Discursos João Paulo II 2002 - Sexta-feira, 8 de Fevereiro de 2002

DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO IV ENCONTRO


INTERNACIONAL DE BISPOS E SACERDOTES


DA COMUNIDADE DE SANTO EGÍDIO


Sexta-feira, 8 de Fevereiro de 2002

Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Queridos Irmãos e Irmãs!

1. Sinto-me particularmente feliz ao apresentar-vos a minha saudação, quando participais no quarto Encontro Internacional dos Bispos e sacerdotes, amigos da Comunidade de Santo Egídio. Viestes a Roma de várias partes do mundo para viver juntos alguns dias de reflexão acerca da primazia da santidade e da oração na missão da Igreja. Sei que também aderiram ao encontro pessoas pertencentes a outras Igrejas e Comunidades eclesiais. Dou-lhes com alegria as minhas boas-vindas e saúdo-os fraternalmente. O início deste novo milénio pede a todos os seguidores de Cristo maior fidelidade na adesão ao Evangelho e na busca da unidade.

Na Carta apostólica Novo millennio ineunte, na qual indico algumas perspectivas prioritárias para a Igreja depois do Jubileu, exortei a todos a "fazer-se ao largo" com coragem no mar do novo milénio. Não partimos confiando nas nossas pobres forças, mas na certeza da ajuda do Senhor, como Ele garantiu quando se elevou ao céu: "E Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo" (Mt 28,20). Entre as dimensões decisivas do caminho da Igreja estão a santidade e a oração:

"Para esta pedagogia da santidade, há necessidade de um cristianismo que se destaque principalmente pela arte da oração" (Novo millennio ineunte, 32). "As nossas comunidades, amados irmãos e irmãs, concluía devem tornar-se autênticas "escolas" de oração" (Ibid., 33). A Comunidade de Santo Egídio tirou a sua força de amor precisamente do esforço de se fazer "escola de oração". Todas as tardes, em Roma, os seus membros se reúnem na basílica de Santa Maria em Trastevere para rezar. Fazem o mesmo os aderentes da Comunidade nas igrejas espalhadas em tantas outras partes do mundo.

2. As reflexões que fizerdes nestes dias e as resoluções que tomardes destinam-se ao enriquecimento da vossa bagagem espiritual e pastoral para o tempo vindouro. O século que acabou de iniciar espera que o Evangelho seja comunicado "sine glossa", como gostava de dizer São Francisco; espera discípulos que sejam suas testemunhas convictas. Temos diante de nós a numerosa plêiade de Bispos, sacerdotes e fiéis, que durante o século XX deram a sua vida pelo Evangelho. O testemunho destes "novos mártires", que eu quis recordar de maneira particular durante o Jubileu, seja para todos nós uma herança preciosa.

Tenho a certeza de que a amizade com a Comunidade de Santo Egídio vos traz benefícios quer a nível pessoal quer eclesial. Encontrei-me com a Comunidade desde o início do meu pontificado, e pude constatar a sua vitalidade espirirual e a paixão missionária. Vi-a trabalhar na Igreja de Roma e a partir daqui encarminhar-se pelas estradas do mundo. Apraz-me recordar um lindo cântico que a acompanha em toda a parte: "Nós não temos muitas riquezas, mas só a Palavra do Senhor". Este cântico, no qual ressoam as palavras que Pedro dirigiu ao paralítico sentado à Porta Formosa do Templo (cf. Act Ac 3,6), recorda como o Evangelho é a verdadeira força da Igreja e a sua riqueza. Já o era no início e continua a sê-lo ainda hoje, quando ela se encaminha pelo novo século.

3. Sei que celebrastes ontem o aniversário da Comunidade de Santo Egídio na Basílica de São João de Latrão, Catedral de Roma. Ao agradecer a D. Vincenzo Paglia as palavras que me dirigiu, saúdo de coração o Prof. Andrea Riccardi, que naquele 7 de Fevereiro de 1968 iniciou o caminho da Comunidade. Já passaram 34 anos. Foram anos de escuta do Evangelho e de amizade com todos. Poder-se-ia dizer que a amizade caracteriza cada uma das dimensões da vida da Comunidade de Santo Egídio. A amizade vivida com sensibilidade evangélica é uma forma eficaz de ser cristãos no mundo: permite ultrapassar fronteiras e preencher distâncias, mesmo quando parecem insuperáveis. Trata-se de uma verdadeira e própria arte do encontro, de uma atenção cuidadosa pelo diálogo, de uma paixão terna pela comunicação do Evangelho. Esta amizade torna-se força de reconciliação; uma força verdadeiramente necessária neste tempo dramaticamente marcado por conflitos e confrontos violentos.

4. Acabámos de celebrar o encontro de oração pela paz na Cidade de São Francisco. Desde o primeiro encontro realizado em 1986, a Comunidade fez-se promotora, ano após ano, de encontros que levaram o "espírito de Assis" a soprar no céu de várias cidades europeias. Surgiu como um singular movimento de homens e mulheres de religiões diferentes os quais, sem qualquer tipo de confusão, todavia não se cansam de pedir a Deus a paz para todos os povos.
Que este início de milénio vos encontre a todos, venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, amigos da Comunidade de Santo Egídio, atentos à chamada do Senhor, para que vos "façais ao largo" para comunicar a todos os povos o Evangelho do amor. Com estes votos, enquanto vos asseguro a minha oração, abençoo-vos a todos de coração.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA FUNDAÇÃO


"CENTESIMUS ANNUS PRO PONTIFICE"


Sábado, 9 de Fevereiro de 2002


Senhor Cardeal
Venerados Irmãos no Episcopado,
Gentis Senhoras, Ilutres Senhores!

1. É um motivo de alegria para mim acolher-vos neste encontro com que desejais renovar os sentimentos de afecto que vos ligam ao Sucessor de Pedro, manifestando ao mesmo tempo uma efectiva solidariedade com as necessidades da Igreja. Obrigado pela vossa visita!

Saúdo cordialmente o Senhor Cardeal Agostinho Cacciavillan, Presidente da Administração do Património da Sé Apostólica e agradeço-lhe as nobres palavras que, em vosso nome, acaba de me dirigir.

A minha saudação estende-se a D. Cláudio Maria Celli, Secretário da mesma Administração e ao Doutor Lourenço Rossi de Montelera, Presidente da Fundação "Centesimus annus Pro Pontifice".

Dirijo uma cordial saudação de boas-vindas a todos os membros da associação, aliada a uma palavra de viva complacência pelos trabalhos realizados ao longo do ano há pouco terminado. Um trabalho altamente benemérito pelo contributo dado à Santa Sé na sua actividade caritativa. Como não descobrir nesta vossa dedicação o desejo constante de participar directamente na missão de todo o Povo de Deus, segundo a vocação específica de cada crente? Também por isso, quero manifestar-vos o meu reconhecimento, sabendo também das motivações espirituais subentendidas na vossa acção benfazeja.

Dirijo uma saudação particular a quantos vieram dos Estados Unidos da América. Nos últimos meses, o vosso amado País esteve muito presente no meu pensamento e nas minhas orações.

Dirijo a minha saudação também a quantos vieram do Canadá. Agradeço-vos pelos vossos esforços por vos unirdes à Fundação, para que ela atinja os seus nobres fins.

Estendo, além disso, a minha gratidão aos Arcebisposs e Bispos que na Itália, na Polónia e noutros Países, ao nível diocesano e das Conferências Episcopais, ofereceram à Fundação o seu apoio, juntamente com os Assistentes eclesiásticos nacionais e locais.

2. A vossa Fundação, com as suas intervenções no campo económico e social, constitui uma forma válida de apostolado laical. Como tive ocasião de dizer no nosso primeiro encontro, em 5 de Junho de 1993, a Fundação "Centesimus Annus Pro Pontifice" representa "uma significativa expressão do vosso empenho de fiéis leigos". A estes, de facto, é confiado o ministério de "buscar o Reino de Deus ocupando-se das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus" (Lumen gentium, LG 31).

A vossa actividade ainda é mais actual, porque deseja dedicar uma especial atenção à família e à valorização da sua missão indispensável na sociedade. Um família serena e activa torna-se um fervoroso centro para a edificação da paz. Na ocasião do vigésimo aniversário da Exortação Familiaris Consortio, celebrado há pouco mais de dois meses, recordava que "a família, quando vive em plenitude as exigências do amor e do perdão, torna-se baluarte seguro da civilização do amor e esperança para o futuro da humanidade" (L'Osservatore Romano, 24 de Novembro de 2001, p.9). É nas famílias sãs e harmoniosas que têm início os caminhos da civilização do amor, graças ao acolhimento e à ajuda mútua que nelas se experimentam. É necessário, portanto, não deixar de rezar e trabalhar, a fim de que a família seja protagonista de um caminho construtor de paz no seu interior e à sua volta.

3. No mundo, há hoje um grande desejo de verdade, de justiça e de concórdia. Pude experimentá-lo também há duas semanas, em Assis, quando num clima de escuta atenta e de diálogo, passámos com os Representantes das religiões um dia inteiro dedicado à reflexão e à oração pela paz.

Sentimo-nos filhos de um Deus Criador e Omnipotente e necessitados da sua ajuda providente. Constatámos com preocupação como as sementes do ódio e da violência podem destruir a concórdia e a compreensão. Pelo contrário, é preciso promover na sociedade o amor, e para isto, é necessário partir da célula primordial da humanidade que é a família. Se não se ajuda o núcleo familiar a viver e prosperar em segurança e serenidade, ele torna-se mais fraco e desfaz-se com grave dano de cada um e da própria sociedade. É, por isso, importante que seja garantida a cada núcleo familiar, entre outras coisas, uma adequada segurança económica, social, educativa e cultural, para que ele possa cumprir as tarefas que lhe dizem respeito em primeira instância. O Estado deve favorecer e estimular positivamente a iniciativa responsável das famílias (cf. Familaris consortio, 45).

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Durante o Grande Jubileu do Ano 2000 aprofundastes o tema que diz respeito à ética e às finanças, com referência à globalização financiária, em constante expansão no mundo. Como que em prolongamento de tal reflexão, este ano decidistes deter-vos sobre o princípio da subsidiariedade, que é um elemento fundamental da doutrina social da Igreja. Aplicando este princípio às relações da família com o Estado, emerge, antes de tudo, a urgência de pôr em acção todos os instrumentos possíveis para tutelar a promoção daqueles valores que enriquecem a família, santuário da vida e ambiente em que nascem e se formam os cidadãos de amanhã. O Estado, pois, não pode deixar de ter presente que "uma sociedade de ordem superior não deve interferir na vida interna de uma sociedade de ordem inferior, privando-a das suas competências, mas deve antes apoiá-la em caso de necessidade e ajudá-la a coordenar a sua acção com a das outras componentes sociais tendo em vista o bem comum" (Centesimus annus CA 48).

A vossa Fundação não deixará de continuar a empenhar-se nesta direcção, para que se ponha em prática uma autêntica solidariedade, que traduza em factos o princípio da subsidiariedade. Estou-vos grato pelo vosso esforço comum e desejo que possais encontrar correspondência nas várias forças que compõem o tecido da comunidade civil. Perante tantas necessidades emergentes no momento presente, está a vosso cuidado intensificar, de modo especial, todo o esforço por uma autêntica renovação social, tendo como ponto de referência o perene ensino do Evangelho e como barra direccional a Doutrina social da Igreja. Deus queira que o vosso benemérito e louvável empenho seja coroado de abundantes frutos.

Ao renovar a expressão da minha estima e proximidade espiritual, confio-vos à protecção celeste da Mãe de Deus, para que vos guarde debaixo do seu manto maternal de graça. Acompanhe-vos também a minha bênção, que do coração vos concedo a vós, às vossas famílias, as todas as pessoas que vos são queridas, especialmente às criancinhas que se encontram nesta Sala.



MENSAGEM DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS FIÉIS BRASILEIROS POR OCASIÃO DA


CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2002




Ao Venerável Irmão no Episcopado
D. Raymundo Damasceno Assis
Secretário-Geral da CNBB

«Eis o tempo oportuno, eis o dia da salvação» (2Co 6,2)

Com estas palavras da Sagrada Escritura, desejo unir-me a toda a Igreja que está no Brasil, para dar início à Campanha da Fraternidade deste ano, que tem como tema «Fraternidades e povos indígenas» e como lema «Por uma terra sem males», com os votos de que seja estimulada a fraternidade cristã com todos os povos da mesma família humana.

Neste "tempo oportuno, tempo de salvação", que é a Quaresma, invocamos a luz do Altíssimo a fim de que conceda a todos o arrependimento e o conhecimento da verdade (cf. 2Tim 2Tm 2,25). E a verdade, como já tive ocasião de dizer na minha 2ª viagem pastoral ao Brasil, é que «aos olhos de Deus (...) só existe uma raça: a raça dos homens chamados a serem filhos de Deus. Só existe um povo, formado de muitos povos, cada um deles com seu modo de ser, sua cultura e suas tradições: a humanidade que Jesus resgatou, e salvou, com o preço do seu Sangue» (Discurso, 16/10/1991, 1). Ora, «aos que se voltam com fé para Cristo, autor de salvação e princípio de unidade e de paz, Deus chamou-os e constituiu-os em Igreja, a fim de que ela seja para todos e cada um sacramento desta unidade salutar. Destinada a estender-se a todas as regiões, ela entra na história dos homens, ao mesmo tempo que transcende os tempos e as fronteiras dos povos» (LG 9). Deste modo, a Igreja quer introduzir o Evangelho nas culturas dos povos, transmitindo-lhes sua verdade, assumindo, sem comprometer de modo algum a especificidade e a integridade da fé cristã, o que de bom existe nessas culturas e renovando-as a partir de dentro (cf. Redemptoris missio RMi 52), levando a todos a mensagem de salvação realizada por Cristo.

Enquanto Cristo não conheceu o pecado mas veio apenas expiar os pecados do povo, a Igreja, «contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação»(LG 8). Eis o "tempo oportuno"! Na sua dimensão penitencial e batismal (SC 109), a Quaresma leva a todos os batizados a reviverem e a aprofundarem todas as etapas do caminho da fé, para que, consciente e generosamente, renovem sua aliança com Deus. A consciência da filiação divina pelo Batismo, poderá servir então de renovação espiritual e de fraternidade com seus irmãos, sobretudo com os que clamam por uma maior justiça e solidariedade.

Por isso, a Igreja permanecerá sempre ao lado dos que sofrem as consequências da pobreza e da marginalização, e seguirá estendo sua mão materna aos povos indígenas para colaborar na construção de uma sociedade onde todos e cada um, criados à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26), vejam respeitados seus direitos, tendo condições de vida conforme sua dignidade de filhos de Deus e irmãos em Jesus Cristo.

Peço a Deus, pela intercessão de Nossa Senhora Aparecida, que proteja o Brasil e sua gente e envio, em sinal do mais sincero afeto pela Terra da Santa Cruz, uma propiciadora Bênção Apostólica.

Vaticano, 26 de Novembro de 2001

IOANNES PAULUS II




MENSAGEM DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS RESPONSÁVEIS DO


"MOVIMENTO POR UM MUNDO MELHOR"


Ao Reverendo Senhor
Dom GINO MORO, F.D.P.
Director Geral do "Serviço de
Animação Comunitária do
Movimento por um Mundo Melhor"

1. Estou feliz por Lhe dirigir a Si e a todos os membros do chamado "Serviço de Animação Comunitária do Movimento por um Mundo Melhor" os meus bons votos, por ocasião do quinquagésimo aniversário da fundação do Grupo promotor, que teve origem na Mensagem radiofónica do Papa Pio XII, conhecida com o nome de "Proclamação por um Mundo Melhor".

"É todo um mundo que é necessário refazer desde os fundamentos", afirmava o Papa com palavras inesquecíveis, um mundo "que é necessário transformar de selvagem em humano, de humano em divino, quer dizer, segundo o coração de Deus" (Discursos e Radiomensagens de S.S. Pio XII, XIII, p. 471).

A "Proclamação por um Mundo Melhor" destinava-se directamente à diocese de Roma. O Papa Pio XII queria que Roma fosse a primeira a renovar-se e, por isso, chamou à atenção toda a Comunidade diocesana com palavras proféticas e cheias de actualidade: "desejamos entregar o estandarte de um mundo melhor em primeiro lugar a vós, dilectos filhos de Roma... Recebei a santa exortação que o vosso Pastor e Pai hoje vos confia: dar início a um poderoso despertar de pensamentos e de obras. Despertar que a todos comprometa, sem excepção alguma, o clero e o povo, as autoridades e as famílias, os grupos, cada pessoa em particular, no campo de uma renovação total da vida cristã, na linha da defesa dos valores morais, na prática da justiça social, na reconstrução da ordem cristã" (Discursos e Radiomensagens cit. p. 471).

2. A iniciativa de 1952, que é comemorada este ano, não pode deixar de lembrar os desenvolvimentos que se lhe seguiram, desde o Concílio Vaticano II ao vasto movimento pós-conciliar, do Sínodo Diocesano de Roma à mais recente Missão da cidade, realizados nos anos 1996-1999, como preparação para o Grande Jubileu do Ano 2.000. A mesma inspiração guiou o compromisso da Igreja no decurso destes anos: é o sopro do Espírito Santo a enfunar as velas da Igreja, que orienta já a sua marcha sobre as águas do terceiro milénio.

Desejo do coração que esta feliz ocorrência jubilar vos ajude a todos vós, carísssimos Irmãos e Irmãs, a redescobrir a herança espiritual do Padre Lombardi como fonte de entusiasmo e de eficácia apostólica. Nestes decénios, o Movimento estendeu-se a cerca de quarenta Nações, esforçando-se por traduzir em projectos a ampla e articulada visão proposta pelo Concílio Vaticano II e pelo magistério que se lhe seguiu, na perspectiva de uma "comunhão" eclesial cada vez mais intensa. Continuai esta obra, em doce e constante cooperação com os Pastores e permanecendo sempre atentos a acolher os "sinais" dos tempos.

3. Reservai singular atenção à promoção do sacerdócio comum dos fiéis e da vocação profética dos leigos nos diversos campos de actividade humana, para que eles, "percebendo com uma maior clareza a plenitude da sua vocação, a tornar o mundo cada vez mais conforme à eminente dignidade do homem, a procurar chegar a uma fraternidade universal apoiada em alicerces profundos e, movidos pelo amor, a responder generosamente e em esforço comum às mais urgentes necessidades do nosso tempo" (Gaudium et spes, GS 91). São os fiéis leigos, de facto, os primeiros a ser chamados em causa para trabalhar na construção de uma sociedade animada pelos valores da civilização do amor.

No quadro actual da cultura e da própria visão eclesiológica amadurecida a seguir ao Concílio, o influxo da Igreja na transformação da sociedade acontece sobretudo através de um laicado adulto na fé e habilitado a traduzi-la na história mediante a irrepreensibilidade do seu testemunho e da seriedade da sua competência (cf. Exortação apostólica Christifideles laici CL 36-44).

Maria, Mãe da Igreja, à qual o Padre Lombardi atribuía a própria inspiração da sua obra, assista com benevolência constante todo o vosso esforço e o torne fecundo. Ela seja para vós conforto nas dificuldades que encontrais no vosso caminho.

Acompanhe-vos e dê-vos coragem, também a Bênção, que de coração vos concedo a vós, aos vossos grupos locais e a todos aqueles que de todos os modos apoiam o vosso trabalho nas diversas partes do mundo.

Vaticano, 10 de Fevereiro de 2002



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


NA VISITA AO PONTIFÍCIO


SEMINÁRIO MAIOR DE ROMA POR OCASIÃO DA FESTA PATRONAL DE NOSSA SENHORA DA CONFIANÇA


Sábado, 9 de Fevereiro de 2002

1. Agradeço ao Senhor por me ter concedido a alegria de passar juntamente convosco, também este ano, a festa de Nossa Senhora da Confiança. Este já se tornou um esperado e agradável encontro de família, que nos permite agradecer à celeste Mãe de Deus a sua constante assistência ao Seminário Romano, centro da nossa Diocese.

Gostaria de fazer minhas as palavras do grande escritor Alexandre Manzoni, que escolhestes como tema para o dia de hoje: "Ó Virgem, ó Senhora, ó Toda Santa, / Que lindos nomes te chamam em todas as línguas! / Tantos povos se orgulham por estar / sob a tua gentil protecção" (Hinos Sagrados, O nome de Maria).

Em nome da Virgem Santa saúdo-vos a todos vós. Em primeiro lugar, o Cardeal Vigário e os Prelados presentes; saúdo o vosso Reitor e os seus colaboradores. Saúdo os ex-alunos, os amigos do Seminário, os jovens e todos os que participam neste alegre encontro. Saúdo-vos sobretudo a vós, queridos alunos, que nesta ocasião sois convidados a reflectir sob o olhar de Nossa Senhora da Confiança acerca da importância do vosso itinerário de formação com vista à missão que no futuro desempenhareis na Igreja.

2. No alegre clima, que distingue este sábado, enquadra-se bem o Oratório musical de Mons. Marco Frisina, inspirado na nobre e amada figura do beato João XXIII, o Papa bom, também ele aluno do vosso Seminário. Com a confiança no coração, Angelo Roncalli, como vós, preparou-se com empenho para as várias tarefas que Deus lhe haveria de confiar. Da sua figura, gostaria de realçar hoje sobretudo o anseio pela santidade, que se tornou na sua vida um programa quotidiano. O seu optimismo era grande, mesmo face a problemas e dificuldades reais. Fortalecido pela sua fé, a todos convidava a dar conta de que o que une os discípulos do Senhor, e os homens em geral, é muito superior ao que efectivamente os divide.

Com este espírito favoreceu o caminho ecuménico, que obteve muitos resultados, mesmo se ainda resta muito a fazer. Na sua escola, cada cristão é convidado a tornar-se um dócil instrumento, para que se cumpra a fervorosa oração de Cristo no Cenáculo: "que todos sejam um só... para que o mundo creia" (Jn 17,21).

3. Nesta especial circunstância é-nos concedido recordar, ao lado do beato João XXIII, também o seu imediato sucessor, o Servo de Deus Paulo VI. De facto, por ocasião dos trabalhos realizados na Capela-Mor do vosso Seminário, foi posto precisamente em sua memória um Crucifixo artístico, obra do escultor Enrico Manfrini, oferecido pelo estimado Monsenhor Pasquale Macchi. Oxalá este insigne símbolo da nossa fé vos ajude a manter o olhar fixo, em todas as situações, como fez o Papa Montini, no mistério de Cristo morto e ressuscitado por nós.

4. Não podemos, pois, deixar de mencionar outro motivo de alegria e de encorajamento para vós, caríssimos Seminaristas. No dia 20 de Dezembro passado publiquei o Decreto de heroicidade das virtudes de um ex-aluno desta Instituição, o seminarista Bruno Marchesini.

Se Deus quiser, proximamente também os seminaristas poderão ter o seu especial protector e um modelo no qual se inspirar no caminho da formação sacerdotal. É belo que seja precisamente o Seminário da Igreja de Roma, da qual o Sucessor do Apóstolo Pedro é Bispo, a fazer a oferta aos Seminaristas de todo o mundo de um especial modelo de fé e de virtudes, um amigo exemplar para imitar e sentir próximo em todas as circunstâncias. Olhai para ele; tenho a certeza de que todos vós vos sentireis estimulados a seguir fielmente Jesus. O Espírito que inspirou o jovem Marchesini vos oriente também a vós, caríssimos, pelo caminho do heroísmo da fé, a fim de que possais preparar-vos para levar o Evangelho onde a Providência vos conduzir, se necessário for até aos extremos confins do mundo (cf. Act Ac 1,8).

5. Dirijo-me agora a vós, caríssimos jovens que, como todos os anos, viestes para passar um dia de intensa espiritualidade juntamente com a Comunidade do Seminário! As figuras que há pouco recordamos, com o exemplo das suas virtudes, vos estimulem também a vós a ser santos. A santidade é a preciosa herança que eles nos deixaram; a santidade é o primeiro ponto de cada programa missionário, como tive ocasião de recordar na Carta apostólica Novo millennio ineunte (cf. nn. 30-31).

Caminhai sem parar rumo a esta difícil e majestosa meta, tirando proveito da graça que todos os dias vos é dispensada e procurando traduzi-la em fervor de bons propósitos e de acções corajosas. Eis a tarefa de cada Comunidade eclesial; deve ser esta a principal ocupação de cada crente. No centro de tudo esteja sempre Cristo: que deve ser conhecido, amado e servido com o coração aberto e generoso.

A santidade é um dom, mas também uma conquista: é o dom que Deus faz aos seus filhos, comunicando-lhes a sua própria vida e chamando-os a uma comunhão íntima com Ele. É ao mesmo tempo uma resposta a esse dom, e por isso uma conquista difícil de realizar em todos os momentos.

6. Obrigado, muito obrigado, por este Oratório musical. Também me recordou momentos da minha vida, sobretudo a inauguração do Concílio Vaticano II, no qual a Providência me deu a possibilidade de participar pessoalmente. Era assim: o Papa João que inaugurava esta Assembleia conciliar e poucos meses depois faleceu. Tudo isto esteve presente seguindo as vozes do Oratório e também da Orquestra e os cânticos dos participantes.

Obrigado Marco, por este grande dom!

Saudações

Obrigado pelo convite para esta tarde no Seminário Romano, diante de Nossa Senhora da Confiança. Ouvimos como Nossa Senhora da Confiança guiou os passos do Papa João XXIII por um caminho que, deste Seminário, o levou até ao Concílio Vaticano II, que foi também um grande Seminário: o Seminário dos Bispos do mundo.

Agradeço a Nossa Senhora da Confiança tudo o que fez para ajudar o Papa Roncalli na preparação e depois na aventura do Concílio Vaticano II.

Desejo-vos a todos vós que encontreis caminhos semelhantes na vossa vida: desde a Imagem de Nossa Senhora da Confiança até objectivos futuros, os que a Providência prevê para vós e pede através de vós.

Mais uma vez, obrigado por estes momentos. Muito obrigado!



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO


X DIA MUNDIAL DO DOENTE


Segunda-feira, 11 de fevereiro de 2002



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Dou as minhas sentidas boas-vindas a todos vós aqui reunidos, na Basílica de São Pedro, para este habitual encontro, que reúne numerosos peregrinos da Obra Romana Peregrinações e da UNITALSI e que faz reviver o intenso clima espiritual de Lourdes.

Saúdo o Cardeal Vigário, que presidiu a concelebração eucarística, juntamente com os Prelados e sacerdotes que o rodeiam. Saúdo os responsáveis da UNITALSI e da Obra Romana Peregrinações, que promoveram e organizaram este encontro tão sugestivo. Saúdo-vos especialmente a vós, queridos doentes que vos encontrais aqui, e todos os que, apesar de o desejarem, não puderam juntar-se connosco esta tarde. Saúdo-vos a vós, que trabalhais no campo da saúde e a vós voluntários, sacerdotes, religiosos e leigos, que desempenhais um serviço abnegado neste âmbito tão importante da pastoral da saúde.

Encontramo-nos com alegria neste dia, em que a Igreja celebra a Bem-Aventurada Virgem Maria de Lourdes. Faz já dez anos que associamos, a esta data tão familiar, a celebração do Dia Mundial do Doente, que este ano tem o seu "centro" no Santuário de "Nossa Senhora da Saúde" em Valankanny (Índia), conhecido precisamente como "a Lourdes do Oriente". Envio uma cordial saudação a todos os que ali se encontram reunidos, à volta do meu Enviado, o Arcebispo Javier Lozano Barragán, Presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde.

2. O tema do décimo Dia Mundial do Doente inspira-se nas palavras de Jesus: "para que tenham a vida, e a tenham em abundância" (Jn 10,10). Elas convidam a assumir uma tomada de consciência preciosa e clara em favor da vida e de um empenho sincero pela sua defesa, desde a concepção até ao seu fim natural. A vida humana é um dom de Deus e como tal deve ser sempre vivida, mesmo nas situações mais críticas. A este propósito é eloquente como nunca o testemunho de não poucas pessoas, algumas aqui presentes esta tarde que, apesar de estarem desde há anos no leito da doença, estão repletas de serenidade porque sabem como é precioso para a Igreja o contributo do seu sofrimento e da sua oração. Peço a Deus que esta celebração seja para cada doente uma ocasião de extraordinário alívio físico e espiritual, e peço ao Senhor para que ela ofereça a todos, sãos e doentes, a oportunidade de compreender cada vez mais o valor salvífico do sofrimento.

3. É justo lutar contra a doença, porque a saúde é um dom de Deus. Ao mesmo tempo, é importante saber ler o desígnio de Deus quando o sofrimento bate à porta da nossa vida. Para nós, crentes, a chave de leitura deste mistério é a Cruz de Cristo. O Verbo encarnado veio ao encontro da nossa debilidade assumindo-a plenamente sobre si, no Gólgota. Desde então, o sofrimento, em todas as suas manifestações, assume um significado novo e peculiar, porque se torna participação na obra salvífica do Redentor (cf. Catecismo da Igreja Católica, CEC 1521). Só em união com os seus, os nossos sofrimentos adquirem pleno significado e valor. Iluminados pela fé tornam-se fonte de esperança e de salvação.

4. Depois, o Dia Mundial do Doente recorda-nos que ao lado de cada pessoa que sofre deve estar um irmão ou uma irmã animados pela caridade. Como o bom Samaritano, do qual nos fala Jesus na conhecida parábola evangélica, todos os crentes estão chamados a oferecer amor a quem se encontra na prova. Nunca se deve "passar adiante"! Ao contrário, é preciso parar, inclinar-se sobre o homem abatido e sofredor, aliviando-lhe o peso e as dificuldades. Desta forma é proclamado o Evangelho do conforto e da caridade; eis o testemunho que os homens do nosso tempo esperam de todos os cristãos.

A este propósito, desejo congratular-me com a Obra Romana Peregrinações e com a UNITALSI por terem promovido uma significativa peregrinação de "deficientes" e de "edificadores de paz" na Terra Santa, naqueles lugares que viram consumar-se a vicissitude humana do Redentor, e hoje estão perturbados por tanta violência e, infelizmente, regados por tanto sangue. A peregrinação que levará deficientes italianos a encontrar deficientes de Jerusalém e de Belém representa um gesto eloquente de solidariedade entre pessoas portadoras de uma deficiência e, ao mesmo tempo, é uma mensagem de esperança para todos.

Desejo de coração que esta bonita iniciativa contribua para fazer com que naquela Terra, actualmente marcada pelo ódio e pela guerra, prevaleçam finalmente a solidariedade e a paz. A Virgem Imaculada, que em Lourdes deu conforto à humanidade, continue a velar amorosamente sobre quantos estão feridos no corpo e no espírito e interceda por todos os que se ocupam deles. Obtenha para a Terra Santa e para todas as regiões do mundo o dom da concórdia e da paz.
Com estes sentimentos, uno-me agora de bom grado a vós na tradicional procissão de velas, que nos recorda Lourdes, e concedo a todos uma especial Bênção apostólica.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DA REPÚBLICA DA ARGENTINA EM VISITA


"AD LIMINA APOSTOLORUM"


12 de Fevereiro de 2002

Queridos Irmãos no Episcopado!

1. É com prazer que vos recebo, queridos Bispos da República da Argentina que realizais a vossa visita ad Limina com a qual fortaleceis os vínculos de amor e de comunhão com o Sucessor de Pedro e com a Igreja de Roma, "em união com a qual sempre se manteve a Tradição apostólica para os fiéis de todo o mundo" (Santo Ireneu, Ad. Haeres. III, 3). Dou-vos as boas-vindas com as palavras do apóstolo Paulo, desejando-vos que vos acompanhem sempre "a graça, a misericórdia e a paz de Deus Pai e a de Nosso Senhor Jesus Cristo" (1Tm 1,2).

Desejo fazer chegar a minha saudação a todos os sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis das vossas dioceses, que abraço em espírito e aos quais renovo o meu afecto no Senhor.

Agradeço de coração as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos D. Eduardo Vicente Mirás, Arcebispo de Rosário, confirmando os vossos sentimentos de adesão ao Papa e apresentando-me o caminho que percorreis para anunciar alegremente o Evangelho de Jesus Cristo, mesmo entre as dificuldades. Correspondo, manifestando-vos a minha gratidão pelo trabalho infatigável que realizais em todos os âmbitos e animando-vos a não vos deixardes abater pelos desafios do momento actual, confiando e ensinando a ter confiança na Providência amorosa de Deus.

2. Sendo Sucessores dos Apóstolos, estais à frente das vossas Igrejas particulares como Pastores para realizar in persona Christi Capitis e fazendo as vezes do próprio Cristo, Mestre, Pastor e Sacerdote (cf. Lumen gentium, LG 21). Consagrais a vossa existência e actividade ao serviço apostólico de transmitir a fé e incrementar a vida de caridade no Povo de Deus. Como ministros do Evangelho, tornando presente de modo visível e eminente o Senhor, estais chamados a ser testemunhas e servidores da esperança evangélica no exercício do tríplice múnus de santificar, ensinar e governar (cf. ibid., 21). Por conseguinte, convido-vos a continuar a prestar aos vossos fiéis e a todo o povo o precioso serviço de manter a esperança autêntica que é Jesus Cristo ressuscitado, num momento tão premente, tanto a nível mundial como na situação particular da querida Nação Argentina.

3. O vosso País atravessa neste momento uma profunda crise social e económica que afecta toda a sociedade e, além disso, põe em perigo a estabilidade democrática e o fundamento das instituições públicas, com consequências que vão além das próprias fronteiras da pátria. Em muitos lugares falta até o mais básico e indispensável, pondo tantas pessoas frente a um futuro cheio de perigos e incertezas. A preocupação do momento actual deve levar a fazer um sério exame de consciência sobre as responsabilidades de cada um e as trágicas consequências do egoísmo não solidário, dos comportamentos corruptos que muitos denunciam, da falta de programação e má administração dos bens da Nação. Sobre tudo isto oferecestes aos fiéis e às pessoas de boa vontade documentos alertadores e realistas, de acordo com a acentuada óptica evangélica. Já na vossa última visita "ad Limina", no ano de 1995, eu me referi a isto realçando como a "corrupção e a sua impunidade correm o risco de se generalizar, com as lamentáveis consequências de indiferença social e cepticismo" (Discurso, 11/XI/1995, n. 4; ed. port. de 18/11/1995, pág. 9). Na base desta penosa situação está uma profunda crise moral e por isso, como realçastes, o primeiro passo deve ser o cultivo dos valores morais. De modo especial: a austeridade, o sentido da equidade e da justiça, a cultura do trabalho, o respeito da verdade e da palavra dada" (Mensagem da Comissão Permanente da CEA, 8/1/2002).

Neste momento são requeridas, sem dúvida, medidas oportunas que incrementem a economia e façam com que a cada argentino não faltem os bens necessários para se desenvolver como pessoa e como cidadão. Não compete à Igreja, como instituição, indicar quais são as mais adequadas, porque isso é tarefa dos governantes e dos especialistas nas diversas ciências sociais. Sem dúvida, mesmo se a missão da Igreja é de ordem meramente religiosa, isso não impede que ela ofereça a sua colaboração, a fim de favorecer um diálogo nacional entre todos os responsáveis, para que todos possam cooperar activamente para superar a crise. O diálogo exclui a violência nas suas várias formas, como as mortes e os saques, e ajuda a construir um futuro mais humano com a colaboração de todos, evitando assim um radical empobrecimento da sociedade. É oportuno recordar que a situação social não melhora unicamente aplicando medidas técnicas, mas também, e sobretudo, promovendo reformas com uma base humana e moral, que tenham em conta uma consideração ética da pessoa, da família e da sociedade.


Discursos João Paulo II 2002 - Sexta-feira, 8 de Fevereiro de 2002