Ecclesia in Africa PT 88

I. Obreiros da evangelização

88 A evangelização tem necessidade de obreiros. De facto, « como hão-de invocar Aquele [o Senhor] em quem não acreditaram? E como hão- -de acreditar n'Aquele que não ouviram? E como ouvirão se ninguém lhes prega? E como pregarão se não forem enviados? » (Rm 10,14-15). O anúncio do Evangelho só pode realizar-se plenamente com o contributo de todos os crentes, nos vários níveis da Igreja, universal ou local.

A esta, à Igreja local colocada sob a responsabilidade do Bispo, compete de modo particular a coordenação dos esforços da evangelização, congregando os fiéis, confirmando-os na fé através da acção dos presbíteros e dos catequistas, amparando-os no cumprimento da respectiva missão. Com este objectivo, a diocese proverá à instituição das estruturas necessárias de encontro, de diálogo, de programação. Valendo-se delas, o Bispo poderá orientar convenientemente o trabalho dos sacerdotes, religiosos e leigos, acolhendo os dons e carismas de cada um para os colocar ao serviço de uma pastoral actualizada e incisiva. Neste sentido, serão muitos úteis os vários Conselhos previstos nas normas vigentes de Direito Canónico.


Comunidades eclesiais vivas

89 Os Padres Sinodais reconheceram logo que a Igreja-Família só poderá oferecer plenamente a sua medida de Igreja, se se ramificar em comunidades suficientemente pequenas para permitir estreitas relações humanas. As características dessas comunidades foram sintetizadas pela Assembleia deste modo: hão-de ser lugares onde se proveja, primariamente, à evangelização própria, para depois levar a Boa Nova aos outros; por isso, deverão ser lugares de oração e escuta da Palavra de Deus, de responsabilização dos próprios membros, de iniciação à vida eclesial, de reflexão sobre os vários problema humanos à luz do Evangelho. Sobretudo, procurar-se-á viver nelas o amor universal de Cristo, que transcende as barreiras e as alianças naturais dos clãs, das tribos ou de outros grupos de interesses.169

(169) Cf. Propositio 9.


Laicado

90 Os leigos hão-de ser ajudados a tomar cada vez maior consciência do papel que devem ocupar na Igreja, honrando assim a missão que lhes é peculiar enquanto baptizados e crismados, em conformidade com o ensinamento da Exortação Apostólica pós-sinodal Christifideles laici 170 e da Encíclica Redemptoris missio.171 Para tal, têm de ser preparados, através de apropriados centros ou escolas de formação bíblica e pastoral. Numa linha idêntica, os cristãos que ocupam lugares de responsabilidade têm de ser cuidadosamente preparados para a sua tarefa política, económica e social, através de uma sólida formação na doutrina social da Igreja, para serem fiéis testemunhas do Evangelho no seu âmbito de acção.172

(170) Cf.
CL 45-46: AAS 81 (1989), 481-506.
(171) Cf. RMi 71-74: AAS 83 (1991), 318-322.
(172) Cf. Propositio 12.


Catequistas

91 « O papel dos catequistas tem sido e continua a ser determinante na implantação e expansão da Igreja em África. O Sínodo recomenda que os catequistas não somente recebam uma perfeita preparação inicial (...), mas que continuem a receber uma formação doutrinal bem como apoio moral e espiritual ».173 Por isso, tanto os Bispos como os sacerdotes tenham a peito os seus catequistas, procurando que lhes sejam asseguradas dignas condições de vida e de trabalho, de modo que possam cumprir bem a sua missão. A sua missão seja reconhecida e honrada no seio da comunidade cristã.

(173) Propositio 13.


A família

92 O Sínodo lançou um apelo explícito a cada família cristã para que se torne « um lugar privilegiado de testemunho evangélico »,174 uma verdadeira « igreja doméstica »,175 uma comunidade que acredita e evangeliza,176 uma comunidade em diálogo com Deus 177 e generosamente aberta ao serviço do homem.178 « É no seio da família que os pais são, pela palavra e pelo exemplo, para os seus filhos, os primeiros arautos da fé ».179 « É aqui que se exerce, de modo privilegiado, o sacerdócio baptismal do pai, da mãe, dos filhos, de todos os membros da família, "na recepção dos sacramentos, na oração e acção de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade efectiva". O lar é, assim, a primeira escola de vida cristã e "uma escola de enriquecimento humano" ».180

Os pais cuidarão da educação cristã dos filhos. Com a ajuda concreta de famílias cristãs sólidas, serenas e comprometidas, as dioceses programarão o apostolado familiar no quadro da pastoral de conjunto. Enquanto « igreja doméstica », construída sobre as sólidas bases culturais e os ricos valores da tradição familiar africana, a família cristã é chamada a ser uma válida célula de testemunho cristão na sociedade, caracterizada por mudanças rápidas e profundas. O Sínodo sentiu este apelo com particular urgência no contexto do Ano da Família, que a Igreja estava então a celebrar juntamente com toda a comunidade internacional.

(174) Propositio 14.
(175)
LG 11.
(176) Cf. FC 52: AAS 74 (1982), 144-145.
(177) Cf. FC 55, l. c. 147-148.
(178) Cf. FC 62, l. c., 155.
(179) CEC 1656, que cita el LG 11.
(180) CEC 1657, que cita el LG 10 GS 52.


Jovens

93 A Igreja em África sabe bem que a juventude não é só o presente, mas sobretudo o futuro da humanidade. Por isso, é necessário ajudar os jovens a superarem os obstáculos que reprimem o seu desenvolvimento: o analfabetismo, a ociosidade, a fome, a droga.181 Para afrontar estes desafios, dever-se-á chamar os jovens a serem evangelizadores do seu ambiente. Não há ninguém que o possa fazer melhor que eles. É necessário que a pastoral da juventude esteja presente explicitamente na pastoral global das dioceses e das paróquias, de modo a dar aos jovens a ocasião de descobrirem bem depressa o valor do dom de si mesmo, caminho essencial para o desenvolvimento da pessoa.182 Vem a propósito lembrar que a celebração da Jornada Mundial da Juventude se revela um meio privilegiado de pastoral juvenil, que favorece a sua formação através da oração, do estudo e da reflexão.

(181) Cf. Propositio 15.
(182) Cf. Propositio 15.


Homens e mulheres consagrados

94 « Numa Igreja Família de Deus, a vida consagrada tem um papel particular, não só para indicar a todos o apelo à santidade, mas também para testemunhar a vida fraterna na comunidade. Por conseguinte, as pessoas consagradas são convidadas a responder à sua vocação, num espírito de comunhão e colaboração com os respectivos Bispos, com o clero e com os leigos ».183

Nas condições actuais da missão em África, é urgente promover as vocações religiosas à vida contemplativa e activa, efectuando, primeiro, escolhas prudentes e provendo a dar-lhes, depois, uma sólida formação humana, espiritual e doutrinal, apostólica e missionária, bíblica e teológica. Esta formação há-de continuar ao longo dos anos, perseverante e periódica. Na fundação de novos Institutos Religiosos, deve-se proceder com grande prudência e claro discernimento, fazendo referência aos critérios indicados pelo Concílio Vaticano II e às normas canónicas vigentes.184 Uma vez fundados, os Institutos Religiosos hão-de ser ajudados a adquirir personalidade jurídica e a atingir a autonomia na gestão tanto das próprias obras como das respectivas entradas financeiras.

A Assembleia Sinodal, depois de ter advertido « os Institutos Religiosos que não mantêm casas em África » a não se considerarem autorizados a « procurar lá novas vocações sem prévio diálogo com o Ordinário do lugar »,185 exortou os responsáveis das Igrejas locais, como também os dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica, a promoverem entre si o diálogo com a criação, no espírito da Igreja Família, de grupos mistos de deliberação, como testemunho de fraternidade e sinal de unidade ao serviço da missão comum.186 Nesta perspectiva, acolhi também o convite dos Padres Sinodais a rever, se necessário, qualquer ponto do documentoMutuae relationes,187 para uma melhor definição do papel da vida religiosa na Igreja local.188

(183) Propositio 16, que explícitamente cita el
LG 43-47.
(184) Cf. y PC 19.
(185) Propositio 16.
(186) Cf. Propositio 22.
(187) Congregación para los religiosos y los institutos seculares y Congregación para los obispos, Notas directivas sobre las relaciones entre obispos y religiosos en la Iglesia Mutuae relationes (14 de mayo de 1978): AAS 70 (1978), 473-506.
(188) Cf. Propositio 22.


Futuros sacerdotes

95 « Hoje mais que nunca — afirmaram os Padres Sinodais —, será nossa preocupação formar osfuturos sacerdotes nos verdadeiros valores culturais dos respectivos países, educando-os no sentido da honestidade, responsabilidade, e fidelidade à palavra dada. Serão formados de maneira a revestir as qualidades de representantes de Cristo, verdadeiros servidores e animadores de comunidades cristãs, (...) de forma que sejam sacerdotes espiritualmente sólidos, disponíveis e devotados à causa do Evangelho, e capazes de administrar com transparência os bens da Igreja e de levar uma vida simples, em conformidade com o seu ambiente ».189 Embora respeitando as tradições próprias das Igrejas Orientais, os seminaristas sejam formados de forma que « adquiram uma verdadeira maturidade afectiva e tenham ideias claras e uma convicção íntima sobre a indissociabilidade do celibato e da castidade do sacerdote »;190 além disso, « recebam uma formação adequada sobre o sentido e o lugar da consagração a Cristo no sacerdócio ».191

(189) Propositio 18.
(190) Propositio 18.
(191) Propositio 18.


Diáconos

96 Nos lugares onde as condições pastorais se prestarem à estima e compreensão deste antigo ministério da Igreja, as Conferências e as Assembleias Episcopais estudarão os modos mais adequados de promover e encorajar o diaconado permanente « como ministério ordenado e também como meio de evangelização ».192 Onde já existam os diáconos, trabalhar-se-á por lhes oferecer uma actualização orgânica e completa.

(192) Propositio 17.


Sacerdotes

97 Profundamente reconhecida a todos os sacerdotes, diocesanos ou membros dos Institutos, pela obra apostólica que realizam, e consciente das exigências postas pela evangelização dos povos de África e Madagáscar, a Assembleia Sinodal exortou-os a viverem na « fidelidade à sua vocação, no dom total de si mesmos à missão e em plena comunhão com o próprio Bispo ».193 Será dever dos Bispos cuidar da formação permanente dos sacerdotes, sobretudo nos primeiros anos de ministério,194 ajudando-os especialmente a aprofundar o sentido do celibato sagrado e a perseverar na fiel adesão ao mesmo, sabendo apreciar « tão insigne dom, que lhes foi dado pelo Pai e tão claramente é exal- tado pelo Senhor, tendo diante dos olhos os grandes mistérios que nele são significados e nele se realizam ».195 Nesse itinerário de formação, há-de ser prestada também atenção aos valores culturais sãos do ambiente de vida dos sacerdotes. Além disso, é oportuno recordar que o Concílio Vaticano II encorajou, entre os presbíteros, « uma certa vida comum », ou seja, uma certa comunidade de vida segundo as formas sugeridas pelas necessidades pessoais e pastorais concretas. Isso contribuirá para fomentar a vida espiritual e intelectual, a acção apostólica e pastoral, a caridade e a solicitude recíproca, especialmente no caso dos sacerdotes de idade, doentes ou em dificuldade.196

(193) Propositio 20.
(194) Cf.
PDV 70-77: AAS 84 (1992), 778-796; Propositio 20.
(195) Vaticano II, PO 16.
(196) Cf. PO 8.


Bispos

98 Os próprios Bispos colocarão todo o cuidado em apascentar a Igreja que Deus para Si adquiriu com o Sangue do próprio Filho, no cumprimento do encargo que lhes foi confiado pelo Espírito Santo (cf. Act Ac 20,28). Empenhados, segundo a recomendação conciliar, no cumprimento do seu « múnus apostólico como testemunhas de Cristo diante de todos os homens »,197 os Bispos exercerão pessoalmente, em colaboração confiante com o presbitério e demais obreiros pastorais, o insubstituível serviço da unidade na caridade, atendendo com solicitude às tarefas de ensino, santificação e governo pastoral. Além disso, não deixarão de prover ao aprofundamento da sua cultura teológica e ao corroboramento da sua vida espiritual, tomando parte, quanto possível, nos tempos de actualização e formação organizados pelas Conferências Episcopais ou pela Sé Apostólica.198 De modo particular, não hão-de esquecer nunca aquela advertência de S. Gregório Magno, segundo a qual o pastor é luz dos seus féis, sobretudo através de uma conduta moral exemplar e impregnada de santidade.199

(197) Vaticano II, CD 11.
(198) Cf. Propositio 21.
(199) Cf. Epistolarum liber, VIII, 33: PL 77, 935.


II. Estruturas de evangelização

99 É motivo de alegria e consolação constatar que « os fiéis leigos estão cada vez mais comprometidos com a missão da Igreja em África e Madagáscar », devido especialmente « ao dinamismo dos movimentos de acção católica, das associações de apostolado e dos novos movimentos de espiritualidade ». Os Padres do Sínodo formularam votos calorosos de que « este impulso prossiga e se desenvolva a todos os níveis do laicado, quer se tratem de adultos, quer de jovens e crianças ».200

(200) Propositio 23; cf. Relatio ante disceptationem (11 de abril de 1994), 11: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 22 de abril de 1994, 9.


Paróquias

100 A paróquia é, por sua natureza, o lugar habitual de vida e culto dos fiéis. Aí, podem exprimir e concretizar as iniciativas, que a fé e a caridade cristã sugerirem à comunidade dos crentes. A paróquia é o lugar onde se manifesta a comunhão dos diversos grupos e movimentos, que nela encontram suporte espiritual e apoio material. Sacerdotes e leigos colocarão todo o seu empenho para que a vida da paróquia seja harmoniosa, no contexto de uma Igreja Família, onde todos sejam « assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações » (Ac 2,42).


Movimentos e associações

101 A união fraterna para um testemunho vivo do Evangelho há-de ser também a finalidade dos movimentos apostólicos e associações de carácter religioso. Os fiéis leigos, com efeito, encontram neles uma ocasião privilegiada para ser fermento na massa (cf. Mt Mt 13,33), especialmente no referente à ordenação das coisas temporais segundo Deus e à luta pela promoção da dignidade humana, da justiça e da paz.


Escolas

102 « As escolas católicas são, ao mesmo tempo, lugares de evangelização, de educação integral, de inculturação, e de aprendizagem do diálogo de vida entre jovens de religiões e meios sociais diferentes ».201 A Igreja em África e Madagáscar oferecerá, pois, o seu contributo para a promoção da « escola para todos » 202 no âmbito da escola católica, sem transcurar « a educação cristã dos alunos das escolas não católicas ». Quanto aos universitários, a Igreja esforçar-se-á por lhes « fornecer um programa de formação religiosa correspondente ao seu nível de estudo ».203 Tudo isto, obviamente, supõe a preparação humana, cultural e religiosa dos próprios educadores.

(201) Propositio 24.
(202) Propositio 24.
(203) Propositio 24.


Universidades e Institutos Superiores

103 « As Universidades e os Institutos Superiores Católicos em África desempenham um papel importante na proclamação da Palavra salvífica de Deus. Eles são sinal do crescimento da Igreja, enquanto, nas suas investigações, integram as verdades e as experiências da fé, e ajudam a interiorizá-las. Assim, estes centros de estudo servem a Igreja, fornecendo-lhe pessoal bem preparado; estudando importantes questões teológicas e sociais; desenvolvendo a teologia africana; promovendo o trabalho de inculturação, especialmente na celebração litúrgica; publicando livros e divulgando o pensamento católico; realizando as pesquisas que lhes são confiadas pelos Bispos; contribuindo para o estudo científico das culturas ».204

Nestes tempos de perturbações sociais generalizadas sobre o Continente, a fé cristã pode iluminar eficazmente a sociedade africana. « Os centros culturais católicos oferecem à Igreja singulares possibilidades de presença e acção no campo das mutações culturais. Eles constituem, com efeito, uma espécie de fórum público que permite fazer conhecer largamente, num diálogo criativo, as convicções cristãs sobre o homem, a mulher, a família, o trabalho, a economia, a sociedade, a política, a vida internacional, o meio ambiente ».205 Tornam-se assim um lugar de escuta, respeito e tolerância.

(204) Propositio 25.
(205) Propositio 26.


Meios materiais

104 Precisamente nesta perspectiva, os Padres Sinodais puseram em relevo a exigência de que cada comunidade cristã seja posta em condições de prover por si só, na medida do possível, às suas necessidades.206 Além de pessoal qualificado, a evangelização requer também meios materiais e financeiros notáveis, e as dioceses, não raro, estão bem longe de poder dispor deles em medida suficiente. É, portanto, urgente que as Igrejas particulares de África se proponham o objectivo de chegar quanto antes a prover elas mesmas às suas necessidades, assegurando desse modo a sua auto-suficiência. Por conseguinte, convido encarecidamente as Conferências Episcopais, as dioceses e todas as comunidades cristãs das Igrejas do Continente, a empenharem-se, no que for da sua competência, para que esta auto-suficiência se torne cada vez mais uma realidade. Ao mesmo tempo, faço apelo às Igrejas irmãs de todo o mundo, para que sustentem mais generosamente as Obras Missionárias Pontifícias de tal forma que, através dos seus organismos de ajuda, possam oferecer às dioceses carenciadas auxílios económicos destinados a projectos de investimento, capazes de produzir recursos que conduzam ao seu progressivo auto-financiamento.207 Além disso, não se deve esquecer que uma Igreja só pode chegar à auto-suficiência material e financeira, se o povo que lhe está confiado não sofrer condições de miséria extrema.

(206) Cf. Vaticano II, .
(207) Cf. Propositio 27.


CAPÍTULO VI

EDIFICAR O REINO DE DEUS


Reino de justiça e de paz

105 O mandato, que Jesus conferiu aos discípulos ao subir ao céu, é dirigido à Igreja de Deus de todos os tempos e lugares. A Igreja Família de Deus em África deve testemunhar Cristo, também pela promoção da justiça e da paz no Continente e no mundo inteiro. « Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus » (Mt 5,9-10) — diz o Senhor. O testemunho da Igreja deve ser acompanhado pelo empenho convicto de cada um dos membros do Povo de Deus a favor da justiça e da solidariedade. Isto é particularmente importante no caso dos leigos que desempenham funções públicas, já que tal testemunho exige um estado de espírito constante e um estilo de vida de harmonia com a fé cristã.


A dimensão eclesial do testemunho

106 Os Padres Sinodais, ao sublinharem a dimensão eclesial do testemunho, declararam solenemente: « A Igreja deve continuar a cumprir a sua missão profética, e ser a voz dos sem voz ».208

Mas, para o actuar de modo eficaz, a Igreja, enquanto comunidade de fé, deve ser uma vigorosa testemunha da justiça e da paz nas suas próprias estruturas e nas relações entre os seus membros. Corajosamente afirma a Mensagem do Sínodo: « As Igrejas de África reconheceram também que, no seu próprio seio, a justiça nem sempre foi respeitada no confronto daqueles que estão ao seu serviço. Se a Igreja deve testemunhar a justiça, ela reconhece que todo aquele que ouse falar de justiça aos homens, deve esforçar-se ele mesmo por ser justo aos seus olhos. É preciso, pois, examinar com atenção os procedimentos, os bens e o estilo de vida da Igreja ».209

O seu apostolado, no referente à promoção da justiça e, de modo particular, à defesa dos direitos humanos fundamentais, não pode ser deixado à improvisação. Consciente do facto de que, em numerosos países da África, são perpetradas flagrantes violações da dignidade e dos direitos do homem, peço às Conferências Episcopais que estabeleçam, onde ainda não existirem, Comissões « Justiça e Paz », aos vários níveis da vida eclesial. Elas deverão sensibilizar as comunidades cristãs para as suas responsabilidades evangélicas na defesa dos direitos humanos.210

(208) Propositio 45.
(209) Mensaje del Sínodo, n. 43: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 20 de mayo de 1994, 6.
(210) Cf. Propositio 46.


107 Se o anúncio da justiça e da paz é parte integrante da tarefa de evangelização, consequentemente a promoção desses valores deverá fazer parte também do programa pastoral de cada comunidade cristã. É por isso que insisto sobre a necessidade de formar adequadamente todos os obreiros pastorais para tal apostolado: « A formação do clero, dos religiosos e dos leigos, dada nos próprios campos do seu apostolado, acentuará a doutrina social da Igreja. Cada um, segundo o seu estado de vida, tomará consciência dos seus direitos e dos seus deveres, aprenderá o sentido e o serviço do bem comum, e ainda os critérios de uma gestão honesta dos bens públicos e de uma correcta presença na vida política, para que possam intervir, com credibilidade, diante das injustiças sociais ».211

Como corpo organizado no seio da comunidade e da nação, a Igreja tem o direito e o dever de participar plenamente, com todos os meios à sua disposição, na edificação de uma sociedade justa e pacífica. Impõe-se recordar aqui o seu apostolado nos campos da educação, da saúde, da sensibilização social e de outros programas de assistência. Na medida em que contribui, com estas suas actividades, para diminuir a ignorância, melhorar a saúde pública e favorecer maior participação de todos nos problemas da sociedade, em espírito de liberdade e corresponsabilidade, a Igreja cria as condições para o progresso da justiça e da paz.

(211) Propositio 47.


O sal da terra

108 Na época actual, no contexto de uma sociedade pluralista, é sobretudo através do empenhamento dos católicos na vida pública que a Igreja pode exercer uma influência eficaz. Da parte dos católicos, sejam eles de profissão liberal ou professores, empresários ou funcionários, das forças de segurança ou políticos, espera-se que dêem testemunho de bondade, verdade, justiça e amor de Deus nas suas actividades quotidianas. « O dever do fiel leigo (...) é ser sal e luz do mundo (...), particularmente, lá onde ele é o único a poder intervir ».212

(212) Sínodo de los Obispos, Asamblea especial para África, Mensaje del Sínodo (6 de mayo de 1994), 57: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 20 de mayo de 1994, 7.


Colaborar com os outros crentes

109 A obrigação de se empenhar a favor do desenvolvimento dos povos não é um dever apenasindividual, e menos ainda individualista, como se fosse possível consegui-lo com os esforços isolados de cada um. Trata-se de um imperativo tanto para cada homem e cada mulher, como paraas sociedades e as nações; de modo particular, é um imperativo para a Igreja Católica e para as outras Igrejas e Comunidades eclesiais, com as quais os católicos estão dispostos a colaborar neste campo.213 Nesse sentido, como os católicos convidam os irmãos cristãos a participarem nas suas iniciativas, assim, acolhendo os convites que lhes são feitos, se declaram prontos a colaborar nas iniciativas por eles promovidas. Com o fim de favorecer o desenvolvimento integral do homem, muito podem conseguir os católicos unidos com os crentes das outras religiões, como, aliás, já sucede em diversos lugares.214

(213)
UUS 40: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 2 de junio de 1995, 11.
(214) Cf. SRS 32: AAS 80 (1988), 556.


Uma boa gestão da vida pública

110 Os Padres do Sínodo foram unânimes em reconhecer que o maior desafio para realizar a justiça e a paz, na África, consiste em administrar bem a vida pública, nos campos mutuamente conexos da política e da economia. Certos problemas têm origem fora do Continente e, por isso mesmo, não estão totalmente sob o controlo dos governantes e responsáveis nacionais. Mas a Assembleia Sinodal reconheceu que muitos problemas do Continente são consequência de um modo de governar frequentemente viciado pela corrupção. É necessária uma consciência bem desperta, junto com uma firme determinação da vontade, para pôr em acto aquelas soluções que já não é possível adiar mais.


Construir a nação

111 Na vertente política, o árduo processo da construção de unidades nacionais encontra particulares obstáculos, no Continente Africano, dado que a maior parte dos Estados são entidades políticas relativamente recentes. Conciliar profundas diferenças, superar antigos ressentimentos de natureza étnica e integrar-se numa ordem mundial complexa: tudo isto exige grande habilidade na arte de governar. Por esta razão, a Assembleia Sinodal elevou ao Senhor fervorosa prece a fim de que surjam, em África, políticos — homens e mulheres — santos; para que hajam santos Chefes de Estado, que amem profundamente o seu próprio povo e desejem mais servir que servir-se.215

(215) Cf. Mensaje del Sínodo (6 de mayo de 1994), 35: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 20 de mayo de 1994, 5.


A senda do direito

112 Os alicerces de um bom governo devem estar assentes sobre a base sólida das leis, que protegem os direitos e definem os deveres dos cidadãos.216 Com grande tristeza, tenho de constatar que várias nações africanas sofrem ainda sob regimes autoritários e opressivos que negam aos súbditos a liberdade pessoal e os direitos humanos fundamentais, de modo particular a liberdade de associação e de expressão política, e o direito de escolher os próprios governantes por meio de eleições livres e imparciais. Tais injustiças políticas provocam tensões que frequentemente degeneram em conflitos armados e guerras internas, trazendo consigo graves consequências como carestias, epidemias, destruições, para não falar dos extermínios, do escândalo e da tragédia dos refugiados. Por este motivo, o Sínodo justamente defendeu que uma autêntica democracia, no respeito do pluralismo, é « uma das principais estradas pelas quais a Igreja caminha com o povo. (...) O leigo cristão, comprometido nas lutas democráticas segundo o espírito do Evangelho, é o sinal duma Igreja que se quer presente na construção de um Estado de direito, por toda a parte da África ».217

(216) Cf. Propositio 56.
(217) Mensaje del Sínodo (6 de mayo de 1994), 34: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 20 de mayo de 1994, 5.


Gerir o património comum

113 Além disso, o Sínodo faz apelo aos Governos africanos para que adoptem políticas capazes de favorecer o crescimento económico e os investimentos, em ordem à criação de novos postos de trabalho.218 Isto comporta o empenho de prosseguir sãs políticas económicas, estabelecendo correctas prioridades na exploração e distribuição dos recursos por vezes escassos, de forma a prover às carências fundamentais das pessoas e assegurar uma repartição honesta e equitativa dos benefícios e dos encargos. Os Governos têm, em particular, o indeclinável dever de proteger opatrimónio comum contra todas as formas de delapidação e apropriação indevida por parte de cidadãos carentes de sentido patriótico ou de estrangeiros sem escrúpulos. Compete ainda aos Governos empreender adequadas iniciativas para melhorar as condições do comércio internacional.

Os problemas económicos da África são agravados ainda pela desonestidade de alguns governantes corruptos, que, coniventes com interesses privados locais ou estrangeiros, desviam para proveito próprio os recursos nacionais, transferindo dinheiro público para contas privadas em Bancos no estrangeiro. Trata-se de verdadeiros e próprios furtos, qualquer que seja a sua cobertura legal. Faço ardentes votos de que os Organismos Internacionais e pessoas íntegras dos países africanos ou de outros países do mundo saibam preparar os meios jurídicos adequados para fazer regressar os capitais indevidamente subtraídos. Também na concessão de empréstimos é importante informar-se sobre a responsabilidade e transparência dos destinatários.219

(218) Cf. Propositio 54.
(219) Cf. Propositio 54.


A dimensão internacional

114 Enquanto Assembleia de Bispos da Igreja Universal presidida pelo Sucessor de Pedro, o Sínodo foi uma ocasião providencial para avaliar, de forma positiva, o lugar e o papel da África no contexto da Igreja Universal e da comunidade mundial. Tornando-se este mundo em que vivemos cada vez mais interdependente, os destinos e os problemas das diversas regiões vão aparecendo sempre mais interligados. A Igreja, enquanto família de Deus sobre a terra, deve ser o sinal vivo e o instrumento eficaz da solidariedade universal, tendo em vista a edificação de uma comunidade de justiça e paz de dimensões cósmicas. Só surgirá um mundo melhor, se for construído sobre os alicerces sólidos de sãos princípios éticos e espirituais.

Na situação mundial actual, as nações africanas contam-se entre as mais desfavorecidas. É necessário que os países ricos tomem clara consciência do seu dever de sustentar os esforços dos países que lutam para sair da pobreza e da miséria. Aliás, é do próprio interesse das nações ricas optarem pelo caminho da solidariedade, porque só assim será possível garantir à humanidade paz e harmonia duradouras. Consequentemente, a Igreja que vive em países desenvolvidos, não pode ignorar a sua responsabilidade acrescida que deriva do compromisso cristão em prol da justiça e da caridade: visto que todos, homens e mulheres, trazem em si mesmos a imagem de Deus e são chamados a fazer parte da mesma família, redimida pelo Sangue de Cristo, deve ser garantido a cada um o justo acesso aos recursos da terra, que Deus pôs à disposição de todos.220

Não é difícil entrever as numerosas implicações práticas, que tal impostação comporta. Em primeiro lugar, há que trabalhar por melhores relações sócio-políticas entre as nações, assegurando condições de maior justiça e dignidade àquelas que há menos tempo alcançaram a independência e entraram na comunidade internacional. Depois, é preciso prestar ouvidos, com profunda sintonia, ao grito angustiado das nações pobres, que pedem ajuda em âmbitos de particular importância: a desnutrição, a deterioração generalizada da qualidade de vida, a insuficiência dos meios para a formação dos jovens, a carência dos serviços previdenciais e sociais elementares com a consequente persistência de doenças endémicas, a difusão do terrível flagelo da SIDA, o peso gravoso e às vezes insuportável da dívida internacional, o horror das guerras fratricidas alimentadas por um tráfico de armas sem escrúpulos, o espectáculo vergonhoso e lastimável dos deslocados e refugiados. Eis alguns campos onde são necessárias intervenções imediatas, que permanecem oportunas, mesmo se se prevêem insuficientes no quadro global dos problemas.

(220) Cf. Pablo VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de marzo de 1967): AAS 59 (1967), 257- 299; Juan Pablo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de diciembre de 1987) : AAS 80 (1988), 513- 586; Carta enc. Centesimus annus (1 de mayo de 1991) : AAS 83 (1991), 793-867; Propositio 52.


I. Motivos de preocupação


Devolver a esperança aos jovens

115 A situação económica de pobreza tem um impacto especialmente negativo sobre os jovens. Entram na vida dos adultos com escasso entusiasmo, devido a um presente marcado por não poucas frustrações, e, com esperança ainda menor, olham para o futuro que a seus olhos se desenha negro e triste. Por isso, tendem a fugir das zonas rurais transcuradas e concentram-se nas cidades, que, no fundo, pouco de melhor têm para lhes oferecer. Muitos deles saem para o estrangeiro como se fossem para um exílio, e vivem lá uma existência precária de refugiados económicos. Unido aos Padres do Sínodo, sinto o dever de defender a sua causa: é necessário e urgente encontrar uma solução para a sua impaciência de participar na vida da nação e da Igreja.221

Ao mesmo tempo, porém, desejo dirigir aos próprios jovens um apelo: Queridos jovens, o Sínodo pede-vos para assumirdes o desenvolvimento das vossas nações, amardes a cultura do vosso povo e trabalhardes para a sua revitalização, através da fidelidade à vossa herança cultural, com o aperfeiçoamento do espírito científico e técnico e, sobretudo, pelo testemunho da fé cristã.222

(221) Cf. Sínodo de los Obispos, Asamblea especial para África, Mensaje del Sínodo (6 de mayo de 1994), 63: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 20 de mayo de 1994, 7.
(222) Cf. Sínodo de los Obispos, Asamblea especial para África, Mensaje del Sínodo (6 de mayo de 1994), 63: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 20 de mayo de 1994, 7.



Ecclesia in Africa PT 88