Ecclesia in Oceania PT 11

A Igreja particular e universal


11 Durante a Assembleia Sinodal, os bispos deram espaço de modo particular à noção de Igreja como communio: puseram em relevo os aspectos de pertença e de relação interpessoal fundados na concepção da Igreja como povo de Deus. A communio eclesial é manifestada e vivida de modo especial na Igreja particular congregada à volta do bispo, de cuja missão são colaboradoras as pessoas.(22) Como pastor, cada bispo procura promover esta communio através do seu ministério, que é uma participação no múnus pastoral, profético e sacerdotal de Cristo. O sinal e o efeito destacommunio está descrito nos Actos dos Apóstolos: « A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma » (4, 32). Os Padres Sinodais viram uma expressão prática deste espírito na preparação do plano pastoral diocesano em conjunto com os fiéis e as suas organizações. Isto fará com que o plano se alimente da espiritualidade da communio promovida pelo Concílio Vaticano II.(23)

A communio entre as Igrejas particulares baseia-se na unidade da fé, do baptismo e da eucaristia, e ainda na unidade do episcopado. Aquela engloba todas as Igrejas particulares através dos respectivos bispos, unidos ao Bispo de Roma, cabeça visível da Igreja. « O Colégio Episcopal unido ao Sucessor de Pedro proporciona uma autêntica expressão desta comunhão eclesial ».(24) A unidade do episcopado perpetua-se, no desenrolar dos séculos, através da sucessão apostólica; esta é, em cada época, o fundamento da identidade da Igreja, estabelecida por Cristo sobre Pedro e o colégio dos Apóstolos. O Sucessor de Pedro é, de facto, « o princípio duradouro de unidade e o fundamento visível » da Igreja.(25) O próprio Senhor encarregou Pedro e seus sucessores de confirmar os irmãos na fé (cf. Lc
Lc 22,32) e apascentar o rebanho de Cristo (cf. Jo Jn 21,15-17). « Existe entre os bispos um vínculo que exprime de modo pessoal e colegial a comunhão - a koinonia- que caracteriza toda a vida da Igreja. (...) Juntos, no Colégio Episcopal, eles participam no ministério de promover a unidade do povo de Deus na fé e na caridade ».(26) O Sínodo manifestou a esperança de que a ligação entre as Igrejas particulares e a Igreja universal, particularmente a Santa Sé, revele e fortaleça a communio, desenvolvendo-se no devido respeito tanto pelo ministério petrino da unidade como pelas Igrejas particulares.(27) As Igrejas particulares da Oceânia sabem que participam na communio da Igreja universal, considerando-o como um motivo de regozijo: apesar da vastidão de culturas diversas e das grandes distâncias na Oceânia, os bispos locais têm consciência de estar unidos entre si e com o Bispo de Roma, vendo isto também como um grande dom. « Entre o Sucessor de Pedro e os sucessores dos outros Apóstolos existe verdadeiramente um profundo laço espiritual e pastoral: é a nossa colegialidade afectiva e efectiva. Oxalá encontremos sempre as maneiras de nos apoiarmos uns aos outros nos nossos esforços conjuntos para a construção da Igreja e para vivermos esta comunhão no serviço e na fé ».(28) Como irmãos no Colégio dos Bispos, os Padres Sinodais exprimiram o firme desejo de reforçar a sua união com o Bispo de Roma,(29) propósito esse que não podia deixar de comover e animar o Sucessor de Pedro.

Mútuo enriquecimento


12 Um sinal e instrumento de colegialidade e comunhão entre os bispos é a Conferência Episcopal, « uma santa colaboração de esforços para bem comum das Igrejas »,(30) que de muitos modos contribui para a realização concreta do espírito de colegialidade. Há numerosas áreas onde a Conferência dos Bispos tem estabelecido frutuosas relações. A permuta de dons é característica de muitas partes da Oceânia, podendo servir como modelo positivo para as relações dos bispos do Continente entre si e com outros. Este modelo encoraja um intercâmbio de dons espirituais que fomente relações de amor, respeito e confiança recíprocos. As bases para instaurar um franco diálogo são a partilha e a consulta enquanto expressões práticas da communio que caracteriza a Igreja.

As Igrejas Católicas Orientais chegaram à Oceânia em tempos relativamente recentes, tendo-se consolidado como uma rica expressão de catolicidade em várias partes da Oceânia, sobretudo na Austrália. « Com a sua história e tradição únicas, elas dão um significativo testemunho da diversidade e unidade da Igreja universal ».(31) No Sínodo, as Igrejas Católicas Orientais reconheceram ter usufruído da generosidade da Igreja Católica Latina na Oceânia; ao longo dos anos e em circunstâncias frequentemente difíceis, bispos, sacerdotes e paróquias ofereceram-lhes hospitalidade nas igrejas e escolas, e os vínculos de amizade e cooperação perduram a todos os níveis. Contudo estas Igrejas são vulneráveis devido ao número relativamente pequeno de fiéis e às grandes distâncias que as separam da respectiva Igreja-Mãe, podendo os seus membros sentir-se pressionados ou tentados a assimilar-se à Igreja Latina predominante. No Sínodo, porém, os bispos latinos da Oceânia manifestaram claramente o desejo de estimar, compreender e promover as tradições, a liturgia, a disciplina e a teologia das Igrejas Católicas Orientais. Por isso, é importante incrementar entre os católicos latinos o conhecimento e compreensão das riquezas das Igrejas Orientais Católicas.

O desafio que se apresenta à Igreja na Oceânia é chegar a uma compreensão mais profunda dacommunio local e universal e a uma maior concretização das suas implicações práticas. O meu predecessor Paulo VI resumiu tal desafio nestes termos: « O primeiro aspecto desta comunhão, desta unidade, é o da fé. A unidade na fé é necessária e fundamental (...). O segundo aspecto da comunhão católica é o da caridade. (...) Devemos praticar uma caridade mais consciente e operosa nos [vários] campos eclesiais ».(32) Os povos da Oceânia instintivamente têm um forte sentido da comunidade; mas é necessária a unidade na fé, se se quer superar o conflito e o ódio com a reconciliação e o amor. Nas culturas mais ocidentalizadas, as instituições sociais sentem-se sob pressão, e as pessoas anelam por uma vida mais digna do ser humano. Perante o individualismo que ameaça corroer o edifício da sociedade humana, a Igreja oferece-se a si mesma como sacramento que cura, como morada de communio que dá resposta às carências mais profundas do coração. Um tal dom é hoje claramente necessário entre os povos da Oceânia.


COMUNHÃO E MISSÃO

Chamamento à missão


13 A Igreja na Oceânia recebeu o Evangelho de anteriores gerações de cristãos e de missionários vindos de além-mar. O Sínodo prestou homenagem a tantos missionários C sacerdotes, religiosos e religiosas e leigos também C que gastaram as suas vidas na transmissão do Evangelho neste Continente; (33) o seu sacrifício, por graça de Deus, deu muito fruto. Quando receberam a plenitude da redenção em Cristo, os povos da Oceânia encontraram um símbolo admirável no firmamento estrelado, o Cruzeiro do Sul, que permanece como sinal luminoso da graça e bênção de Deus que a todos abraça.(34) A geração cristã actual é chamada e enviada a realizar uma nova evangelização no meio dos povos da Oceânia, uma nova proclamação daquela verdade duradoura evocada pelo símbolo do Cruzeiro do Sul. Este chamamento à missão coloca grandes desafios, mas abre também novos horizontes, cheios de esperança e até uma sensação de aventura.

Tal chamamento é dirigido a cada membro da Igreja. « Toda a Igreja é missionária, porque a actividade missionária (...) é uma parte integrante da sua vocação ».35 Alguns membros da Igreja são enviados a povos que nunca ouviram falar de Jesus Cristo, e a sua missão permanece vital hoje como sempre; mas muitos mais são enviados a evangelizar o seu próprio ambiente, tendo os Padres Sinodais sublinhado repetidamente a missão dos fiéis leigos: na família, no emprego, na escola, nas actividades públicas, todos os cristãos podem ajudar a levar a Boa Nova ao mundo onde vivem.

Uma comunidade cristã não deve pensar simplesmente em ser um lugar confortável para os seus membros; os Padres Sinodais animaram as comunidades locais a olharem para além dos seus interesses imediatos interessando-se pelos outros. A paróquia enquanto comunidade não pode isolar-se das realidades que a circundam; pelo contrário, deve estar atenta aos problemas de justiça social e à fome espiritual da sociedade. O que Jesus oferece aos seus seguidores deve ser partilhado com todos os povos da Oceânia em qualquer situação que se encontrem, porque só n'Ele existe a plenitude da vida.

Desafios


14 Os Padres Sinodais manifestaram ardentemente o desejo de ver Jesus Cristo escutado e compreendido pelas pessoas confiadas aos seus cuidados e por muitos mais; concluíram que há necessidade de ir ao encontro daqueles que vivem com suas esperanças e anseios insatisfeitos, dos cristãos só de nome, e de quantos se afastaram da Igreja devido talvez a experiências negativas. Dever-se-ia fazer todo o esforço possível por sarar tais feridas e fazer voltar ao aprisco a ovelha perdida.

E sobretudo os Padres Sinodais quiseram tocar os corações dos jovens, sabendo que muitos deles andam à procura de verdade e felicidade; nesta busca, podem abandonar-se aos atractivos e apelos do mundo actual, alguns dos quais são francamente nocivos. Isto acaba por gerar neles a confusão, privados como estão do conhecimento dos autênticos valores e onde encontrar a verdadeira felicidade. O grande desafio e oportunidade é oferecer-lhes os dons de Jesus Cristo na Igreja, os únicos capazes de satisfazer os seus anelos. Mas, esta apresentação de Cristo deve ser feita de forma apropriada à nova geração que se ressente das rápidas mudanças da cultura ambiental.

Às vezes a Igreja Católica é considerada portadora duma mensagem irrelevante, que não atrai nem convence; jamais poderemos deixar que tais vozes minem a nossa confiança, porque nós encontrámos a pérola de grande valor (cf. Mt
Mt 13,46). Mas não foi para a guardarmos só para nós; a Igreja é desafiada a traduzir a Boa Nova para os povos da Oceânia segundo as suas urgências e condições actuais: temos de apresentar Cristo ao mundo de modo a dar esperança a tantos que sofrem a desolação, a injustiça, a pobreza. De facto, Ele é um mistério de vida nova para todos os que passam necessidade ou vivem na amargura, para as famílias desfeitas ou pessoas sem emprego, marginalizadas, feridas na alma ou no corpo, doentes ou escravas da droga, e para quantos se extraviaram. Este mistério de graça, mysterium pietatis, é o verdadeiro coração da Igreja e da sua missão.

Uma Igreja participativa


15 Nas comunidades católicas da Oceânia, vai crescendo a convicção do muito que têm para oferecer à Igreja universal, a qual, por sua vez, rejubila com os dons especiais destas comunidades. Muitas delas estão empenhadas na expansão missionária quer na Oceânia quer fora, nas ilhas do Pacífico e Papuásia-Nova Guiné, no sudeste asiático e em regiões da terra ainda mais distantes. Igrejas particulares, fundadas por missionários, começam por sua vez a enviar missionários, e isto é um sinal inequívoco de maturidade. Assumiram aquela mensagem que o Papa Paulo VI enviou, com o povo de Samoa, aos católicos do mundo inteiro: « Atendei o apelo que fazemos para vos tornardes arautos da Boa Nova da salvação ».(36) Cumpriu-se o voto que formulei aos bispos da Conferência Episcopal do Pacífico, quando visitei Suva no ano 1986: « As Igrejas instituídas por missionários possam por sua vez enviar muitos missionários a outras nações ».(37) É verdade que algumas dioceses da Oceânia estão ainda dependentes da solidariedade doutras Igrejas particulares, mas a falta de recursos não deveria ser motivo para refrearem a própria generosidade no cumprimento da sua missão. A partilha de recursos para o bem de todos é uma grave obrigação da vida do cristão e às vezes uma urgente necessidade da missão cristã.

Em muitas ilhas da Oceânia, os catequistas estão a ajudar os sacerdotes no seu trabalho missionário ou pastoral. Na Austrália e Nova Zelândia, os catequistas ensinam as verdades da fé na comunidade local, sobretudo às crianças e aos catecúmenos, e « são (...) testemunhas directas, evangelizadores insubstituíveis, que representam a força basilar das comunidades cristãs ».(38) Muitas vezes estes obreiros leigos são de grande validade, porque vivem e trabalham junto das pessoas na sua vida de todos os dias, e « eles deram e continuam a dar um contributo verdadeiramente insubstituível para a vida e missão da Igreja ».(39) Em muitas ilhas, os catequistas são preparados não só para ensinar mas também para dirigir a comunidade em oração e evangelizar para além dos confins da comunidade católica. Nas culturas tradicionais, muitas vezes a doutrina é comunicada melhor oralmente através de narração de histórias, de pregação, de oração feita de palavras, música e dança; para orientar e promover este tipo de actividade, são necessários cursos, programas e retiros especiais. Urge agora apresentar Jesus Cristo àqueles cuja fé se debilitou sob a pressão da secularização e do consumismo e que tendem a considerar a Igreja apenas como uma das muitas instituições da sociedade moderna que influenciam o pensamento e o comportamento das pessoas. Em tal situação, a Igreja precisa de dirigentes e teólogos bem preparados para apresentarem Jesus Cristo de forma persuasiva aos povos da Oceânia.

Foi maravilhoso ouvir, durante a Assembleia, muitos bispos falarem dos programas de renovação cristã nas suas dioceses e do aprofundamento da fé que os mesmos oferecem aos seus fiéis. Um dos traços salientes de tais programas é a numerosa participação dos leigos. Estamos todos agradecidos a Deus pelos vários dons que concedeu aos leigos, homens e mulheres, para cumprirem a sua missão, tendo eles recebido um chamamento não só à acção e ao serviço, mas também à oração.(40)Eles e seus pastores são encorajados a prosseguirem com vigoroso ardor, proclamando Jesus Cristo ao seu povo com renovada convicção. As comunidades católicas na Oceânia fazem já grandes esforços para irem ao encontro dos outros, proclamando e vivendo a Boa Nova; os Padres Sinodais manifestaram profundo apreço por estes esforços e um forte apoio a quantos estão prontos a oferecer-se para trabalhar na missão da Igreja. A eles me associo rezando por estes trabalhadores da vinha do Senhor para que possam encontrar satisfação e alegria no trabalho a que o próprio Deus os chamou.

Muitos outros desafios se apresentam aos membros da Igreja, sobretudo aos que têm a seu cargo responsabilidades pastorais. Cientes das limitações de todo o esforço humano, os Padres Sinodais não se deixaram abater, mas fizeram apelo à certeza simples e forte que lhes deu o Senhor ressuscitado; de facto, quando enviou os Apóstolos a pregar a Boa Nova a todas as nações, Ele disse: « Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo » (
Mt 28,20). Desta promessa divina, brotou uma esperança nova para os bispos, a braços com os numerosos desafios que têm de enfrentar para pregar Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida; e convidaram todos os católicos da Oceânia a unirem-se a eles nesta esperança.


O EVANGELHO E A CULTURA

Inculturação


16 Os Padres Sinodais puseram muitas vezes em realce a importância que tem a inculturação para uma autêntica vida cristã na Oceânia. O processo de inculturação é o itinerário gradual pelo qual o Evangelho se encarna nas várias culturas. Por um lado, há alguns valores culturais que devem ser transformados e purificados, se se deseja que encontrem lugar numa cultura genuinamente cristã; por outro, há valores cristãos que facilmente criam raízes nas várias culturas. A inculturação nasce do respeito tanto pelo Evangelho como pela cultura onde é proclamado e acolhido. O processo de inculturação começou na Oceânia quando os imigrantes ali chegaram com a fé cristã da sua pátria. Para os povos indígenas da Oceânia, a inculturação significou um novo diálogo entre o mundo que tinham conhecido e a fé que abraçaram. Em consequência disso, a Oceânia oferece muitos exemplos de expressões culturais específicas nas áreas da teologia e liturgia e no uso de símbolos religiosos.(41)Os Padres Sinodais viram uma maior inculturação da fé cristã como o caminho principal para a plenitude da communio eclesial.

A autêntica inculturação da fé cristã funda-se no mistério da Encarnação.(42) « Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único » (
Jn 3,16); foi num tempo e lugar determinado que o Filho de Deus encarnou, « nascido de mulher » (Ga 4,4). Com a finalidade de preparar este importante acontecimento, Deus escolheu um povo com uma cultura específica e guiou a sua história rumo à Encarnação. O que Deus fez no meio do seu povo eleito mostra aquilo que Ele tenciona fazer pela humanidade inteira, por cada povo e cada cultura. A Sagrada Escritura narra-nos a história de Deus que actua no meio do seu povo; sobretudo conta-nos a história de Jesus Cristo, no qual Deus em pessoa entrou no mundo e nas suas múltiplas culturas. Em tudo o que disse e fez, mas especialmente na sua morte e ressurreição, Jesus revelou o amor divino pela humanidade. Do mais fundo da história humana, a existência de Jesus fala ao povo não só do seu tempo e cultura mas de todos os tempos e culturas. Ele é para sempre o Verbo que Se fez carne em favor de todo o mundo; é o Evangelho que foi levado à Oceânia e que deve ser novamente proclamado agora.

O Verbo feito carne não é estranho à cultura e deve ser anunciado a todas as culturas. Este « processo de encontro e comparação com as culturas é uma experiência que a Igreja vive desde os começos da pregação do Evangelho ».(43) Tal como o Verbo feito carne entrou na história e habitou entre nós, assim também o seu Evangelho penetra profundamente na vida e cultura daqueles que o ouvem, aderem e acreditam. A inculturação, a « encarnação » do Evangelho nas diversas culturas, condiciona o próprio modo de proclamar, compreender e viver o Evangelho.(44) A Igreja ensina a verdade imutável de Deus enquadrada na história e cultura dum povo concreto. Por isso, a fé cristã será vivida duma forma específica em cada cultura. Os Padres Sinodais tinham a certeza de que a Igreja, nos seus esforços por apresentar eficazmente Jesus Cristo aos povos da Oceânia, tem de respeitar cada cultura sem nunca pedir à gente que renuncie a ela. Na verdade, ela convida todos os povos a exprimirem a palavra viva de Jesus em fórmulas capazes de falar à sua mente e coração.(45)« O Evangelho não é contrário a esta ou àquela cultura como se quisesse, ao encontrar-se com ela, privá-la daquilo que lhe pertence, e a obrigasse a assumir formas extrínsecas que lhe são estranhas ».(46) É vital que a Igreja penetre completamente numa cultura e, a partir de dentro, realize o processo de purificação e transformação.(47)

Uma autêntica inculturação do Evangelho possui um duplo aspecto: por um lado, cada cultura oferece formas e valores positivos que podem enriquecer o modo como o Evangelho é pregado, compreendido e vivido; por outro, o Evangelho desafia as culturas exigindo-lhes a mudança de alguns valores e formas.(48) Tal como o Filho de Deus Se fez semelhante a nós em tudo excepto no pecado (cf. Heb He 4,15), assim a fé cristã acolhe e promove tudo o que é genuinamente humano, ao mesmo tempo que rejeita tudo o que for pecado. O processo de inculturação envolve Evangelho e cultura « num diálogo, que inclui a identificação do que é de Cristo e do que não o é ».(49) Cada cultura necessita de ser purificada e transformada pelos valores revelados no mistério pascal de Cristo.(50) Deste modo, as formas e valores positivos que se encontram nas culturas da Oceânia hão-de enriquecer o modo como o Evangelho é pregado, compreendido e vivido.(51) O Evangelho « é uma forma real de libertação de toda a desordem introduzida pelo pecado e, simultaneamente, uma chamada à verdade plena. Neste encontro, as culturas não são privadas de nada, antes são estimuladas a abrirem-se à novidade da verdade evangélica, de que recebem impulso para novos progressos ».(52) Transformadas pelo Espírito de Cristo, estas culturas alcançam aquela plenitude de vida para a qual sempre apontaram os seus valores mais profundos e pela qual sempre ansiou o seu povo. Sem Cristo, de facto, não há cultura humana que possa tornar-se naquilo que é verdadeiramente.

A situação actual


17 Nos tempos recentes, a Igreja tem fomentado vigorosamente a inculturação da fé cristã. A tal respeito, o Papa Paulo VI, quando visitou a Oceânia, reafirmou que o catolicismo « não só não sufoca tudo o que existe de bom e de original em cada uma das formas da cultura humana, mas acolhe, respeita e valoriza as características de cada povo, revestindo assim de variedade e de beleza a única veste inconsútil da Igreja de Cristo ».(53) Fiz-me eco destas palavras, quando encontrei os aborígenes da Austrália: « O Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo fala todas as línguas. Estima e abraça todas as culturas. Apoia-as em tudo o que é humano e, quando necessário, purifica-as. O Evangelho exalta e enriquece sempre e em toda a parte as culturas com a mensagem revelada de um Deus amoroso e misericordioso ».(54) Os Padres Sinodais pediram que a Igreja na Oceânia desenvolva uma compreensão e exposição da verdade de Cristo partindo das tradições e culturas locais. Em terras de missão, todos os missionários são instados a trabalhar de harmonia com os cristãos indígenas para garantir que a doutrina e a vida da Igreja sejam expressas em formas legítimas e apropriadas a cada cultura.(55)

Desde quando chegaram os primeiros imigrantes e missionários, a Igreja na Oceânia esteve inevitavelmente envolvida num processo de inculturação no seio das numerosas culturas da região, que frequentemente existem lado a lado. Atentos aos sinais dos tempos, os Padres Sinodais « reconheceram que as numerosas culturas, cada uma a seu modo, fornecem perspectivas que ajudam a Igreja a compreender e exprimir melhor o Evangelho de Jesus Cristo ».(56)

Na condução deste processo, exige-se fidelidade a Cristo e à Tradição autêntica da Igreja. Uma genuína inculturação da fé cristã deve verificar-se sempre sob a orientação da Igreja universal. Permanecendo inteiramente fiéis ao espírito da communio, as Igrejas particulares deveriam procurar exprimir a fé e a vida da Igreja em formas legítimas e apropriadas às culturas indígenas.(57) As expressões e formas novas devem ser examinadas e aprovadas pelas autoridades competentes. Uma vez aprovadas, estas formas autênticas de inculturação permitirão aos povos da Oceânia experimentar, mais facilmente e de forma peculiar, a vida abundante oferecida por Jesus Cristo.(58)

Os Padres Sinodais manifestaram o desejo de que os futuros sacerdotes, diáconos e catequistas adquiram plena familiaridade com a cultura das pessoas a que prestam serviço. Para se tornarem bons guias cristãos, eles deverão ser educados em condições que não os separem do contexto em que vive a gente comum, porque são chamados a um serviço de evangelização inculturada, mediante um delicado trabalho pastoral que permita à comunidade cristã acolher, viver e transmitir a fé na sua própria cultura, de harmonia com o Evangelho e na comunhão da Igreja universal.(59)

Como perspectiva futura, os Padres Sinodais evocaram o ideal das numerosas culturas da Oceânia que formam uma civilização rica e característica, inspirada pela fé em Jesus Cristo. Com eles, rezo ardentemente para que todos os povos da Oceânia descubram o amor de Cristo, Caminho, Verdade e Vida, a fim de experimentarem e construírem juntos a civilização do amor e da paz que o mundo do Pacífico sempre desejou.



CAPÍTULO III


PROCLAMANDO A VERDADE DE JESUS CRISTO NA OCEÂNIA


« Achando-Se Jesus junto ao lago de Genesaré e comprimindo-se sobre Ele a multidão para escutar a palavra de Deus, viu duas barcas estacionadas à beira do lago. Os pescadores que delas haviam descido lavavam as redes. Entrou numa das barcas, que era de Simão, pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra e, sentando-Se, pôs-Se a ensinar, da barca, a multidão » (Lc 5,1-3).


UMA NOVA EVANGELIZAÇÃO

Evangelização na Oceânia


18 A evangelização é a missão que a Igreja tem de proclamar ao mundo a verdade de Deus revelada em Jesus Cristo. Os Padres Sinodais acharam por bem escolher a communio como tema e meta da evangelização na Oceânia (60) e base de toda a planificação pastoral. Na evangelização, a Igreja manifesta a sua comunhão íntima e age como um único corpo, esforçando-se por levar a humanidade inteira à unidade com Deus através de Cristo. Cada baptizado tem a obrigação de proclamar, por palavras e obras, o Evangelho ao mundo onde vive.(61) O Evangelho deve ser ouvido na Oceânia por todos: crentes e não crentes, nativos e imigrantes, ricos e pobres, jovens e idosos; todos têm o direito de ouvir a Boa Nova, pelo que os cristãos têm a obrigação grave de comunicá-la. Hoje é necessária uma nova evangelização, para que cada um possa ouvir, compreender e acreditar na misericórdia de Deus oferecida, em Jesus Cristo, a todos os povos.

Durante a Assembleia Especial, os bispos puseram em comum o rico tesouro de experiências pastorais deles e das pessoas com quem trabalham mais estreitamente; e individuaram assim conjuntamente novas perspectivas para o futuro da Igreja na Oceânia. Muitos deles falaram da dificuldade do isolamento, da necessidade de atravessar distâncias enormes e da vida em ambientes inóspitos. Mas relataram também experiências muito positivas que atestam o vigor da fé e dacommunio, quando as pessoas acolhem o Evangelho e descobrem o amor de Deus. Os Padres Sinodais falaram ainda das esperanças e medos, dos sucessos e desilusões, do crescimento e declínio das Igrejas particulares na Oceânia. A alguns pareceu que a Igreja na Oceânia se encontra numa encruzilhada, o que requer importantes decisões para o futuro. À vista dos grandes desafios colocados pelas novas circunstâncias no Continente, todos concordaram que chegou o tempo de apresentar novamente o Evangelho aos povos do Pacífico, permitindo-lhes ouvir a palavra de Deus com renovada fé e encontrar uma vida mais abundante em Cristo; mas, para isso, há necessidade de novos caminhos e métodos de evangelização, inspirados por uma fé, esperança e caridade mais profundas no Senhor Jesus.

Como primeiro passo para a necessária « renovação da mente » (cf. Rom
Rm 12,2), os bispos apregoaram os numerosos esforços para aplicar as orientações do Concílio Vaticano II, sublinhando que estas estão a ser gradualmente actuadas e que há necessidade doutras iniciativas para reforçar a fé daqueles que a deixaram enfraquecer e para apresentá-la de forma mais persuasiva à sociedade em geral. O convite à renovação é um chamamento para proclamar ao mundo a verdade de Jesus Cristo, dando testemunho d'Ele até ao sacrifício supremo do martírio. A isto mesmo é chamada hoje a Igreja na Oceânia, sendo essa também a razão fundamental que motivou a celebração da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos.(62)

Mas é fácil que este chamamento de Deus não chegue a ser ouvido, por causa da transformação global que está a afectar a identidade cultural e as instituições sociais da região. Alguns temem que as mudanças possam minar os alicerces da fé, deixando-se cair no abatimento de espírito e no desânimo. Perante isto, precisamos de recordar que o Senhor nos dá a força necessária para superar tais tentações; a fé n'Ele é como uma casa construída sobre a rocha: « Caiu a chuva, engrossaram os rios, sopraram os ventos contra aquela casa; mas não ruiu, porque estava fundada sobre a rocha » (Mt 7,25). Com a força do Espírito Santo, a Igreja na Oceânia está a preparar-se para uma nova evangelização de povos que hoje têm fome de Cristo. « É este o tempo favorável; este é o dia da salvação » (2Co 6,2).

Muitos Padres Sinodais mostraram-se preocupados pelo reduzido peso público da fé cristã na Oceânia, observando que tem diminuído a sua influência em âmbitos relacionados com o bem comum, a moralidade pública e administração da justiça, o estatuto do matrimónio e da família, ou mesmo o direito à vida. Alguns bispos assinalaram que a doutrina da Igreja por vezes é posta em questão pelos próprios católicos; quando isto é verdade, não deve surpreender que a voz da Igreja seja menos influente na vida pública.

Os desafios da modernidade e pós-modernidade, embora sentidos por todas as Igrejas particulares da Oceânia, são experimentados com maior intensidade por aquelas que vivem em sociedades mais afectadas pela secularização, pelo individualismo e pelo consumismo. Numerosos bispos puderam constatar sinais de diminuição da fé e da prática católica na vida das pessoas, quando estas aceitaram como norma de discernimento e conduta uma visão completamente secularizada. A este propósito, já o Papa Paulo VI acautelava os crentes, fazendo notar « o perigo que há de se reduzir tudo a um certo humanismo puramente terrestre, em que se esquece a dimensão moral e espiritual da vida e já não se cuida da necessária relação do homem com o Criador ».(63) A Igreja vê-se obrigada a cumprir a sua missão evangelizadora num mundo cada vez mais secularizado: o sentido de Deus e da sua amorosa providência diminuiu em muitas pessoas e até em sectores inteiros da sociedade, e o indiferentismo prático em relação às verdades e valores religiosos ofusca o rosto do amor divino. Por isso, « entre as prioridades de um renovado empenho de evangelização, conta-se a de promover um retorno ao sentido do sagrado, a uma consciência da centralidade de Deus na globalidade da experiência humana ».(64) A nova evangelização é uma prioridade para a Igreja na Oceânia. De certo modo, a sua missão é simples e clara: propor uma vez mais à sociedade humana o Evangelho integral da salvação em Jesus Cristo. É enviada ao mundo actual, aos homens e mulheres do nosso tempo, « a pregar o Evangelho, (...) a fim de se não desvirtuar a Cruz de Cristo. Porque a linguagem da Cruz (...) é poder de Deus » (1Co 1,17-18).(65)

Os agentes da evangelização


19 À semelhança dos Apóstolos, os bispos são enviados às suas dioceses como primeiras testemunhas de Cristo ressuscitado. Unidos ao Sucessor de Pedro, formam um colégio responsável pela difusão do Evangelho no mundo. Durante a Assembleia Especial da Oceânia, os bispos reconheceram-se como os primeiros chamados a uma renovação da vida e testemunho cristão. Um maior estudo da Escritura e da Tradição, alimentado pela oração, conduzi-los-á a um conhecimento e amor mais profundo da fé. Poderão assim, como pastores do seu povo, contribuir ainda mais eficazmente para o trabalho da nova evangelização.(66) Como se vê claramente nos Actos dos Apóstolos, a característica peculiar da missão apostólica apoiada pelo Espírito Santo é a coragem de proclamar « a palavra de Deus com desassombro » (4, 31). Esta coragem foi-lhes dada como resposta à oração de toda a comunidade: « E agora, Senhor, (...) concede aos teus servos poderem anunciar a tua palavra com todo o desassombro » (4, 29). O mesmo Espírito torna, hoje também, os bispos capazes de falar clara e corajosamente diante duma sociedade que precisa de ouvir o anúncio da verdade cristã. Os católicos da Oceânia continuem a rezar fervorosamente pelos seus pastores para que sejam, como os Apóstolos, testemunhas audazes de Cristo; e o Sucessor de Pedro associa-se a eles numa tal súplica.

Com os bispos, são chamados a proclamar o Evangelho todos os fiéis cristãos: sacerdotes, consagrados e leigos. A sua communio exprime-se num espírito de cooperação, sendo isto mesmo já um forte testemunho do Evangelho. Os sacerdotes são os colaboradores mais estreitos dos bispos e constituem para eles o maior auxílio na obra da evangelização, sobretudo nas comunidades paroquiais confiadas aos seus cuidados.(67) Oferecem o sacrifício de Cristo pelas necessidades da comunidade, reconciliam os pecadores com Deus e com a comunidade, fortificam os doentes na sua peregrinação para a vida eterna,(68) permitindo assim à comunidade inteira dar testemunho do Evangelho em todos os momentos da vida e na morte. Os homens e mulheres de vida consagrada são sinais vivos do Evangelho. Os votos de pobreza evangélica, castidade e obediência constituem itinerário seguro para um conhecimento e amor mais profundo a Cristo, e desta intimidade com o Senhor brota o seu serviço de consagração na Igreja, que assim se tem demonstrado uma graça maravilhosa na Oceânia.(69) Os leigos, por sua vez, têm como função específica consagrar o mundo a Deus; e muitos deles estão a adquirir um sentido mais profundo de quanto seja indispensável o seu papel na missão evangelizadora da Igreja.(70) Na sua actividade no mundo onde quer que seja, através do testemunho de amor no sacramento do matrimónio ou da generosa dedicação de pessoas chamadas à vida celibatária, os leigos podem e devem ser verdadeiro fermento em cada ângulo da sociedade na Oceânia. Disto mesmo depende em larga medida o êxito da nova evangelização.

A nova proclamação de Cristo deve brotar duma renovação interior da Igreja e, vice-versa, toda a renovação na Igreja há-de ter como alvo a missão, para não cair vítima duma espécie de introversão eclesial. Cada aspecto da missão da Igreja no mundo deve partir duma renovação que derive da contemplação do rosto de Cristo.(71) Esta renovação, por sua vez, faz surgir novas estratégias pastorais. A tal respeito, a Assembleia Especial convidou as comunidades locais a contribuírem para a nova evangelização, cultivando um espírito de fraternidade nas suas liturgias e nas suas actividades sociais e apostólicas, abeirando-se dos católicos não praticantes ou afastados, reforçando a identidade das escolas católicas, oferecendo aos adultos oportunidades de crescer na fé através de programas de estudo e formação, ensinando e explicando de maneira eficaz a doutrina católica àqueles que estão fora da comunidade cristã, e procurando que a doutrina social da Igreja influa sobre a vida pública da Oceânia.(72) Em consequência destas e doutras iniciativas, o Evangelho poderá ser apresentado com maior convicção à sociedade e influenciar mais profundamente a sua cultura.

Os primeiros cristãos foram impelidos pelo Espírito Santo a crerem em Cristo, proclamando-O como o único Salvador do mundo enviado pelo Pai. Em todo o tempo, o verdadeiro agente da renovação e evangelização é o Espírito Santo, que seguramente não deixará de ajudar a Igreja a encontrar agora, numa sociedade em rápida mutação, as energias evangelizadoras e os meios necessários. E a nova evangelização há-de proporcionar aos povos da Oceânia os mesmos frutos maravilhosos do Espírito Santo que saborearam os primeiros cristãos, quando encontraram o Senhor ressuscitado e receberam o dom do seu amor, que é ainda mais forte do que a morte.


Ecclesia in Oceania PT 11