Familiaris consortio PT 69


II - ESTRUTURAS DA PASTORAL FAMILIAR


A acção pastoral é sempre expressão dinâmica da realidade da Igreja, empenhada na missão de salvação. Também a pastoral familiar - forma particular e específica da pastoral - tem como seu principio operativo e como protagonista responsável a mesma Igreja, através das suas estruturas e dos seus responsáveis.


A comunidade eclesial e a paróquia em particular

70Sendo ao mesmo tempo comunidade salva e salvadora, a Igreja deve considerar-se aqui na sua dupla dimensão universal e particular: esta exprime-se e actua-se na comunidade diocesana, pastoralmente dividida em comunidades menores entre as quais se distingue, pela sua importância peculiar, a paróquia.

A comunhão com a Igreja universal não mortifica, mas garante e promove a consistência e originalidade das diversas Igrejas particulares; estas últimas são o sujeito operativo mais imediato e mais eficaz para a actuação da pastoral familiar. Em tal sentido cada Igreja local e, em termos mais particularizados, cada comunidade paroquial, deve ter consciência mais viva da graça e da responsabilidade que recebe do Senhor em ordem a promover a pastoral da família. Nenhum plano de pastoral orgânica, a qualquer nível que seja, pode prescindir da pastoral da família.

À luz de tal responsabilidade deve compreender-se também a importância de uma adequada preparação da parte de quantos estarão mais especificamente empenhados neste género de apostolado. Os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, desde o tempo de formação, sejam orientados e formados de maneira progressiva e adequada para os respectivos deveres. Entre outras iniciativas alegro-me de poder sublinhar a recente criação em Roma, na Pontifícia Universidade Lateranense, de um Instituto Superior consagrado ao estudo dos problemas da família. Já em algumas dioceses foram fundados Institutos deste género: Os bispos empenhem-se para que o maior número possível de sacerdotes, antes de assumirem responsabilidades paroquiais, frequente cursos especializados. Noutras partes realizam-se periodicamente cursos de formação em Institutos Superiores de estudos Teológicos e Pastorais. Tais iniciativas são de encorajar, sustentar, multiplicar e abrir obviamente também aos leigos que desempenharão o seu trabalho profissional (médico, legal, psicológico, social e educativo) de ajuda à família.



A família

71Mas deve sobretudo reconhecer-se o lugar especial que, neste campo, compete à missão dos cônjuges e das famílias cristãs, em virtude da graça recebida no sacramento. Tal missão deve ser posta ao serviço da edificação da Igreja, da construção do Reino de Deus na história. Isto é pedido como acto de obediência dócil a Cristo Senhor Com efeito, Ele, pela força do matrimónio dos baptizados elevado a sacramento, confere aos esposos cristãos uma missão peculiar de apóstolos, enviando-os como operários para a sua vinha, e, de forma muito particular, para este campo da família.

Na sua actividade eles agem em comunhão e colaboração com os outros membros da Igreja, que também trabalham para a família, pondo a render os seus dons e ministérios. Tal apostolado desenvolver-se-á antes de tudo no seio da própria família, com o testemunho da vida vivida em conformidade com a lei divina em todos os aspectos, com a formação cristã dos filhos, com a ajuda dada ao seu amadurecimento na fé, com a educação à castidade, com a preparação para a vida, com a vigilância para os preservar dos perigos ideológicos e morais de que são muitas vezes ameaçados, com a sua gradual e responsável inserção na comunidade eclesial e na civil, com a assistência e o conselho na escolha da vocação, com a mútua ajuda entre os membros da família para um comum crescimento humano e cristão, e assim por diante. O apostolado da família irradiar-se-á com obras de caridade espiritual e material para com as outras famílias, especialmente aquelas mais necessitadas de ajuda e de amparo, para com os pobres, os doentes, os mais velhos, os deficientes, os órfãos, as viúvas, os cônjuges abandonados, as mães solteiras e aquelas que em situações difíceis são tentadas a desfazerem-se do fruto do seu seio, etc.



As associações de famílias ao serviço das famílias

72Sempre no âmbito da Igreja, responsável pela pastoral familiar, são para lembrar as diversas associações de fiéis, nas quais se manifesta e se vive de algum modo o mistério da Igreja de Cristo. Devem, portanto reconhecer-se e valorizar-se - cada uma em relação às características, finalidades, influxo e métodos próprios - as diversas comunidades eclesiais, os vários grupos, e os numerosos movimentos empenhados de modo vário, a diversos títulos e a diversos níveis, na pastoral familiar.

Por este motivo o Sínodo reconheceu expressamente a utilidade de tais associações de espiritualidade, de formação e de apostolado. Será seu dever suscitar nos fiéis um vivo sentido de solidariedade, favorecer uma conduta de vida inspirada no Evangelho e na fé da Igreja, formar as consciências segundo os valores cristãos e não de acordo com os parâmetros da opinião pública, estimular para as obras de caridade mútua e para com os outros com um espírito de abertura, que faça das famílias cristãs uma verdadeira fonte de luz e um fermento sadio para as demais.

Igualmente é desejável que, com um sentido vivo do bem comum, as famílias cristãs se empenhem activamente a todos os níveis, mesmo com outras associações não eclesiais. Algumas destas associações visam a preservação, transmissão e tutela dos sãos valores éticos e culturais de cada povo, o desenvolvimento da pessoa humana, a protecção médica, jurídica e social da maternidade e da infância, a justa promoção da mulher e a luta contra o que calca a sua dignidade, o incremento da solidariedade mútua, o conhecimento dos problemas conexos com a regulação responsável da fecundidade segundo os métodos naturais conformes à dignidade humana e à doutrina da Igreja. Outras têm em vista a construção de um mundo mais justo e mais humano, a promoção de leis justas que favoreçam a recta ordem social no respeito pleno da dignidade e da legítima liberdade do indivíduo e da família, a nível nacional ou internacional, a colaboração com a escola e com as outras instituições que completam a educação dos filhos, e assim sucessivamente.




III - OS RESPONSÁVEIS DA PASTORAL FAMILIAR

Para além da família - objecto, mas sobretudo ela mesma sujeito da pastoral familiar - devem recordar-se também, os outros principais responsáveis neste sector particular.


Bispos e presbíteros

73 O primeiro responsável da pastoral familiar na diocese é o bispo. Como Pai e Pastor, ele deve estar atento de um modo particular a este sector da pastoral, sem dúvida prioritário. Deve consagrar-lhe uma grande dedicação, solicitude, tempo, pessoal, recursos; sobretudo, porém, apoio pessoal às famílias e a quantos, nas diversas estruturas diocesanas, o ajudam na pastoral da família. Empenhar-se-á particularmente no propósito de fazer com que a sua diocese se torne sempre mais uma verdadeira «família diocesana» modelo e fonte de esperança para tantas famílias que a integram. A criação do Conselho Pontifício para a Família está neste contexto: sinal da importância que atribuo à pastoral da família no mundo, e ao mesmo tempo instrumento eficaz de ajuda à sua promoção em todos os níveis.

Os bispos são auxiliados de modo particular pelos presbíteros, cuja missão - como expressamente sublinhou o Sínodo - integra essencialmente o ministério da Igreja para com o matrimónio e a família. O mesmo se diga dos diáconos, aos quais eventualmente venha a ser confiado este sector da pastoral.

A sua responsabilidade estende-se não só aos problemas morais e litúrgicos, mas também aos pessoais e sociais. Devem sustentar a família nas suas dificuldades e sofrimentos, pondo-se ao lado dos seus membros, ajudando-os a ver a vida à luz do Evangelho. Não é supérfluo notar que, se tal missão for exercida com o devido discernimento e com um verdadeiro espírito apostólico, o ministro da Igreja recebe novos estímulos e energias espirituais mesmo para a própria vocação e para o exercício do seu ministério.

Oportuna e seriamente preparados para tal apostolado, o sacerdote ou o diácono devem portar-se constantemente, em relação às famílias, como pai, irmão, pastor e mestre, ajudando-as com os dons da graça e iluminando-as com a luz da verdade. O seu ensinamento e os seus conselhos, portanto, deverão estar sempre em plena consonância com o Magistério autêntico da Igreja, de modo a ajudar o Povo de Deus a formar-se um recto sentido da fé a aplicar à vida concreta. Tal fidelidade ao Magistério permitirá também aos sacerdotes procurar empenhadamente a unidade nos seus juízos, para evitarem ansiedades na consciência dos fiéis.

Pastores e leigos participam, na Igreja, da missão profética de Cristo: os leigos, testemunhando a fé com palavras e com a vida cristã; os pastores, discernindo em tal testemunho o que é expressão da fé genuína e o que não corresponde originalmente à luz da mesma fé; a família, enquanto comunidade cristã, com a sua participação peculiar e testemunho de fé. Pode estabelecer-se assim um diálogo entre os pastores e as famílias. Os teólogos e os peritos em problemas familiares podem ajudar muito a tal diálogo, explicando com exactidão o conteúdo do Magistério da Igreja e o da experiência da vida em família. Desta maneira a ensinamento do Magistério será melhor compreendido e será aplanada a estrada para o seu progressivo desenvolvimento. Convém contudo recordar que a norma próxima e obrigatória na doutrina da fé - mesmo sobre os problemas da família - compete ao Magistério hierárquico. A clareza de relações entre teólogos, peritos de problemas familiares e o Magistério ajudam muito a uma recta inteligência da fé e à promoção - dentro dos seus próprios limites - do legítimo pluralismo.



Religiosos e religiosas

74O contributo que os religiosos e as religiosas, e as almas consagradas em geral, podem dar ao apostolado da família encontra a primeira, fundamental e original expressão exactamente na consagração a Deus que os torna «diante de todos os fiéis... chamada daquele admirável conúbio realizado por Deus e que se manifestará plenamente no século futuro, pelo que a Igreja tem Cristo como único esposo»(169), e testemunhas daquela caridade universal que por meio da castidade abraçada pelo Reino dos céus, os torna sempre mais disponíveis para se dedicarem generosamente ao serviço divino e às obras do apostolado.

Daqui a possibilidade de que os religiosos e as religiosas, membros de Institutos seculares e de outros Institutos de perfeição, singularmente ou associados, desenvolvam um serviço seu às famílias, com solicitude particular para com as crianças, especialmente se abandonadas, indesejadas, órfãs, pobres ou deficientes; visitando as famílias e tendo em atenção especial os doentes; cultivando relações de respeito e de caridade com as famílias incompletas, em dificuldade ou desagregadas; oferecendo o próprio trabalho de ensino e de consulta para a preparação dos jovens ao matrimónio e para a ajuda aos casais em relação a uma procriação verdadeiramente responsável; abrindo as próprias casas à hospitalidade simples e cordial, a fim de que as famílias possam encontrar lá o sentido de Deus, o gosto da oração e do recolhimento, o exemplo concreto de uma vida vivida em caridade e alegria fraterna como membros de uma família maior que é a de Deus.

Desejo acrescentar uma exortação mais solícita aos responsáveis dos Institutos de vida consagrada, para que queiram considerar - sempre no respeito substancial pelo seu carisma original e próprio - o apostolado ao serviço das famílias como um dos deveres prioritários, tornado mais urgente pelo estado hodierno das coisas.

(169) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre a renovação da vida religiosa Perfectae Caritatis,
PC 12.


Leigos especializados

75Podem prestar grande ajuda às famílias os leigos especializados (médicos, juristas, psicólogos, assistentes sociais, consulentes, etc....) quer individualmente quer empenhados em diversas associações e iniciativas, com trabalho de esclarecimento, de conselho, de orientação, de apoio. A eles bem podem aplicar-se as exortações que tive ocasião de dirigir à Conferência dos consulentes familiares de inspiração cristã: «A vossa tarefa bem merece o qualificativo de missão, tão nobres são as finalidades que visa e tão determinantes, para o bem da sociedade e da mesma comunidade cristã, os resultados que dela derivam... Tudo o que conseguirdes fazer em favor da família é destinado a ter uma eficácia que, ultrapassando o âmbito próprio, chegará também a outras pessoas e influirá sobre a sociedade. O futuro do mundo e da Igreja passa através da família»(170).

(170) Nn. 3-4 (29 de Novembro de 1980): Insegnamenti di Giovanni Paolo II, III, 2 (1980), 1453 s.



Usuários e operadores da comunicação social

76Deve reservar-se uma palavra para esta categoria tão importante na vida moderna. É mais que sabido que os instrumentos de comunicação social «influem, e muitas vezes profundamente, quer sob o aspecto afectivo e intelectual, quer sob o aspecto moral e religioso, no animo de quantos os usam», especialmente se jovens(171). Podem ter um influxo benéfico sobre a vida e sobre os costumes da família e sobre a educação dos filhos, mas escondem também «insídias e perigos consideráveis»(172), e poder-se-ão tornar veículo - às vezes hábil e sistematicamente manobrado como infelizmente acontece em vários países do mundo - de ideologias desagregadoras e de visões deformadas da vida, da família, da religião, da moralidade, não respeitosas da verdadeira dignidade e do destino do homem.

Perigo tanto mais real, enquanto «o modo hodierno de viver - principalmente nas nações mais industrializadas - leva bastantes vezes as famílias a descarregarem-se das suas responsabilidades educativas, encontrando na facilidade de evasão (representada, em casa, especialmente pela televisão e por certas publicações) o meio de terem ocupado o tempo e as actividades das crianças e dos jovens»(173). Daqui «o dever ... de proteger especialmente as crianças e os jovens das "agressões" que sofrem por parte dos mass-media», procurando usá-los em família de modo cuidadosamente regrado. Assim também deveria preocupar a família encontrar para os seus filhos outros divertimentos mais sadios, mais úteis e formativos física, moral e espiritualmente, «para potenciar e valorizar o tempo livre dos jovens e encaminhar-lhes as energias»(174).

Já que os instrumentos de comunicação social - ao mesmo tempo que a escola e o ambiente - influem muitas vezes notavelmente na formação dos filhos, os pais, enquanto usuários, devem constituir-se parte activa no seu uso moderado, crítico, vigilante e prudente, individuando qual a repercussão tida nos filhos, e exercendo mediação orientadora «de educar a consciência dos filhos a exprimir juízos serenos e objectivos, que depois a guiem na escolha e na rejeição dos programas propostos»(175).

Com idêntico interesse, os pais procurarão influir na escolha e na preparação dos programas, mantendo-se - com iniciativas oportunas - em contacto com os responsáveis dos vários momentos da produção e da transmissão para se assegurarem que não serão abusivamente postos de lado ou expressamente conculcados aqueles valores humanos fundamentais que fazem parte do verdadeiro bem comum da sociedade, mas, pelo contrário, sejam difundidos programas aptos a apresentar, na sua verdadeira óptica, os problemas da família e a sua adequada solução. A tal propósito o meu predecessor de veneranda memória, Paulo VI, escrevia: «Os produtores devem conhecer e respeitar as exigências da família, o que supõe, por vezes, uma grande coragem e sempre um alto sentido de responsabilidade. Com efeito, devem evitar tudo o que possa lesar a família na sua existência, na sua estabilidade, no seu equilíbrio, na sua felicidade. A ofensa aos valores fundamentais da família - trate-se de erotismo ou de violência, de apologia do divórcio ou de atitudes anti-sociais dos jovens - é uma ofensa ao bem verdadeiro do homem»(176).

E eu mesmo, em ocasião análoga fazia notar que as famílias «devem poder contar não pouco com a boa vontade, rectidão e sentido de responsabilidade dos profissionais dos media: editores, escritores, produtores, directores, dramaturgos, informadores, comentadores e actores»(177). Por isso, é imperioso que também a Igreja continue a dedicar toda a atenção a estas categorias de responsáveis, encorajando e sustentando, ao mesmo tempo, aqueles católicos que se sentem chamados e que tem dotes, a um empenhamento neste sector tão delicado.

(171) Paulo PP. VI, Mensagem para a III° Jornada das Comunicações Sociais (7 de Abril de 1969):AAS 61 (1969), 455.
(172) João Paulo PP. II, Mensagem para a Jornada Mundial das Comunicações Sociais (1° de Maio de 1980): Insegnamenti di Giovanni Paolo II, III, 1 (1980), 1042.
(173) João Paulo PP. II, Mensagem para a Jornada Mundial das Comunicações Sociais (1° de Maio de 1981), 5: « L'Osservatore Romano », 22 de Maio de 1981.
(174) Ibid.
(175) Paulo PP. VI, Mensagem para a III° Jornada das Comunicações Sociais: AAS 61 (1969), 456.
(176) Ibid.
(177) Mensagem para a Jornada Mundial das Comunicações Sociais 1980: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, III, 1 (1980), 1044.



IV - A PASTORAL FAMILIAR NOS CASOS DIFÍCEIS


Circunstâncias particulares

77Um empenho pastoral ainda mais generoso, inteligente e prudente, na linha do exemplo do Bom Pastor, é pedido para aquelas famílias que - muitas vezes independentemente da própria vontade ou pressionadas por outras exigências de natureza diversa - se encontram em situações objectivamente difíceis.

A este propósito é necessário voltar especialmente a atenção para algumas categorias particulares, mais necessitadas não só de assistência, mas de uma acção mais incisiva sobre a opinião pública e sobretudo sobre as estruturas culturais, económicas e jurídicas, a fim de se poderem eliminar ao máximo as causas profundas do seu mal-estar.

Tais são, por exemplo, as famílias dos emigrantes por motivos de trabalho; as famílias de quantos são obrigados a ausências longas, como, por exemplo, os militares, os marinheiros, os itinerantes de todo o tipo; as famílias dos presos, dos prófugos e dos exilados; as famílias que vivem praticamente marginalizadas nas grandes cidades; aquelas que não têm casa, as incompletas ou «monoparentais»; as famílias com filhos deficientes ou drogados; as famílias dos alcoólatras; as desenraizadas do seu ambiente social e cultural ou em risco de perdê-lo; as discriminadas por motivos políticos ou por outras razões; as famílias ideologicamente divididas; as que dificilmente conseguem ter um contacto com a paróquia; as que sofrem violência ou tratamentos injustos por causa da própria fé; as que se compõem de cônjuges menores; os anciãos, não raramente forçados a viver na solidão e sem meios adequados de subsistência.

As famílias dos emigrantes, tratando-se especialmente de operários e de agricultores devem encontrar em toda a parte, na Igreja, a sua pátria. É este um dever conatural à Igreja, sendo como é sinal de unidade na diversidade. Na medida do possível sejam assistidos pelos sacerdotes do seu próprio rito, cultura e idioma. Diz respeito também à Igreja apelar à consciência pública e a quantos exercem a autoridade sobre a vida social, económica e política, para que os operários encontrem trabalho na sua região e pátria. sejam retribuídos com um salário justo, as famílias se voltem a unir o mais depressa possível, sejam consideradas na sua identidade cultural, tratadas como as outras e aos seus filhos sejam dadas oportunidades de formação profissional e de exercício da profissão, como também da posse da terra necessária para trabalhar e viver.

Um problema difícil é o das famílias ideologicamente divididas. Nestes casos há necessidade de um particular cuidado pastoral. Antes de tudo é preciso, com discrição, manter um contacto pessoal com tais famílias. Os crentes devem ser fortificados na fé e sustentados na vida cristã. Embora a parte fiel ao catolicismo não possa ceder, é preciso manter sempre vivo o diálogo com a outra parte. Devem ser multiplicadas as manifestações de amor e de respeito, na esperança firme de manter intocável a unidade. Depende muito também das relações entre pais e filhos. As ideologias estranhas à fé poderão estimular os membros crentes da família a crescer na fé e no testemunho de amor. Outros momentos difíceis em que a família tem necessidade de ajuda da comunidade eclesial e dos seus pastores, podem ser: a irrequieta adolescência contestadora e às vezes tumultuosa dos filhos; o seu matrimónio, que os separa da família de origem; a incompreensão ou a falta de amor da parte das pessoas mais queridas; o abandono do cônjuge ou a sua perda, que faz começar a experiência dolorosa da viuvez, a morte de um familiar, que mutila e transforma em profundidade o núcleo originário da família.

Igualmente não pode ser transcurado pela Igreja o momento da velhice, com todos os seus conteúdos positivos e negativos: de possível aprofundamento do amor conjugal sempre mais purificado e enobrecido pela longa e sempre contínua fidelidade; de disponibilidade a pôr ao serviço dos outros, em forma nova, a bondade e a sabedoria acumuladas e as energias que permanecem; de dura solidão, mais frequentemente psicológica e afectiva que física, por um abandono eventual ou por uma atenção insuficiente dos filhos e dos parentes; de sofrimento pela doença, pelo progressivo declínio das forças, pela humilhação de ter que depender de outros, pela amargura de se sentir talvez um peso para os seus próprios entes queridos, pelo aproximar-se o fim da vida. São estas as ocasiões em que - como insinuaram os Padres Sinodais - mais facilmente se compreendem e vivem aqueles elevados aspectos da espiritualidade matrimonial e familiar, que se inspiram no valor da Cruz e ressurreição de Cristo, fonte de santificação e de profunda alegria na vida quotidiana, à luz das grandes realidades escatológicas da vida eterna.

Em todas estas variadas situações nunca se descuide a oração, fonte de luz, de força e alimento da esperança cristã.



Matrimónios mistos

78O número crescente dos matrimónios entre católicos e outros baptizados exige uma peculiar atenção pastoral à luz das orientações e das normas, contidas nos mais recentes documentos da Santa Sé e das Conferências episcopais, para uma aplicação concreta às diversas situações.

Os casais que vivem em matrimónio misto apresentam exigências peculiares, que se podem reduzir a três aspectos fundamentais.

Antes de tudo, considerem-se as obrigações da parte católica derivantes da fé, no que concernem ao seu livre exercício e a consequente obrigação de providenciar, segundo as próprias forças, ao baptismo e à educação dos filhos na fé católica(178).

É necessário ter presente as particulares dificuldades inerentes às relações entre marido e mulher no que diz respeito à liberdade religiosa: esta pode ser violada seja por pressões indevidas para obter a mudança de convicções religiosas do ou da consorte, seja por impedimentos postos à sua livre manifestação na prática religiosa.

No que diz respeito à forma litúrgica e canónica do matrimónio, os Ordinários podem usar amplamente das suas faculdades para as várias necessidades.

No tratamento destas exigências especiais é preciso ter em conta os pontos seguintes:

- na preparação própria para este tipo de matrimónio, deve ser feito um esforço razoável para proporcionar um bom conhecimento da doutrina católica sobre as qualidades e exigências do matrimónio, como também para se certificar de que no futuro não se verifiquem as pressões e os obstáculos, de que até agora se tem tratado;

- é de suma importância que, com o apoio da comunidade, a parte católica seja fortificada na fé e ajudada positivamente a amadurecer na sua compreensão e na sua prática, de modo a tornar-se testemunha autêntica no seio da família, mediante a vida e a qualidade de amor demonstrado ao cônjuge e aos filhos.

Os matrimónios entre católicos e outros baptizados, na sua fisionomia particular, apresentam numerosos elementos que convêm valorizar e desenvolver, quer pelo seu valor intrínseco, quer pela ajuda que podem dar ao movimento ecuménico. Isto é verdade de um modo particular quando os dois cônjuges são fiéis aos seus deveres religiosos. O baptismo comum e o dinamismo da graça fornecem aos esposos, nestes matrimónios, a base e a motivação para exprimir a sua unidade na esfera dos valores morais e espirituais.

Para tal fim, e mesmo para pôr em evidência a importância ecuménica de um tal matrimónio misto, vivido plenamente na fé pelos dois cônjuges cristãos, procure-se - mesmo que nem sempre seja fácil - uma colaboração cordial entre o ministro católico e o não católico, desde o momento da preparação para o matrimónio e para as núpcias.

Quanto à participação do cônjuge não católico na comunhão eucarística, sigam-se as normas emanadas do Secretariado para a união dos cristãos(179).

Em várias partes do mundo nota-se, hoje, um crescente número de matrimónios entre católicos e não baptizados. Em muitos casos o cônjuge não baptizado professa uma outra religião e as suas convicções devem ser tratadas com respeito, segundo os princípios da Declaração Nostra Aetate do Concílio Ecuménico Vaticano II sobre as relações com as religiões não cristãs; mas em muitos outros, particularmente nas sociedades secularizadas, a pessoa não baptizada não professa religião alguma. Para estes matrimónios é necessário que as Conferências episcopais e cada bispo tomem medidas pastorais adequadas, a fim de garantir a defesa da fé do cônjuge católico e o seu livre exercício, principalmente no que se refere ao dever de fazer quanto estiver ao seu alcance para que os filhos sejam baptizados e educados catolicamente. O cônjuge católico deve ser, além disso, apoiado em todos os modos no empenhamento de oferecer à própria família um genuíno testemunho de fé e de vida católica.

(178) Cfr. Paulo PP. VI, Motu Proprio Matrimonia Mixta, 4-5: AAS 62 (1970), 257 ss.; João Paulo PP. II, Discorso ai partecipanti alla Plenaria del Segretariato per l'unione dei cristiani(13 Novembre 1981): «L'Osservatore Romano » (14 Novembre 1981).
(179) Instruç. In quibus rerum circumstantiis (15 de Junho de 1972): AAS 64 (1972), 518-525; Nota de 17 de Outubro de 1973: AAS 65 (1973), 616-619.



Acção pastoral perante algumas situações irregulares

79Na sua solicitude pela tutela da família em todas as suas dimensões, não somente na dimensão religiosa, o Sínodo dos Bispos não deixou de prestar atenta consideração a algumas situações irregulares, religiosa e muitas vezes também civilmente, que - nas rápidas mudanças culturais hodiernas - se vão infelizmente difundindo mesmo entre os católicos, com não pequeno dano do instituto familiar e da sociedade, de que constitui a célula fundamental.


a) O matrimónio à experiência

80Uma primeira situação irregular é dada pelo que se chama «matrimónio à experiência», que hoje muitos querem justificar, atribuindo-lhe um certo valor. A razão humana insinua já a sua não aceitação, mostrando quanto seja pouco convincente que se faça uma «experiência» em relação a pessoas humanas, cuja dignidade exige que sejam elas só e sempre, o termo do amor de doação sem limite algum nem de tempo nem de qualquer outra circunstância.

Por sua parte, a Igreja não pode admitir um tal tipo de união por ulteriores motivos, originais, derivantes da fé. Por um lado, com efeito, o dom do corpo na relação sexual é símbolo real da doação de toda a pessoa: uma doação tal que, além do mais, na actual economia da salvação não pode actuar-se com verdade plena sem o concurso do amor de caridade, dado por Cristo. Por outro lado, o matrimónio entre duas pessoas baptizadas é o símbolo real da união de Cristo com a Igreja, uma união não temporária ou «à experiência», mas eternamente fiel; entre dois baptizados, portanto, não pode existir senão um matrimónio indissolúvel.

Ordinariamente tal situação não poder ser superada se a pessoa humana, desde a infância, com a ajuda da graça de Cristo e sem temores, não for educada para o domínio da concupiscência nascente e para estabelecer com os outros relações de amor genuíno. Isso não se consegue sem uma verdadeira educação para o amor autêntico e para o recto uso da sexualidade, de modo a introduzir a pessoa humana em todas as suas dimensões, mesmo no referente ao próprio corpo, na plenitude do mistério de Cristo.

Seria muito útil indagar sobre as causas deste fenómeno, também no seu aspecto psicológico e sociológico, para chegar a uma terapia adequada.



b) Uniões livres de facto

81Trata-se de uniões sem nenhum vínculo institucional, civil ou religioso, publicamente reconhecido. Este fenómeno - cada vez mais frequente - não deixará de chamar a atenção dos pastores, exactamente porque existindo na sua base elementos muito diversos, será possível actuar sobre eles e limitar-lhes as consequências.

Alguns, com efeito, consideram-se quase constrangidos a tais uniões por situações difíceis de carácter económico, cultural e religioso, já que contraindo um matrimónio regular, seriam expostos a um dano, à perda de vantagens económicas, à discriminação, etc. Outras, pelo contrário, fazem-no numa atitude de desprezo, de contestação ou de rejeição da sociedade, do instituto familiar, do ordenamento socio-político, ou numa busca única de prazer. Outros, enfim, são obrigados pela extrema ignorância e pobreza, às vezes por condicionamentos verificados por situações de verdadeira injustiça, ou também de uma certa imaturidade psicológica, que os torna incertos e duvidosos na contracção de um vínculo estável e definitivo. Em alguns países os costumes tradicionais prevêem o matrimónio verdadeiro e próprio só depois de um período de coabitação e depois do nascimento do primeiro filho.

Cada um destes elementos põe à Igreja árduos problemas pastorais, pelas graves consequências quer religiosas e morais (perda do sentido religioso do matrimónio à luz da Aliança de Deus com o seu Povo; privação da graça do sacramento; escândalo grave), quer também sociais (destruição do conceito de família; enfraquecimento do sentido de fidelidade mesmo para com a sociedade; possíveis traumas psicológicos nos filhos; afirmação do egoísmo).

Os pastores e a comunidade eclesial serão diligentes em conhecer tais situações e as suas causas concretas, caso por caso; em aproximar-se dos conviventes com discrição e respeito; em esforçar-se com uma acção de esclarecimento paciente, de caridosa correcção, de testemunho familiar cristão, que lhes possa aplanar o caminho para regularizar a situação. Faça-se, sobretudo, obra de prevenção, cultivando o sentido da fidelidade na educação moral e religiosa dos jovens, instruindo-os acerca das condições e das estruturas que favorecem tal fidelidade, sem a qual não há verdadeira liberdade, ajudando-os a amadurecer espiritualmente e fazendo-lhes compreender a riqueza da realidade humana e sobrenatural do matrimónio-sacramento.

O Povo de Deus actue também junto das autoridades públicas, para que, resistindo a estas tendências desagregadoras da própria sociedade e prejudiciais à dignidade, segurança e bem-estar dos cidadãos, a opinião pública não seja induzida a menosprezar a importância institucional do matrimónio e da família. E já que em muitas regiões, pela pobreza extrema derivante de estruturas sócio-económicas injustas ou inadequadas, os jovens não estão em condições de se casarem como convém, a sociedade e as autoridades públicas favoreçam o matrimónio legítimo mediante uma série de intervenções sociais e políticas, garantindo o salário familiar, emanando disposições para uma habitação adaptada à vida familiar, criando possibilidades adequadas de trabalho e de vida.




Familiaris consortio PT 69