Ecclesia in Oceania PT


EXORTAÇÃO APOSTÓLICA

PÓS-SINODAL

ECCLESIA IN OCEANIA

DO SANTO PADRE

JOÃO PAULO II

AOS BISPOS

AOS PRESBÍTEROS E DIÁCONOS

AOS CONSAGRADOS E CONSAGRADAS

E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS

SOBRE

JESUS CRISTO E OS POVOS DA OCEÂNIA

SEGUINDO O SEU CAMINHO

PROCLAMANDO A SUA VERDADE

E VIVENDO A SUA VIDA



INTRODUÇÃO




1 A Igreja na Oceânia dá glória a Deus ao alvorecer do terceiro milénio e proclama a sua esperança ao mundo. A sua gratidão a Deus nasce da contemplação dos numerosos dons que recebeu, nomeadamente a sua grande variedade de povos e de culturas e tantas maravilhas da criação, mas sobretudo o dom imenso da fé em Jesus Cristo, « o primogénito de toda a criação » (Col 1,15). No passado milénio, a Igreja na Oceânia acolheu de bom grado e conservou este dom da fé, tendo-o transmitido fielmente às novas gerações. Por isso, a Igreja inteira louva a Santíssima Trindade.

Desde os tempos mais antigos, os povos da Oceânia sentiram-se atraídos pela presença divina nas magnificências da natureza e da cultura. Mas foi com a chegada dos missionários estrangeiros, na última metade do segundo milénio, que os nativos ouviram pela primeira vez falar de Jesus Cristo, o Verbo feito carne. Aqueles que emigraram da Europa e doutras partes do mundo levaram consigo a sua fé. Todos encontraram no Evangelho de Jesus Cristo, recebido com fé e vivido na communio da Igreja, resposta superabundante aos anseios mais profundos do coração humano. A esperança da Igreja na Oceânia é grande, porque experimentou a bondade infinita de Deus em Cristo. O tesouro da fé cristã permaneceu, até hoje, imutável no seu dinamismo e nas suas promessas, pois o Espírito de Deus continua a ser duma novidade surpreendente. A Igreja espalhada pelo mundo inteiro partilha com os povos da Oceânia a esperança de que o futuro háde trazer novos e ainda mais maravilhosos dons de graça às terras do Grande Oceano.


2 Um momento muito particular em que a Igreja na Oceânia pôde falar da sua gratidão e esperança foi a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Oceânia, que decorreu desde 22 de Novembro até 12 de Dezembro de 1998. Tinha sugerido a utilidade da sua realização na carta apostólica Tertio millennio adveniente, propondo-a como uma da série de assembleias continentais destinadas a preparar a Igreja para o novo milénio.(1) Aos bispos da Oceânia vieram juntar-se bispos doutros continentes e responsáveis de dicastérios da Cúria Romana. Participaram ainda outros membros da Igreja, incluindo sacerdotes, fiéis leigos e pessoas consagradas, como também delegados fraternos doutras Igrejas e Comunidades Eclesiais. A Assembleia analisou e debateu a situação actual da Igreja na Oceânia para poder programar mais eficazmente o seu futuro. Além disso, concentrou a atenção da Igreja inteira sobre as esperanças e desafios, as carências e possibilidades, as lágrimas e alegrias do vasto mosaico humano que é a Oceânia.

O encontro em Roma de tantos bispos, congregados à volta do Sucessor de Pedro, foi uma esplêndida ocasião para celebrar os dons de graça que produziram uma colheita tão abundante entre os povos da Oceânia. A fé em Jesus Cristo constituiu o fundamento e o ponto focal da oração e dos debates dos participantes. Os bispos e todos aqueles que os acompanhavam sentiam-se animados pela mesma e única fé em Cristo. Tudo era inspirado e fortalecido pela communio eclesial que a todos irmanava e que, ao longo dos dias da Assembleia Sinodal, se foi manifestando de forma intensa e sensível como verdadeira unidade na diversidade.



CAPÍTULO I


JESUS CRISTO E OS POVOS DA OCEÂNIA


« Caminhando ao longo do mar da Galileia, [Jesus] viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes: AVinde após Mim e Eu farei de vós pescadores de homens". E eles imediatamente deixaram as redes e seguiram-n'O » (Mt 4,18-20).


A PESSOA DE JESUS

O chamamento


3 Durante a Assembleia Sinodal, a Igreja universal pôde observar mais claramente como é o encontro do Senhor Jesus com os vários povos da Oceânia, nas suas terras e numerosas ilhas. Na verdade, o Senhor mesmo pousa sobre eles um olhar de amor que encerra, simultaneamente, um desafio e um chamamento. À semelhança de Simão Pedro e seu irmão André, aqueles povos são convidados a deixar tudo, a converter-se a Ele, que é o Senhor da vida, e a seguí-Lo. Devem abandonar não apenas os caminhos do pecado, mas também os seus modos vãos de pensar e agir, a fim de enveredarem pela senda duma fé cada vez mais profunda e seguirem o Senhor com uma fidelidade sempre maior.

O Senhor convocou para junto de Si a Igreja na Oceânia: é um chamamento que comporta, como sempre, um envio em missão. A finalidade que tem o estar com Jesus, é partir de Jesus, sempre contando com o seu poder e a sua graça. Agora Cristo chama a Igreja a abraçar a sua missão, com nova energia e criatividade: isto mesmo foi o que o Sínodo viu claramente na vida da Igreja na Oceânia.

Os bispos exultaram ao constatar como, na vida da Igreja na Oceânia, o Senhor Jesus Se revelou fiel à sua promessa: « Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo » (
Mt 28,20). A certeza desta sua presença dá a força e a coragem de que necessitam os discípulos para se tornarem « pescadores de homens ». Uma tal presença do Senhor era palpável, durante a Assembleia Especial, na oração, na partilha de esperanças e preocupações, e no vínculo da communio eclesial. Esta fé na presença de Jesus no meio do seu povo da Oceânia consentirá sempre novos e maravilhosos encontros com Ele, tornando-se estes, por sua vez, semente duma nova missão.

Quando caminhamos com o Senhor, deixamos ao cuidado d'Ele tudo o que nos pesa, e isto dá-nos a força para cumprirmos a missão que Ele nos confia. Ele, que toma do que é nosso, por sua vez dá-Se a nós; assume a nossa fraqueza e dá-nos a sua força: este é o grande mistério da vida do discípulo e do apóstolo. É certo que Cristo actua connosco e em nós, quando « nos fazemos ao largo », como agora Ele nos pede para fazer. Quando os tempos são difíceis e pouco prometedores, o próprio Senhor nos incita a « lançar de novo as redes » (cf. Lc Lc 5,1-11).(2) Não podemos desobedecer.

Apresentar Jesus Cristo


4 A preocupação central da Assembleia Sinodal era encontrar caminhos adequados para apresentar hoje, aos povos da Oceânia, Jesus Cristo como Senhor e Salvador. Qual deverá ser então este modo novo de apresentá-Lo, capaz de atrair um maior número de pessoas para se encontrar e acreditar n'Ele? Nas suas intervenções, os Padres Sinodais expuseram os desafios e dificuldades mas também as esperanças e possibilidades que uma tal questão suscita.

Ao longo da história, graças a extraordinários esforços missionários e pastorais da Igreja, os povos da Oceânia foram encontrando Jesus Cristo, que não cessa de os chamar à fé e de lhes conceder a vida nova. Nos tempos da colonização, o clero católico e os religiosos providenciaram sem demora instituições capazes de ajudar as pessoas chegadas à Austrália e à Nova Zelândia a conservarem e fortalecerem a sua fé. Os missionários levaram o Evangelho aos habitantes autóctones da Oceânia, convidando-os a acreditarem em Cristo e a encontrarem na Igreja a sua verdadeira casa. As pessoas responderam em grande número ao apelo, tornando-se discípulos de Cristo e começando a viver de acordo com a sua palavra. O Sínodo pôde verificar, sem margem para dúvidas, que a Igreja, acommunio dos crentes, constitui agora uma realidade palpitante de vida em muitos povos da Oceânia. Hoje Jesus estende de novo o seu olhar amoroso sobre eles, chamando-os a uma fé ainda mais profunda e a uma vida ainda mais rica n'Ele. Por isso, os bispos não podiam deixar de se interrogar: Como pode a Igreja ser um instrumento eficaz da vontade de Jesus Cristo que é encontrar-Se hoje, em novos moldes, com os povos da Oceânia?

Jesus Cristo: Pastor, Profeta e Sacerdote


5 No seu amor infinito pelo mundo, Deus deu o seu único Filho para ser Deus-connosco. Despojando-Se a Si mesmo para Se tornar igual a nós, Jesus nasceu da Virgem Maria em condições simples e pobres. E, mesmo completamente pobre e humilhado como aparece na Cruz, Ele é o Filho muito amado de Deus, o Salvador do mundo em toda a sua humilhação e pobreza.(3) Quando veio habitar entre nós, Cristo proclamou a Boa Nova do Reino de Deus que chegou: um Reino de paz, justiça e verdade. Houve muitos, sobretudo pobres, necessitados e marginalizados, que O seguiram, mas a maioria dos poderosos do mundo revoltou-se contra Ele. Condenaram-n'O, pregando-O na Cruz. Esta morte ignominiosa, aceite pelo Pai como um sacrifício de amor pela salvação do mundo, abriu a estrada à ressurreição gloriosa pela força do amor do Pai. E assim Jesus foi estabelecido como Rei do universo, Profeta para todos os povos, e Sumo Sacerdote do santuário eterno. É Profeta, Sacerdote e Rei não só daqueles que O seguem, mas de todos os povos da terra. O Pai oferece-O como Caminho, Verdade e Vida a todos os homens e mulheres, a todas as famílias e comunidades, a todas as nações e a todas as gerações.

Como Filho de David, Jesus não é apenas Rei mas também Bom Pastor daqueles que ouvem a sua voz. Ele conhece e ama os que O seguem.(4) É o Pastor supremo das nossas almas, o Pastor de todos os povos. Guia a Igreja pelo poder do Espírito Santo que n'Ele habita em plenitude e que Ele, por sua vez, infunde nos seus discípulos (cf. Jo
Jn 20,22). Com a força do amor, o Espírito guia a partir do mais íntimo das pessoas, tocando os corações e as mentes dos povos da Oceânia e tornando-os livres para viverem a vida plena para que foram criados.

Como Palavra de Deus, Jesus é o Profeta universal, a revelação total de Deus.(5) Ele é a Verdade e convida as pessoas a crerem n'Ele e a partilharem a sua vida. O seu Espírito guia o baptizado na sua peregrinação diária rumo a novas profundezas desta verdade. Movidos pelo Espírito Santo, os Padres Sinodais debateram muitas questões nascidas da sua experiência pastoral e do seu amor pelo povo de Deus. Não foi possível encontrar todas as respostas durante os dias do Sínodo, porque muitas questões requerem mais reflexão, experiência e oração; na sua busca de esclarecimento, porém, os bispos compartilharam e professaram profundamente a convicção de que a verdade da salvação só se pode encontrar em Jesus Cristo, e que o seu Espírito dá conforto e orientação a quantos recorrem a Ele com os seus problemas e responsabilidades.

O Senhor crucificado e ressuscitado é o Sumo Sacerdote que Se oferece a Si mesmo ao Pai como sacrifício eterno pela vida do mundo. Ele deu a vida por todos, e continua a cumular da sua própria vida os seus discípulos, sobretudo através dos sacramentos. Na sua oração, chegam ao Pai as preces de todos os crentes. Através do Espírito Santo, torna-os capazes de levar uma vida de íntima união com Deus e de caridade mais generosa para com os seus irmãos e irmãs, especialmente pobres e necessitados. Os debates sinodais puseram em evidência que a Igreja, ao apresentar Jesus, deve mostrar a sua amorosa compaixão por um mundo que necessita de cura. Todos os baptizados são chamados a formar o povo sacerdotal de Deus à imagem de Jesus, Sumo Sacerdote, e, como tal, devem ter compaixão de todos, sobretudo dos que estão mais carecidos, afastados, extraviados. Indo ao seu encontro e oferecendo-lhes a vida em nome de Jesus, a Igreja será, na Oceânia actual, sacramento da justiça e da paz de Deus.(6)


OS POVOS DA OCEÂNIA

Espaço e tempo


6 O Sínodo não se limitou a reconhecer a especificidade duma vasta área que cobre quase um terço da superfície da terra, mas também a grande variedade de povos indígenas, cuja radiosa aceitação do Evangelho de Jesus Cristo é palpável no entusiasmo com que celebram a mensagem da salvação.(7) Estes povos formam uma porção única da humanidade numa região única do planeta. Geograficamente, a Oceânia compreende o continente da Austrália, uma multidão de ilhas, grandes e pequenas, e imensas extensões de água. O mar e a terra, a água e o solo tocam-se de infinitas maneiras, deixando frequentemente a vista humana deslumbrada com cenários de grande esplendor e beleza. Embora a Oceânia seja geograficamente muito extensa, a sua população é relativamente pouca e distribuída de forma desigual, formada por um grande número de povos indígenas e de imigrantes. Para muitos deles, a terra é importantíssima: o seu solo fértil ou os seus desertos, a sua variedade de plantas e animais, a sua abundância ou escassez. Outros, apesar de viverem sobre a terra firme, dependem mais dos rios e do mar. A água permite-lhes deslocarem-se de uma ilha para outra. A grande variedade de línguas - contam-se 700 só na Papuásia-Nova Guiné -, aliada às distâncias enormes entre ilhas e regiões, torna a comunicação um grande desafio em todo o Continente. Em muitas partes, viajar por mar ou pelo ar é mais importante do que deslocar-se por terra. As comunicações podem ser ainda lentas e difíceis como nas épocas passadas, embora hoje, em muitas áreas, a informação seja já transmitida instantâneamente graças às novas tecnologias electrónicas.(8)

A maior nação da Oceânia quer pelo tamanho quer pela população é a Austrália, onde habitam os aborígenes há milhares de anos, deslocando-se por enormes extensões de território e vivendo em profunda harmonia com a natureza. Descoberta e colonizada por europeus, que a baptizaram com o nome de Terra Austral do Espírito Santo (Terra Australis de Spiritu Sancto), foi-se ocidentalizando progressivamente nos seus padrões culturais e na sua estrutura social. Tendo acompanhado os progressos científicos, tecnológicos e sociais do Ocidente, ela apresenta-se hoje em grande parte como uma nação urbana, moderna e secularizada, tendo as sucessivas imigrações da Europa e da Ásia concorrido para fazer dela uma sociedade pluricultural. Daí que os australianos sejam « um povo original, fruto do encontro de homens de nações, de línguas e de culturas diversas ».(9)

A fé cristã foi trazida pelos imigrantes que vieram da Europa. Muitos sacerdotes e religiosos vieram com eles, e o seu zelo pastoral e obra educativa ajudaram-nos a levar uma vida cristã nesta terra nova e estrangeira. Inumeráveis pessoas nascidas na Austrália foram chamadas ao sacerdócio e à vida religiosa e também muitos leigos que deram a sua indispensável contribuição para o crescimento da Igreja e para o cumprimento da sua missão neste país. Conta-se entre elas uma religiosa extraordinária, a Beata Mary MacKillop, morta em 1909, que tive a alegria de beatificar em 1995. Naquela ocasião, lembrei que « a Igreja, ao declará-la "Beata", diz que a santidade invocada pelo Evangelho é australiana como ela era australiana ».(10) O relacionamento da Igreja com os aborígenes e os habitantes das ilhas do Estreito de Torres continua a ser importante mas difícil por causa de injustiças passadas e presentes e das diferenças culturais. Além destes desafios, a Igreja na Austrália enfrenta hoje muitos « desertos » (11) modernos, semelhantes aos doutros países do Ocidente.

Os habitantes originais da Nova Zelândia, um país insular, eram os maoris que chamavam ao seu paísAotearoa, « Terra da Grande Nuvem Branca ». A colonização e, depois, a imigração forjaram a nação numa sociedade bicultural, onde a integração entre maoris e cultura ocidental continua a ser um premente desafio. Ao princípio foram os missionários estrangeiros que proclamaram o Evangelho ao povo maori; depois, quando chegaram os colonos europeus em maior número, vieram também sacerdotes e religiosos que ajudaram a sustentar e desenvolver a Igreja. O progresso moderno tornou a Nova Zelândia uma sociedade mais urbana e secularizada, obrigando a Igreja a enfrentar desafios semelhantes aos da Austrália. Embora se registe entre os católicos uma « crescente consciência de pertencer à Igreja », também é verdade que, em geral, « o sentido de Deus e da sua amorosa providência diminuiu ». Uma tal « sociedade secularizada precisa de ser confrontada de novo com o Evangelho integral da salvação em Jesus Cristo ».(12)

A Papuásia-Nova Guiné é a mais extensa das nações da Melanésia. É uma sociedade predominantemente cristã com numerosas línguas locais diferentes e uma grande riqueza de culturas. À semelhança doutras nações insulares menores da Melanésia, conquistou a independência política em data bastante recente, tendo a sua história sido marcada desde então pela luta por uma democracia estável, justiça social, progresso equilibrado e integral do seu povo. Ultimamente, estas lutas na Papuásia-Nova Guiné e noutras partes da Melanésia têm-se caracterizado pelo recurso à violência e por movimentos separatistas, causando grandes sofrimentos ao povo e dano às instituições. Os responsáveis da Igreja e muitos cristãos têm trabalhado imenso para se chegar à paz e à reconciliação, e devem continuar a fazêlo porque a situação permanece muito instável.

As nações insulares da Polinésia e Micronésia são relativamente pequenas, e cada uma delas com a sua própria língua e cultura indígena. Também elas têm de enfrentar as pressões e desafios do mundo moderno que exercem uma poderosa influência sobre a sociedade. Sem perder a sua identidade nem abandonar os seus valores tradicionais, desejam tomar parte no desenvolvimento que resulta duma interacção mais directa e complexa com outros povos e culturas. Isto repercute-se naturalmente sobre o frágil equilíbrio destas sociedade pequenas e vulneráveis, algumas das quais enfrentam um futuro muito incerto não só por causa da emigração em larga escala, mas também pela subida do nível do mar causada pelo aumento das temperaturas da terra. Para elas, as mudanças climáticas significam muito mais do que uma mera questão de carácter económico.

Missão e cultura


7 Desde o século XVI, quando os primeiros missionários estrangeiros chegaram à Oceânia, os povos insulares ouviram e acolheram o Evangelho de Jesus Cristo. Entre aqueles que deram início ou continuidade à obra missionária, houve santos e mártires, que constituem não só a maior glória do passado da Igreja na Oceânia, mas também a mais segura fonte de esperança para o futuro. Sobressaem, entre tais testemunhas da fé, São Pedro Chanel, martirizado em 1841 na ilha de Futuna; os Beatos Diogo Luís de San Vítores e Pedro Calungsod, que foram mortos juntos em 1672 em Guam; o Beato João Mazzuconi, martirizado em 1851 na ilha Woodlark; e o Beato Pedro To Rot, morto na Nova Bretanha em 1945, quase no fim da Segunda Guerra Mundial. Juntamente com muitos outros, estes heróis da fé cristã contribuíram, cada um a seu modo, para « implantar» a Igreja nas ilhas da Oceânia. Que a sua memória jamais seja esquecida! Que eles nunca cessem de interceder por estes amados povos por quem derramaram o seu sangue!

Quando os missionários levaram pela primeira vez o Evangelho aos aborígenes, aos maoris, e restantes nações insulares, encontraram povos que já possuíam um antigo e profundo sentido do sagrado. As práticas e os ritos religiosos constituíam parte integrante da vida quotidiana e permeavam totalmente as suas culturas. Os missionários levaram a verdade do Evangelho que não é alheia a ninguém; mas, por vezes, alguns procuraram impor elementos que eram culturalmente estranhos àqueles povos. Agora há necessidade de um cuidadoso discernimento para ver o que pertence ao Evangelho e aquilo que não lhe pertence, o que é essencial e aquilo que não chega a sê-lo. Uma tal tarefa - há que admiti-lo - tornou-se ainda mais difícil por causa do processo de colonização e modernização que tem ofuscado a fronteira entre o que é autóctone e importado.

Os povos tradicionais da Oceânia formam um mosaico com muitas culturas diversas: aborígene, melanésia, polinésia e micronésia. Desde o período da colonização, a cultura ocidental passou também a modelar a região. Nos últimos anos, entraram em cena também as culturas asiáticas, sobretudo na Austrália. Cada um dos grupos culturais, diverso em número e poder, tem as suas tradições específicas e a sua própria experiência de integração numa terra nova. E variam desde sociedades com fortes traços tradicionais e comunitários até às que são de cunho predominantemente ocidental e moderno. Na Nova Zelândia e mais ainda na Austrália, as políticas coloniais e pós-coloniais de imigração reduziram as populações indígenas a uma minoria na sua própria terra e a um grupo cultural que, de muitos modos, foi depredado.

Um dos traços mais nobres dos povos da Oceânia é o seu forte sentido comunitário e solidário em família e na tribo, na aldeia ou na vizinhança. Por isso, as decisões são tomadas por consenso, fruto de um processo frequentemente longo e complexo de diálogo. Tocado pela graça de Deus, o sentido comunitário natural destes povos fê-los receptivos ao mistério da communio oferecida em Cristo. A Igreja na Oceânia manifesta um verdadeiro espírito de cooperação que se estende às várias comunidades cristãs e a todas as pessoas de boa vontade. Também faz parte das culturas tradicionais da Oceânia um profundo respeito pela tradição e a autoridade. Daí o sentido de solidariedade da geração actual com aqueles que a precederam, e a autoridade excepcional reconhecida aos pais e chefes tradicionais.

A variedade cultural da Oceânia não está imune do processo mundial de modernização com os seus efeitos positivos e negativos. Sem dúvida que os tempos modernos têm dado novo e maior realce a valores humanos positivos como, por exemplo, o respeito pelos direitos inalienáveis da pessoa, a introdução de métodos democráticos na administração e no governo, a recusa da pobreza estrutural como condição imutável, a rejeição do terrorismo, da tortura e da violência como instrumentos de viragem política, o direito à educação, cuidados sanitários e habitação para todos. Tais valores, frequentemente enraizados no cristianismo ainda que não explicitamente, têm exercido uma benéfica influência na Oceânia, e a Igreja não pode deixar de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para favorecê-los.

Mas a modernização acarreta consigo efeitos negativos também na região, constrangendo as sociedades tradicionais a lutarem pela preservação da sua identidade, quando entram em contacto com sociedades ocidentais mais urbanas e secularizadas e sofrem a crescente influência cultural dos imigrantes asiáticos. Os bispos falaram, por exemplo, da gradual diminuição do sentido religioso natural, que tem desorientado a vida e a consciência moral das pessoas. Uma grande parte da Oceânia, especialmente a Austrália e a Nova Zelândia, entrou numa era caracterizada por maior secularização. Na vida social, a religião - sobretudo o cristianismo - é marginalizada e tende-se a considerá-la como assunto estritamente privado e pouco pertinente para a vida pública: por vezes é negada, às convicções religiosas e conhecimentos da fé, a sua legítima função de formar as consciências das pessoas; de igual modo, a voz da Igreja e doutros organismos religiosos têm reduzido espaço nos assuntos públicos. No mundo actual, a tecnologia de vanguarda, o maior conhecimento da natureza e comportamento humanos, a evolução política e económica mundial colocam também questões novas e difíceis aos povos da Oceânia. Ao apresentar Jesus Cristo como o Caminho, a Verdade e a Vida, a Igreja deve responder, em moldes novos e eficazes, a tais questões morais e sociais, não permitindo de modo algum que a sua voz seja reduzida ao silêncio nem o seu testemunho marginalizado.


A ASSEMBLEIA ESPECIAL DO SÍNODO

O tema


8 Como resultado das sugestões do Conselho Pré-Sinodal que teve em vista as preocupações dos bispos da Oceânia, foi escolhido para a Assembleia Especial da Oceânia o tema seguinte: Jesus Cristo e os povos da Oceânia seguindo o seu caminho, proclamando a sua verdade e vivendo a sua vida. Inspirando-se nas palavras do evangelho de S. João, quando Jesus afirma de Si mesmo que é o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. 14, 6), o tema recorda o convite que Ele estende a todos os povos da Oceânia: estes são convidados a encontrá-Lo, a crer n'Ele e a proclamá-Lo como o Senhor de todos. Lembra também que a Igreja na Oceânia se reúne como Povo de Deus caminhando em peregrinação para o Pai. Através do Espírito Santo, o Pai chama individual e comunitariamente os crentes a seguirem o caminho que Jesus seguiu, a proclamarem a todas as nações a verdade que Jesus revelou, a viverem plenamente a vida que Jesus viveu e continua a partilhar connosco.

O tema é particularmente apropriado para a Igreja na Oceânia de hoje, porque os povos do Pacífico estão a lutar pela própria unidade e identidade; há neles a preocupação pela paz, a justiça e a salvaguarda da criação; e muitas pessoas andam à procura de significado para a sua vida. Só aceitando Jesus Cristo como Caminho é que os povos da Oceânia poderão encontrar aquilo por que agora aspiram e lutam. O caminho de Cristo não se pode percorrer sem um ardente sentido da missão; e o centro da missão da Igreja é proclamar Jesus Cristo como a Verdade viva - uma verdade revelada, uma verdade explicada, compreendida e acolhida na fé, uma verdade transmitida às novas gerações. A verdade de Jesus é sempre maior que nós mesmos, maior que os nossos corações, porque brota das entranhas da Santíssima Trindade; é uma verdade que incita a Igreja a dar resposta aos problemas e desafios de hoje. À luz do Evangelho, nós descobrimos Jesus como a Vida. A vida de Cristo é oferecida também como graça regeneradora, que leva a humanidade a ser aquilo que o Criador quis que fosse. Viver a vida de Cristo comporta um profundo respeito por cada vida; e implica também uma espiritualidade viva e uma moralidade autêntica, reforçada pela palavra de Deus na Escritura e celebrada nos sacramentos da Igreja. Quando os cristãos vivem a vida de Cristo com uma fé profunda, a sua esperança torna-se mais robusta e a sua caridade mais transbordante. Era este o objectivo do Sínodo, e o mesmo se propõe a nova evangelização para qual o Espírito Santo está convocando a Igreja inteira.

A experiência


9 Foi providencial que a Assembleia Sinodal tivesse começado na solenidade de Cristo Rei, quando a Igreja celebra Jesus como o Senhor, por quem o Reino de Deus se estabeleceu em todo o mundo e na história inteira. Durante os dias da Assembleia, pôde ver-se claramente que era Cristo quem abria o caminho e reinava no meio da Assembleia. As liturgias de abertura e encerramento continham sinais e símbolos tomados das culturas das ilhas do Pacífico como expressões de fé e de reverência. Numa harmoniosa junção, estas cerimónias exprimiram a unidade na diversidade da fé e do culto; e mostraram admiravelmente como a fé católica se estende até às costas mais longínquas do Grande Oceano e como todos encontram a sua casa na Igreja de Cristo. Numa simbólica permuta de dons, as liturgias manifestaram a profunda communio que existe entre a Igreja de Roma e as Igrejas particulares da Oceânia. Os bispos trouxeram a sua vasta gama de experiências e de tesouros culturais e foram, por sua vez, fortalecidos no vínculo da communio local e universal, servindo-lhes de grande consolação e estímulo para o futuro.

Atendendo aos traços específicos da Igreja na Oceânia, pareceu oportuno convocá-la numa Assembleia Sinodal aparte. Os bispos da Oceânia estão organizados em quatro Conferências que, por sua vez, se agrupam na Federação das Conferências dos Bispos Católicos da Oceânia (FCBCO). O número total de bispos é relativamente pequeno, pelo que o Sínodo pôde ver reunidos todos os bispos que estão no activo, estando assim presentes todas as Igrejas particulares. Para muitos participantes, foi uma verdadeira descoberta dos dons religiosos, das culturas e da história dos povos da Oceânia. Ficaram mais conscientes das graças, frequentemente escondidas e ignoradas, que o Senhor concedeu à sua Igreja, sendo isto também uma fonte de grande encorajamento. O diálogo e discernimento do Sínodo abriram os olhos do coração e da mente, para descobrir o que se pode fazer para que a fé cristã seja vivida de maneira mais plena e eficaz. E os tesouros descobertos ou avaliados de novo constituem outras tantas razões para louvar e dar graças a Deus.

Para os bispos, a Assembleia foi uma experiência de fraternidade e communio ao redor da Sé de Pedro. O facto de se ter realizado no Vaticano permitiu a todos os participantes « sentirem-se em casa » com o Bispo de Roma; e, reciprocamente, concedeu ao Bispo de Roma « sentir-se em casa » com eles e ouvir da sua boca quanto apreciaram esta experiência única de universalidade da Igreja. O sentido de unidade e fidelidade fez superar as grandes distâncias geográficas e culturais entre Roma e a Oceânia, sendo esta experiência um dos muitos dons que Cristo, na sua bondade, concedeu durante o Sínodo.

Os Padres Sinodais experimentaram também um novo e mais forte sentido de identidade ecommunio de uns com os outros. Muitos deles vivem separados por grandes distâncias, não sendo fácil uma comunicação regular. A diversidade de culturas na Oceânia é um constante desafio para toda a Igreja trabalhar por maior unidade. Os bispos desejam reforçar a sua communio e ajudar os povos da Oceânia a colaborarem mais eficazmente entre si. Enquanto porção única da Igreja universal, as Igrejas particulares nesta região do mundo sabem que podem e devem contribuir com os seus dons específicos para a Igreja inteira. Peço ao Senhor que os bispos da Oceânia possam, como fruto do Sínodo, sentir-se cada vez mais parte uns dos outros e que são, com as suas Igrejas particulares, parte integrante da Igreja universal, à qual proporcionam um especial enriquecimento.(13)

Foi significativo que a Assembleia Sinodal se tivesse realizado no tempo de imediata preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000. A bula Incarnationis mysterium, que anunciava o Jubileu, foi promulgada durante o período do Sínodo,(14) e a própria Assembleia foi uma oportunidade para a Igreja na Oceânia se preparar para o dom do Ano Santo. Com certeza, a Assembleia ajudou as Igrejas do Pacífico a celebrarem o Jubileu com um renovado empenho na procura da reconciliação e da paz, mais conscientes ainda de que « a Igreja, tendo recebido de Cristo o poder de perdoar em seu nome, é, no mundo, a presença viva do amor de Deus que Se inclina sobre toda a fraqueza humana para a acolher no abraço da sua misericórdia ».(15) Um fruto maravilhoso do Ano Santo há-de ser a Igreja na Oceânia, revigorada de tantos modos pela experiência do Sínodo, continuar a levar à prática as intuições e apelos do Jubileu, cujas linhas estão sugeridas na carta apostólica Novo millennio ineunte. Tendo proclamado o abismo infinito da misericórdia de Deus revelada em Cristo, o Jubileu gerou novas energias para enfrentar os desafios que o Sínodo identificou e debateu.(16) O Pai, « no amor que perdoa, antecipa os novos céus e a nova terra »: (17) possa esta visão dos novos céus e da nova terra atrair os povos da Oceânia de forma incessante e cada vez mais intensa para esta novidade de vida!



CAPÍTULO II


SEGUINDO O CAMINHO DE JESUS CRISTO NA OCEÂNIA




« Um pouco mais adiante, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, os quais, com seu pai Zebedeu, compunham as redes dentro do barco. Chamou-os, e eles, deixando no mesmo instante o barco e o pai, seguiram-n'O » (Mt 4,21-22).


A IGREJA COMO COMMUNIO

Mistério e dom


10 Quando caminhava ao longo das margens do mar da Galileia, Jesus chamou alguns a trilharem a via do discipulado: convidou-os a segui-Lo, a caminhar pelos seus passos. « A Igreja, movida pelo Espírito Santo, deve caminhar pela mesma via de Cristo; e Igreja quer dizer todos nós unidos como um corpo que recebe o seu influxo vital do Senhor Jesus ».(18) O caminho de Jesus é sempre a estrada da missão; Ele convida agora os seus seguidores a proclamarem de novo o Evangelho aos povos da Oceânia para que se possam encontrar, em mútuo enriquecimento, a cultura e a pregação do Evangelho, e a Boa Nova seja mais profundamente ouvida, acreditada e vivida. Esta missão está radicada no mistério da comunhão.

O Concílio Vaticano II viu a noção de communio como particularmente adequada para exprimir o mistério profundo da Igreja; (19) e a Assembleia Sinodal Extraordinária de 1985 fez-nos tomar maior consciência da communio como o verdadeiro coração da Igreja. Do mesmo modo também os Padres Sinodais declararam que a Igreja é essencialmente mistério de comunhão, povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Esta participação na vida da Santíssima Trindade é « a fonte e a inspiração de todo o relacionamento cristão e das várias formas de comunidade cristã ».(20) Esta concepção foi o pressuposto doutrinal e espiritual de todas as deliberações do Sínodo, tendo sido « completada e ilustrada pela noção da Igreja como povo de Deus e comunidade de discípulos. Enquanto comunhão, a Igreja reconhece a igualdade básica de todo o fiel cristão, seja ele leigo, religioso ou ordenado. A comunhão é modelada e animada pelos dons do Espírito Santo, tanto ministeriais como carismáticos ».(21)

A communio da Igreja é um dom da Santíssima Trindade, cuja profunda vida íntima é maravilhosamente oferecida à humanidade; aquela é o fruto da iniciativa amorosa de Deus que se realizou no mistério pascal de Cristo, pelo qual a Igreja participa na communio de amor entre o Pai e o Filho no Espírito Santo. « O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi concedido » (
Rm 5,5). No dia de Pentecostes, cumpriu-se plenamente a Páscoa de Cristo com a efusão do Espírito, e com Ele as primícias da nossa herança, a participação na vida do Deus Uno e Trino, que nos permite amar « como Deus nos amou a nós » (1Jn 4,11).


Ecclesia in Oceania PT