Ecclesia in Africa PT 116

O flagelo da SIDA

116 Neste horizonte de pobreza geral e serviços de saúde inadequados, o Sínodo tomou em consideração o trágico flagelo da SIDA, que semeia sofrimento e morte em numerosas zonas da África. Constatando o papel que comportamentos sexuais irresponsáveis desempenham na difusão dessa doença, formulou esta firme recomendação: « A amizade, a alegria, a felicidade, a paz que o matrimónio cristão e a fidelidade proporcionam, bem como a segurança que a castidade oferece, devem ser continuamente apresentados aos fiéis, particularmente aos jovens ».223

A luta contra a SIDA deve ser assumida por todos. Dando eco à voz dos Padres Sinodais, também eu peço aos obreiros pastorais que levem aos irmãos e irmãs atingidos pela SIDA todo o conforto possível, tanto material como moral e espiritual. Aos cientistas e aos responsáveis políticos de todo o mundo peço, com grande insistência, que, movidos pelo amor e pelo respeito devido a cada pessoa humana, não olhem a despesas na busca dos meios capazes de pôr fim a este flagelo.

(223) Propositio 51.


« Das espadas, forjai relhas de arado » (cf. Is 2,4): nunca mais a guerra!

117 (Cf. Is 2,4) A tragédia das guerras que dilaceram a África, foi descrita pelos Padres Sinodais com palavras incisivas: « Há alguns decénios que a África é teatro de guerras fratricidas que dizimam as populações e destroem as suas riquezas naturais e culturais ».224 Tão tormentoso fenómeno, além de causas exteriores à África, tem também causas internas como « o tribalismo, o nepotismo, o racismo, a intolerância religiosa, a sede de poder, levada ao extremo nos regimes totalitários que calcam impunemente os direitos e a dignidade do homem. As populações oprimidas e reduzidas ao silêncio suportam, como vítimas inocentes e resignadas, todas estas situações de injustiça ».225

Não posso deixar de unir a minha voz à dos membros da Assembleia Sinodal para deplorar as situações de indescritível sofrimento, provocadas por tantos conflitos em acto ou latentes, e para pedir a quantos tenham possibilidades de o fazer que se empenhem plenamente em pôr termo a semelhantes tragédias.

Além disso, exorto, unido aos Padres Sinodais, a um efectivo empenho por promover condições de maior justiça social e de exercício mais equitativo do poder, no Continente, para preparar assim o terreno para a paz. « Se queres a paz, trabalha pela justiça ».226 É preferível — e inclusive mais fácil — prevenir as guerras que tentar pará-las depois de terem sido desencadeadas. É tempo que os povos quebrem as suas espadas para delas forjarem relhas de arado, e as suas lanças para com elas fazerem foices (cf. Is Is 2,4).

(224) Propositio 45.
(225) Propositio 45.
(226) Pablo VI, Discurso en la "Ciudad de los muchachos" con ocasión de la V Jornada mundial de la paz (1 de enero de 1972): AAS 64 (1972), 44.


118 A Igreja em África — particularmente através de alguns dos seus responsáveis — esteve na primeira linha da busca de soluções negociadas para conflitos armados, surgidos em numerosas zonas do Continente. Esta missão de pacificação deverá continuar, estimulada por aquilo que o Senhor promete nas Bem-aventuranças: « Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus » (Mt 5,9).

Aqueles que alimentam as guerras em África, por meio do tráfico de armas, são cúmplices de odiosos crimes contra a humanidade. A este propósito, faço minhas as recomendações do Sínodo que, depois de ter declarado que « o comércio de armas que semeia a morte é um escândalo », fez apelo a todos os países que vendem armas à África implorando-lhes que « acabem com este comércio », e pediu aos Governos africanos que « renunciem aos excessivos gastos militares, a fim de consagrarem maiores recursos à educação, à saúde e ao bem-estar dos seus povos ».227

A África deve continuar a procurar meios pacíficos e eficazes para que os regimes militares passem o poder aos civis. Contudo, é verdade igualmente que os militares estão chamados a desempenhar a sua função peculiar no país. Por isso, o Sínodo ao mesmo tempo que elogia « os irmãos militares pelo serviço que prestam em nome dos respectivos povos »,228 logo os adverte seriamente de que « deverão responder diante de Deus por todo o acto de violência contra a vida dos inocentes ».229

(227) Propositio 49.
(228) Mensaje del Sínodo (6 de mayo de 1994), 35: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 20 de mayo de 1994, 5.
(229) Mensaje del Sínodo (6 de mayo de 1994), 35: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 20 de mayo de 1994, 5.


Refugiados e deslocados

119 Um dos frutos mais amargos das guerras e das dificuldades económicas é o triste fenómeno dos refugiados e deslocados, fenómeno que atingiu, como recorda o Sínodo, dimensões trágicas. A solução ideal acha-se no restabelecimento de uma paz justa, na reconciliação e no desenvolvimento económico. É urgente, pois, que as organizações nacionais, regionais e internacionais resolvam, de forma equitativa e duradoura, os problemas dos refugiados e deslocados.230 Entretanto, porém, dado que o Continente continua a sofrer migrações de refugiados em massa, lanço um premente apelo a fim de que lhes seja levado auxílio material e oferecido apoio pastoral nos lugares onde se encontram, em África ou noutros continentes.

(230) Cf. Propositio 53


O peso da dívida internacional

120 A questão da dívida das nações pobres às ricas é objecto de grande preocupação para a Igreja, como resulta de numerosos documentos oficiais e de várias intervenções da Santa Sé em diversas ocasiões.231

Retomando agora as palavras dos Padres Sinodais, sinto, em primeiro lugar, o dever de exortar « os Chefes de Estado e os seus Governos, em África, a que não oprimam o povo com dívidas internas e externas ».232 Em seguida, dirijo um premente apelo « ao Fundo Monetário Internacional, ao Banco Mundial, bem como a todos os credores, para que amortizem as dívidas que sufocam os países africanos ».233 Peço, enfim, com insistência « às Conferências Episcopais dos países industrializados para se fazerem advogados desta causa junto dos seus Governos e dos organismos envolvidos ».234 A situação de numerosos países africanos é tão dramática que não consente atitudes de indiferença ou desinteresse.

(231) Cf. Vaticano II,
GS 86; Pablo VI, PP 54: AAS 59 (1967), 283-284; Juan Pablo II, SRS 19: AAS 80 (1988), 534- 536; CA 35: AAS 83 (1991), 836-838; TMA 51: AAS 87 (1995), 36, en la que se propone "una notable reducción o incluso una total condonación de la deuda externa que grava sobre el destino de muchas naciones", como iniciativa oportuna con vistas al gran jubileo del año 2000; Pontificia Comisión "Justicia y Paz", Documento Al servicio de la comunidad humana: una consideración ética de la deuda externa (27 de diciembre de 1986), Ciudad del Vaticano 1986.
(232) Propositio 49
(233) Propositio 49.
(234) Propositio 49.


Dignidade da mulher africana

121 Um dos sinais típicos da nossa época é a crescente tomada de consciência da dignidade da mulher e do seu papel específico na Igreja e na sociedade em geral. « Deus criou o homem à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou varão e mulher » (Gn 1,27).

Eu mesmo afirmei, em várias ocasiões, a igualdade fundamental e a complementaridade enriquecedora, que existe entre o homem e a mulher.235 O Sínodo aplicou estes princípios à condição das mulheres em África. Os seus direitos e deveres relativamente à edificação da família e à plena participação no desenvolvimento da Igreja e da sociedade foram vigorosamente salientados. Concretamente no que se refere ao âmbito eclesial, é oportuno que as mulheres, uma vez adequadamente formadas, se tornem participantes, segundo níveis apropriados, da actividade apostólica da Igreja.

Na medida em que estejam ainda presentes nas sociedades africanas, a Igreja deplora e condena todos « os costumes e práticas que privam as mulheres dos seus direitos e do respeito que lhes é devido ».236 Muito desejável é que as Conferências Episcopais instituam comissões especiais para aprofundar o estudo dos problemas da mulher, em colaboração com as agências governamentais interessadas, onde seja possível.237

(235) Cf. MD 6-9: AAS 80 (1988), 1662-1670; Carta a las mujeres (29 de junio de 1995), 7: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 14 de julio de 1995, 2.12.
(236) Propositio 48.
(237) Cf. Propositio 48.


II. Comunicar a boa nova


Seguir Cristo, Comunicador por excelência

122 O Sínodo teve muito a dizer sobre o tema da comunicação social no campo da evangelização da África, à luz das actuais circunstâncias. O ponto teológico de partida é Cristo, o Comunicador por excelência, que participa àqueles que crêem n'Ele a verdade, a vida e o amor partilhado com o Pai celeste e o Espírito Santo. Por isso, « a Igreja toma consciência do dever de promover a comunicação social ad intra e ad extra. É sua intenção favorecer a comunicação no seu seio, por uma melhor difusão da informação entre os seus membros ».238 Isto facilitar-lhe-á a comunicação ao mundo da Boa Nova do amor de Deus, revelado em Jesus Cristo.

(238) Propositio 57.


Formas tradicionais de comunicação

123 As formas tradicionais de comunicação social não devem, em caso algum, ser subestimadas. Em numerosos ambientes africanos, revelam-se ainda muito úteis e eficazes. Além disso, são « menos caras e mais acessíveis ».239 Nelas se incluem os cânticos e a música, as mímicas e o teatro, os provérbios e os contos. Enquanto veículos da sabedoria e do espírito popular, constituem uma fonte preciosa de conteúdos e de inspiração, inclusive para os meios modernos.

(239) Propositio 57.


Evangelização do mundo dos meios de comunicação

124 Os modernos mass-media não constituem apenas instrumentos de comunicação; são também um mundo a evangelizar. Quanto às mensagens por eles transmitidas, é preciso certificar-se de que sejam propostas no respeito do bem, do verdadeiro e do belo. Dando eco à preocupação dos Padres do Sínodo, exprimo a minha inquietude quanto ao conteúdo moral de muitíssimos programas que os meios de comunicação social difundem no Continente Africano; de modo particular, acautelo contra a pornografia e a violência, com que se procura invadir as nações pobres. Por outro lado, justamente o Sínodo deplorou « o retrato tão negativo que os mass-media fazem do africano e pede a sua imediata cessação ».240

Todo o cristão se deve preocupar por que os meios de comunicação sejam veículo de evangelização. Mas o cristão que actua como profissional neste sector, tem um papel especial a desempenhar. De facto, é sua obrigação fazer com que os princípios cristãos influam no exer- cício da profissão, inclusive no sector técnico e administrativo. Para que possam desempenhar adequadamente tal missão, é preciso proporcionar-lhes uma sã formação humana, religiosa e espiritual.

(240) Propositio 61.


Uso dos meios de comunicação social

125 A Igreja de hoje pode dispor de uma certa variedade de meios de comunicação social, tanto tradicionais como modernos. É seu dever fazer o melhor uso deles para difundir a mensagem da salvação. Pelo que diz respeito à Igreja em África, numerosos obstáculos lhe dificultam o acesso a esses meios, não sendo o último o seu elevado preço. Em muitas partes, além disso, existem normas governamentais que impõem, a tal respeito, um controle indevido. É necessário realizar todos os esforços para remover esses obstáculos: os meios de comunicação, privados ou públicos que sejam, devem estar ao serviço de todas as pessoas, sem excepção. Convido, pois, as Igrejas particulares de África a realizarem tudo o que esteja ao seu alcance para conseguir tal objectivo.241

(241) Cf. Propositio 58.


Colaboração e coordenação dos mass-media

126 Os meios de comunicação, sobretudo nas suas formas mais modernas, exercem uma influência que supera qualquer fronteira; neste âmbito, torna-se, pois, necessária uma estreita coordenação que consinta uma colaboração mais eficaz a todos os níveis: diocesano, nacional, continental e universal. Na África, a Igreja tem muita necessidade da solidariedade das Igrejas irmãs dos países mais ricos e avançados do ponto de vista tecnológico. Sempre neste Continente, alguns programas de colaboração continental já em acção, como por exemplo o « Comité Episcopal Pan-Africano de Comunicações Sociais », deveriam ser encorajados e revitalizados. E, como sugeriu o Sínodo, será preciso estabelecer uma colaboração mais estreita noutros sectores como a formação profissional, as estruturas produtoras da rádio e da televisão, e as emissoras de alcance continental.242

(242) Cf. Propositio 60.



CAPÍTULO VII

« VÓS SEREIS MINHAS TESTEMUNHAS ATÉ AOS CONFINS DO MUNDO »

127 Durante a Assembleia Especial, os Padres Sinodais examinaram profundamente a situação africana no seu conjunto, para encorajar a um testemunho de Cristo cada vez mais concreto e credível, no seio de cada Igreja local, de cada nação, de cada região, e no Continente Africano inteiro. Em todas as reflexões e recomendações feitas pela Assembleia Especial, transparece preponderante o desejo de testemunhar Cristo. Nisto, vi presente o espírito do que disse a um grupo de Bispos, em África: « Respeitando, preservando e favorecendo os valores próprios e as riquezas da herança cultural do vosso povo, vós sereis capazes de guiá-lo para uma melhor compreensão do mistério de Cristo, que deve ser vivido nas nobres, concretas e quotidianas experiências da vida africana. Não se trata de adulterar a Palavra de Deus ou de esvaziar a Cruz do seu poder (cf. 1Co 1,17), mas antes de levar Cristo precisamente ao coração da vida africana e de erguer até Cristo a vida africana inteira. Assim, não só o cristianismo aparece importante para a África, mas o próprio Cristo, nos membros do seu Corpo, é africano ».243

(243) Alocución a los obispos de Kenia (Nairobi, 7 de mayo de 1980), 6: AAS 72 (1980), 497.


Abertos à missão

128 A Igreja em África não está chamada a testemunhar Cristo apenas no continente; de facto, também a ela é dirigida a palavra do Senhor ressuscitado: « Vós sereis minhas testemunhas (...) até aos confins do mundo » (Ac 1,8). Por isso mesmo, durante os debates sobre o tema do Sínodo, os Padres evitaram cuidadosamente toda a tendência de isolamento por parte da Igreja em África. A Assembleia Especial sempre permaneceu na perspectiva do mandato missionário, que a Igreja recebeu de Cristo para O testemunhar pelo mundo inteiro.244 Os Padres Sinodais reconheceram o chamamento que Deus dirige à África para que exerça cabalmente, à escala mundial, o seu papel no plano da salvação do género humano (cf. 1Tm 2,4).

(244) Cf. Pablo VI, EN 50: AAS 58 (1976), 40.


129 Precisamente em função deste compromisso pela catolicidade da Igreja, já os Lineamenta da Assembleia Especial para a África declaravam: « Nenhuma Igreja particular, nem mesmo a mais pobre, poderá ser dispensada da obrigação de partilhar os seus recursos espirituais, temporais e humanos com outras Igreja particulares e com a Igreja Universal (cf. Act Ac 2,44-45) ».245 Por seu lado, a Assembleia Especial sublinhou intensamente a responsabilidade da África pela missão « até aos confins do mundo », nos seguintes termos: « A frase profética de Paulo VI — "vós, Africanos, sois chamados a ser missionários de vós mesmos" — há-de ser entendida deste modo: "sois missionários pelo mundo inteiro" (...). Às Igrejas particulares da África, foi lançado um apelo para a missão fora dos limites das próprias dioceses ».246

(245) Lineamenta, n. 42.
(246) Relatio post disceptationem (22 de abril de 1994), 11: L'Osservatore Romano, 24 de abril de 1994.


130 Aprovando com alegria e gratidão esta declaração da Assembleia Especial, desejo repetir a todos os meus irmãos Bispos da África as palavras que disse, há alguns anos: « A obrigação que a Igreja de África tem de ser missionária no seu próprio interior e de evangelizar o continente, requer a cooperação entre as Igrejas particulares no contexto de cada país africano, no contexto das diferentes nações do continente e também de outros continentes. É assim que a África se integrará plenamente na actividade missionária ».247 E num apelo dirigido anteriormente a todas as Igrejas particulares, de fundação recente ou antiga, eu dizia que « o mundo vai-se unificando cada vez mais, o espírito evangélico deve levar à supressão de barreiras culturais e nacionalistas, evitando qualquer isolamento ».248

A corajosa determinação, manifestada pela Assembleia Especial, de comprometer as jovens Igrejas de África na missão « até aos confins do mundo », reflecte o desejo de seguir, o mais generosamente possível, uma das importantes directrizes do Concílio Vaticano II: « Para que este zelo missionário comece a florescer entre os naturais do país, convém absolutamente que as Igrejas jovens participem efectivamente na missão universal da Igreja, enviando elas também missionários a anunciar o Evangelho por toda a terra, ainda que elas sofram de falta de clero. A comunhão com a Igreja inteira estará, de certo modo, consumada quando, também elas, tomarem parte activa na acção missionária junto de outros povos ».249

(247) Discurso a la Conferencia episcopal de Senegal, Mauritania, Cabo Verde y Guinea-Bissau (Poponguine, 21 de febrero de 1992), 3: AAS 85 (1993), 150.
(248)
RMi 39: AAS 83 (1991), 287.
(249) .


Solidariedade pastoral orgânica

131 No início desta Exortação, frisei que, ao anunciar a convocação da Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, tinha em vista a promoção de « uma solidariedade pastoral orgânica no âmbito de todo o continente africano e das ilhas contíguas ».250 Tenho a satisfação de constatar que a Assembleia demandou corajosamente tal objectivo. Os debates no Sínodo revelaram a atenção e generosidade dos Bispos por esta solidariedade pastoral e pela partilha dos seus recursos com outros, mesmo quando eles próprios tinham falta de missionários.

(250) Ángelus (6 de enero de 1989), 2: Insegnamenti XII, 1 (1989), 40.


132 A propósito disto e precisamente aos meus irmãos Bispos que « são directamente responsáveis comigo pela evangelização do mundo, quer como membros do Colégio Episcopal, quer como Pastores das Igrejas particulares »,251 desejo dirigir uma palavra especial. Na dedicação quotidiana ao rebanho que lhes está confiado, não devem nunca perder de vista as necessidades da Igreja no seu conjunto. Enquanto Bispos católicos, eles não podem deixar de sentir aquela solicitude por todas as Igrejas, que ardia no coração do Apóstolo (cf. 2Co 11,28). Não podem deixar de a sentir, sobretudo quando reflectem e decidem juntos como membros das respectivas Conferências Episcopais, que, através dos organismos de interligação a nível regional e continental, são capazes de perceber e avaliar melhor as urgências pastorais que se levantam noutras partes do mundo. Os Bispos realizam, depois, uma sublime expressão de solidariedade apostólica no Sínodo: este, « entre os assuntos de importância geral, deve atender de modo especial à actividade missionária, que é o principal e o mais sagrado dever da Igreja ».252

(251) RMi 63: AAS 83 (1991), 311.
(252) .


133 Além disso, a Assembleia Especial fez justamente notar que, para preparar uma solidariedade pastoral de conjunto em África, é necessário promover a renovação da formação dos sacerdotes. Nunca será demais meditar estas palavras do Concílio Vaticano II: « O dom espiritual, recebido pelos presbíteros na ordenação, não os prepara para uma missão limitada e determinada, mas sim para a missão imensa e universal da salvação, "até aos confins do mundo" (Ac 1,8) ».253

Por este motivo, eu próprio exortei os sacerdotes a « estarem concretamente disponíveis ao Espírito Santo e ao Bispo, para serem enviados a pregar o Evangelho para além das fronteiras do seu país. Isto exigir-lhes-á não apenas maturidade na vocação, mas também uma capacidade fora do comum para se afastarem da própria pátria, etnia e família, bem como uma particular idoneidade para se inserirem, com inteligência e respeito, nas outras culturas ».254

Sinto-me profundamente grato a Deus por saber que sacerdotes africanos, em número sempre maior, têm respondido ao apelo de ser testemunhas « até aos confins do mundo ». Espero ardentemente que esta tendência seja estimulada e consolidada em todas as Igrejas particulares da África.

(253) PO 10.
(254) RMi 84: AAS 83 (1991), 316.


134 Outro motivo de grande conforto é saber que os Institutos Missionários, presentes em África há muito tempo, « acolhem hoje, numa medida sempre maior, candidatos provenientes das jovens Igrejas que eles fundaram »,255 permitindo, assim, a estas mesmas Igrejas participarem na actividade missionária da Igreja Universal. Igualmente exprimo a minha grata complacência aos novos Institutos Missionários que surgiram no Continente e que hoje enviam os seus membros ad gentes. É um desenvolvimento providencial e maravilhoso, que manifesta a maturidade e o dinamismo da Igreja que está em África.

(255)
RMi 66: AAS 83 (1991), 314.


135 De modo particular, desejo fazer minha a recomendação explícita dos Padres Sinodais a que se estabeleçam as quatro Obras Missionárias Pontifícias em cada Igreja particular e em cada país, como meio para realizar uma solidariedade pastoral orgânica em prol da missão « até aos confins do mundo ». Obras do Papa e do Colégio Episcopal, elas ocupam, com todo o direito, o primeiro lugar, « uma vez que são meios quer para dar aos católicos um sentido verdadeiramente universal e missionário logo desde a infância, quer para promover colectas eficazes de subsídios para bem de todas as missões, segundo as necessidades de cada uma ».256 Um fruto significativo da sua actividade é o « suscitar vocações ad gentes por toda a vida, tanto nas Igrejas antigas com nas mais jovens. Recomendo que orientem cada vez mais para esse fim, o seu serviço de animação ».257

(256) Vaticano II, .
(257)
RMi 84: AAS 83 (1991), 331.


Santidade e missão

136 O Sínodo reafirmou que todos os filhos e filhas da África são chamados à santidade e a ser testemunhas de Cristo em qualquer canto do mundo. « A lição da história confirma que, pela acção do Espírito Santo, a evangelização se realiza sobretudo por meio do testemunho de caridade, do testemunho de santidade ».258 Por isso, desejo repetir a todos os cristãos da África as palavras que escrevi, há alguns anos: « Todo o missionário só o é autenticamente, se se empenhar no caminho da santidade. (...) Todo o fiel é chamado à santidade e à missão. (...) O renovado impulso para a missão ad gentes exige missionários santos. Não basta renovar os métodos pastorais, nem organizar e coordenar melhor as forças eclesiais, nem explorar com maior perspicácia as bases bíblicas e teológicas da fé: é preciso suscitar um novo "ardor de santidade" entre os missionários e em toda a comunidade cristã ».259

Agora, como então, dirijo-me aos cristãos das jovens Igrejas para os colocar diante das suas responsabilidades: « Vós sois hoje a esperança desta nossa Igreja, que tem já dois mil anos: sendo jovens na fé, deveis ser como os primeiros cristãos, irradiando entusiasmo e coragem, numa generosa dedicação a Deus e ao próximo; numa palavra, deveis seguir pelo caminho da santidade. Só assim podereis ser sinal de Deus no mundo e reviver em vossos países a epopeia missionária da Igreja primitiva. E sereis também fermento de espírito missionário para as Igrejas mais antigas ».260

(258) Discurso a un grupo de obispos de Nigeria en visita ad limina (21 de enero de 1982), 4: AAS 74 (1982), 435-436.
(259)
RMi 90: AAS 83 (1991), 336-337.
(260) RMi 91: AAS 83 (1991), 337-338.


137 A Igreja que está em África, partilha com a Igreja Universal « a vocação sublime de realizar, em primeiro lugar em si mesma, a unidade do género humano para além das diferenças étnicas, culturais, nacionais, sociais e outras, para significar precisamente a caducidade destas diferenças abolidas pela cruz de Cristo ».261 Correspondendo à sua vocação de ser no mundo o povo redimido e reconciliado, a Igreja contribui para o fomento de uma coexistência fraterna entre os povos, transcendendo as distinções de raça e nação.

Dada a vocação específica confiada à Igreja pelo seu divino Fundador, peço insistentemente à Comunidade católica em África que ofereça à humanidade inteira um autêntico testemunho do universalismo cristão que brota da paternidade de Deus. « Todos os homens criados em Deus têm a mesma origem; qualquer que seja a sua dispersão geográfica ou a acentuação das suas diferenças, no decurso da história, eles estão destinados a formar uma só família, segundo o desígnio de Deus estabelecido "ao princípio" ».262 A Igreja em África é chamada a ir amorosamente ao encontro de todo o ser humano, acreditando com vigor que « pela sua Encarnação, o Filho de Deus uniu-Se de certo modo a cada homem ».263

De forma particular, a África deve oferecer o próprio contributo para o movimento ecuménico, cuja urgência, em vista do terceiro milénio, de novo sublinhei recentemente na Carta encíclica Ut unum sint.264 Aquela pode certamente prestar uma ajuda importante também no diálogo entre as religiões, sobretudo cultivando relações amistosas com os muçulmanos e promovendo um deferente respeito pelos valores da religião tradicional africana.

(261) Pontificia Comisión "Justicia y Paz", Documento Los prejuicios raciales. La Iglesia ante el racismo (3 de noviembre de 1988), 22: Ench. Vat., 11, 929.
(262) Pontificia Comisión "Justicia y Paz", Documento Los prejuicios raciales. La Iglesia ante el racismo (3 de noviembre de 1988), 20: Ench. Vat., 11, 925.
(263) Vaticano II,
GS 22.
(264) UUS 77-79: L'Osservatore Romano, ed. semanal en lengua española, 2 de junio de 1995, 15.


Praticar a solidariedade

138 Ao testemunhar Cristo « até aos confins do mundo », a Igreja em África sentir-se-á motivada, seguramente, pela convicção do « valor positivo e moral » que representa « a consciência crescente da interdependência entre os homens e as nações. O facto de os homens e as mulheres, em várias partes do mundo, sentirem como próprias as injustiças e as violações dos direitos humanos cometidas em países longínquos, que talvez nunca visitem, é mais um sinal de uma realidade interiorizada pela consciência, adquirindo assim uma conotação moral ».265

Faço votos de que os cristãos em África se tornem cada vez mais conscientes desta interdependência entre os indivíduos e entre as nações, e estejam prontos a corresponder-lhe pela prática da virtude da solidariedade. O fruto da solidariedade é a paz, bem tão precioso para os povos e as nações de qualquer canto do mundo. Com efeito, precisamente através de meios capazes de promover e reforçar a solidariedade, a Igreja pode prestar um contributo específico e determinante para uma verdadeira cultura da paz.

(265)
SRS 38: AAS 80 (1988), 565.


139 Relacionando-se, sem qualquer discriminação, com os povos do mundo, em diálogo com as várias culturas, a Igreja aproxima uns dos outros, e ajuda cada qual a assumir na fé os valores autênticos dos outros.

Pronta a cooperar com todo o homem de boa vontade e com a comunidade internacional, a Igreja em África não procura vantagens para si própria. A solidariedade que manifesta, « tende a superar-se a si mesma, a revestir as dimensões especificamente cristãs da gratuidade total, do perdão e da reconciliação ».266 A Igreja procura contribuir para a conversão da humanidade, levando-a a abrir-se ao plano salvífico de Deus por meio do testemunho evangélico, acompanhado pela actividade caritativa ao serviço dos pobres e dos marginalizados. E ao fazê-lo, não perde nunca de vista o primado do transcendente e daquelas realidades espirituais que constituem as primícias da salvação eterna do homem.

Durante os debates relativos à solidariedade da Igreja com os povos e as nações, os Padres Sinodais sempre estiveram conscientes de que « o progresso terreno se deve cuidadosamente distinguir do crescimento do Reino de Cristo », mas, « na medida em que pode contribuir para a melhor organização da sociedade humana, interessa muito ao Reino de Deus ».267 Por isso mesmo, a Igreja em África está convencida — e o trabalho da Assembleia Especial demonstrou-o claramente — que a expectativa do regresso final de Cristo « nunca poderá ser uma desculpa para nos desinteressarmos dos homens, na sua situação pessoal concreta e na sua vida social, nacional e internacional »,268 já que as condições terrenas influenciam a peregrinação do homem rumo à eternidade.

(266)
SRS 38, l. c. 568.
(267) Vaticano II, GS 39.
(268) SRS 48: AAS 80 (1988), 583.


CONCLUSÃO


Rumo ao novo milénio cristão

140 Reunidos ao redor da Virgem Maria como que em novo Pentecostes, os membros da Assembleia Especial examinaram profundamente a missão evangelizadora da Igreja em África, nolimiar do terceiro milénio. Ao concluir esta Exortação Apostólica pós-sinodal, onde se apresentam os frutos dessa Assembleia à Igreja que está em África, Madagáscar e ilhas contíguas, e a toda a Igreja Católica, dou graças a Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, que nos concedeu o privilégio de viver esse autêntico « momento de graça » que foi o Sínodo. Estou profundamente agradecido ao Povo de Deus em África por tudo quanto fez pela Assembleia Especial. Este Sínodo foi preparado com zelo e entusiasmo, como atestam as respostas ao questionário anexo ao documento preliminar (Lineamenta), e as reflexões recolhidas no documento de trabalho (Instrumentum laboris). As comunidades cristãs da África rezaram fervorosamente pelo bom êxito dos trabalhos da Assembleia Especial, que foi largamente abençoada pelo Senhor.


141 Uma vez que o Sínodo foi convocado para consentir que a Igreja em África assumisse, de maneira tão eficaz quanto possível, a sua missão evangelizadora com vista ao terceiro milénio cristão, com esta Exortação convido o Povo de Deus em África — Bispos, sacerdotes, pessoas consagradas e leigos — a orientar-se resolutamente para o Grande Jubileu, que será celebrado dentro de poucos anos. No caso dos povos de África, a melhor preparação para o novo milénio não pode ser senão o firme compromisso de actuarem, com grande fidelidade, as decisões e orientações que, com a autoridade apostólica de Sucessor de Pedro, apresento nesta Exortação. Trata-se de decisões e orientações que se inscrevem na genuína linha dos ensinamentos e directrizes da Igreja e, especialmente, do Concílio Vaticano II que foi a principal fonte de inspiração da Assembleia Especial para a África.


142 O meu convite ao Povo de Deus que está em África para se preparar para o Grande Jubileu do ano 2000, pretende ser também um vibrante apelo à alegria cristã. « A grande alegria anunciada pelo Anjo, na noite de Natal, é verdadeiramente para todo o povo (cf. Lc Lc 2,10). (...) Foi-o, em primeiro lugar, para a Virgem Maria, que tinha recebido o seu anúncio do anjo Gabriel, e o seuMagnificat constituia já o hino de exultação de todos os humildes. Os mistérios gozosos, todas as vezes que rezámos o Terço, tornam a colocar-nos perante o inefável acontecimento que é centro e ápice da História: a vinda à terra do Emanuel, o Deus-connosco ».269

É o bimilenário de tal acontecimento, rico de alegria, que nos preparamos para celebrar com o próximo Grande Jubileu. Naturalmente a África — que « constitui, em certo sentido, a "segunda pátria" de Jesus de Nazaré, [porque] foi lá que Ele, menino pequeno, encontrou refúgio contra a crueldade de Herodes » 270 — é chamada à alegria. Ao mesmo tempo, « tudo deverá apontar para o objectivo prioritário do Jubileu que é o revigoramento da fé e do testemunho dos cristãos ».271

(269) Pablo VI, Exhort. ap. Gaudete in Domino (9 de mayo de 1975), III: AAS 67 (1975), 297.
(270) Homilía en la apertura de la Asamblea especial para África del Sínodo de los obispos (10 de abril de 1994), 1: AAS 87 (1995), 179.
(271) TMA 42: AAS 87 (1995), 32.


Ecclesia in Africa PT 116