Ecclesia in Africa PT 24


24 A apresentação dos Lineamenta em Lomé, a 25 de Julho de 1990, por ocasião da nona Assembleia Geral do S.C.E.A.M., constituiu, sem dúvida, uma etapa nova e importante do caminho preparatório para a Assembleia Especial. Pode-se justamente afirmar que a publicação dosLineamenta desencadeou decididamente os preparativos do Sínodo, em todas as Igrejas particulares da África. A Assembleia do S.C.E.A.M., em Lomé, adoptou uma Oração pela Assembleia Especial e pediu que fosse rezada, publica e privadamente, em todas as paróquias africanas até à celebração do Sínodo. Esta iniciativa do S.C.E.A.M. foi verdadeiramente feliz e não passou despercebida na Igreja Universal.

Em seguida, para favorecer a difusão dos Lineamenta, numerosas Conferências Episcopais e dioceses fizeram traduzir o documento nas suas línguas, como, por exemplo, em suaíle, árabe, malgaxe, e outras línguas. « Publicações, conferências e simpósios sobre os temas do Sínodo foram organizados por diversas Conferências Episcopais, Institutos de Teologia e Seminários, Associações de Institutos de Vida Consagrada, dioceses, alguns jornais e periódicos importantes, Bispos e teólogos ».31

(31) Sínodo de los obispos, Asamblea especial para África, Relación del secretario general (11 de abril de 1994), VI: L'Osservatore Romano, 11-12 de abril de 1994, 10.


25 Elevo fervorosas acções de graças a Deus Omnipotente pelo cuidado singular com que foram redigidos os Lineamenta e o Instrumentum laboris 32 do Sínodo. Foi um trabalho afrontado e realizado por africanos, Bispos e peritos, a começar da Comissão Preliminar do Sínodo, nos meses de Janeiro a Março de 1989. A Comissão seria, depois, revezada pelo Conselho da Secretaria Geral da Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, que fora por mim instituído a 20 de Junho de 1989.

Estou profundamente grato, ainda, ao grupo de trabalho que tão bem cuidou as liturgias eucarísticas de abertura e encerramento do Sínodo. Contando entre os seus membros, teólogos, liturgistas e peritos em cânticos e instrumentos africanos de expressão litúrgica, o grupo quis, como era desejo meu, fazer com que aquelas cerimónias fossem marcadas por nítido carácter africano.

(32) Cf. Sínodo de los obispos, Asamblea especial para África, La Iglesia en África y su misión evangelizadora hacia el año 2000: "Seréis mis testigos" (
Ac 1,8), Lineamenta, Ciudad del Vaticano 1990; Instrumentum laboris, Ciudad del Vaticano 1993.


26 Agora devo acrescentar que a resposta dos Africanos ao meu apelo a participarem na preparação do Sínodo foi verdadeiramente admirável. O acolhimento reservado aos Lineamenta,tanto dentro como fora das comunidades eclesiais africanas, superou largamente toda e qualquer previsão. Muitas Igrejas locais serviram-se dos Lineamenta para mobilizar os fiéis, e podemos, desde já, afirmar com certeza que os frutos do Sínodo começam a manifestar-se num novo compromisso e numa renovada tomada de consciência por parte dos cristãos da África.33

Ao longo das várias fases de preparação da Assembleia Especial, numerosos membros da Igreja em África — clero, religiosos, religiosas, leigos — inseriram-se de foram exemplar no itinerário sinodal, « caminhando juntos », pondo cada um os próprios talentos ao serviço da Igreja e rezando juntos fervorosamente pelo bom êxito do Sínodo. Mais de uma vez, os Padres do Sínodo assinalaram, ao longo da Assembleia Sinodal, que o seu trabalho fora facilitado precisamente pela « preparação solícita e minuciosa deste Sínodo, realizada com o envolvimento activo da Igreja em África, a todos os níveis ».34

(33) Cf. Instrumentum laboris. De las 34 Conferencias episcopales de África y Madagascar, 31 enviaron sus observaciones, mientras que las otras 3 no lo pudieron hacer debido a la difícil situación política en que se encontraban.
(34) Relatio ante disceptationem (11 de abril de 1994), 1: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 22 de abril de 1994, 8; Cf. Relatio post disceptationem (22 de abril de 1994), 1: L'Osservatore Romano, 24 de abril de 1994, 8.


Deus quer salvar a África

27 O Apóstolo dos Gentios diz-nos que Deus « quer que todos os homens se salvem e conheçam a verdade. Porque há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo Homem, que Se deu em resgate por todos » (1Tm 2,4-6). Uma vez que Deus chama todos os homens a um único e mesmo destino, que é divino, « devemos manter que o Espírito Santo a todos dá a possibilidade de se associarem a este mistério pascal por um modo só de Deus conhecido ».35 O amor redentor de Deus abraça a humanidade inteira: toda a raça, tribo e nação; por conseguinte, abraça também as populações do Continente Africano. A Providência divina quis que a África estivesse presente, durante a Paixão de Cristo, na pessoa de Simão de Cirene, obrigado pelos soldados romanos a ajudar o Senhor a levar a Cruz (cf. Mc Mc 15,21).

(35) Vaticano II, GS 22; cf. CEC 1260.


28 A liturgia do sexto Domingo de Páscoa de 1994, vivida na solene Celebração Eucarística da conclusão da Fase de Trabalho da Assembleia Especial, proporcionou-me a ocasião de desenvolver uma reflexão sobre o desígnio salvífico de Deus a respeito da África. Uma das leituras bíblicas, tirada dos Actos dos Apóstolos, evocava um acontecimento que pode ser considerado como o primeiro passo na missão da Igreja ao encontro dos pagãos: o relato da visita feita por Pedro, sob o impulso do Espírito Santo, à casa de um pagão, o centurião Cornélio. Até àquele momento, o Evangelho fora proclamado sobretudo aos hebreus. Depois de ter hesitado bastante, Pedro, iluminado pelo Espírito, decidiu ir à casa de um pagão. Chegado lá, teve a alegre surpresa de constatar o facto de que o centurião esperava Cristo e o Baptismo. O livro dos Actos dos Apóstolos assim o narra: « Os fiéis circuncisos que tinham vindo com Pedro, ficaram maravilhados ao verem que o dom do Espírito Santo fora derramado também sobre os pagãos, pois ouviam-nos falar em línguas e glorificar a Deus » (10,45-46).

Em casa de Cornélio, reproduziu-se de algum modo o milagre do Pentecostes. Pedro disse então: « Reconheço, na verdade, que Deus não faz acepção de pessoas, mas que qualquer nação que O teme e põe em prática a justiça, Lhe é agradável. (...) Poderá alguém recusar a água do Baptismo aos que receberam o Espírito Santo como nós? » (
Ac 10,34-35 Ac 10,47).

Começou assim a missão da Igreja ad gentes, da qual Paulo de Tarso se tornará o principal arauto. Os primeiros missionários chegados ao coração de África sentiram seguramente uma admiração semelhante à experimentada pelos cristãos dos tempos apostólicos, perante a efusão do Espírito Santo.


29 O desígnio que Deus tem de salvar a África, está na origem da difusão da Igreja neste Continente. Ora, sendo a Igreja, segundo a vontade de Cristo, por sua natureza missionária, segue- -se daí que a Igreja em África é chamada a assumir ela própria um papel activo ao serviço do projecto salvador de Deus. Por isso, disse que « a Igreja em África é Igreja missionária e em missão ».36

A Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos teve a missão de examinar os meios pelos quais os Africanos poderão realizar melhor o mandato que o Senhor ressuscitado deu aos seus discípulos: « Ide, pois, ensinai todas as nações » (
Mt 28,19).

(36) Discurso en la audiencia general del 21 de agosto de 1985, 3: Insegnamenti VIII, 2 (1985), 512.


CAPÍTULO II

A IGREJA EM ÁFRICA


I. Breve história da evangelização no continente

30 No dia da abertura da Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, primeira assembleia do género na história, os Padres Sinodais recordaram algumas das maravilhas operadas por Deus ao longo da evangelização da África. É uma história que remonta à época do próprio nascimento da Igreja. A difusão do Evangelho deu-se em diversas fases. Os primeiros séculos do cristianismo viram a evangelização do Egipto e da África do Norte. Uma segunda fase, envolvendo as regiões daquele Continente situadas ao sul do Saara, teve lugar nos séculos XV e XVI. Uma terceira fase, caracterizada por um extraordinário esforço missionário, teve início no século XIX.


Primeira fase

31 Numa mensagem aos Bispos e a todos os povos da África, em ordem à promoção do bem-estar material e espiritual do Continente, o meu venerado predecessor Paulo VI recordou, com palavras memoráveis, o glorioso esplendor do passado cristão da África: « Pensamos nas Igrejas cristãs de África, cuja origem vem dos tempos apostólicos e está ligada, segundo a tradição, ao nome e ensinamento do evangelista Marcos. Pensamos no coro inumerável de santos, mártires, confessores, virgens, que a elas pertencem. Na realidade, desde o século II ao século IV, a vida cristã, nas regiões setentrionais de África, foi intensíssima e esteve na vanguarda, tanto do estudo teológico como da expressão literária. Saltam-nos à memória os nomes dos grandes doutores e escritores, como Orígenes, Santo Atanásio e S. Cirilo, luminares da Escola Alexandrina; e, na outra extremidade mediterrânica da África, Tertuliano, S. Cipriano, e sobretudo Santo Agostinho, um dos espíritos mais brilhantes do cristianismo. Recordemos os grandes santos do deserto, Paulo, Antão e Pacómio, primeiros fundadores do monaquismo, que depois havia de difundir-se a seu exemplo, no Oriente e no Ocidente. E, entre tantos outros, não podemos deixar de mencionar S. Frumêncio, chamado Abba Salama, que, tendo sido sagrado Bispo por Santo Atanásio, foi o apóstolo da Etiópia ».37 Durante estes primeiros séculos da Igreja em África, também algumas mulheres deram testemunho de Cristo. De entre elas, obrigatória é a menção particular das Santas Felicidade e Perpétua, Santa Mónica, e Santa Tecla.

« Estes exemplos luminosos e as figuras dos Santos Papas africanos Vítor I, Melquíades e Gelásio I, pertencem ao património comum da Igreja; e os escritos dos autores cristãos da África ainda hoje são fundamentais para o aprofundamento histórico da salvação, à luz da Palavra de Deus. Ao recordar as antigas glórias da África cristã, desejaríamos exprimir o nosso profundo respeito pelas Igrejas, com as quais ainda não estamos em plena comunhão: a Igreja Grega do Patriarcado de Alexandria, a Igreja Copta do Egipto e a Igreja da Etiópia, que têm em comum com a Igreja Católica a origem e a herança doutrinal e espiritual dos grandes santos e Padres da Igreja, não somente da sua terra, mas de toda a Igreja Antiga. Elas trabalharam e sofreram muito para manter vivo o nome cristão na África, através das vicissitudes dos tempos ».38 Essas Igrejas dão ainda hoje o testemunho da vitalidade cristã, que elas recebem das suas raízes apostólicas, particularmente no Egipto e na Etiópia, e, até ao século XVII, na Núbia. No resto do Continente, começava então uma nova etapa de evangelização.

(37) Mensaje Africae terrarum (29 de octubre de 1967), 3: AAS 59 (1967), 1.074-1.075.
(38) Ib., 3-4: l.c., 1.075.


Segunda fase

32 Nos séculos XV e XVI, a exploração da costa africana pelos portugueses foi rapidamente acompanhada pela evangelização das regiões da África situadas ao sul do Saara. Tal esforço incluía, entre outras zonas, as regiões do actual Benin, S. Tomé, Angola, Moçambique, e Madagáscar.

No dia 7 de Junho de 1992, Domingo de Pentecostes, em Luanda, por ocasião da comemoração dos 500 anos da evangelização de Angola, entre outras coisas, afirmei: « Os Actos dos Apóstolos descrevem nominalmente os habitantes dos sítios que tomaram parte directamente no nascimento da Igreja pelo sopro do Espírito Santo. Eis o que todos diziam: "Ouvimo-los anunciar em nossas línguas as maravilhas de Deus" (
Ac 2,11). Há quinhentos anos, a este coro de línguas vieram-se juntar os povos de Angola. Naquele instante, na vossa pátria africana, renovou-se o Pentecostes de Jerusalém. Os vossos antepassados ouviram a mensagem da Boa Nova, que é a língua do Espírito. Os seus corações acolheram pela primeira vez esta palavra e inclinaram as suas cabeças nas fontes da água baptismal, onde o homem, por obra do Espírito Santo, morre junto com Cristo crucificado e renasce para uma nova vida na sua ressurreição (...). Foi certamente o mesmo Espírito que impeliu aqueles homens de fé, os primeiros missionários, que em 1491 aportaram à foz do rio Zaire, em Pinda, iniciando uma autêntica epopeia missionária. Foi o Espírito Santo, que age a seu modo no coração de cada homem, que moveu o grande rei do Congo, Nzinga-a-Nkuwu, a pedir missionários para anunciar o Evangelho. Foi o Espírito Santo que animou a vida daqueles quatro primeiros cristãos angolanos que, regressados da Europa, testemunhavam o valor da fé cristã. Depois dos primeiros missionários, muitos outros vieram de Portugal e de outros países da Europa para continuar, ampliar e consolidar a obra começada ».39

Durante esse período, erigiu-se um certo número de sedes episcopais, e uma das primícias deste empenho missionário foi a sagração de D. Henrique — filho de D. Afonso I, rei do Congo — como bispo titular de Utica, feita em Roma por Leão X, no ano 1518. D. Henrique tornou-se assim o primeiro bispo autóctone da África negra.

Foi por aquele tempo, mais concretamente no ano 1622, que o meu predecessor Gregório XV erigiu, de modo estável, a Congregação De Propaganda Fide, com a finalidade de desenvolver e organizar melhor as missões.

Por dificuldades de vário género, a segunda fase de evangelização da África terminou no século XVIII com a extinção de quase todas as missões situadas ao sul do Saara.

(39) Homilía en el V centenario de la evangelización de Angola (Luanda, 7 de junio de 1992), 2: AAS 85 (1993), 511-512.


Terceira fase

33 A terceira fase de evangelização sistemática da África começou no século XIX, período caracterizado por um esforço extraordinário, promovido por grandes apóstolos e animadores da missão africana. Foi um período de rápido crescimento, como demonstram claramente as estatísticas apresentadas na Assembleia Sinodal pela Congregação para a Evangelização dos Povos.40 A África respondeu, com grande generosidade, ao chamamento de Cristo. Nestes últimos decénios, numerosos países africanos celebraram o primeiro centenário do início da sua evangelização. O crescimento da Igreja em África, de há cem anos para cá, constitui verdadeiramente um prodígio da graça de Deus.

A glória e o esplendor do período contemporâneo da evangelização neste Continente são ilustrados de forma admirável pelos santos que a África moderna deu à Igreja. O Papa Paulo VI pôde exprimir eloquentemente esta realidade, quando canonizou os mártires do Uganda na Basílica de S. Pedro, por ocasião do Dia Mundial das Missões de 1964: « Estes mártires africanos acrescentam ao álbum dos vencedores, chamado Martirológio, uma página ao mesmo tempo trágica e grandiosa, verdadeiramente digna de figurar ao lado das célebres narrações da África Antiga. (...) A África, orvalhada com o sangue destes mártires, que são os primeiros desta nova era (e queira Deus que sejam os últimos — tão grande e precioso é o seu holocausto!), a África renasce livre e resgatada ».41

(40) Cf. "Situación de la Iglesia en África y Madagascar (algunos aspectos y observaciones)": L'Osservatore Romano, 16 de abril de 1994, 6-8; "Oficina de estadísticas de la Iglesia, Iglesia en África: cifras y estadísticas": L'Osservatore Romano, 15 de abril de 1995, 6.
(41) Homilía para la canonización de los beatos Carlos Lwanga, Matías Mulumba Kalemba y 20 compañeros mártires ugandeses (18 de octubre de 1964): AAS 56 (1964), 905-906.


34 A lista dos santos que a África dá à Igreja, lista que é o seu maior título de honra, continua a crescer. Como poderemos deixar de mencionar, entre os mais recentes, Clementina Anwarite, virgem e mártir do Zaire, que beatifiquei em terra africana no ano 1985, Vitória Rasoamanarivo de Madagáscar, e Josefina Bakhita do Sudão, beatificadas também elas durante o meu Pontificado? E como não recordar o Beato Isídoro Bakanja, mártir do Zaire, que tive o privilégio de elevar às honras dos altares durante a Assembleia Especial para a África?

« Outras causas vão maturando. A Igreja em África deve providenciar à redacção do seu próprio Martirológio, juntando às magníficas figuras dos primeiros séculos (...) os mártires e os santos das épocas recentes ».42

Defronte ao crescimento admirável da Igreja em África nos últimos cem anos, diante dos frutos de santidade que se obtiveram, não há senão uma explicação possível: tudo isso é dom de Deus, porque nenhum esforço humano teria conseguido realizar semelhante obra, num período relativamente tão breve. Contudo, não há lugar para triunfalismos humanos. Lembrando o glorioso esplendor da Igreja neste Continente, os Padres Sinodais quiseram apenas celebrar as maravilhas operadas por Deus para a libertação e salvação da África.

« Tudo isto veio do Senhor,
e é admirável aos nossos olhos »
(
Ps 118,23).

« O Todo-Poderoso fez em Mim maravilhas,
Santo é o seu Nome » (Lc 1,49).

(42) Homilía en la celebración conclusiva de la Asamblea especial para África del Sínodo de los obispos (8 de mayo de 1994), 6: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 13 de mayo de 1994, 12.


Homenagem aos missionários

35 O crescimento esplendoroso e as realizações da Igreja em África devem-se, em grande parte, à dedicação heróica e desinteressada de gerações de missionários. Isto todos o reconhecem. A terra abençoada da África está literalmente semeada de sepulturas de valorosos arautos do Evangelho.

Quando os Bispos da África se encontraram em Roma para a Assembleia Especial, estavam bem conscientes da dívida de gratidão que o Continente tem para com os seus antepassados na fé.

No discurso dirigido à primeira Assembleia do S.C.E.A.M., em Kampala, no dia 31 de Julho de 1969, o Papa Paulo VI fez referência a esta dívida de gratidão: « Vós, Africanos, sois já os missionários de vós mesmos. A Igreja de Cristo está verdadeiramente plantada nesta terra abençoada (cf. Decr. Ad gentes,
AGD 6). Temos um dever a cumprir: devemos evocar a lembrança daqueles que em África, antes de vós e ainda hoje convosco, pregaram o Evangelho, como nos adverte a Sagrada Escritura: "Lembrai-vos daqueles que vos pregaram a palavra de Deus, considerai o êxito da sua carreira e imitai a sua fé" (He 13,7). É uma história que não devemos esquecer, porque confere à Igreja local a nota da sua autenticidade e nobreza — a nota "apostólica"; essa história é um drama de caridade, de heroísmo, de sacrifício, que faz grande e santa, desde as origens, a Igreja africana »43

(43) Discurso en la conclusión del Simposio de las Conferencias episcopales de África y Madagascar (Kampala, 31 de julio de 1969), 1: AAS 61 (1969), 575.


36 A Assembleia Especial satisfez condignamente esta dívida de gratidão, por ocasião da sua primeira Congregação Geral, quando declarou: « Cabe aqui prestar uma vibrante homenagem aosmissionários, homens e mulheres de todos os Institutos Religiosos e Seculares, bem como a todos os países que, durante os cerca de 2000 anos de evangelização do Continente Africano, (...) se entregaram devotadamente à transmissão da chama da fé cristã. (...) Eis porque nós, felizes herdeiros dessa aventura maravilhosa, devemos dar graças a Deus, numa circunstância tão solene como esta ».44

Na Mensagem ao Povo de Deus, os Padres Sinodais renovaram com vigor a homenagem aos missionários, sem esquecerem de prestar homenagem também aos filhos e filhas da África, especialmente aos catequistas e aos intérpretes, que colaboraram com eles.45

(44) Relatio ante disceptationem (11 de abril de 1994), 5: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 22 de abril de 1994, 8-9.
(45) Cf. "Mensaje del Sínodo, n. 10": L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 20 de mayo de 1994, 287


37 Devido à grande epopeia missionária de que foi palco o Continente Africano, sobretudo durante os últimos dois séculos, é que pudemos encontrar-nos em Roma para celebrar a Assembleia Especial para a África. A semente, que a seu tempo foi lançada, produziu frutos abundantes. Os meus Irmãos no Episcopado, filhos dos povos da África, são disso mesmo um testemunho eloquente. Juntamente com os seus presbíteros, carregam já sobre os ombros grande parte do trabalho de evangelização. Atestam-no também os numerosos filhos e filhas da África, que aderem às antigas Congregações missionárias ou entram nos novos Institutos nascidos em terra africana, recolhendo em suas mãos a chama da consagração total ao serviço de Deus e do Evangelho.


Radicação e crescimento da Igreja

38 O facto de o número dos católicos em África, no espaço de quase dois séculos, ter crescido tão rapidamente, constitui por si mesmo um resultado notável sob qualquer ponto de vista. De modo particular, confirmam a consolidação da Igreja no Continente elementos como o sensível e rápido aumento do número das circunscrições eclesiásticas, o crescimento do clero autóctone, dos seminaristas e dos candidatos nos Institutos de Vida Consagrada, a progressiva extensão da rede dos catequistas, cujo contributo para a difusão do Evangelho entre as populações africanas é bem conhecido de todos. Fundamental relevo tem, enfim, a alta percentagem de Bispos nativos que compõem já a Hierarquia no Continente.

Os Padres Sinodais registaram numerosos e significativos passos, realizados pela Igreja em África nos campos da inculturação e do diálogo ecuménico.46 As notáveis e meritórias realizações no campo da educação são universalmente reconhecidas.

Embora os católicos representem apenas catorze por cento da população africana, as instituições católicas no campo da saúde representam dezassete por cento do total das estruturas sanitárias de todo o Continente.

As iniciativas, corajosamente empreendidas pelas jovens Igrejas da África para levar o Evangelho « até aos confins do mundo » (
Ac 1,8), são seguramente dignas de realce. Os Institutos missionários surgidos em África têm crescido numericamente e começaram já a fornecer pessoal não só para os países do Continente, mas ainda para outras regiões da terra. Sacerdotes diocesanos de África, cujo número está lentamente a crescer, começam a ficar disponíveis por períodos limitados, como presbíteros fidei donum que vão trabalhar noutras dioceses pobres de pessoal, na própria nação ou fora. As províncias africanas dos Institutos Religiosos de direito pontifício, tanto masculinos como femininos, viram também elas aumentar os seus membros. Deste modo, a Igreja coloca-se ao serviço dos povos africanos; além disso, ela aceita entrar no « intercâmbio de dons » com outras Igrejas particulares no âmbito alargado do Povo de Deus. Tudo isto manifesta, de modo tangível, a maturidade alcançada pela Igreja em África: foi isto que tornou possível a celebração da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos.

(46) Cf. Relatio post disceptationem (22 de abril de 1994), 22-26: L'Osservatore Romano, 24 de abril de 1994, 8.


Como se apresenta a África?

39 Há pouco menos de trinta anos, vários países africanos tornavam-se independentes das potências coloniais. Isto suscitou grandes expectativas no que respeita ao progresso político, económico, social e cultural daqueles povos. Apesar de, « nalguns países, a situação interna não se ter ainda infelizmente consolidado e a violência ter tido muitas vezes o predomínio, não se pode admitir uma condenação geral que envolva todo um povo ou toda uma nação, pior ainda, todo um continente ».47

(47) Pablo VI, Mensaje Africae terrarum (29 de octubre de 1967), 6: AAS 59 (1967), 1.076.


40 Mas qual é, hoje, a situação real do Continente Africano no seu todo, sobretudo do ponto de vista da missão evangelizadora da Igreja? A este propósito, os Padres Sinodais começaram por colocar uma pergunta: « Num continente saturado de más notícias, como poderá a mensagem cristã ser "Boa Nova" para o nosso povo? No meio do desespero que tudo invade, onde estão a esperança e o optimismo que o Evangelho oferece? A evangelização promove muitos dos valores essenciais que tanta falta fazem ao nosso continente: esperança, paz, alegria, harmonia, amor e unidade ».48

Depois de terem justamente sublinhado que a África é um imenso continente com situações muito diversas, pelo que é preciso evitar generalizações tanto na avaliação dos problemas como ao sugerir soluções, a Assembleia Sinodal, com pena, teve de constatar: « Uma situação comum é, sem dúvida, o facto da África estar saturada de problemas: em quase todas as nossas nações existem condições de miséria espantosa, má administração dos poucos recursos disponíveis, instabilidade política e desorientação social. O resultado está à vista: desolação, guerras e desespero. Num mundo controlado pelas nações ricas e poderosas, a África tornou-se praticamente um apêndice sem importância, muitas vezes esquecida e abandonada por todos ».49

(48) Relatio ante disceptationem (11 de abril de 1994), 2: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 22 de abril de 1994, 8.
(49) Ib., 4, l.c.


41 Segundo muitos Padres Sinodais, a África actual pode ser comparada àquele homem que descia de Jerusalém para Jericó; ele cai nas mãos dos salteadores que, depois de o despojarem e encherem de pancada, o abandonaram, deixando-o meio morto (cf. Lc Lc 10,30-37). A África é um continente onde inumeráveis seres humanos — homens e mulheres, crianças e jovens — jazem, de algum modo, prostrados à margem da estrada, doentes, feridos, indefesos, marginalizados e abandonados. Têm extrema necessidade de bons Samaritanos que venham em sua ajuda.

Eu faço votos de que a Igreja continue paciente e incansavelmente a sua obra de bom Samaritano. Na verdade, regimes, hoje desaparecidos, sujeitaram, durante um longo período, os Africanos a dura prova, enfraquecendo a sua capacidade de reacção: o homem ferido deve recobrar todos os recursos da sua humanidade. Os filhos e filhas de África têm necessidade de presença respeitadora e de solicitude pastoral, que os ajude a retomarem as suas próprias energias para colocá-las ao serviço do bem comum.


Valores positivos da cultura africana

42 Apesar das suas grandes riquezas naturais, a África permanece numa situação económica de pobreza. Possui, todavia, uma rica variedade de valores culturais e de inestimáveis qualidades humanas, que pode oferecer às Igrejas e à humanidade inteira. Os Padres Sinodais puseram em evidência alguns desses valores culturais, que constituem seguramente uma preparação providencial à transmissão do Evangelho; são valores que podem favorecer uma evolução positiva na dramática situação do Continente, e dar início àquela reanimação global de que depende o desejado progresso das diversas nações.

Os Africanos têm um profundo sentido religioso, o sentido do sagrado, o sentido da existência de Deus criador e de um mundo espiritual. A realidade do pecado, nas suas formas individuais e sociais, é bem percebida pela consciência daqueles povos, como sentida é também a necessidade de ritos de purificação e expiação.


43 Na cultura e na tradição africana, o papel da família é considerado por todo o lado como fundamental. Aberto a este sentido da família, do amor e respeito pela vida, o africano ama os filhos, que são recebidos alegremente como um dom de Deus. « Os filhos e filhas de África amam a vida. É precisamente o amor pela vida que os leva a atribuir tão grande importância à veneração dos antepassados. Eles crêem instintivamente que os mortos continuam a viver e permanecem em comunhão com eles. Não é isto, de algum modo, uma preparação à fé na comunhão dos Santos?!Os povos da África respeitam a vida desde que é concebida até nascer. Alegram-se com esta vida. Rejeitam a ideia de que ela possa ser aniquilada, mesmo quando a isso quereriam induzi-los as chamadas "civilizações avançadas". E as práticas hostis à vida são-lhes impostas por meio de sistemas económicos ao serviço do egoísmo dos ricos ».50 Os Africanos demonstram respeito pela vida até ao seu termo natural, e reservam um lugar no seio da família para os anciãos e os parentes.

As culturas africanas têm um sentido muito vivo da solidariedade e da vida comunitária. Em África, não se concebe uma festa que não seja compartilhada por toda a povoação. De facto, a vida comunitária nas sociedades africanas é expressão da família alargada. Com votos ardentes, rezo — e peço para rezarem — a fim de que a África conserve sempre esta preciosa herança cultural e para que não sucumba nunca à tentação do individualismo, tão estranho às suas melhores tradições.

(50) Homilía en la liturgia de apertura de la Asamblea especial para África del Sínodo de los obispos (10 de abril de 1994), 3: AAS 87 (1995), 180-181.


Algumas opções dos povos africanos

44 Sem minimizar de forma alguma os aspectos trágicos da situação africana, atrás evocados, vale a pena lembrar aqui algumas realizações positivas dos povos do Continente, que merecem ser louvadas e encorajadas. Na sua Mensagem ao Povo de Deus, os Padres Sinodais recordaram com alegria, por exemplo, a instauração do processo democrático em muitos países africanos, e fizeram votos de que tal se consolide, e sejam rapidamente afastados os obstáculos e resistências ao Estado de direito, graças à colaboração de todos os protagonistas e ao seu sentido do bem comum.51

Os « ventos de mudança » sopram vigorosamente em muitos lugares do Continente, e o povo pede, com insistência cada vez maior, o reconhecimento e a promoção dos direitos e liberdades do homem. A tal propósito, assinalo com satisfação que a Igreja em África, fiel à sua vocação, se coloca decididamente ao lado dos oprimidos, dos povos sem voz e marginalizados. Encorajo-a firmemente a que continue a prestar tal testemunho. A opção preferencial pelos pobres é « uma forma especial de primado na prática da caridade cristã, testemunhada por toda a tradição da Igreja. (...) A estimulante preocupação pelos pobres — os quais, segundo a fórmula significativa, são "os pobres do Senhor" — deve traduzir-se, a todos os níveis, em actos concretos até chegar decididamente a uma série de reformas necessárias ».52

(51) Cf. "Mensaje del Sínodo, n. 36": L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 20 de mayo de 1994, 5.
(52)
SRS 42-43: AAS 80 (1988), 572-574.


45 Não obstante a sua pobreza e os poucos meios de que dispõe, a Igreja em África reveste um papel de primeiro plano no que respeita ao desenvolvimento humano integral; as suas notáveis realizações neste campo gozam frequentemente do reconhecimento dos Governos e dos peritos internacionais.

A Assembleia Especial para a África exprimiu profunda gratidão a « todos os cristãos e a todos os homens de boa vontade que trabalham, nos campos da assistência e da promoção, com a nossaCáritas ou as nossas organizações de desenvolvimento ».53 A assistência que eles, como bons Samaritanos, dão às vítimas africanas das guerras e catástrofes, aos refugiados e deslocados, merece admiração, reconhecimento e apoio da parte de todos.

Por fim, tenho de exprimir viva gratidão à Igreja em África pelo papel que ela desempenhou, ao longo dos anos, a favor da paz e da reconciliação, em numerosas situações de conflito, perturbação política ou guerra civil.

(53) "Mensaje del Sínodo" (6 de mayo de 1994), 39: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 20 de mayo de 1994, 6.


II. Problemas actuais da Igreja em África

46 Os Bispos da África têm pela frente duas questões essenciais: como há-de a Igreja levar por diante a sua missão evangelizadora neste aproximar-se do ano 2000? Como poderão os cristãos africanos tornar-se testemunhas cada vez mais fiéis do Senhor Jesus? Para oferecer respostas adequadas a tais questões, os Bispos, antes e durante a Assembleia Especial, passaram em revista os principais desafios que a comunidade eclesial africana tem hoje de enfrentar.



Ecclesia in Africa PT 24