Ecclesia in Asia PT 25

Comunhão dentro da Igreja

25 Reunidos em torno do Sucessor de Pedro, rezando e trabalhando juntos, os Bispos participantes nesta Assembleia Sinodal Especial para a Ásia personificaram, por assim dizer, a comunhão eclesial em toda a rica diversidade das Igrejas particulares a que presidem na caridade. A minha presença nas Sessões Gerais do Sínodo foi uma feliz oportunidade de partilhar as alegrias e esperanças, as dificuldades e ânsias dos Bispos, e ao mesmo tempo um exercício, intensa e profundamente sentido, do meu próprio ministério. De facto, é dentro da perspectiva da comunhão eclesial que a autoridade do Sucessor de Pedro se evidencia mais claramente, não tanto nem primariamente como poder jurídico sobre as Igrejas locais, como sobretudo uma primazia pastoral ao serviço da unidade de fé e de vida de todo o Povo de Deus. Bem cientes de que « o único ministério do Ofício Petrino é garantir e fomentar a unidade da Igreja », 125 os Padres Sinodais agradeceram o serviço que os Dicastérios da Cúria Romana e o serviço diplomático da Santa Sé prestam às Igrejas locais, em espírito de comunhão e colegialidade. 126 Um aspecto essencial deste serviço é o respeito e sensibilidade que estes colaboradores íntimos do Sucessor de Pedro mostram pela legítima diversidade das Igrejas locais e pela variedade de culturas e povos com que estão em contacto.

Cada Igreja particular deve estar assente no testemunho de comunhão eclesial, que constitui a sua verdadeira natureza como Igreja. Os Padres Sinodais optaram por descrever a diocese como umacomunhão de comunidades reunidas à volta do Pastor, onde clero, pessoas consagradas e laicado estão empenhados num « diálogo de vida e coração », apoiado pela graça do Espírito Santo. 127 É primariamente na diocese que a imagem duma comunhão de comunidades pode ser concretizada no meio das complexas realidades sociais, políticas, religiosas, culturais e económicas da Ásia. A comunhão eclesial implica que cada Igreja local se torne, segundo as palavras dos Padres Sinodais, uma « Igreja participativa », isto é, uma Igreja onde todos vivam a sua própria vocação e desempenhem a própria missão. Para se construir a « comunhão para a missão » e a « missão de comunhão », é preciso reconhecer, dinamizar e pôr efectivamente em prática os carismas específicos de cada membro. 128 De modo particular, há necessidade de encorajar um maior envolvimento do laicado e das pessoas consagradas na planificação pastoral e nas decisões tomadas através de estruturas de participação tais como Conselhos Pastorais e Assembleias Paroquiais. 129

Em cada diocese, a paróquia continua a ser o lugar onde ordinariamente o fiel se reúne para crescer na fé, viver o mistério da comunhão eclesial e tomar parte na missão da Igreja. Por isso, os Padres Sinodais incitaram os Pastores a inventar meios novos e eficazes para apascentarem os fiéis, para que assim todos, sobretudo os pobres, se sintam verdadeiramente parte da paróquia e do conjunto do Povo de Deus. Planear a pastoral com os fiéis leigos deveria ser uma característica normal de todas as paróquias. 130 O Sínodo indicou de modo particular os jovens como aqueles a quem « a paróquia deveria proporcionar maiores oportunidades de amizade e comunhão (...) por meio de organizações de apostolado juvenil e grupos de jovens ». 131 Ninguém deveria ser excluído a prioride participar plenamente da vida e missão da paróquia, por causa da sua origem social, económica, política, cultural ou educativa. Da mesma forma que cada discípulo de Cristo possui um dom para oferecer à comunidade, assim a comunidade deveria colocar toda a sua boa vontade em receber e beneficiar do dom de cada um.

Neste contexto e valendo-se da sua experiência pastoral, os Padres Sinodais sublinharam o valor dascomunidades eclesiais de base, como meio eficaz para promover a comunhão e a participação nas paróquias e dioceses, e como uma autêntica força de evangelização. 132 Estes grupos pequenos ajudam o fiel a viver em comunidades de fé, oração e amizade semelhantes às dos primeiros cristãos (cf. Act
Ac 2,44-47 Ac 4,32-35). Visam ajudar os seus membros a viverem o Evangelho com espírito de amor e serviço fraterno, sendo por isso mesmo um sólido ponto de partida para construir uma nova sociedade, expressão de uma civilização do amor. Com o Sínodo, eu encorajo a Igreja na Ásia, onde for possível, a encarar estas comunidades de base como um aspecto positivo da actividade evangelizadora da Igreja. No entanto, elas só serão verdadeiramente eficazes, se — como escreveu o Papa Paulo VI — viverem em união com a Igreja particular e universal, em comunhão sincera com os Pastores e o Magistério da Igreja, comprometidas com a expansão missionária, sem cederem ao isolamento nem à exploração ideológica. 133 A presença destas pequenas comunidades não põe de lado as instituições e estruturas já existentes, que continuam a ser necessárias para a Igreja realizar a sua missão.

O Sínodo reconheceu também o contributo dos movimentos de renovação para a construção da comunhão, criando oportunidades para uma experiência mais íntima de Deus, através da fé e dos sacramentos, e fomentando a conversão da vida. 134 É responsabilidade dos Pastores orientar, acompanhar e estimular estes grupos, de maneira que estejam bem integrados na vida e missão da paróquia e da diocese. Os elementos destas associações e movimentos ofereçam o seu apoio à Igreja local e evitem de se apresentarem a si mesmos como alternativa das estruturas diocesanas e da vida paroquial. A comunhão cresce mais vigorosamente, quando os dirigentes locais destes movimentos trabalham juntamente com os Pastores, em espírito de caridade, para o bem de todos (cf. 1Co 1,13).


(125) Propositio 13; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 22.
(126) Cf. propositio 13.
(127) Cf. propositio 15; Congr. da Doutrina da Fé, Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre alguns aspectos da Igreja como comunhão Communionis notio (28 de Maio de 1992), 3-10: AAS85 (1993), 839-844.
(128) Cf. propositio 15.
(129) Cf. ibid., 15.
(130) Cf. propositio 16.
(131) Propositio 34.
(132) Cf. propositio 30; João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), RMi 51: AAS 83 (1991), 298.
(133) Cf. Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), EN 58: AAS 68 (1976), 46-49; João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), RMi 51: AAS 83 (1991), 299.
(134) Cf. propositio 31.


Solidariedade entre as Igrejas

26 Esta comunhão ad intra contribui para a solidariedade entre as próprias Igrejas particulares. A solicitude pelas necessidades locais é legítima e indispensável, mas a comunhão exige que as Igrejas particulares permaneçam abertas umas às outras e colaborem reciprocamente, de maneira que, na sua diversidade, saibam defender e manifestar claramente o vínculo de comunhão com a Igreja universal. A comunhão reclama mútuo entendimento e coordenação no planeamento da missão, sem prejuízo da autonomia nem dos direitos das Igrejas segundo as suas respectivas tradições teológicas, litúrgicas e espirituais. Contudo, a história mostra como as divisões feriram às vezes a comunhão das Igrejas na Ásia. Ao longo dos séculos, as relações entre Igrejas particulares com jurisdições eclesiásticas, tradições litúrgicas e estilos missionários diferentes foram, por vezes, tensas e difíceis. Os Bispos presentes no Sínodo reconheceram que ainda hoje, no interior de cada uma e entre as Igrejas particulares da Ásia, existem às vezes lamentáveis divisões, devidas frequentemente a diferenças de ritual, língua, raça, casta e ideologia. Algumas feridas foram parcialmente tratadas, mas não estão ainda completamente curadas. Reconhecendo que, quando se debilita a comunhão, sofre o testemunho da Igreja e o trabalho missionário, os Padres Sinodais propuseram passos concretos para fortalecer as relações entre as Igrejas particulares da Ásia. Assim como há necessidade de gestos espirituais de apoio e estímulo, sugeriram uma distribuição mais equitativa de sacerdotes, uma solidariedade financeira mais efectiva, intercâmbios culturais e teológicos, e oportunidades sempre crescentes de consórcio entre dioceses. 135

As associações regionais e continentais de Bispos, com destaque para o Conselho dos Patriarcas Católicos do Médio Oriente e para a Federação das Conferências Episcopais da Ásia, têm ajudado a fomentar a união entre as Igrejas locais e proporcionado encontros de cooperação para se resolverem problemas pastorais. De igual modo, existem muitos centros de teologia, espiritualidade e actividade pastoral, através da Ásia, que promovem a comunhão e a cooperação prática. 136 Todos devem cuidar de que estas promissoras iniciativas cresçam cada vez mais para bem tanto da Igreja como da sociedade na Ásia.

(135) Cf. propositio 14.
(136) Cf. Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio ante disceptationem, III parte: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 2 de Maio de 1998), 213.


As Igrejas Católicas Orientais

27 A situação das Igrejas Católicas Orientais, sobretudo no Médio Oriente e na Índia, merece particular atenção. Desde os tempos apostólicos, aquelas têm sido guardiães de uma preciosa herança espiritual, litúrgica e teológica. As suas tradições e ritos, nascidos de uma profunda inculturação da fé no território de muitos países asiáticos, merecem o maior respeito. Com os Padres Sinodais, convido cada um a reconhecer os legítimos costumes e a legítima liberdade destas Igrejas em matéria disciplinar e litúrgica, como estipulado pelo Código dos Cânones das Igrejas Orientais.137 Como ensina o Concílio Vaticano II, há urgente necessidade de ultrapassar medos e equívocos que foram surgindo ao longo do tempo quer nas Igrejas Católicas Orientais entre si, quer entre elas e a Igreja Latina, especialmente no que diz respeito ao cuidado pastoral dos seus fiéis, mesmo fora dos seus próprios territórios. 138 Como filhos duma única Igreja, renascidos para a vida nova em Cristo, os crentes são chamados a resolver tudo num espírito de união de objectivos, de confiança e de caridade sem fim. Não se deve deixar que os conflitos criem divisão, mas, antes, sejam tratados num espírito de confiança e respeito, visto que o bem não pode brotar senão do amor. 139

Estas veneráveis Igrejas estão directamente empenhadas no diálogo ecuménico com as Igrejas Ortodoxas irmãs, e os Padres Sinodais incitaram-nas a prosseguir nesse caminho. 140 Têm tido também valiosas experiências de diálogo interreligioso, especialmente com o islamismo. Isto pode ser útil para as demais Igrejas na Ásia e noutras partes. É claro que as Igrejas Orientais Católicas possuem uma grande riqueza de tradição e experiência, que pode beneficiar imenso toda a Igreja.

(137) Cf. propositio 50.
(138) Cf. propositiones 36 e 50.
(139) Cf. João Paulo II, Discurso ao Sínodo dos Bispos da Igreja Sírio-Malabar (8 de Janeiro de 1996), 6: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 20 de Janeiro de 1996), 29.


Partilhando esperanças e sofrimentos

28 Os Padres Sinodais estavam cientes também da necessidade duma efectiva comunhão e colaboração com as Igrejas locais presentes nos territórios asiáticos da ex-União Soviética, que estão a reconstruir-se no meio de penosas circunstâncias herdadas de um período difícil da sua história. A Igreja acompanha-as na oração, compartilhando os seus sofrimentos e recém-fundadas esperanças. Encorajo toda a Igreja a prestar apoio moral, espiritual e material, e pessoal, ordenado ou não, necessário para ajudar estas comunidades na sua missão de partilharem com os povos destas terras o amor de Deus, revelado em Jesus Cristo. 141

Em muitas partes da Ásia, os nossos irmãos e irmãs continuam a viver a sua fé no meio de restrições senão mesmo total negação da liberdade. Os Padres Sinodais manifestaram especial preocupação e solicitude por estes membros da Igreja que sofrem.Com os Bispos da Ásia, exorto os nossos irmãos e irmãs destas Igrejas que vivem em condições difíceis a juntarem os seus sofrimentos aos do Senhor crucificado, porque, nós e eles, sabemos que só a cruz, quando suportada com fé e amor, é caminho de ressurreição e de vida nova para a humanidade. Animo as diversas Conferências Episcopais da Ásia a constituírem um serviço específico para ajudar estas Igrejas; e prometo a continuação da solidariedade e interessamento da Santa Sé por todos quantos sofrem perseguição pela sua fé em Cristo. 142 Faço apelo aos Governos e dirigentes das Nações para que adoptem e ponham em prática políticas que garantam a liberdade religiosa para todos os seus cidadãos.

Em muitas ocasiões, os Padres Sinodais voltaram o pensamento para a Igreja católica da China continental e rezaram para que chegue brevemente o dia em que os nossos amados irmãos e irmãs chineses possam livremente praticar a sua fé em plena comunhão com a Sé de Pedro e a Igreja universal. A vós, queridos irmãos e irmãs chineses, faço esta calorosa exortação: nunca deixeis que privação ou sofrimento algum diminua a vossa devoção a Cristo ou a dedicação à vossa grande nação. 143 O Sínodo manifestou também cordial solidariedade à Igreja católica da Coreia e apoiou « os esforços feitos pelos católicos para dar assistência ao povo da Coreia do Norte, privado dos recursos mínimos de sobrevivência, e provocar a reconciliação entre as duas parcelas de um único povo, com a mesma língua e herança cultural ». 144

De igual modo, a reflexão sinodal fixou-se com frequência na Igreja de Jerusalém, que ocupa um lugar especial no coração dos cristãos. De facto, no coração de milhões de crentes espalhados pelo mundo, para quem Jerusalém constitui um lugar único e querido, encontram um eco particular estas palavras de Isaías: « Alegrai-vos com Jerusalém, regozijai-vos com ela, todos vós que a amais, (...) e saboreareis com delícia a plenitude da sua glória » (66, 10.11). Jerusalém, cidade de reconciliação dos homens com Deus e de uns com os outros, foi muitas vezes também um lugar de conflito e divisão. Os Padres Sinodais convidaram as Igrejas particulares a permanecerem solidárias com a Igreja de Jerusalém, compartilhando as suas tribulações, rezando por ela e colaborando com o seu serviço em prol da paz, da justiça e da reconciliação entre os dois povos e as três religiões presentes na Cidade Santa. 145 Renovo o apelo, que tenho feito muitas vezes aos dirigentes políticos e religiosos e às pessoas de boa vontade, para que busquem caminhos que assegurem a paz e a integridade de Jerusalém. Como escrevi, é meu ardente desejo ir até lá em religiosa peregrinação, à semelhança do meu predecessor Papa Paulo VI, para rezar na Cidade Santa, onde Jesus Cristo viveu, morreu e ressuscitou, e visitar o lugar donde partiram os Apóstolos, com o poder do Espírito Santo, para anunciar ao mundo o Evangelho de Jesus Cristo. 146

(140) Cf. propositio 50.
(141) Cf. propositio 56.
(142) Cf. propositio 51.
(143) Cf. propositio 52.
(144) Propositio 53.
(145) Cf. propositio 57.
(146) Cf. Carta sobre a peregrinação aos lugares relacionados com a história da salvação (29 de Junho de 1999), 7: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 10 de Julho de 1999), 353.


Uma missão de diálogo

29 Os vários Sínodos « continentais », que têm ajudado a preparar a Igreja para o Grande Jubileu do Ano 2000, tiveram como tema comum a nova evangelização. É essencial um novo tempo de anúncio do Evangelho, não só porque, depois de dois mil anos, a maior parte da família humana ainda não reconhece Cristo, mas também porque a situação em que a própria Igreja e o mundo se encontram no limiar do novo milénio está particularmente modificada quanto à crença religiosa e às verdades morais daí derivadas. Quase por todo o lado, há tendência para se criar progresso e prosperidade sem qualquer referimento a Deus e para reduzir a dimensão religiosa da pessoa humana à esfera privada. Uma sociedade, privada da verdade mais basilar sobre o homem, nomeadamente a sua relação com o Criador e com a redenção trazida por Cristo no Espírito Santo, pode somente extraviar-se cada vez mais das verdadeiras fontes da vida, do amor e da felicidade. Este século violento, que caminha rapidamente para o seu termo, gerou terríveis testemunhos do que pode acontecer quando a verdade e o bem são sacrificados à ambição do poder e da fama. A nova evangelização, como um apelo à conversão, à graça e à sabedoria, é a única esperança genuína para um mundo melhor e um futuro mais risonho. A questão não é saber se a Igreja tem algo de essencial a dizer aos homens e mulheres do nosso tempo, mas como será possível dizê-lo clara e convictamente.

Quando decorria o Concílio Vaticano II, o meu predecessor Papa Paulo VI declarou, na EncíclicaEcclesiam suam, que a questão da relação entre a Igreja e o mundo moderno constituía uma das preocupações mais importantes do nosso tempo. Escrevia ele que « a sua realidade e urgência era tal que criou um peso na nossa alma, um estímulo, uma chamada ». 147 A partir do Concílio, a Igreja tem mostrado constantemente que deseja prosseguir esta relação num espírito de diálogo. Esta opção pelo diálogo, porém, não é uma mera estratégia para a coexistência pacífica entre os povos; é uma parte essencial da missão da Igreja, porque tem a sua origem no amoroso diálogo de salvação do Pai com a humanidade, através do Filho no poder do Espírito Santo. A Igreja só pode realizar a sua missão por caminho igual àquele de que Deus Se serviu em Jesus Cristo: fez-Se homem, partilhou a nossa vida humana e falou uma linguagem humana para comunicar a sua mensagem salvífica. O diálogo que a Igreja propõe, fundamenta-se na lógica da Encarnação. Por isso, apenas um amor zeloso e uma solidariedade desinteressada move a Igreja no seu diálogo com os homens e mulheres da Ásia, que procuram a verdade no amor.

Na sua qualidade de sacramento da unidade de toda a humanidade, a Igreja não pode deixar de entrar em diálogo com todos os povos, em todo o tempo e lugar. De acordo com a missão que recebeu, ela aventura-se pelo mundo ao encontro dos vários povos, ciente de ser um « pequenino rebanho » dentro da multidão imensa da humanidade (cf.
Lc 12,32), mas também de ser fermento na massa do mundo (cf. Mt 13,33). Os seus esforços em dialogar são dirigidos primeiramente àqueles que partilham a sua fé em Jesus Cristo, Senhor e Salvador. Mas alargam-se, para além do mundo cristão, aos seguidores de outras tradições religiosas, tendo por base os anseios religiosos presentes em todo o coração humano. O diálogo ecuménico e o diálogo interreligioso constituem uma verdadeira vocação para a Igreja.

(147) Carta enc. Ecclesiam suam (6 de Agosto de 1964): AAS 56 (1964), 613.


Diálogo ecuménico

30 O diálogo ecuménico é um desafio e um apelo à conversão lançado a toda a Igreja, e de modo especial à Igreja da Ásia onde o povo espera dos cristãos um sinal mais claro de unidade. Para todas as pessoas se reunirem sob a graça de Deus, é necessário restabelecer a comunhão entre aqueles que, pela fé, aceitaram Jesus Cristo como Senhor. Pediu-o o próprio Jesus, o Qual não cessa de convocar os seus discípulos para a unidade visível, para que o mundo possa acreditar que o Pai O enviou (cf. Jo Jn 17,21). 148 Mas, a vontade do Senhor de que a sua Igreja viva unida, aguarda ainda por uma resposta completa e corajosa dos seus discípulos.

Precisamente na Ásia, onde o número de cristãos é proporcionalmente pequeno, a divisão torna o trabalho missionário ainda mais difícil. Os Padres Sinodais confessaram que « o escândalo do cristianismo dividido é um grande obstáculo para a evangelização da Ásia ». 149 De facto, a divisão entre os cristãos é vista como um contra-testemunho de Jesus Cristo, sobretudo na Ásia onde tantos buscam harmonia e unidade precisamente através das suas religiões e culturas. Por isso, a Igreja católica da Ásia sente-se particularmente impelida a trabalhar pela unidade com os outros cristãos, sabendo que a busca da comunhão plena requer, de cada um, caridade, discernimento, coragem e esperança. « O ecumenismo, para ser autêntico e frutuoso, exige, por parte dos fiéis católicos, algumas disposições fundamentais: em primeiro lugar, a caridade, para que transpareça nela simpatia e um desejo vivo de cooperar, onde for possível, com os fiéis de outras Igrejas e Comunidades eclesiais; em segundo lugar, a fidelidade à Igreja católica, sem ignorar nem negar as negligências manifestadas pelo comportamento de alguns dos seus membros; em terceiro lugar, o espírito de discernimento, para apreciar aquilo que é bom e digno de louvor; por último, é pedida uma sincera vontade de purificação e de renovamento ». 150

Ao mesmo tempo que reconheciam as dificuldades ainda existentes nas relações entre os cristãos, nas quais se incluem não só preconceitos herdados do passado, mas também juízos radicados em profundas convicções que tocam na consciência, 151 os Padres Sinodais indicaram também sinais de melhores relações entre algumas Igrejas Cristãs e Comunidades Eclesiais da Ásia. Os cristãos católicos e ortodoxos, por exemplo, reconhecem frequentemente uma unidade cultural entre eles, e a sensação de partilhar importantes elementos duma tradição eclesial comum. Isto cria uma base sólida para continuar um diálogo ecuménico frutuoso no próximo milénio, que, como esperamos e rezamos, há-de pôr fim definitivamente às divisões do milénio que está para concluir.

A nível prático, o Sínodo propôs que as Conferências Episcopais nacionais da Ásia convidem outras Igrejas cristãs a tomar parte num processo, feito de oração e deliberação, que sonde as possibilidades de novas estruturas e associações ecuménicas para promover a unidade cristã. A sugestão sinodal de que a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos seja frutuosamente celebrada, é proveitosa também. Os Bispos foram animados a estabelecer e vigiar pelos centros de oração e diálogo; e há necessidade de incluir, no currículo dos Seminários, casas de formação e instituições educativas, uma adequada formação para o diálogo ecuménico.

(148) Cf. propositio 42.
(149) Ibid., 42.
(150) João Paulo II, Discurso na Audiência Geral (26 de Julho de 1995), 4: L'Osservatore Romano(ed. portuguesa de 29 de Julho de 1995), 364.
(151) Cf. João Paulo II, Discurso na Audiência Geral (20 de Janeiro de 1982), 2: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 24 de Janeiro de 1982), 44.


Diálogo interreligioso

31 Na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, referi que a chegada do novo milénio oferece uma grande oportunidade para o diálogo interreligioso e para encontros com os dirigentes das grandes religiões mundiais. 152 O contacto, diálogo e cooperação com os seguidores de outras religiões foi um dever que o Concílio Vaticano II legou a toda a Igreja como uma obrigação e um desafio. Os princípios desta busca de relações positivas com outras tradições religiosas estão expostos na Declaração conciliar Nostra aetate, promulgada no dia 28 de Outubro de 1965, a Carta Magna para o diálogo interreligioso do nosso tempo. Do ponto de vista cristão, o diálogo interreligioso é mais do que um simples meio para favorecer o conhecimento e enriquecimento mútuo; é uma parte da missão evangelizadora da Igreja, uma expressão da missão ad gentes. 153 O que move os cristãos ao diálogo interreligioso é a firme convicção de que a plenitude da salvação vem apenas de Cristo, e que a Igreja, comunidade à qual a mesma está entregue, é o meio ordinário de salvação. 154 Repito aqui o que escrevi à V Assembleia Plenária da Federação das Conferências Episcopais da Ásia: « Ainda que a Igreja reconheça de bom grado quanto há de verdadeiro e de santo nas tradições religiosas do budismo, do hinduísmo e do islamismo, como reflexo daquela verdade que ilumina todos os homens, isto não diminui o seu dever e determinação de proclamar sem hesitações Jesus Cristo, que é o "caminho, a verdade e a vida" (Jn 14,6). (...) O facto de os seguidores de outras religiões poderem receber a graça de Deus e ser salvos por Cristo, independentemente dos meios ordinários por Ele estabelecidos, não cancela de maneira alguma o apelo à fé e ao baptismo, que Deus quer para todos os povos ». 155

No processo de diálogo, como escrevi na Encíclica Redemptoris missio, « não deve haver qualquer abdicação dos princípios, nem falso irenismo, mas o testemunho recíproco em ordem a um progresso comum no caminho da procura e da experiência religiosa, e simultaneamente em vista do superamento de preconceitos, intolerâncias e malentendidos ». 156 Só pessoas dotadas duma fé cristã matura e convicta é que são qualificadas para se empenharem num diálogo interreligioso autêntico. « Apenas cristãos imersos profundamente no mistério de Cristo e felizes na sua comunidade de fé podem, sem riscos indevidos e com esperança de bons frutos, comprometer-se no diálogo interreligioso ». 157 Por conseguinte, é importante que a Igreja da Ásia proporcione modelos idóneos de diálogo interreligioso — evangelização em diálogo e diálogo para a evangelização — e conveniente instrução a quantos nele estão envolvidos.

Depois de sublinharem a necessidade de uma fé firme em Cristo para participar no diálogo interreligioso, os Padres Sinodais passaram a falar da necessidade de um diálogo de vida e coração. Os discípulos de Cristo devem ter o coração manso e humilde do seu Mestre, não orgulhoso nem arrogante, quando encontram os seus interlocutores de diálogo (cf. Mt 11,29). « As relações interreligiosas terão melhor êxito num contexto de sinceridade para com os outros crentes, de prontidão em escutá-los e vontade de respeitar e compreender os outros nas suas diferenças. Para tudo isto, é indispensável o amor aos outros. Daí resultaria colaboração, harmonia e mútuo enriquecimento ». 158

Como guia para quantos estão empenhados neste processo, o Sínodo sugeriu que fosse redigido um Directório para o diálogo interreligioso. 159 Visto que a Igreja está sondando novos caminhos de encontro com as outras religiões, apraz-me mencionar formas de diálogo já efectuadas com bons resultados: intercâmbio de estudos entre peritos nas diversas tradições religiosas ou representantes destas tradições, iniciativas comuns em prol do desenvolvimento humano integral e em defesa dos valores humanos e religiosos. 160 Volto a afirmar a grande importância que tem, para o processo de diálogo, a revitalização da oração e da contemplação. Homens e mulheres de vida consagrada podem contribuir real e significativamente para o diálogo interreligioso, dando testemunho do vigor das grandes tradições cristãs de ascetismo e misticismo. 161

O memorável encontro, que teve lugar em Assis, a cidade de S. Francisco, no dia 27 de Outubro de 1986, entre a Igreja Católica e os representantes das outras religiões mundiais demonstra que homens e mulheres religiosos, sem abandonarem as suas próprias tradições, podem apesar disso comprometer-se a rezar e trabalhar pela paz e o bem da humanidade. 162 A Igreja deve continuar a esforçar-se por defender e fomentar, a todos os níveis, este espírito de encontro e cooperação entre as religiões.

A comunhão e o diálogo são dois aspectos essenciais da missão da Igreja, que tem o seu modelo infinitamente transcendente no mistério da Santíssima Trindade, da Qual provém e à Qual deve retornar toda a missão. Uma das maiores prendas de aniversário, que os membros da Igreja, e de modo especial os seus Pastores, podem oferecer ao Senhor da história nos dois mil anos da sua Encarnação, é um reforço do espírito de unidade e comunhão, a todos os níveis da vida eclesial, um renovado « santo orgulho » na fidelidade perseverante da Igreja àquilo que tem sido transmitido, uma nova confiança na graça e missão inalterável que a envia para o meio dos povos do mundo como testemunha do amor e misericórdia salvífica de Deus. Só se o Povo de Deus reconhecer o grande dom que possui em Cristo, é que será capaz de comunicar tal dom aos outros através do anúncio e do diálogo.

(152) Cf. n. TMA 53: AAS 87 (1995), 37.
(153) Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), RMi 55: AAS 83 (1991), 302.
(154) Cf. ibid., RMi 55: o. c., 304.
(155) N. 4: AAS 83 (1991), 101-102.
(156) N. RMi 56: AAS 83 (1991), 304.
(157) Propositio 41.
(158) Ibid., 41.
(159) Cf. ibid., 41.
(160) Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), RMi 57: AAS 83 (1991), 305.
(161) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Vita consecrata (25 de Março de 1996), VC 8: AAS 88 (1996), 383.
(162) Cf. João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), SRS 47: AAS 80 (1988), 582.


CAPÍTULO VI

O SERVIÇO DE PROMOÇÃO HUMANA


A doutrina social da Igreja

32 No seu serviço à família humana, a Igreja estende a mão a todos os homens e mulheres sem distinção, procurando construir com eles uma civilização de amor, fundada sobre os valores universais da paz, da justiça, da solidariedade e da liberdade, que encontram a sua plenitude em Cristo. Como disse, de forma memorável, o Concílio Vaticano II, « as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. E não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração ». 163 A Igreja, no caso da Ásia com a sua multidão de pobres e oprimidos, é chamada a viver uma comunhão de vida tal que a apresente particularmente comprometida num serviço de amor aos pobres e abandonados.

Se, nos tempos recentes, o Magistério da Igreja tem insistido cada vez mais na necessidade de promover o desenvolvimento autêntico e integral da pessoa humana, 164 fê-lo para dar resposta quer à situação real da população mundial, quer à convicção crescente de que a hostilizarem o bem-estar humano são muitas vezes, não propriamente acções de indivíduos, mas as estruturas da vida social, política e económica. O desequilíbrio palpável no fosso, sempre maior, entre aqueles que beneficiam da crescente capacidade mundial de produzir riqueza e aqueles que são deixados à margem do progresso, reclama uma mudança radical tanto da mentalidade como das estruturas a favor da pessoa humana. O grande desafio moral, que se coloca às nações e à comunidade internacional relativamente ao desenvolvimento, é ter a coragem de uma nova solidariedade, capaz de dar passos engenhosos e eficazes para vencer quer o subdesenvolvimento desumanizante, quer o « sobredesenvolvimento » que tende a reduzir a pessoa a mera unidade económica numa rede consumista sempre mais opressiva. Para provocar esta mudança, « a Igreja não tem soluções técnicas para oferecer », mas « dá a sua primeira contribuição para a solução do urgente problema do desenvolvimento, quando proclama a verdade acerca de Cristo, de si mesma e do homem, aplicando-a a uma situação concreta ». 165 Afinal de contas, o desenvolvimento humano nunca é uma mera questão técnica e económica; mas é fundamentalmente uma questão humana e moral.

A doutrina social da Igreja, que propõe um conjunto de princípios de reflexão, critérios de discernimento e directrizes de acção, 166 é dirigida em primeiro lugar aos membros da Igreja. É essencial que o fiel, comprometido na promoção humana, tenha domínio firme deste precioso corpo de doutrina e faça dele parte integrante da sua missão evangelizadora. Por isso, os Padres Sinodais realçaram a importância de proporcionar aos fiéis — em todas as actividades educativas, e de modo especial nos Seminários e casas de formação — uma sólida preparação em doutrina social da Igreja.167 Os dirigentes cristãos na Igreja e na sociedade, particularmente os leigos com responsabilidades na vida pública, necessitam de estar bem formados nesta doutrina, para que possam inspirar e vivificar a sociedade civil e as suas estruturas com o fermento do Evangelho. 168 A doutrina social da Igreja não pretende apenas alertar estes dirigentes cristãos para os seus deveres, mas também dar-lhes orientações para a acção em favor do desenvolvimento humano, e libertá-los de falsas noções da pessoa e actividade humana.

(163) Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes,
GS 1.
(164) Em muitos meios, o ponto de partida foi a Encíclica Rerum novarum do Papa Leão XIII (15 de Maio de 1891), que introduziu uma série de declarações solenes da Igreja acerca de vários aspectos da questão social. Entre estas, conta-se a Encíclica Populorum progressio (26 de Março de 1967), que o Papa Paulo VI publicou em resposta a indicações do Concílio Vaticano II e à nova situação do mundo. Para comemorar o trigésimo aniversário desta Encíclica, lancei a EncíclicaSollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), na qual, prosseguindo o Magistério mais recente, convidei todos os fiéis a sentirem-se, eles próprios, chamados a uma missão de serviço que inclui necessariamente a promoção do desenvolvimento humano integral.
(165) João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), SRS 41: AAS 80 (1988) 570-571.
(166) Cf. Congr. da Doutrina da Fé, Instr. sobre a liberdade cristã e a libertação Libertatis conscientia (22 de Março de 1986), 72: AAS 79 (1987), 586.
(167) Cf. propositio 22.
(168) Cf. propositio 21.



Ecclesia in Asia PT 25