Familiaris consortio PT 57

Matrimónio e Eucaristia

57O dever de santificação da família tem a sua primeira raiz no baptismo e a sua expressão máxima na Eucaristia, à qual está intimamente ligado o matrimónio cristão. O Concílio Vaticano II quis chamar a atenção para a relação especial que existe entre a Eucaristia e o matrimónio pedindo que: «o matrimónio se celebre usualmente dentro da Missa»(144). Redescobrir e aprofundar tal relação é absolutamente necessário, se se quiser compreender e viver com uma maior intensidade as graças e as responsabilidades do matrimónio e da família cristã.

A Eucaristia é a fonte própria do matrimónio cristão. O sacrifício eucarístico, de facto, representa a aliança de amor de Cristo com a Igreja, enquanto sigilada com o sangue da sua Cruz(145). Neste sacrifício da Nova e Eterna Aliança é que os cônjuges cristãos encontram a raiz da qual brota, é interiormente plasmada e continuamente vivificada a sua aliança conjugal. Como representação do sacrifício de amor de Cristo pela Igreja, a Eucaristia é fonte de caridade. E no dom eucarístico da caridade a família cristã encontra o fundamento e a alma da sua «comunhão» e da sua «missão»: o Pão eucarístico faz dos diversos membros da comunidade familiar um único corpo, revelação e participação na mais ampla unidade da Igreja; a participação pois ao Corpo «dado» e ao Sangue «derramado» de Cristo torna-se fonte inesgotável do dinamismo missionário e apostólico da família cristã.

(144) Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium,
SC 78.
(145) Cfr. Jn 19,34.


O sacramento da conversão e da reconciliação

58Uma parte essencial e permanente do dever de santificação da família cristã é o acolhimento do apelo evangélico de conversão dirigido a todos os cristãos, que nem sempre permanecem fiéis à «novidade» daquele baptismo que os constituiu «santos». A família cristã também nem sempre é coerente com a lei da graça e da santidade baptismal, proclamada de novo pelo sacramento do matrimónio.

O arrependimento e o mútuo perdão no seio da família cristã, que se revestem de tanta importância na vida quotidiana, encontram o seu momento sacramental específico na Penitência cristã. Aos cônjuges escrevia assim Paulo VI, na Encíclica Humanae Vitae: «Se o pecado os atingir, não desanimem, mas recorram com humilde perseverança à misericórdia de Deus, que com prodigalidade é generosamente dada no sacramento da Penitência»(146).

A celebração deste sacramento dá à vida familiar um significado particular: ao descobrirem pela fé como o pecado contradiz não só a aliança com Deus, mas também a aliança dos cônjuges e a comunhão da família, os esposos e todos os membros da família são conduzidos ao encontro com Deus «rico em misericórdia»(147), o qual, alargando o seu amor que é mais forte do que o pecado(148), reconstrói e aperfeiçoa a aliança conjugal e a comunhão familiar.

(146) N.
HV 25: AAS 60 (1968), 499.
(147) Ep 2,4.
(148) Cfr. João Paulo PP. II, Enc. Dives in Misericordia, DM 13: AAS 72 (1980), 1218s.


A oração familiar

59A Igreja reza pela família cristã e educa-a a viver em generosa coerência com o dom e o dever sacerdotal, recebido de Cristo Sumo Sacerdote. Na realidade, o sacerdócio baptismal dos fiéis, vivido no matrimónio-sacramento, constitui para os cônjuges e para a família o fundamento de uma vocação e de uma missão sacerdotal, pela qual a própria existência quotidiana se transforma num «sacrifício espiritual agradável a Deus por meio de Jesus Cristo»(149): é o que acontece, não só com a celebração da Eucaristia e dos outros sacramentos e com a oferenda de si mesmos à glória de Deus, mas também com a vida de oração, com o diálogo orante com o Pai por Jesus Cristo no Espírito Santo.

A oração familiar tem as suas características. É uma oração feita em comum, marido e mulher juntos, pais e filhos juntos. A comunhão na oração é, ao mesmo tempo, fruto e exigência daquela comunhão que é dada pelos sacramentos do baptismo e do matrimónio. Aos membros da família cristã podem aplicar-se de modo particular as palavras com que Cristo promete a sua presença: «Digo-vos ainda: se dois de vós se unirem, na terra, para pedirem qualquer coisa, obtê-la-ão de Meu Pai que está nos Céus. Pois onde estiverem reunidos, em Meu nome, dois ou três, Eu estou no meio deles»(150)

A oração familiar tem como conteúdo original a própria vida de família, que em todas as suas diversas fases é interpretada como vocação de Deus e actuada como resposta filial ao Seu apelo: alegrias e dores, esperanças e tristezas, nascimento e festas de anos, aniversários de núpcias dos pais, partidas, ausências e regressos, escolhas importantes e decisivas, a morte de pessoas queridas, etc., assinalam a intervenção do amor de Deus, na história da família, assim como devem marcar o momento favorável para a acção de graças, para a impetração, para o abandono confiante da família ao Pai comum que está nos céus. A dignidade e a responsabilidade da família cristã como Igreja doméstica só podem pois ser vividas com a ajuda incessante de Deus, que não faltará, se implorada com humildade e confiança na oração.

(149) Cfr.
1P 2,5.
(150) Mt 18,19s.


Educadores de oração

60Em virtude da sua dignidade e missão, os pais cristãos têm o dever específico de educar os filhos para a oração, de os introduzir na descoberta progressiva do mistério de Deus e no colóquio pessoal com Ele: «É sobretudo na família cristã, ornada da graça e do dever do sacramento do matrimónio, que devem ser ensinados os filhos desde os primeiros anos, segundo a fé recebida no Baptismo, a conhecer e a adorar Deus e amar o próximo»(151).

Elemento fundamental e insubstituível da educação para a oração é o exemplo concreto, o testemunho vivo dos pais: só rezando em conjunto com os filhos, o pai e a mãe, enquanto cumprem o próprio sacerdócio real, entram na profundidade do coração dos filhos, deixando marcas que os acontecimentos futuros da vida não conseguirão fazer desaparecer. Tornemos a escutar o apelo que o Papa Paulo VI dirigiu aos pais: «Mães, ensinais aos vossos filhos as orações do cristão? Em consonância com os Sacerdotes, preparais os vossos filhos para os sacramentos da primeira idade: confissão, comunhão, crisma? Habituai-los, quando enfermos, a pensar em Cristo que sofre? a invocar o auxílio de Nossa Senhora e dos Santos? Rezais o terço em família? E vós, Pais, sabeis rezar com os vossos filhos, com toda a comunidade doméstica, pelo menos algumas vezes? O vosso exemplo, na rectidão do pensamento e da acção, sufragada com alguma oração comum, tem o valor de uma lição de vida, tem o valor de um acto de culto de mérito particular; levais assim a paz às paredes domésticas: "Pax huic domui!". Recordai: deste modo construís a Igreja!»(152).

(151) Conc. Ecum. Vat. II, Decl. sobre a Educação cristã Gravissimum Educationis,
GE 3; cfr. João Paulo PP. II. Exort. Ap. Catechesi Tradendae, CTR 36: AAS 71 (1979), 1308.
(152) Discurso na Audiência geral (11 de Agosto de 1976): Insegnamenti di Paolo VI, XIV (1976), 640.


Oração litúrgica e privada

61Entre a oração da Igreja e a de cada um dos fiéis há uma profunda e vital relação, como reafirmou claramente o Concílio Vaticano II(153).

Ora uma finalidade importante da oração da Igreja doméstica é a de constituir, para os filhos, a introdução natural à oração litúrgica própria da Igreja inteira, no sentido quer de uma preparação para ela, quer de a alargar ao âmbito da vida pessoal, familiar e social. Daqui a necessidade de uma participação progressiva de todos os membros da família cristã na Eucaristia, sobretudo na dominical e festiva, e nos outros sacramentos, em particular nos da iniciação cristã dos filhos. As directivas conciliares abriram uma nova possibilidade à família cristã, que foi incluída entre os grupos aos quais se recomenda a celebração comunitária do Ofício divino(154). Assim também está ao cuidado da família cristã celebrar, mesmo em casa e de forma adaptada aos seus membros, os tempos e as festividades do ano litúrgico.

Para preparar e prolongar em casa o culto celebrado na Igreja, a família cristã recorre à oração privada, que se apresenta sob uma grande variedade de formas: esta variedade, enquanto testemunho da riqueza extraordinária com a qual o Espírito anima a oração cristã, responde às diversas exigências e situações da vida de quem se volta para o Senhor. Além das orações da manhã e da tarde são de aconselhar expressamente - seguindo também indicações dos Padres Sinodais - a leitura e a meditação da Palavra de Deus, a preparação para a recepção dos sacramentos, a devoção e consagração ao Coração de Jesus, as várias formas de culto à Santíssima Virgem, a bênção da mesa, as práticas de piedade popular.

No respeito pela liberdade dos filhos de Deus, a Igreja propôs e continua a sugerir aos fiéis algumas práticas de piedade com solicitude e insistência particulares. Entre estas é de lembrar a recitação do Rosário: «Queremos agora, em continuidade de pensamento com os nossos Predecessores, recomendar vivamente a recitação do Santo Rosário em família... Não há dúvida de que o Rosário da bem-aventurada Virgem Maria deve ser considerado uma das mais excelentes e eficazes orações em comum, que a família cristã é convidada a recitar Dá-nos gosto pensar e desejamos vivamente que, quando o encontro familiar se transforma em tempo de oração, seja o Rosário a sua expressão frequente e preferida»(155). Desta maneira a autêntica devoção mariana, que se exprime no vínculo sincero e na generosa série das posições espirituais da Virgem Santíssima, constitui um instrumento privilegiado para alimentar a comunhão de amor da família e para desenvolver a espiritualidade conjugal e familiar. Ela, a Mãe de Cristo e da Igreja, é também, de facto, de forma especial, a Mãe das famílias cristãs, das Igrejas domésticas.

(153) Cfr. Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium,
SC 12.
(154) Cfr. Institutio Generalis de Liturgia Horarum, 27.
(155) Paulo PP. VI, Exort. Ap. Marialis Cultus, 52-54: AAS 66 (1974), 160 s.


Oração e vida

62 Nunca se deverá esquecer que a oração é parte constitutiva essencial da vida cristã, tomada na sua integralidade e centralidade; mais ainda, pertence à nossa mesma «humanidade»: é «a primeira expressão da vida interior do homem, a primeira condição da autêntica liberdade do espírito»(156).

Por isso, a oração não representa de modo algum uma evasão que desvia do empenho quotidiano, mas constitui o impulso mais forte para que a família cristã assuma e cumpra em plenitude todas as suas responsabilidades de célula primeira e fundamental da sociedade humana. Em tal sentido, a efectiva participação na vida e na missão da Igreja no mundo é proporcional à fidelidade e à intensidade da oração com que a família cristã se une à Videira fecunda, Cristo Senhor(157).

Da união vital com Cristo, alimentada pela Liturgia, pelo oferecimento de si e da oração, deriva também a fecundidade da família cristã no seu serviço específico de promoção humana, que de per si não pode não levar à transformação do mundo(158).

(156) João Paulo PP. II, Discurso ao Santuário de Mentorella (29 de Outubro de 1978):Insegnamenti di Giovanni Paolo II, I (1978), 78s.
(157) Cfr. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos Leigos Apostolicam Actuositatem,
AA 4.


3) A família cristã, comunidade ao serviço do homem


O mandamento novo do amor

63A Igreja, povo profético, sacerdotal e real, tem a missão de levar todos os homens a acolher na fé a Palavra de Deus, a celebrá-la e a professá-la nos sacramentos e na oração, e, por fim, a manifestá-la na vida concreta segundo o dom e o mandamento novo do amor.

A vida cristã encontra a sua lei não num código escrito, mas na acção pessoal do Espírito Santo que anima e guia o cristão, isto é, na «lei do Espírito que dá vida em Cristo Jesus»(159): «o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi concedido»(160).

Isto vale também para o casal e para a família cristã: seu guia e norma é o Espírito de Jesus, difundido nos corações com a celebração do sacramento do matrimónio. Em continuidade com o baptismo na água e no Espírito, o matrimónio propõe outra vez a lei evangélica do amor, e, com o dom do Espírito, grava-a mais profundamente no coração dos cónjuges cristãos: o seu amor, purificado e salvo, é fruto do Espírito, que age no coração dos crentes e se põe, ao mesmo tempo, como mandamento fundamental da vida moral pedida à liberdade responsável deles.

A família cristã é deste modo animada e guiada pela nova lei do Espírito e em íntima comunhão com a Igreja, povo real, chamada a viver o seu «serviço» de amor a Deus e aos irmãos. Como Cristo exerce o seu poder real pondo-se ao serviço dos homens(161), assim o cristão encontra o sentido autêntico da sua participação na realeza do seu Senhor ao condividir com Ele o espírito e a atitude de serviço no que diz respeito ao homem: «Comunicou (Cristo) este poder aos discípulos, para que também eles sejam constituídos em régia liberdade e, com a abnegação de si mesmos e a santidade da vida, vençam em si próprios o reino do pecado (cfr.
Rm 6,12); mais ainda, para que, servindo a Cristo também nos outros, conduzam os seus irmãos, com humildade e paciência, àquele Pai, a quem servir é reinar. Pois o Senhor deseja dilatar também por meio dos leigos o Seu reino, reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz, no qual a própria criação será liberta da servidão da corrupção alcançando a liberdade da glória dos filhos de Deus (cfr. Rm 8,21)»(162).

(158) Cfr. João Paulo PP. I, Discurso aos Bispos da XII Região Pastoral dos Estados Unidos da América (12 de Setembro de 1978): AAS 70 (1978), 767.
(159) Rm 8,2.
(160) Ibid., Rm 5,5.
(161) Cfr. Mc 10,45.
(162) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium, LG 36.


Descobrir em cada irmão a imagem de Deus

64Animada e sustentada pelo mandamento novo do amor, a família cristã vive a acolhida, o respeito, o serviço para com a homem, considerado sempre na sua dignidade de pessoa e de filho de Deus.

Isto deve acontecer, antes de tudo, no e para o casal e para a família, mediante o empenho quotidiano de promover uma autêntica comunidade de pessoas, fundada e alimentada por uma íntima comunhão de amor. Deve além disso ampliar-se para o círculo mais universal da comunidade eclesial, dentro da qual a família cristã está inserida: graças à caridade da família, a Igreja pode e deve assumir uma dimensão mais doméstica, isto é, mais familiar, adoptando um estilo de relações mais humano e fraterno.

A caridade ultrapassa os próprios irmãos na fé, porque «todo o homem é meu irmão»; em cada um, sobretudo se pobre, fraco, sofredor e injustamente tratado, a caridade sabe descobrir o rosto de Cristo e um irmão a amar e a servir.

Para que o serviço ao homem seja vivido pela família segundo o estilo evangélico será necessário pôr em prática com urgência o que escreve o Concílio Vaticano II: «Para que este exercício da caridade seja e apareça acima de toda a suspeita, considere-se no próximo a imagem de Deus, para o qual foi criado, veja-se nele Cristo, a quem realmente se oferece tudo o que ao indigente se dá»(163).

A família cristã, enquanto edifica a Igreja pela caridade, põe-se ao serviço do homem e do mundo, actuando verdadeiramente a «promoção humana», cujo conteúdo se encontra sintetizado na Mensagem do Sínodo à família: «É vossa tarefa formar os homens para o amor e educá-los a agir com amor em todas as relações humanas, de modo que o amor fique aberto à comunidade inteira, permeado do sentido de justiça e de respeito para com os demais, cônscio da própria responsabilidade para com a mesma sociedade»(164).

(163) Decr. sobre o apostolado dos Leigos Apostolicam Actuositatem,
AA 8.
(164) Cfr. Mensagem do VI Sínodo dos Bispos às Famílias cristãs no mundo contemporâneo, 12 (24 de Outubro de 1980).


QUARTA PARTE


A PASTORAL FAMILIAR: ETAPAS, ESTRUTURAS, RESPONSÁVEIS E SITUAÇÕES


I - AS ETAPAS DA PASTORAL FAMILIAR


A Igreja acompanha a família cristã no seu caminho

65Como toda a realidade vivente, também a família é chamada a desenvolver-se e a crescer. Depois da preparação do noivado e da celebração sacramental do matrimónio, o casal inicia o caminho quotidiano para a progressiva actuação dos valores e dos deveres do próprio matrimónio.

À luz da fé e em virtude da esperança, também a família cristã participa, em comunhão com a Igreja, na experiência de peregrinação na terra para a plena revelação e realização do Reino de Deus.

Sublinha-se, portanto, uma vez mais a urgência da intervenção pastoral da Igreja em prol da família. É preciso empregar todas as forças para que a pastoral da família se afirme e desenvolva, dedicando-se a um sector verdadeiramente prioritário, com a certeza de que a evangelização, no futuro, depende em grande parte da Igreja doméstica(165).

A solicitude pastoral da Igreja não se limitará somente às famílias cristãs mais próximas, mas, alargando os próprios horizontes à medida do coração de Cristo, mostrar-se-á ainda mais viva para o conjunto das famílias em geral e para aquelas, em particular, que se encontram em situações difíceis ou irregulares. Para todas a Igreja terá uma palavra de verdade, de bondade, de compreensão, de esperança, de participação viva nas suas dificuldades por vezes dramáticas; a todas oferecerá ajuda desinteressada a fim de que possam aproximar-se do modelo de família, que o Criador quis desde o «princípio» e que Cristo renovou com a graça redentora.

A acção pastoral da Igreja deve ser progressiva, também no sentido de que deve seguir a família, acompanhando-a passo a passo nas diversas etapas da sua formação e desenvolvimento.

(165) Cfr. João Paulo PP. II, Discurso à III Assembleia Geral dos Bispos da América Latina (28 de Janeiro de 1979) IV, a: AAS 71 (1979), 204.



A preparação

66A preparação dos jovens para o matrimónio e para a vida familiar é necessária hoje mais do que nunca. Em alguns países são ainda as mesmas famílias que, segundo costumes antigos, se reservam transmitir aos jovens os valores que dizem respeito à vida matrimonial e familiar, mediante uma obra progressiva de educação ou iniciação. Mas as mudanças verificadas no seio de quase todas as sociedades modernas exigem que não só a família, mas também a sociedade e a Igreja se empenhem no esforço de preparar adequadamente os jovens para as responsabilidades do seu futuro. Muitos fenómenos negativos que hoje se lamentam na vida familiar derivam do facto que, nas situações novas, os jovens não só perdem de vista a justa hierarquia dos valores, mas, não possuindo critérios seguros de comportamento, não sabem como enfrentar e resolver as novas dificuldades. Contudo a experiência ensina que os jovens bem preparados para vida familiar, em geral, têm mais êxito do que os outros.

Isto vale mais ainda para o matrimónio cristão, cuja influência repercute na santidade de tantos homens e mulheres. Por isso a Igreja deve promover melhores e mais intensos programas de preparação para o matrimónio, a fim de eliminar, o mais possível, as dificuldades com que se debatem tantos casais, e sobretudo para favorecer positivamente o aparecimento e o amadurecimento de matrimónios com êxito.

A preparação para o matrimónio deve ver-se e actuar-se como um processo gradual e contínuo. Compreende, de facto, três momentos principais: uma preparação remota, outra próxima e uma outra imediata.

A preparação remota tem início desde a infância, naquela sábia pedagogia familiar, orientada a conduzir as crianças a descobrirem-se a si mesmas como seres dotados de uma rica e complexa psicologia e de uma personalidade particular com as forças e fragilidades próprias. É o período em que é infundida a estima por todo o valor humano autêntico, quer nas relações interpessoais, quer nas sociais, com tudo o que significa para a formação do carácter, para o domínio e recto uso das inclinações próprias, para o modo de considerar e encontrar as pessoas do outro sexo, etc. É pedida, além disso, especialmente aos cristãos, uma sólida formação espiritual e catequética, que saiba mostrar o matrimónio como verdadeira vocação e missão sem excluir a possibilidade do dom total de si a Deus na vocação à vida sacerdotal ou religiosa.

É nesta base que, em seguida e mais amplamente, se porá o problema da preparação próxima, que - desde a idade oportuna e com adequada catequese, como em forma de caminho catecumenal - compreende uma preparação mais específica, quase uma nova descoberta dos sacramentos. Esta catequese renovada de todos os que se preparam para o matrimónio cristão é absolutamente necessária, para que o sacramento seja celebrado e vivido com rectas disposições morais e espirituais. A formação religiosa dos jovens deverá ser integrada, no momento conveniente e segundo as várias exigências concretas, numa preparação para a vida a dois que, apresentando o matrimónio como uma relação interpessoal do homem e da mulher em contínuo desenvolvimento, estimule a aprofundar os problemas da sexualidade conjugal e da paternidade responsável, com os conhecimentos médico-biológicos essenciais que lhe estão anexos, e os leve à familiaridade com métodos adequados de educação dos filhos, favorecendo a aquisição dos elementos de base para uma condução ordenada da família (por exemplo, trabalho estável, disponibilidade financeira suficiente, administração sábia, noções de economia doméstica).

Por fim não se deverá omitir a preparação para o apostolado familiar, para a fraternidade e colaboração com as outras famílias, para a inserção activa nos grupos, associações, movimentos e iniciativas que têm por finalidade o bem humano e cristão da família.

A preparação imediata para a celebração do sacramento do matrimónio deve ter lugar nos últimos meses e semanas que precedem as núpcias quase a dar um novo significado, um novo conteúdo e forma nova ao chamado exame pré matrimonial exigido pelo direito canónico. Sempre necessária em todos os casos, tal preparação impõe-se com maior urgência para aqueles noivos que apresentam carências e dificuldades na doutrina e na prática cristã.

Entre os elementos a comunicar neste caminho de fé, análogo ao do catecumenato, deve incluir-se uma profunda consciência do mistério de Cristo e da Igreja, dos significados de graça e de responsabilidade do matrimónio cristão, assim como a preparação para tomar parte activa e consciente nos ritos da liturgia nupcial.

Nas diversas fases de preparação para o matrimónio - que delineámos somente em grandes traços indicativos - devem sentir-se empenhadas a família cristã e toda a comunidade eclesial. É desejável que as Conferências episcopais, interessadas em iniciativas oportunas para ajudar os futuros esposos a serem mais conscientes da seriedade da sua escolha e os pastores a certificarem-se das suas convenientes disposições, publiquem um Directório para a pastoral da família. Nele deverão estabelecer, antes de tudo, os elementos mínimos de conteúdo, de duração e de métodos dos «Cursos de preparação», equilibrando os diversos aspectos - doutrinais, pedagógicos, legais e médicos - e estudando-os de modo que quantos se preparam para o matrimónio, para além de um aprofundamento intelectual, se sintam estimulados a inserirem-se vitalmente na comunidade eclesial.

Muito embora o carácter de necessidade e de obrigatoriedade da preparação imediata não seja de menosprezar - o que aconteceria se se concedesse facilmente a dispensa - todavia, tal preparação deve ser sempre proposta e actuada de modo que a sua eventual omissão não seja impedimento à celebração do matrimónio.



A celebração

67O matrimónio cristão exige, por norma, uma celebração litúrgica que exprima de forma social e comunitária a natureza essencialmente eclesial sacramental do pacto conjugal entre os baptizados.

Enquanto gesto sacramental de santificação, a celebração do matrimónio - inserida na liturgia, cume de toda a acção da Igreja e fonte da sua força santificadora(166)- deve ser por si válida, digna e frutuosa. Abre-se aqui um campo vasto à solicitude pastoral a fim de que sejam plenamente cumpridas as exigências derivantes da natureza do pacto conjugal elevado a sacramento, e seja de igual modo fielmente observada a disciplina da Igreja sobre a liberdade do consentimento, os impedimentos, a forma canónica e o próprio rito da celebração. Este último deve ser simples e digno, de acordo com os princípios das competentes autoridades da Igreja, às quais também incumbe - segundo as circunstâncias concretas de tempo e de lugar e em conformidade com as normas emanadas da Sé Apostólica(167) - assumir eventualmente na celebração litúrgica elementos próprios de uma determinada cultura, que exprimam de forma mais adequada o profundo significado humano e religioso do pacto conjugal, desde que nada contenham de menos condizente com a fé e a moral cristãs.

Enquanto sinal, a celebração litúrgica deve desenvolver-se de maneira a constituir, mesmo no seu aspecto exterior, uma proclamação da Palavra de Deus e uma profissão de fé da comunidade dos crentes. O empenhamento pastoral terá aqui a sua expressão no diligente cuidado da preparação da «Liturgia da Palavra» e na educação para a fé dos que assistem à celebração e, em primeiro lugar, dos nubentes.

Enquanto gesto sacramental da Igreja, a celebração litúrgica do matrimónio deve envolver a comunidade cristã, com uma participação plena, activa e responsável de todos os presentes, de acordo com a posição e a função de cada um: os esposos, o sacerdote, as testemunhas, os parentes, os amigos, os demais fiéis: todos os membros de uma assembleia que manifesta e vive o mistério de Cristo e da sua Igreja.

Para a celebração do matrimónio cristão no âmbito de culturas ou tradições ancestrais, sigam-se os princípios já acima enunciados.

(166) Cfr. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium,
SC 10.
(167) Cfr. Ordo celebrandi matrimonium, 17.


Celebração do matrimónio e evangelização dos baptizados não crentes

68Exactamente porque na celebração do sacramento se presta uma atenção muito especial às disposições morais e espirituais dos nubentes, em particular à sua fé, enfrentamos aqui uma dificuldade não rara, que podem encontrar os pastores da Igreja no contexto da nossa sociedade secularizada.

Com efeito, a fé de quem pede casar-se pela Igreja pode existir em graus diversos e é dever primário dos pastores fazê-la descobrir de novo, nutri-la e torná-la madura. Devem, além disso, compreender as razões que levam a Igreja a admitir à celebração do matrimónio mesmo aqueles que estão imperfeitamente dispostos.

O matrimónio tem de específico o ser sacramento de uma realidade que já existe na economia da criação: o mesmo pacto conjugal instituído pelo Criador «desde o princípio». A decisão do homem e da mulher de se casarem segundo este projecto divino, a decisão de empenharem no seu irrevogável consenso conjugal toda a vida num amor indissolúvel e numa fidelidade incondicional, implica realmente, mesmo se não em modo plenamente consciente, uma disposição de profunda obediência à vontade de Deus, que não pode acontecer sem a graça. Portanto inserem-se já num verdadeiro e próprio caminho de salvação, que a celebração do sacramento e a sua imediata preparação podem completar e levar a termo, dada a rectidão da intenção deles.

É verdade, contudo, que, em alguns territórios, motivos de carácter mais social que autenticamente religioso, induzem os noivos a casarem-se na igreja. Não admira. O matrimónio, na verdade, não é um acontecimento que diz respeito só a quem se casa. Por sua própria natureza é também um facto social, que compromete os esposos ante a sociedade. Desde sempre a sua celebração se faz com festa, que une as famílias e os amigos. É normal, portanto, que entrem motivos sociais, juntamente com os pessoais, na petição do casamento na igreja.

Todavia, não se deve esquecer que estes noivos, pela força do seu baptismo, estão já realmente inseridos na Aliança nupcial de Cristo com a Igreja e que, pela sua recta intenção, acolheram o projecto de Deus sobre o matrimónio, e, portanto, ao menos implicitamente, querem aquilo que a Igreja faz quando celebra o matrimónio. Portanto, o mero facto de neste pedido entrarem motivos de carácter social, não justifica uma eventual recusa da celebração do matrimónio pelos pastores. De resto, como ensinou o Concílio Vaticano II, os sacramentos com as palavras e os elementos rituais nutrem e robustecem a fé:(168) aquela fé para a qual os noivos já estão encaminhados pela força da rectidão da sua intenção, que a graça de Cristo não deixa certamente de favorecer e de sustentar.

Querer estabelecer critérios ulteriores de admissão à celebração eclesial do matrimónio, que deveriam considerar o grau de fé dos nubentes, compreende, além do mais, riscos graves. Antes de tudo, o de pronunciar juízos infundados e discriminatórios; depois, o risco de levantar dúvidas sobre a validade de matrimónios já celebrados, com dano grave para as comunidades cristãs, e de novas inquietações injustificadas para a consciência dos esposos; cair-se-ia no perigo de contestar ou de pôr em dúvida a sacramentalidade de muitos matrimónios de irmãos separados da comunhão plena com a Igreja Católica, contradizendo assim a tradição eclesial.

Quando, pelo contrário, não obstante todas as tentativas feitas, os nubentes mostram recusar de modo explícito e formal o que a Igreja quer fazer ao celebrar o matrimónio dos baptizados, o pastor não os pode admitir à celebração. Mesmo se constrangido, ele tem o dever de avaliar a situação e fazer compreender aos interessados que, estando assim as coisas, não é a Igreja, mas eles mesmos a impedirem a celebração que não obstante pedem.

Mais uma vez se manifesta com toda a urgência a necessidade de uma evangelização e catequese pré e pós matrimoniais, feitas por toda a comunidade cristã, para que cada homem e cada mulher que se casam, o possam fazer de modo a celebrarem o sacramento do matrimónio não só válida mas também frutuosamente.

(168) Cfr. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium,
SC 59.


Pastoral pós-matrimonial

69O cuidado pastoral da família regularmente constituída significa, em concreto, o empenho de todos os membros da comunidade eclesial local em ajudar a casal a descobrir e a viver a sua nova vocação e missão. Para que a família se transforme mais numa verdadeira comunidade de amor, é necessário que todos os membros sejam ajudados e formados para as responsabilidades próprias diante dos novos problemas que se apresentam, para o serviço recíproco, para a comparticipação activa na vida da família.

Isto vale sobretudo para as famílias jovens, as quais, encontrando-se num contexto de novos valores e de novas responsabilidades, estão mais expostas, especialmente nos primeiros anos de matrimónio, a eventuais dificuldades, como as criadas pela adaptação à vida em comum ou pelo nascimento dos filhos. Os jovens cônjuges saibam acolher cordialmente e inteligentemente valorizar a ajuda discreta, delicada e generosa de outros casais, que já de há tempo fazem a mesma experiência do matrimónio e da família. Assim, no seio da comunidade eclesial - grande família formada pelas famílias cristãs - realizar-se-á um intercambio mútuo de presença e ajuda entre todas as famílias, cada uma pondo ao serviço das outras a própria experiência humana, como também os dons da fé e da graça. Animada de verdadeiro espírito apostólico, esta ajuda de família a família constituirá um dos modos mais simples, mais eficazes e ao alcance de todos para transfundir capilarmente os valores cristãos, que são o ponto de partida e de chegada do trabalho pastoral. Deste modo as famílias jovens não se limitarão só a receber, mas por sua vez, assim ajudadas, tornar-se-ão fonte de enriquecimento para outras famílias, há tempo constituídas, com o seu testemunho de vida e o seu contributo de facto.

Na acção pastoral para com as famílias jovens, a Igreja deverá prestar uma atenção específica para as educar a viver responsavelmente o amor conjugal em relação com as exigências de comunhão e de serviço à vida, como também a conciliar a intimidade da vida de casa com a obra comum e generosa de edificar a Igreja e a sociedade humana. Quando, com a vinda dos filhos, o casal se torna em sentido pleno e específico uma família, a Igreja estará ainda próxima dos pais para que os acolham e os amem à luz do dom recebido do Senhor da vida, assumindo com alegria a fadiga de os servir no seu crescimento humano e cristão.




Familiaris consortio PT 57