Igreja e para a Igreja, uma representação sacramental de Jesus Cristo Cabeça e Pastor, proclamam a Sua palavra com autoridade, repetem os Seus gestos de perdão e oferta de salvação, nomeadamente com o Batismo, a Penitência e a Eucaristia, exercitam a Sua amável solicitude, até ao dom total de si mesmos, pelo rebanho que reúnem na unidade e conduzem ao Pai por meio de Cristo no Espírito»[8].

[8]     João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis, PDV 15.


O sacerdócio como dom

1 Toda a Igreja foi tornada participante da unção sacerdotal de Cristo no Espírito Santo. Com efeito, na Igreja, «todos os fiéis formam um sacerdócio santo e real, oferecem vítimas a Deus por meio de Jesus Cristo, e anunciam as virtudes d’Aquele que os chamou das trevas para a sua luz admirável» (cf. 1P 2,5 1P 2,9)[9]. Em Cristo, todo o seu Corpo místico está unido ao Pai pelo Espírito Santo, para a salvação de todos os homens.

Porém, a Igreja sozinha não pode levar para diante tal missão: toda a sua atividade tem intrinsecamente necessidade da comunhão com Cristo, cabeça do seu Corpo. Indissoluvelmente unida ao seu Senhor, ela recebe constantemente d’Ele mesmo o influxo de graça e de verdade, de guia e de sustento (cf. Col 2,19), para poder ser para todos e para cada um «o sinal e o instrumento da íntima união do homem com Deus e da unidade de todo o gênero humano»[10].

O sacerdócio ministerial encontra a sua razão de ser nesta união vital e operacional da Igreja com Cristo. Com efeito, mediante tal ministério, o Senhor continua a exercer no seu Povo aquela atividade que só a Ele pertence enquanto Cabeça do seu Corpo. Portanto, o sacerdócio ministerial torna tangível a ação própria de Cristo Cabeça, e testemunha que Cristo não se afastou da sua Igreja, mas continua a vivificá-la com o seu sacerdócio perene. Por este motivo, a Igreja considera o sacerdócio ministerial como um dom que Lhe foi concedido no ministério de alguns dos seus fiéis.

Tal dom instituído por Cristo para continuar a sua missão salvífica, foi conferido inicialmente aos Apóstolos e continua na Igreja, por meio dos Bispos, seus sucessores, que, por sua vez, o transmitem em grau subordinado aos presbíteros, enquanto cooperadores da ordem episcopal; essa é a razão pela qual a identidade destes últimos, na Igreja, deriva da sua confirmação com a missão da Igreja. Tal incumbência, para o sacerdote, se realiza, por sua vez, na comunhão com o próprio Bispo[11], já que «a vocação do sacerdote é excelsa e permanece um grande Mistério também para quantos a receberam como dom. Os nossos limites e as nossas debilidades devem induzir-nos a viver e a conservar com fé profunda esta dádiva preciosa, com a qual Cristo nos configurou Consigo, tornando-nos partícipes da Sua Missão salvífica»[12].

[9]     Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Presbyterorum Ordinis, PO 2.
[10]    Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, LG 1.
[11]    Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Presbyterorum Ordinis, PO 2.
[12]    Bento XVI, Discurso aos participantes do Congresso Teológico promovido pela Congregação para o Clero (12 de março de 2010).


Raiz sacramental

2 Mediante a ordenação sacramental, por meio da imposição das mãos e da oração consecratória feita pelo do Bispo, estabelece-se no presbítero «um vínculo ontológico específico que o une a Cristo, Sumo Sacerdote e Bom Pastor»[13].

A identidade do sacerdote deriva, portanto, da participação específica no Sacerdócio de Cristo, pelo qual o ordenado se torna, na Igreja e para a Igreja, imagem real, viva e transparente de Cristo Sacerdote, «uma representação sacramental de Cristo Cabeça e Pastor »[14]. Por meio da consagração, o sacerdote «recebe como dom um “poder” espiritual que é participação na autoridade com a qual Jesus Cristo, mediante o Seu Espírito, guia a Igreja»[15].

Esta identificação sacramental com o Sumo e Eterno Sacerdote insere especificamente o presbítero no mistério trinitário e, por intermédio do mistério de Cristo, na Comunhão ministerial da Igreja, para servir o Povo de Deus[16], não como um encarregado de questões religiosas, mas como Cristo, que veio «não para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por uma multidão» (
Mt 20,28). Deste modo, não é de se admirar que «o princípio interior, a virtude que orienta e anima a vida espiritual do presbítero, enquanto configurado a Cristo Cabeça e Pastor» seja «a caridade pastoral, participação da própria caridade pastoral de Cristo Jesus: dom gratuito do Espírito Santo, e ao mesmo tempo tarefa e apelo a uma resposta livre e responsável do sacerdote»[17].

Ao mesmo tempo, não se deve esquecer de que cada sacerdote é único como pessoa, e possui os próprios modos de ser. Cada um é único e insubstituível. Deus não anula a personalidade do sacerdote, antes, a requer completamente, desejando servir-se dela – a graça, de fato, edifica a natureza – a fim de que o sacerdote possa transmitir as verdades mais profundas e preciosas mediante as suas características, que Deus respeita e também os outros devem respeitar.

[13]    João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis, PDV 11.
[14]    Ibid., PDV 15.
[15]    Ibid., PDV 21; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Presbyterorum Ordinis, PO 2 PO 12.
[16]    Cf. ibid., PDV 12.
[17]    Ibid., PDV 23.



1.1. Dimensão trinitária


Em comunhão com o Pai, com o Filho e com o Espírito

3 O cristão, mediante o Batismo, entra na comunhão com o Deus Uno e Trino, que lhe comunica a própria vida divina para fazê-lo tornar-se filho adotivo no Seu único Filho; por isso, é chamado a reconhecer Deus como Pai e, pela da filiação divina, a experimentar a providência paterna que nunca abandona os seus filhos. Se isto é verdade para todo cristão, é igualmente verdade que, pela força da consagração recebida no sacramento da Ordem, o sacerdote é colocado numa relação particular e específica com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo. Com efeito, «a nossa identidade tem a sua fonte última na caridade do Pai. Ao Filho, por Ele enviado como Sumo Sacerdote e Bom Pastor, estamos unidos sacramentalmente mediante o sacerdócio ministerial pela ação do Espírito Santo. A vida e o ministério do sacerdote são uma continuação da vida e ação do próprio Cristo. Esta é a nossa identidade, a nossa verdadeira dignidade, a fonte da nossa alegria, a certeza da nossa vida»[18].

A identidade, o ministério e a existência do presbítero estão, portanto, essencialmente relacionados com a Santíssima Trindade, em ordem ao serviço sacerdotal à Igreja e a todos os homens.

[18]    Ibid.,
PDV 18; Mensagem dos Padres sinodais ao Povo de Deus (28 de outubro de 1990), III: “L’Osservatore Romano”, 29-30 de outubro de 1990.


Na dinâmica trinitária da salvação

4 O sacerdote, «como prolongamento visível e sinal sacramental de Cristo na sua própria presença diante da Igreja e do mundo como origem permanente e sempre nova da salvação»[19], está inserido na dinâmica trinitária com uma responsabilidade especial. A sua identidade provém do ministerium verbi et sacramentorum, o qual está em relação essencial com o mistério do amor salvífico do Pai (cf. Jn 17,6-9 1Co 1,1 2Co 1,1), com o ser sacerdotal de Cristo, que escolhe e chama pessoalmente o seu ministro para estar com Ele (cf. Mc 3,15) e com o dom do Espírito (cf. Jn 20,21), que comunica ao sacerdote a força necessária para dar a vida a uma multidão de filhos de Deus, convocados para o único corpo eclesial e encaminhados para o Reino do Pai.

[19]    Ibid., PDV 16: l.c., 682.


Íntima relação com a Trindade

5 A partir daqui se compreende a característica essencialmente relacional (cf. Jn 17,11 Jn 17,21)[20] da identidade do sacerdote.

A graça e o caráter indelével, conferidos mediante a unção sacramental do Espírito Santo[21], colocam, assim, o sacerdote em relação pessoal com a Trindade, uma vez que ela constitui a fonte do ser e do agir sacerdotal.

O Decreto conciliar Presbyterorum Ordinis, desde o seu exórdio, sublinha a relação fundamental entre o sacerdote e a Santíssima Trindade, mencionando distintamente as três Pessoas divinas: «O ministério dos sacerdotes, enquanto unido à Ordem episcopal, participa da autoridade com que o próprio Cristo edifica, santifica e governa o seu corpo. Por isso, o sacerdócio dos presbíteros, supondo, é certo, os sacramentos da iniciação cristã, é, todavia, conferido mediante um sacramento especial, em virtude do qual os presbíteros ficam assinalados com um caráter particular e, dessa maneira, configurados a Cristo sacerdote, de tal modo que possam agir em nome de Cristo cabeça. [...] Por isso, o fim que os presbíteros pretendem atingir com o seu ministério e com a sua vida é a glória de Deus Pai em Cristo»[22].

Portanto, tal relação deve ser necessariamente vivida pelo sacerdote duma maneira íntima e pessoal, em diálogo de adoração e de amor com as Três Pessoas divinas, consciente de que o dom recebido lhe foi dado para o serviço de todos.

[20]    Cf. ibid., PDV 12: l.c., 675-677.
[21]    Cf. Conc. Ecum. Trident., Sessio XXIII, De sacramento Ordinis: DS 1763-1778; João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis, PDV 11-18; Audiência geral (31 de março de 1993): Insegnamenti XVI/1, 784-797.
[22]    Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Presbyterorum Ordinis, PO 2.


Diretório 2013