Diretório 2013 51

Imitar a Cristo que reza

51 Por causa de numerosos empenhos provenientes em larga medida da atividade pastoral, a vida do presbítero está exposta, hoje mais do que nunca, a uma série de solicitações que poderiam conduzi-la para um crescente ativismo, submetendo-a a um ritmo, por vezes, frenético e irresistível.

Contra tal tentação, é necessário não esquecer que a primeira intenção de Jesus foi a de convocar à sua volta os Apóstolos para que «estivessem com ele» (
Mc 3,14).

O próprio Filho de Deus quis deixar-nos o testemunho da sua oração. Com efeito, muito frequentemente, os Evangelhos apresentam-nos Cristo em oração: na revelação da sua missão por parte do Pai (cf. Lc 3,21-22) antes de chamar os Apóstolos (cf. Lc 6,12), ao dar graças a Deus na multiplicação dos pães (cf. Mt Mt 14, 19;15, 36; Mc 6,41 Mc 8,7 Lc 9,16 Jn 6,11), na transfiguração no monte (cf. Lc 9,28-29), quando cura o surdo mudo (cf. Mc 7,34) e ressuscita Lázaro (cf. Jo 11,41ss), antes da confissão de Pedro (cf. Lc 9,18), quando ensina os discípulos a rezar (cf. Lc 11,1) e quando eles regressam depois de ter cumprido a sua missão (cf. Mt 11,25ss; Lc 10,21ss), ao abençoar as crianças (cf. Mt Mt 19,13) e ao rezar por Pedro (cf. Lc 22,32), etc.

Toda a sua atividade quotidiana derivava da oração. Assim, ele retirava-se para o deserto ou para o monte para rezar (cf. Mc 1,35 Mc 6,46 Lc 5,16 Mt 4,1 Mt 14,23), levantava-se de manhã muito cedo (cf. Mc 1,35) e passava a noite inteira em oração a Deus (cf. Mt Mt 14,23 Mt Mt 14,25 Mc 6,46 Mc 6,48 Lc 6,12).

Até ao fim da sua vida, na última Ceia (cf. Jn 17,1-26), na agonia (cf. Mt Mt 26,36-44 par.) e na cruz (cf. Lc 23,34 Lc 23,46 Mt 27,46 Mc 15,34), o divino Mestre demonstrou que a oração animava o seu ministério messiânico e o seu êxodo pascal. Ressuscitado de entre os mortos, vive para sempre e intercede por nós (cf. Hb He 7,25)[215].

Por isso, a prioridade fundamental do sacerdote é a sua relação pessoal com Cristo através de abundantes momentos de silêncio e de oração, nos quais cultiva e aprofunda o próprio relacionamento com a pessoa viva do Senhor Jesus. Seguindo o exemplo de São José, o silêncio do sacerdote «não manifesta um vazio interior, mas, ao contrário, a plenitude de fé que ele traz no coração, e que orienta todos os seus pensamentos e todas as suas ações»[216]. Um silêncio que, como o do santo Patriarca, «conserva a Palavra de Deus, conhecida através das Sagradas Escrituras, comparando-a continuamente com os acontecimentos da vida de Jesus; um silêncio impregnado de oração constante, de oração de bênção do Senhor, de adoração da sua santa vontade e de confiança sem reservas na sua providência»[217].

Na comunhão da Sagrada Família de Nazaré, o silêncio de José se harmonizava com o recolhimento de Maria, «realização mais perfeita» da obediência da fé[218], a qual «conservava e meditava no seu coração todas as “maravilhas” feitas pelo Omnipotente»[219].

Deste modo, os fiéis verão no sacerdote um homem apaixonado por Cristo, que leva consigo o fogo do Seu amor; um homem que se sabe chamado pelo Senhor e está cheio de amor pelos seus.

[215]   Cf. Institutio Generalis Liturgiae Horarum, 3-4; Catecismo da Igreja Católica, CEC 2598-2606.
[216]   Bento XVI, Angelus (18 de dezembro de 2005): Insegnamenti I (2005), 1003.
[217]   Ibid.
[218]   Catecismo da Igreja Católica, CEC 144.
[219]   Ibid., CEC 2599; cf. Lc 2,19 Lc 2,51.


Imitar a Igreja que reza

52 Para permanecer fiel ao empenho de “estar com Jesus”, é necessário que o presbítero saiba imitar a Igreja que reza.

Proclamando a Palavra de Deus, que ele mesmo recebeu com alegria, o sacerdote recorde-se da exortação que o Bispo lhe dirigiu no dia da sua ordenação: «Por isso, fazendo da Palavra o objeto da tua contínua reflexão, crê sempre no que lês, ensina o que crês, realiza na vida o que ensinas. Deste modo, enquanto com a doutrina darás alimento ao Povo de Deus e com o bom testemunho da vida lhe servirás de conforto e sustento, tornar-te-ás construtor do templo de Deus, que é a Igreja». De forma semelhante, em relação à celebração dos sacramentos e, em particular, da Eucaristia: «Sê, portanto, consciente do que fazes, imita o que realizas e dado que celebras o mistério da morte e da ressurreição do Senhor, leva a morte de Cristo no teu corpo e caminha na sua novidade de vida». E, enfim, em relação à guia pastoral do Povo de Deus para conduzi-lo até ao Pai: «Por isso não deixes nunca de ter o olhar fixo em Cristo, bom Pastor, que veio, não para ser servido, mas para servir e para procurar e salvar os que estavam perdidos»[220].

[220]   Pontificale Romanum, De ordinatione Episcopi, Presbyterorum et Diaconorum, II, 151, l.c., 87-88.


Oração como comunhão

53 Fortificado pela especial ligação ao Senhor, o presbítero saberá enfrentar os momentos em que poderia sentir-se só no meio dos homens; renovando energicamente o seu estar com Cristo na Eucaristia, lugar real da presença do seu Senhor.

Como Jesus, que enquanto estava só estava continuamente com o Pai (cf.
Lc 3,21 Mc 1,35), assim também o presbítero deve ser o homem que, na solidão, encontra a comunhão com Deus[221], de modo a poder dizer com S. Ambrósio: «Nunca estou menos só do que quando pareço estar só»[222].

Ao lado do Senhor, o presbítero encontrará a força e os instrumentos para re-aproximar os homens de Deus, para acender a sua fé, para suscitar empenho e partilha.

[221]   Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Presbyterorum Ordinis, PO 18; Sínodo dos Bispos, Documento sobre o sacerdócio ministerial Ultimis temporibus (30 de novembro de 1971), II, I, 3: l.c., 913-915; João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis, PDV 46-47; Audiência geral (2 de junho de 1993), 3: Insegnamenti XVI/1, 1389.
[222]   «Numquam enim minus solus sum, quam cum solus esse videor»: Epist. 33 (Maur. 49), 1: CSEL 82, 229.


2.3. Caridade pastoral


Manifestação da caridade de Cristo

54 A caridade pastoral, intimamente conexa à Eucaristia, constitui o principio interior e dinâmico capaz de unificar as múltiplas e diversas atividades pastorais do presbítero e conduzir os homens à vida da Graça.

A atividade ministerial deve ser uma manifestação da caridade de Cristo, da qual o presbítero saberá exprimir atitudes e comportamentos, até a doação total de si em benefício do rebanho que lhe foi confiado[223]. Deve ser particularmente próxima aos sofredores, aos pequenos, às crianças, às pessoas em dificuldade, aos marginalizados e aos pobres, levando a todos o amor e a misericórdia do Bom Pastor.

Assimilar a caridade pastoral de Cristo de maneira a torná-la forma da própria vida, é uma meta que exige do sacerdote uma intensa vida eucarística, bem como empenhos e sacrifícios contínuos, já que ela não se improvisa, não conhece pausas nem pode ser conseguida duma vez para sempre. O ministro de Cristo deve sentir-se obrigado a viver e a testemunhar esta realidade sempre e em toda a parte, mesmo quando, por causa da idade, fosse aliviado dos encargos pastorais.

[223]   Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Presbyterorum Ordinis,
PO 14; João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis, PDV 23.


Funcionalismo

55 A caridade pastoral corre, sobretudo hoje, o perigo de ser esvaziada do seu significado pelo assim chamado funcionalismo. Com efeito, não é raro notar, mesmo em alguns sacerdotes, o influxo duma mentalidade que tende erroneamente a reduzir o sacerdócio ministerial só aos aspectos funcionais. Ser padre consistiria em realizar alguns serviços e em garantir algumas prestações de trabalho. Tal concepção, redutora da identidade e do ministério do sacerdote, corre o risco de lançá-lo num vazio, que muitas vezes é preenchido por formas de vida que não estão de acordo com o próprio ministério.

O sacerdote que sabe ser ministro de Cristo e da Igreja, que age como apaixonado por Cristo com todas as forças da sua vida ao serviço de Deus e dos homens, encontra na oração, no estudo e na leitura espiritual a força necessária para vencer também este perigo[224].

[224]   Cf. C.I.C., can.
CIC 279, § 1.



2.4. A obediência


Fundamento da obediência

56 A obediência é uma virtude de importância primária e está estreitamente unida à caridade. Como ensina o Servo de Deus Paulo VI, na «caridade pastoral» se pode superar «a relação de obediência jurídica, para que essa obediência seja mais voluntária, mais leal e mais segura»[225]. O próprio sacrifício de Jesus na Cruz adquiriu valor e significado salvífico por causa da sua obediência e da sua fidelidade à vontade do Pai. Ele «foi obediente até a morte e morte de cruz» (Ph 2,8). A carta aos Hebreus sublinha também que Jesus «aprendeu por experiência a obediência pelas coisas que sofreu» (He 5,8). Pode, por isso, dizer-se que a obediência ao Pai está no próprio coração do Sacerdócio de Cristo.

Como para Cristo, assim também para o presbítero, a obediência exprime a total e alegre disponibilidade de se cumprir a vontade de Deus. Por isso, o sacerdote reconhece que esta Vontade é manifestada também pelas indicações dos legítimos superiores. Esta disponibilidade deve ser entendida como uma verdadeira realização da liberdade pessoal, consequência duma escolha amadurecida constantemente diante de Deus na oração. A virtude da obediência, requerida intrinsecamente pelo sacramento e pela estrutura hierárquica da Igreja, é claramente prometida pelo clérigo, primeiro no rito da ordenação diaconal e, depois, no da ordenação presbiteral. Mediante ela, o presbítero fortalece a sua vontade de comunhão, entrando, assim, na dinâmica da obediência de Cristo, feito Servo obediente até à morte de Cruz (cf. Fl Ph 2,7-8)[226].

Na cultura contemporânea, é sublinhada a importância da subjetividade e da autonomia da pessoa individual, como intrínseca à sua dignidade. Esta realidade, em si mesma positiva, se for absolutizada e reivindicada fora do seu justo contexto, se torna negativa[227]. Isso pode se manifestar também no âmbito eclesial e na própria vida do sacerdote, no momento em que as atividades que realiza a favor da comunidade forem reduzidas a um fato puramente subjetivo.

Na realidade, o presbítero está, pela natureza do seu ministério, ao serviço de Cristo e da Igreja. Portanto, estará disponível a acolher quanto lhe é justamente indicado pelos Superiores e dum modo particular, se não estiver legitimamente impedido, deverá aceitar e cumprir fielmente o encargo que lhe foi confiado pelo seu Ordinário[228].

O Decreto Presbyterorum Ordinis descreve os fundamentos da obediência dos sacerdotes a partir da obra divina à qual estão chamados, mostrando depois o contexto desta obediência:

- o mistério da Igreja: «o ministério sacerdotal, porém, sendo ministério da própria Igreja, só em comunhão hierárquica com todo o corpo se pode desempenhar»[229].

- a fraternidade cristã: «a caridade pastoral instiga os presbíteros [para que], agindo nesta comunhão, entreguem a sua vontade por obediência ao serviço de Deus e dos seus irmãos, recebendo com espírito de fé e executando o que lhes é preceituado ou recomendado pelo Sumo Pontífice, pelo próprio Bispo e outros Superiores, entregando-se e “super-entregando-se”, de todo o coração, a qualquer cargo, ainda que humilde e pobre, que lhes seja confiado. Desta forma, conservam a necessária unidade e estreitam-na com os seus irmãos no ministério, sobretudo com aqueles que o Senhor pôs como chefes visíveis da sua Igreja, e trabalham para a edificação do corpo de Cristo, que cresce “por toda a espécie de junturas que o alimentam”»[230].

[225]   Paulo VI, Carta enc. Sacerdotalis caelibatus (24 de junho de 1967), 93.
[226]   Cf. Ibid., 15: l.c., 662-663; João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis, PDV 27.
[227]   Cf. João Paulo II, Carta enc. Veritatis splendor (6 de agosto de 1993), VS 31 VS 32 VS 106: AAS 85 (1993), 1158-1159; 1159-1160; 1216.
[228]   Cf. C.I.C., can. CIC 274, § 2.
[229]   Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Presbyterorum Ordinis, PO 15.
[230]   Ibid. PO 15


Obediência hierárquica

57 O presbítero deve uma «especial obrigação de respeito e obediência» ao Sumo Pontífice e ao Ordinário próprio[231]. Pelo fato de pertencer a um determinado presbitério, o presbítero está agregado ao serviço duma Igreja particular, cujo princípio e fundamento de unidade é o Bispo[232], que tem sobre ela todo o poder ordinário, próprio e imediato, necessário para o exercício do seu múnus pastoral[233]. A subordinação hierárquica, requerida pelo sacramento da Ordem, encontra a sua atuação eclesiológico-estrutural na referência ao Bispo próprio e ao Romano Pontífice, o qual detém o primado (principatus)do poder ordinário sobre todas as Igrejas particulares[234].

A obrigação de adesão ao Magistério em matéria de fé e de moral está intrinsecamente ligada a todas as funções que o sacerdote deve desenvolver na Igreja[235]. O procedimento contrário neste campo deve considerar-se grave, dado que produz o escândalo e a desorientação dos fiéis. O apelo à desobediência, especialmente ao Magistério definitivo da Igreja, não é uma via para a renovação da Igreja[236]. A sua inesgotável vivacidade pode derivar apenas do seguimento do Mestre, obediente até a cruz, com cuja missão se colabora «com o transbordar da alegria da fé, a radicalidade da obediência, a dinâmica da esperança e a força do amor»[237].

Ninguém mais do que o presbítero está consciente de que a Igreja tem necessidade de normas, as quais servem para proteger adequadamente os dons do Espírito Santo confiados à Igreja, porque, com efeito, uma vez que a sua estrutura hierárquica e orgânica é visível, o exercício das funções confiadas por Deus, especialmente a de guia e a da celebração dos sacramentos, deve ser adequadamente organizado[238].

Enquanto ministro de Cristo e da sua Igreja, o presbítero assume generosamente o empenho de observar fielmente todas e cada uma das normas, evitando aquelas formas de adesão parcial, segundo critérios subjetivos, que criam divisão e se repercutem, com notável dano pastoral, também sobre os fiéis leigos e sobre a opinião pública. Pois, «as leis canônicas, por sua mesma natureza, exigem a observância» e requerem «que quanto é mandado pela cabeça seja observado nos membros»[239].

Obedecendo a autoridade constituída, o sacerdote, entre outras coisas, favorece a mútua caridade no interior do presbitério e a unidade, que tem o seu fundamento na verdade.

[231]   Cf. C.I.C., can.
CIC 273.
[232]   Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, LG 23.
[233]   Cf. ibid., LG 27; C.I.C., can. CIC 381, § 1.
[234]   Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Christus Dominus, CD 2; Const. dogm. Lumen gentium, LG 22; C.I.C., can. CIC 333, § 1.
[235]   Cf. sobre a Professio fidei, C.I.C, can. CIC 833 e Congregação para a Doutrina da Fé, Fórmula a ser usada para a profissão de fé e o juramento de fidelidade ao assumir um ofício a ser exercido em nome da Igreja com Nota doutrinal ilustrativa da fórmula conclusiva da Professio fidei (29 de junho de 1998): AAS 90 (1998), 542-551.
[236]   Cf. Bento XVI, Homilia na Santa Missa Crismal (5 de abril de 2012): “L'Osservatore Romano”, 6 de abril de 2012, 7.
[237]   Ibid.
[238]   Cf. João Paulo II, Const. ap. Sacrae disciplinae leges (25 de janeiro de 1983): AAS 75 (1983), Pars II, XIII; Discurso aos participantes do Symposium internationale «Ius in vita et in missione Ecclesiae» (23 de abril de 1993): “L'Osservatore Romano”, 25 de abril de 1993, 4.
[239]   Cf. João Paulo II, Const. ap. Sacrae disciplinae leges (25 de janeiro de 1983): l.c., Pars II, XIII.


Autoridade exercida com caridade

58 Para que a observância da obediência se dê e para ela poder alimentar a comunhão eclesial, todos os que estão constituídos em autoridade – os Ordinários, os Superiores religiosos, os Diretores de Sociedades de vida apostólica –, para além de oferecer o necessário e constante exemplo pessoal, devem exercer com caridade o seu carisma institucional, quer prevendo, quer pedindo, nos modos e ocasiões convenientes, a adesão a todas as disposições no âmbito magisterial e disciplinar[240].

Tal adesão é fonte de liberdade, enquanto não impede, mas estimula a espontaneidade amadurecida do presbítero, que saberá assumir uma atitude pastoral serena e equilibrada, em relação ao que está estabelecido, criando a harmonia na qual o gênio pessoal se funde numa unidade superior.

[240]   Cf. C.I.C., cann.
CIC 392 CIC 619.


Respeito às normas litúrgicas

59 Entre os vários aspectos do problema, mormente percebidos hoje, merece especial atenção o do convicto amor e respeito às normas litúrgicas.

A liturgia é o exercício do sacerdócio de Cristo[241], «o cume para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte da qual provém toda a sua virtude»[242]. Ela constitui um âmbito em que o sacerdote deve ter particular consciência de ser ministro, isto é, servo, e de dever obedecer fielmente à Igreja. «Regular a sagrada liturgia compete unicamente à autoridade da Igreja, que reside na Sé Apostólica e no Bispo, segundo as normas do direito»[243]. Portanto, em tal matéria, ele não acrescentará, tirará ou mudará seja o que for por iniciativa própria[244].

Dum modo particular, isto vale para a celebração dos sacramentos, que são por excelência atos de Cristo e da Igreja, e que o sacerdote administra na pessoa de Cristo Cabeça e em nome da Igreja para o bem dos fiéis[245]. Estes têm um verdadeiro direito de participar nas celebrações litúrgicas assim como as quer a Igreja e não segundo os gostos pessoais de cada ministro e nem sequer segundo os particularismos rituais não aprovados, expressões de grupos particulares que tendem a fechar-se à universalidade do Povo de Deus.

[241]   Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. Sacrosanctum Concilium,
SC 7.
[242]   Ibid., SC 10.
[243]   C.I.C., can. CIC 838.
[244]   Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. Sacrosanctum Concilium, SC 22.
[245]   Cf. C.I.C., can. CIC 846, § 1.


Unidade de planos pastorais

60 É necessário que os sacerdotes, no exercício do seu ministério, não só participem responsavelmente na definição aos planos pastorais que o Bispo – com a colaboração do Conselho Presbiteral[246] – determina, mas também harmonizem com eles as realizações práticas na própria comunidade.

A sábia criatividade e o espírito de iniciativa, próprios da maturidade dos presbíteros, não só não serão anulados, como poderão ser adequadamente valorizados, com grande vantagem para a fecundidade pastoral. Seguir por caminhos separados neste campo pode significar não só rotura da comunhão necessária, mas também enfraquecimento da própria obra de evangelização.

[246]   Cf. Sagrada Congregação para o Clero, Carta circular Omnes Christifideles (25 de janeiro de 1973), 9: EV 5, 1207-1208.


Importância e obrigatoriedade do hábito eclesiástico

61 Numa sociedade secularizada e de tendência materialista, em que também os sinais externos das realidades sagradas e sobrenaturais tendem a desaparecer, sente-se particularmente a necessidade de que o presbítero – homem de Deus, dispensador dos seus mistérios – seja reconhecível pela comunidade, também pelo hábito que traz, como sinal inequívoco da sua dedicação e da sua identidade de detentor de um ministério público[247]. O presbítero deve ser reconhecido antes de tudo pelo seu comportamento, mas também pelo vestir de maneira a ser imediatamente perceptível por cada fiel, melhor ainda por cada homem[248], a sua identidade e pertença a Deus e à Igreja.

O hábito talar é sinal exterior de uma realidade interior: «efetivamente, o presbítero já não pertence a si mesmo, mas, pelo selo sacramental por ele recebido (cf. Catecismo da Igreja Católica
CEC 1563 Catecismo da Igreja Católica, nn. 1563 e 1582), é “propriedade” de Deus. Este seu “ser de Outro” deve tornar-se reconhecível por parte de todos, através de um testemunho límpido. [...] No modo de pensar, falar, julgar os acontecimentos do mundo, servir e amar, e de se relacionar com as pessoas, também no hábito, o presbítero deve haurir força profética da sua pertença sacramental»[249].

Por este motivo, o clérigo, bem como o diácono transitório, deve[250]:

a) trazer o hábito talar ou «um hábito eclesiástico decoroso, segundo as normas emanadas pela Conferência Episcopal e segundo os legítimos costumes locais»[251]; isto significa que tal hábito, quando não é o talar, deve ser diverso da maneira de vestir dos leigos e conforme a dignidade e sacralidade do ministério. O feitio e a cor devem ser estabelecidos pela Conferência dos Bispos.

b) Pela sua incoerência com o espírito de tal disciplina, as praxes contrárias não possuem a racionalidade necessária para que se possam tornar costumes legítimos[252] e devem ser removidas pela autoridade eclesiástica competente[253].

Salvas situações excepcionais, o não uso do hábito eclesiástico por parte do clérigo pode manifestar uma consciência débil da sua identidade de pastor inteiramente dedicado ao serviço da Igreja[254].

Além disso, a veste talar – também pela forma, cor e dignidade – é especialmente oportuna, porque distingue claramente os sacerdotes dos leigos e dá a entender melhor o caráter sagrado do seu ministério, recordando ao próprio presbítero que, sempre e em qualquer momento, é sacerdote, ordenado para servir, para ensinar, para guiar e para santificar as almas, principalmente pela celebração dos sacramentos e pela pregação da Palavra de Deus. Vestir o hábito clerical serve, ademais, para a salvaguarda da pobreza e da castidade.

[247]   João Paulo II, Carta ao Cardeal Vigário de Roma (8 de setembro de 1982): Insegnamenti V/2 (1982), 847-849.
[248]   Cf. Paulo VI, Alocuções ao clero (17 de fevereiro de 1969; 17 de fevereiro de 1972; 10 de fevereiro de 1978): AAS 61 (1969), 190; 64 (1972), 223; 70 (1978), 191; João Paulo II, Carta aos Sacerdotes por ocasião da Quinta-feira Santa de 1979 (8 de abril de 1979), 7: l.c., 403-405; Alocuções ao clero (9 de novembro de 1978; 19 de abril de 1979): Insegnamenti I (1978), 116; II (1979), 929.
[249]   Bento XVI, Discurso aos participantes do Congresso Teológico promovido pela Congregação para o Clero (12 de março de 2010): l.c., 241.
[250]   Cf. Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Esclarecimento acerca do valor vinculante do art. 66 do Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros (22 de outubro de 1994): “Communicationes” 27 (1995), 192-194.
[251]   C.I.C., can. CIC 284.
[252]   Cf. Ibid., can. CIC 24, § 2.
[253]   Cf. Paulo VI, Motu proprio Ecclesiae Sanctae, I, 25, § 2: AAS 58 (1966), 770; Sagrada Congregação para os Bispos, Carta circular a todos os representantes pontifícios Per venire incontro (27 de janeiro de 1976): EV 5, 1162-1163; Sagrada Congregação para a Educação Católica, Carta circular The document (6 de janeiro de 1980): “L’Osservatore Romano” suppl., 12 de abril de 1980.
[254]   Cf. Paulo VI, Audiência geral (17 de setembro de 1969); Alocução ao clero (1 de março de 1973): Insegnamenti VII (1969), 1065; XI (1973), 176.


2.5. Pregação da Palavra


Fidelidade à Palavra

62 Cristo confiou aos Apóstolos e à Igreja a missão de pregar a Boa Nova a todos os homens.

Transmitir a fé é preparar um povo para o Senhor, revelar, anunciar e aprofundar a vocação cristã; isto é, a chamada que Deus dirige a cada homem manifestando-lhe o mistério da salvação e, contemporaneamente, o lugar que ele deve ocupar em relação a tal ministério, como filho de adoção no Filho[255]. Este duplo aspecto é evidenciado sinteticamente no Símbolo da Fé, uma das expressões mais autorizadas daquela fé com que a Igreja sempre respondeu ao apelo de Deus[256].

Colocam-se, então, duas exigências ao ministério presbiteral. Há, em primeiro lugar, o caráter missionário da transmissão da fé. O ministério da palavra não pode ser abstrato ou distante da vida das pessoas; ao contrário, ele deve referir-se diretamente ao sentido da vida do homem, de cada homem, e, portanto, deverá entrar nas questões mais vivas que se colocam à consciência humana.

Por outro lado, há uma exigência de autenticidade e de conformidade com a fé da Igreja, guardiã da verdade acerca de Deus e do homem. Isto deve ser feito com sentido de extrema responsabilidade, consciente de que se trata de uma questão da máxima importância, enquanto está em jogo a vida do homem e o sentido da sua existência.

Em ordem a um frutuoso ministério da Palavra, tendo presente tal contexto, o presbítero deve dar o primado ao testemunho de vida, que faz descobrir a potência do amor de Deus e torna persuasiva a sua palavra. Além disso, não descuidará da pregação explícita do mistério de Cristo aos crentes, aos não cristãos e aos não crentes; da catequese, que é a exposição ordenada e orgânica da doutrina da Igreja; e da aplicação da verdade revelada à solução dos casos concretos[257].

A consciência da absoluta necessidade de «permanecer» fiéis e ancorados à Palavra de Deus e à Tradição para ser verdadeiramente discípulos de Cristo e conhecer a verdade (cf.
Jn 8,31-32) acompanhou sempre a história da espiritualidade sacerdotal e foi sublinhada com autoridade também pelo Concílio Ecumênico Vaticano II[258]. Por isso, é de grande utilidade «antiga prática da lectio divina, ou “leitura espiritual” da Sagrada Escritura. Ela consiste em permanecer prolongadamente sobre um texto bíblico, lendo-o e relendo-o, quase “ruminando-o”, como dizem os Padres, e espremendo, por assim dizer, todo o seu “sumo”, para que alimente como linfa a vida concreta»[259].

Sobretudo, na sociedade contemporânea, marcada em muitos Países pelo materialismo teórico e prático, pelo subjetivismo e pelo relativismo cultural, é necessário que o Evangelho seja apresentado como «a potência de Deus para salvar aqueles que crêem» (Rm 1,16). Os presbíteros, recordando que «a fé depende da pregação e a pregação, por sua vez, se atua pela Palavra de Cristo» (Rm 10,17), empenharão todas as suas energias para corresponder a esta missão, que é primária no seu ministério. Com efeito, eles são não só as testemunhas, mas também os anunciadores e transmissores da fé[260].

Tal ministério – realizado na comunhão hierárquica – habilita-os a exprimir com autoridade a fé católica e a dar testemunho da fé em nome da Igreja. Com efeito, o Povo de Deus «é reunido antes de mais mediante a palavra de Deus vivo, que todos têm o direito de procurar nos lábios dos sacerdotes»[261].

Para ser autêntica, a Palavra deve ser transmitida sem duplicidade e sem nenhuma falsificação, mas manifestando com franqueza a verdade diante de Deus (cf. 2Cor 2Co 4,2). O presbítero, com uma maturidade responsável, evitará disfarçar, reduzir, distorcer ou diluir o conteúdo da mensagem divina. Com efeito, a sua missão «não é de ensinar uma sabedoria própria, mas sim de ensinar a palavra de Deus e de convidar insistentemente a todos à conversão e à santidade»[262]. «Consequentemente, as suas palavras, as suas opções e atitudes devem ser cada vez mais uma transparência, um anúncio e um testemunho do Evangelho; “só ‘permanecendo’ na Palavra, é que o presbítero se tornará perfeito discípulo do Senhor, conhecerá a verdade e será realmente livre”»[263].

Portanto, a pregação não se pode reduzir à comunicação de pensamentos próprios, à manifestação da experiência pessoal, a simples explicações de caráter psicológico[264], sociológico ou filantrópico; nem sequer ser excessivamente condescendente ao fascínio da retórica, muitas vezes tão habitual na comunicação às multidões. Trata-se de anunciar uma Palavra de que não é permitido dispor, dado que foi confiada à Igreja para defender, compreender e transmitir fielmente[265]. Em todo caso, é necessário que o sacerdote prepare adequadamente a sua pregação, mediante a oração, o estudo sério e atualizado, e o esforço de aplicá-la concretamente às condições dos destinatários. De modo particular, como recordou Bento XVI, «considera-se que é oportuno oferecer prudentemente, a partir do Lecionário trienal, homilias temáticas aos fiéis que tratem, ao longo do ano litúrgico, os grandes temas da fé cristã, haurindo de quanto está autorizadamente proposto pelo Magistério nos quatro “pilares” do Catecismo da Igreja Católica e no recente Compêndio: a profissão da fé, a celebração do mistério cristão, a vida em Cristo, a oração cristã»[266]. Assim, as homilias, a catequese, etc., poderão servir de verdadeiro auxílio aos fiéis, para a melhora de sua vida de relação com Deus e com os outros.

[255]   Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Dei Verbum, DV 5; Catecismo da Igreja Católica, CEC 1-2 CEC 142.
[256]   Cf. ibid., CEC 150-152 CEC 185-187.
[257]   Cf. João Paulo II, Audiência geral (21 de abril de 1993), 6: Insegnamenti XVI/1 (1993), 936-947.
[258]   Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Dei Verbum, DV 25.
[259]   Bento XVI, Angelus (6 de novembro de 2005): Insegnamenti I/1 (2005), 759-762.
[260]   Cf. C.I.C., cann. CIC 757 CIC 762 CIC 776.
[261]   Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Presbyterorum Ordinis, PO 4.
[262]   Ibid.; cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis, PDV 26.
[263]   Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Verbum Domini (30 de setembro de 2010), 80: AAS 102 (2010), 751-752.
[264]   Cf. João Paulo II, Audiência geral (12 de maio de 1993): Insegnamenti XVI/1 (1993), 1194-1204.
[265]   Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Dei Verbum, DV 10; João Paulo II, Audiência geral (12 de maio de 1993): l.c., 1194-1204.
[266]   Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de fevereiro de 2007), 46.


Palavra e vida

63 A consciência da própria missão de anunciador do Evangelho, como instrumento de Cristo e do Espírito Santo, deverá pastoralmente concretizar-se de modo que o presbítero cada vez mais possa vivificar, à luz da Palavra de Deus, as diversas situações e os diversos ambientes nos quais ele desenvolve o seu ministério.

Para ser eficaz e credível, é importante que o presbítero – na perspectiva da fé e do seu ministério – conheça, com um sentido crítico construtivo, as ideologias, a linguagem, os laços culturais, as tipologias difundidas pelos meios de comunicação e que, em grande parte, condicionam as mentalidades.

Estimulado pelo Apóstolo, que exclamava: «ai de mim se não pregar o Evangelho!» (
1Co 9,16), saberá utilizar todos os meios de transmissão que as ciências e a tecnologia moderna lhe oferecem.

Certamente, nem tudo depende de tais meios ou das capacidades humanas, já que a graça divina pode conseguir o seu efeito independentemente da obra dos homens. Mas, no plano de Deus, a pregação da Palavra é, normalmente, o canal privilegiado para a transmissão da fé e para a missão evangelizadora.

Para tantos, que hoje estão fora ou longe do anúncio de Cristo, o presbítero sentirá como particularmente urgente e atual este questionamento dramático: «Como poderão acreditar sem ter ouvido falar? E como poderão ouvir falar sem alguém que lhes anuncie?» (Rm 10,14).

Para responder a tais questionamentos, ele deve sentir-se empenhado pessoalmente em cultivar a Sagrada Escritura com o estudo duma sã exegese, sobretudo patrística, e com a meditação, feita segundo os diversos métodos comprovados pela tradição da Igreja, de maneira a obter dela uma compreensão animada pelo amor[267]. É particularmente importante ensinar a cultivar esta relação pessoal com a Palavra de Deus já nos anos de seminário, em que os aspirantes ao sacerdócio são chamados a estudar as Escrituras para se tornarem mais «conscientes do mistério da revelação divina e alimentar uma atitude de resposta orante ao Senhor que fala. Por sua vez, uma vida autêntica de oração não poderá deixar de fazer crescer, na alma do candidato, o desejo de conhecer cada vez mais a Deus que Se revelou na sua Palavra como amor infinito»[268].

[267]   Cf. S. Tomás de Aquino, Summa theologiae, I 43,5.
[268]   Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Verbum Domini (30 de setembro de 2010), 82.


Diretório 2013 51