Discursos João Paulo II 2002 - Quinta-feira, 14 de Fevereiro de 2002

DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AO CONSELHO GERAL DA


ORDEM DOS PADRES PREGADORES


Sexta-feira, 15 de Fevereiro de 2002




Caríssimos Religiosos!

1. É com grande alegria que vos recebo a vós, que fazeis parte do Conselho Geral da Ordem dos Padres Pregadores. Dirijo a cada um de vós a minha cordial saudação e, através de vós, faço-a extensiva a toda a vossa Família religiosa. Agradeço em particular ao Mestre-Geral, Pe. Carlos Azpiroz Costa, que se fez intérprete dos comuns sentimentos de adesão e fidelidade à Sé Apostólica. Ao encontrar-me hoje convosco, penso de novo nos contactos que tive com a vossa Ordem. Tenho sempre presente na minha recordação os meus anos de estudo feitos na Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino na Urbe. Foi um período muito frutuoso para a minha formação teológica, graças também ao contributo qualificado de prestigiosos e inesquecíveis mestres dominicanos. Gostaria de mencionar o Padre Garrigou-Lagrange, os Padres Paul Philippe e Mario Luigi Ciappi, que depois se tornaram Cardeais, e os ilustres professores dominicanos.

Tudo aquilo que tive ocasião de assimilar nas aulas do Angelicum nunca deixou de me acompanhar no ministério pastoral.

2. A benemérita Ordem dominicana, da qual vós sois representantes qualificados, tem uma tarefa específica na vasta obra da nova evangelização, que o Grande Jubileu do ano 2000 lançou de novo com vigor. Trata-se de um empreendimento eclesial unânime, ao qual todos os membros do povo de Deus, e de modo especial as Famílias religiosas, devem dar o seu contributo. Na Carta apostólica Novo millennio ineunte, escrevi: "os homens do nosso tempo, talvez sem se darem conta, pedem aos crentes de hoje não só que lhes "falem" de Cristo, mas também que de certa forma lh'O façam "ver"" (n. 16). Não coincide porventura esta exigência com o programa de vida, expresso de maneira tão eficaz por São Tomás: "contemplata aliis tradere"? Só quem fez a experiência de Deus pode falar d'Ele aos outros de maneira convicta. Na escola de São Domingos e de tantos santos dominicanos, vós sois chamados a ser mestres de verdade e de santidade.

3. Caríssimos, seja esta a orientação básica do vosso Conselho Geral ao dar as indicações corajosas para a vida e para o apostolado dos Frades Dominicanos no mundo. Eu sigo-vos com afecto, desejando-vos todos os bens a que aspirais para as vossas Comunidades espalhadas em todos os continentes. Sobre elas invoco a assistência materna da Bem-aventurada Virgem do Rosário e a protecção dos Santos e Beatos da Ordem.

Ao garantir-vos a minha recordação na oração, concedo-vos de coração a Bênção Apostólica a vós, aos vossos Irmãos e a quantos fazem parte da Família espiritual dominicana.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


À COMISSÃO EMPENHADA NA


PUBLICAÇÃO DAS OBRAS DE


DUNS SCOTO


Sábado, 16 de Fevereiro de 2002

Ao Reverendíssimo Padre
Fra GIACOMO BINI
Ministro Geral
da Ordem dos Frades Menores

Com muita alegria e cordialidade dirijo-lhe a minha saudação, em primeiro lugar, a Si, Frei Giacomo Boni, aos membros da Comissão Scotista e a quantos trabalham na Secretaria geral para a Formação e Estudos da vossa Ordem. Depois, faço extensivo o meu afectuoso pensamento a toda a Ordem dos Frades Menores.

Estou muito grato pela oferta do VIII volume das Opera Omnia do Beato João Duns Scoto, em que é apresentada a última parte do II livro da Ordinatio, o último e mais importante trabalho do Doctor subtilis.

É bem conhecida, na filosofia e na teologia católica, a figura do beato João Duns Scoto, que o meu predecessor, o Papa Paulo VI, na Carta apostólica Alma Parens de 14 de Julho de 1966, definia como "o aperfeiçoador" de São Boaventura, "o representante mais qualificado" da Escola franciscana. Naquela ocasião, Paulo VI afirmava que nos escritos de Duns Scoto "latent certe ferventque Sancti Francisci Asisinatis perfectionis pulcherrima forma e seraphici spiritus ardores", e acresentava que do tesouro teológico das suas obras se podem extrair motivos preciosos para "serenos colóquios" entre a Igreja católica e as outras Confissões cristãs (cf. AAS 58 [1966] 609-614).

2. As Obras de Duns Scoto, muitas vezes reimpressas nos séculos precedentes, tinham necessidade de uma grande revisão, para serem libertadas de muitos erros dos copistas e das interpolações feitas pelos discípulos. Já não era possível estudar Duns Scoto naquelas edições. Impunha-se uma edição crítica séria, baseada nos manuscritos. Era a mesma exigência de que se tinha dado conta para as Obras de São Boaventura e de São Tomás.

Este encargo foi confiado pelo Ministro geral da Ordem dos Frades Menores e pelo seu Conselho de definidores a uma especial equipa de estudiosos que tomou o nome de Comissão Scotista e foi instalada no Ateneu Antoniano de Roma. Até agora foram publicados doze volumes. Com grande empenho, neles foram identificadas e indicadas as fontes directas e indirectas, de que Scoto se serviu na sua redacção. Foram dadas, em notas, todas as informações e indicações úteis para melhor compreender o pensamento do grande Mestre da Escola Franciscana.

Duns Scoto, com a sua esplêndida doutrina sobre o primado de Cristo, sobre a Imaculda Conceição, sobre o valor primário da Revelação e do Magistério da Igreja, sobre a autoridade do Papa, sobre a possibilidade de a razão humana tornar acessíveis, pelo menos em parte, as grandes verdades da fé, de demonstrar a não contraditoriedade, permanece ainda hoje um pilar da teologia católica, um Mestre original e rico de ideias e solicitações para um conhecimento cada vez mais completo das verdades da Fé.

3. Caros membros da Comissão Scotista! Sinto-me feliz por encorajar o vosso trabalho, pois que, como diz a Ratio Studiorum Ordinis Fratrum Minorum, "os centros de pesquisa da Ordem, como a Comissão Scotista, mediante a sua actividade científica e editorial, desenvolvem um serviço de primacial importância para quanto diz respeito à conservação e transmissão do património histórico, filosófico, teológico e espiritual da Ordem" (124). Aproveito de boa vontade a ocasião para encorajar os jovens frades a prepararem-se adequadamente para continuar nos Centros de pesquisa da Ordem o ensinamento e a investigação.

Faço votos para que a Comissão Scotista possa em 2004, ano em que decorrerá o 150° aniversário do dogna da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria, publicar o XX volume, que conterá o III livro da Lectura, ainda inédito, em que Duns Scoto, pela primeira vez, defendeu o privilégio mariano e mereceu para si o título de "Doutor da Imaculada".

Confio o trabalho da Comissão à Rainha da Ordem Franciscana, enquanto do coração lhe concedo a Si, Ministro Geral, a vós aqui presentes e a todos aqueles que tornam possível a vossa actividade a minha Bênção afectuosa.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO


"FORUM INTERNACIONAL" DA


PONTIFÍCIA ACADEMIA DE TEOLOGIA


Sábado, 16 de Fevereiro de 2002


Senhor Cardeal
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Queridos Irmãos e Irmãs!

1. Alegro-me com este encontro, com o qual desejastes realçar a celebração do primeiro Forum Internacional da Pontifícia Academia de Teologia. Dirijo a todos a minha cordial saudação, com um especial pensamento de gratidão ao Senhor Cardeal Paul Poupard, que se fez intérprete dos vossos sentimentos e ilustrou a intenção do Forum, com o significativo tema: "Jesus Cristo, Caminho, verdade e vida. Para uma releitura da "Dominus Iesus"".

O assunto faz parte da competência própria da vossa Academia. Nos Estatutos renovados, por mim aprovados com o Motu proprio de 28 de Janeiro de 1999, é de facto indicado como finalidade da Academia "tratar e promover os estudos teológicos e o diálogo entre as disciplinas teológicas e filosóficas" (art. II). Qualquer esforço que o ser humano realiza para progredir no conhecimento da verdade está, definitivamente, orientado para a descoberta de qualquer aspecto novo do mistério de Deus, "suma e primária verdade" (São Tomás de Aquino, Summa Theologica, I, q. 16, a. 5) e fonte de verdade: "Qualquer verdade diz de facto o Doutor Angélico provém de Deus" (Quaestiones disputatae, De Veritate, q. 1, a. 8).

Se o ser humano pode ser definido "como aquele que procura a verdade" (Fides et ratio FR 28), ele sabe que no encontro com Jesus e com a sua divina Revelação encontrou a verdade da sua existência: "Em Jesus Cristo, que é a Verdade, a fé reconhece a última chamada que é dirigida à humanidade, para que possa ser cumprido tudo o que experimenta como desejo e nostalgia" (Ibid., 33).

2. A tarefa primária da Pontifícia Academia de Teologia é a meditação do mistério de Jesus Cristo, nosso Mestre e Senhor, plenitude de graça e de verdade (cf. Jo Jn 1,16). Tem origem nesta fonte de luz o mandamento do anúncio, do testemunho e do empenho no diálogo quer ecuménico, quer inter-religioso.

Na Encíclica Fides et ratio afirmei que "os caminhos para alcançar a verdade são numerosos: contudo, dado que a verdade cristã tem um valor salvífico, cada um destes caminhos pode ser percorrido, com a condição que leve à meta final, isto é, à revelação de Jesus Cristo" (n. 38). Cultivadores e testemunhas da verdade de Cristo na Igreja e no mundo, os Académicos no seu trabalho de estudo e de investigação são guiados pela Revelação cristã, "verdadeira estrela de orientação" (ibid., 15), em função da verdade que deve ser conhecida, ao bem que se deve realizar, e à caridade que se deve viver.

3. São dois os aspectos que podem caracterizar hoje o apostolado e o serviço da verdade: a sua dinamicidade e a sua eclesialidade. A verdade da Revelação cristã abre na história horizontes sempre novos de inteligência do mistério de Deus e do homem. Este intrínseco impulso de novidade não significa relativismo ou historicismo, mas suprema concentração da verdade, cuja compreensão requer um caminho e sobretudo um seguimento: o de Cristo, caminho, verdade e vida. Desta forma, a teologia torna-se um itinerário em comunhão com a Verdade-Pessoa que é Jesus Cristo, numa relação de fidelidade, de amor e de doação, sob a acção do Espírito de Verdade (cf. Jo Jn 16,13), cuja realização não é só a de recordar as palavras de Jesus, mas a de ajudar os cristãos a compreendê-las e a vivê-las numa clareza interior cada vez maior, na história variável da humanidade.

A denominação de "Pontifícia" da vossa "Academia Teológica" significa, em segundo lugar, que o seu serviço a Cristo Verdade se caracteriza pela sua eclesialidade.De facto, a busca livre do teólogo é exercida no âmbito da fé e da comunhão da Igreja. Na Igreja, sal da terra e luz do mundo (cf. Mt Mt 5,13-14), a reflexão teológica desempenha a sua tarefa de responder à vontade salvífica universal de Deus, o qual deseja "que todos os homens sejam salvos e alcancem o conhecimento da verdade" (1Tm 2,4). A comunhão eclesial, mais do que uma limitação, é na realidade o lugar que vivifica a reflexão teológica, apoiando a sua audácia e premiando a sua profecia. Desta forma, a ciência teológica, na compreensão cada vez mais profunda da verdade revelada, torna-se um serviço a todo o povo de Deus, apoia a sua esperança e fortalece a sua comunhão.

4. A adesão a Cristo Verdade, manifestada pelos teólogos em obediência ao magistério da Igreja, é uma força poderosa que une e edifica. O teólogo católico está consciente de que o magistério não é uma realidade extrínseca à verdade e à fé, mas, ao contrário, é um elemento constitutivo da Igreja, está ao serviço da Palavra de verdade, que defende dos desvios e deformações, garantindo que o Povo de Deus viva sempre na história guiado e amparado por Cristo-Verdade. Por conseguinte, a relação entre magistério e trabalho teológico é alimentada pelo princípio da harmonia. Estando os dois ao serviço da Revelação divina, ambos redescobrem novos aspectos e aprofundamentos da verdade revelada.

No que diz respeito ao aspecto da comunhão na fé impõe-se o princípio da unidade na verdade; ao contrário, onde se trata de divergências de opiniões, é válido o princípio da unidade na caridade.

Estes aspectos inspiradores estão presentes quer na articulação que destes ao Forum destes dias, quer na orientação dada à nova revista da Academia, que tem por título PATH, acróstico da denominação latina "Pontificia Academia Theologica". Mas "Path" também é uma denominação que, na linguagem globalizada de hoje, indica caminho, vereda, estrada. A investigação teológica é um caminho fatigante e, ao mesmo tempo, gratificante em Cristo Caminho, Verdade e Vida.

5. A mais de três séculos da sua fundação, possa a Pontifícia Academia de Teologia continuar a receber da vossa reflexão e do vosso testemunho um renovado impulso para ilustrar cristãmente o milénio há pouco iniciado.

Com estes votos, ao invocar a ajuda de Deus para os vossos trabalhos, concedo de coração a todos vós a minha Bênção.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


ÀS PARTICIPANTES NO CAPÍTULO GERAL


DAS FILHAS CANOSSIANAS DA CARIDADE


16 de Fevereiro de 2002

Caríssimas
Filhas Canossianas da Caridade!

1. Estou muito feliz por me encontrar convosco, na ocasião do vosso XIV Capítulo Geral, acontecimento de graça que constitui uma forte chamada a voltar cada vez mais às raízes da vossa Congregação, para aprofundar o carisma e o incarnar depois nos modos mais idóneos no actual contexto sociocultural.

Saúdo a Superiora Geral e as delegadas à Assembleia capitular. Faço extensiva a minha cordial saudação a todas as Canossianas, que desenvolvem o seu generoso apostolado na Itália, na Europa e nos outros continentes. Nestes dias intensos, quereis reflectir sobre o tema "Manifestar aos homens e mulheres do nosso tempo o amor de Deus que tanto amou os homens". Em sintonia com o vosso carisma, desejais proclamar e testemunhar o Evangelho da caridade, empenhando-vos em ser sinais eloquentes do amor de Deus e instrumentos de paz em todos os ambientes. Deus abençoe estes vossos propósitos! Da vossa parte, procurais conservar fielmente o património espiritual que vos foi transmitido pela vossa Fundadora, Santa Madalena de Canossa, que amou com intensidade Cristo crucificado e sempre se inspirou n'Ele na realização de um corajoso apostolado em favor do próximo necessitado. Com toda a energia possível, a Fundadora foi, efectivamente, ao encontro das formas de pobreza típicas do tempo: da pobreza económica e moral à pobreza de cultura e à carência de meios para curar as doenças. Segui o seu exemplo e continuai a missão, que permanece válida ainda hoje, mesmo nas condições sociais diferentes em que vivemos.

2. Santa Madalena de Canossa propôs-vos a vós, suas filhas espirituais, um ideal de vida consagrada baseado na humildade. O estilo missionário gostava de repetir seja "humilde, alheio aos meios de poder e da sabedoria do homem" e a acção apostólica tenha uma única finalidade: "só por Deus e pela sua glória". Tudo isto se desenrole, pois, numa condição de convivência "perfeitamente comum", alimentada por aquela "caridade perfeitíssima" que se traduz em "amor universal e comum".

Sobre a base destas sólidas referências espirituais se desenvolveu no decurso dos séculos o estilo missionário que distingue a vossa Família religiosa. Estas linhas essenciais do carisma de fundação tornaram-se testemunho concreto graças ao exemplo de tantas Filhas Canossianas da Caridade, totalmente consagradas só a Deus e ao seu Reino. Através delas, recordo com emoção as vossas irmãs que, em Timor Leste, pagaram recentemente com o preço do sangue a sua fidelidade a Cristo Senhor. O seu heróico sacrifício seja para vós um estímulo e vos encorage a continuar em frente com confiança e fervor apostólico, conscientes de que só assim se traduz de maneira eficaz tudo o que recomendava Santa Madalena: "Sobretudo, fazei conhecer Jesus". Deixai-vos invadir por este íntimo desejo de servir com caridade todo o ser humano, sem distinções de raça ou de religião. Com profética liberdade e sábio discernimento, testemunhai o Evangelho em cada dia. Sede presença significativa em toda a parte em que trabalhardes, distinguindo-vos por uma intensa comunhão e uma activa cooperação com os Pastores da Igreja.

3. O grande desafio da inculturação pede-vos hoje que anuncieis a Boa Nova com linguagem e modos compreensíveis aos homens do nosso tempo, envolvidos em processos sociais e culturais em rápida transformação. É vasto, portanto, o campo de apostolado que se abre diante de vós! Como a vossa Fundadora, dai a vossa vida aos pobres, cultivai uma verdadeira paixão educativa sobretudo para os jovens, gastai-vos com uma generosa actividade pastoral entre os povos, especialmente em favor dos doentes e dos que sofrem.

Há tantos no mundo que esperam ainda conhecer Jesus e o seu Evangelho. Diversas situações de injustiça, de dificuldades morais e materiais atingem as populações em vastas regiões da Terra.

Abre-se à frente dos crentes uma urgente missão em todos os lugares do Planeta. Porém, cada uma de vós, caríssimas Irmãs, sabe bem que para poder responder a estas esperanças é necessário, em primeiro lugar, tender para a santidade com todas as forças, para a medida mais alta da santidade, mantendo um contacto ininterrupto com Cristo na oração incessante e fervorosa.

Só assim se está em posição de indicar aos outros o modo de encontrar o Senhor, caminho, verdade e vida (cf. Jo Jn 14,6). Só assim se pode colaborar com Cristo para salvar as almas, indo de encontro às necessidades dos irmãos com o espírito tão caro à vossa Fundadora, o espírito das "Servas dos pobres".

Maria vos proteja e vos acompanhe neste árduo e exaltante itinerário missionário, relizando todos os vossos projectos de bem. O Papa abençoa-vos e acompanha-vos com afecto, assegurando uma lembrança participativa na oração por cada uma de vós e por quantos encontrades no vosso apostolado de cada dia.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


NO ENCERRAMENTO DOS


EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS NA


CAPELA REDEMPTOR MATER


23 de fevereiro de 2002


"Sempre discípulos de Cristo".

Nestes dias, tivemos ocasião de meditar sobre o discipulado de Cristo, que constitui o elemento fundamental da nossa vida. Experimentámo-lo intimamente e saboreámo-lo constantemente no recolhimento dos "Exercícios espirituais". Foi um grande dom do Senhor, de que Lhe damos graças sobretudo a Ele, já no termo desta intensa semana de reflexão e de oração.

A nossa gratidão - digo "nossa" porque estou certo de interpretar também os vossos sentimentos, caríssimos e venerados Irmãos que me acompanhastes neste caminho de Exercícios Espirituais - dirige-se pois para o Senhor Cardeal Cláudio Hummes, que nos orientou com as suas sábias meditações. Nestes dias, venerado Irmão, teve de deixar o grande rebanho de São Paulo, no Brasil, onde é Arcebispo, para se ocupar deste "pusillus grex", "pequeno rebanho", no Vaticano. Obrigado do coração por nos haver guiado nos prados floridos da Revelação e da Tradição católica com a atenção, a sabedoria e a segurança do Bom Pastor, e de nos ter trazido também nestes dias, com a entoação da sua voz este testemunho de São Paulo e da grande Igreja no Brasil.

Estes dias de recolhida contemplação ajudaram-nos a descobrir com alegria a graça inexaurível da vocação cristã e apostólica. O Espírito fez-nos novamente compreender que toda a nossa existência está centrada em Cristo, o Revelador do Pai. Na sua Páscoa de morte e ressurreição, Ele constituiu-nos Seu povo, recolhido à volta da Mesa da Eucaristia, o Sacramento do seu sacrifício salvífico e da sua presença real entre nós até ao fim dos tempos.

A profunda consciência do discipulado, que juntamente consigo, estimado pregador, reavivámos, estimula-nos à corajosa dedicação no nosso ministério ao serviço do Povo de Deus. Cada um volta, agora, ao seu trabalho. Também voltará, venerado Irmão, à sua diocese de São Paulo.

Quando estiver novamente entre os seus, leve aos fiéis, de modo especial às crianças e aos doentes, a expressão do meu afecto e a certeza da minha oração.

Continuamos, agora, o nosso caminho para a Páscoa, itinerário de renovação espiritual para toda a Igreja. Acompanhe-nos Maria, que notámos constantemente presente nestes dias de escuta e de oração.

A Si, caríssimo Cardeal pregador, e a todos vós, venerados e caros Irmãos, a minha Bênção.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO


III FORUM INTERNACIONAL DA


FUNDAÇÃO ALCIDE DE GASPERI


Sábado, 23 de Fevereiro de 2002




Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Senhores, Gentis Senhoras!

1. Vejo com satisfação que escolhestes a Europa como Objecto de estudo do terceiro Forum Internacional da Fundação Alcide De Gasperi. O tema, em si mesmo, é muito expressivo. Saúdo cordialmente cada um de vós e agradeço, sobretudo, ao Senador Angelo Bernassola, Presidente da Fundação, as nobres palavras com que apresentou os objectivos do Congresso.

O meu ânimo, como bem sabeis, dirije-se com afecto especial para o continente europeu, no qual surge esta cidade de Roma, que foi sede do apóstolo Pedro e lugar do seu martírio. Precisamente por isso visitei os vários Países europeus e reuni duas vezes em Assembleias sinodais os seus Episcopados para debater juntos os seus problemas religiosos. Em Estrasburgo, fui também visitar as Instituições europeias, desejanto desta forma manifestar o meu apoio aos esforços em curso para a unificação do continente.

2. A Europa surgiu do encontro, nem sempre pacífico, e da fusão, lenta e muitas vezes problemática, entre a civilização greco-romana e o mundo germânico e eslavo, progressivamente convertido ao cristianismo por grandes missionários, provenientes quer do Ocidente quer do Oriente. Considerei sempre de primordial importância o contributo dado pelos povos eslavos à cultura do continente. Sem dúvida, a dolorosa ruptura religiosa entre o Ocidente, na maioria católico, e o Oriente, na maioria ortodoxo, foi um dos factores que impediram a plena integração de alguns povos eslavos na Europa, com reflexos negativos em primeiro lugar para a Igreja, que precisa de respirar "com dois pulmões": o ocidental e o oriental. Por conseguinte, empenhei-me na promoção do diálogo entre a Igreja católica e as Igrejas ortodoxas com vista à plena unidade. Nesta perspectiva, proclamei padroeiros da Europa também os santos eslavos, os Apóstolos eslavos Cirilo e Metódio, Slavorum Apostoli".

Hoje vejo com satisfação que muitos Países da Europa central pedem para poder entrar na União Europeia a fim de desempenharem nela um papel criativo. Faço votos para que os responsáveis desta União saibam satisfazer este desejo, mostrando compreensão na fase inicial no que se refere à adequação às condições económicas previstas, condições sem dúvida não leves para as economias ainda débeis dos Países do Leste, que saíram recentemente de um sistema económico diferente.

3. A minha maior preocupação pela Europa é que ela conserve e faça frutificar a sua herança cristã. Com efeito, não se pode negar que o continente baseia as suas raízes tanto no património greco-romano, como no judaico-cristão, que constituiu por muitos séculos a sua alma mais profunda. Grande parte do que a Europa produziu em âmbito jurídico, artístico, literário e filosófico tem uma marca cristã e dificilmente pode ser compreendido e avaliado se não nos colocarmos numa perspectiva cristã. Também as maneiras de pensar e de sentir, de se exprimir e de se comportar dos povos europeus sofreram profundamente a influência cristã.

Infelizmente, nos meados do passado milénio teve início, e desenvolveu-se particularmente a partir do século XVIII, um processo de secularização que pretendeu excluir Deus e o cristianismo de todas as expressões da vida humana.

O ponto de chegada deste processo foi muitas vezes o laicismo e o secularismo agnóstico e ateu, isto é, a exclusão absoluta e total de Deus e da lei moral de todos os âmbitos da vida humana.

Desta forma, a religião cristã foi relegada para os confins da vida privada de cada um. Não é significativo, deste ponto de vista, que tenha sido tirada da Carta da Europa qualquer referência explícita às religiões e, por conseguinte, também ao cristianismo? Manifestei a minha amargura por isto, que considero anti-histórico e ofensivo para os Pais da nova Europa, entre os quais tem um lugar de relevo Alcide De Gasperi, ao qual está dedicada a Fundação que vós aqui representais.

4. O "velho" continente tem necessidade de Jesus Cristo para não perder a sua alma e para não perder tudo o que o fez grande no passado e ainda hoje o impõe à admiração dos outros povos.

De facto, foi em virtude da mensagem cristã que se afirmaram nas consciências os grandes valores humanos da dignidade e da inviolabilidade da pessoa, da liberdade de consciência, da dignidade do trabalho e do trabalhador, do direito de cada um a uma vida digna e segura e, por conseguinte, a participar dos bens da terra, que Deus destinou para benefício de todos os homens. Sem dúvida, para a afirmação destes valores contribuíram também outras forças não pertencentes à Igreja, e por vezes os próprios católicos, impedidos por situações históricas negativas, reconheceram lentamente os valores que eram cristãos, mesmo se cortados, infelizmente, das suas raízes religiosas. Hoje, a Igreja volta a propor estes valores à Europa com renovado vigor, a qual corre o risco de cair no relativismo ideológico e de ceder ao niilismo moral, declarando por vezes bem o que é mal e mal o que é bem. Os meus votos são por que a União Europeia saiba tirar do património cristão que a distingue uma nova linfa, oferecendo respostas adequadas às novas perguntas que se apresentam sobretudo no campo ético.

5. A vossa Fundação deseja trabalhar "para a democracia, a paz e a cooperação internacional". Este programa está em plena sintonia com a acção da Igreja no mundo de hoje, que também se manifestou durante a minha recente peregrinação a Assis. A Europa deve empenhar-se de maneira muito particular na promoção da democracia, da paz e da cooperação internacional, devido às imensas riquezas espirituais e materiais de que dispõe.

Ao exprimir os votos por que os trabalhos do terceiro Forum da Fundação Alcide De Gaspari ofereçam um ulterior estímulo a este empenho europeu, concedo a todos uma especial Bênção apostólica.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA LIGA ITALIANA PARA


A LUTA CONTRA OS TUMORES


Segunda-feira, 25 de Fevereiro de 2002

Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Estou feliz por vos receber por ocasião do octogésimo aniversário de fundação da vossa benemérita associação. Dirijo uma cordial saudação ao Presidente nacional, Professor Francesco Schittulli, a quem agradeço as gentis palavras que me dirigiu em nome de todos. Faço extensiva a minha saudação ao Conselho directivo, assim como a vós aqui presentes em representação das Secções provinciais da Liga Italiana para a Luta contra os Tumores.

Ao longo destes decénios de proveitosa e intensa actividade, a vossa Associação distinguiu-se na realização de iniciativas especiais nos sectores da informação, da educação no campo da saúde, da prevenção, da assistência e da investigação. Graças também ao vosso generoso contributo, muitas pessoas atingidas pelo tumor podem olhar com esperança para o futuro. O espírito que vos anima inscreve-se sem dúvida naquele grande processo de humanização, que podemos definir como caminho da "civilização do amor" (cf Salvifici doloris, 30).

2. Perante os tumores que ameaçam a saúde do homem, por vezes somos tentados a assumir uma atitude de desalento e fatalista, atitude que deprime o doente e torna mais difícil a própria cura. Por conseguinte, a vossa Associação empenha-se oportunamente para que o sintoma-doença seja aceite sem dramas e enfrentado com realismo, contando confiadamente com os recursos do organismo humano e com a investigação médica.

Agradeço ao Senhor porque a ciência está a realizar muitos progressos na prevenção e na luta contra o cancro. Mas, neste âmbito, como em qualquer experiência que diga respeito à pessoa, todos devem empenhar-se para fazer com que as experiências sejam realizadas no pleno respeito da dignidade humana. Então, a investigação científica será um dom inestimável para muitas famílias e para toda a humanidade.

Juntamente com o estudo sobre as origens do tumor, dedicais-vos também ao da terapia da dor. Trata-se de um âmbito de investigação actual como nunca porque, ao melhorar a qualidade da vida de quantos são atormentados pela doença, dá-lhes a possibilidade de ser aliviados e amparados validamente.

3. É amplo e complexo o mundo do sofrimento e da dor. Mas ele pode representar para o homem uma ocasião de crescimento espiritual, abrindo horizontes mais amplos do que aqueles a que a limitação e a precariedade do ser físico obrigam. O doente, quando é oportunamente apoiado, mesmo constatando a própria fragilidade corporal, é levado muitas vezes a descobrir uma dimensão que ultrapassa a própria corporeidade.

Eis por que no empenho médico e de assistência a quem sofre, assim como no das fronteiras da investigação, é importante ter sempre presente a centralidade da pessoa, seja qual for a raça ou a religião a que pertence. Devemos inclinar-nos sobre cada doente com solicitude cuidadosa, seguindo o exemplo evangélico do Bom Samaritano.

Nunca se deve perder de vista a finalidade do verdadeiro bem do homem; jamais se deve ceder à tentação de uma medicina e de um progresso científico sem regras nem valores, que poderia transformar-se numa perigosa forma de "controlo tecnológico" da vida.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Num campo tão importante, não seria admissível que os crentes e as pessoas de boa vontade não fizessem ouvir a sua voz. De facto, é urgente que a sociedade e todos os que, das várias formas, são os seus responsáveis, compreendam a urgência de destinar os fundos da investigação para as causas benéficas como a luta contra o cancro, e apoiem concretamente todas as iniciativas que melhoram a saúde do povo.

Vós, queridos membros da Liga Italiana para a Luta contra os Tumores, prossegui a vossa actividade com dedicação constante. Ela pode contribuir para suscitar na opinião pública um maior sentido de solidariedade para quem sofre e favorecer a investigação de adequado equilíbrio entre saúde, economia e sociedade.

Confio-vos de bom grado à Imaculada Mãe de Deus, Sede da Sabedoria, juntamente com os vossos projectos. Ao garantir uma recordação na oração pelos doentes e pelas suas famílias, concedo de coração a vós, aos numerosos sócios e voluntários e a quantos encontrardes no vosso empenho quotidiano uma especial Bênção apostólica.



MENSAGEM DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA INAUGURAÇÃO DO


COLÉGIO SACERDOTAL ARGENTINO


A D. Estanislao Karlic Arcebispo de Paraná e
Presidente da Conferência Episcopal da Argentina e aos
Arcebispos e Bispos da República Argentina

1. Por ocasião da inauguração do Colégio Sacerdotal Argentino, saúdo cordialmente os Arcebispos e Bispos desta Conferência Episcopal, que com esta iniciativa desejaram fortalecer a presença que as Dioceses argentinas têm em Roma. À igreja nacional de Santa Maria das Dores, junta-se agora o centro para sacerdotes que, com a qualificada formação teológica e científica nos diversos Institutos académicos, poderão cultivar mais facilmente um sentido de especial proximidade à Sede do Sucessor de Pedro, ocasionando desta forma uma visão mais universal da Igreja e uma maior adesão de mente e de coração ao Magistério Pontifício.

2. De facto, os sacerdotes enviados pelo próprio Bispo para este Centro terão uma oportunidade privilegiada de aperfeiçoar os seus estudos e aprofundar, com métodos científicos particularmente qualificados, a reflexão sobre a mesma e única fé, que se exprime em diversas línguas e formas culturais. Assim, no exercício do seu ministério pastoral, estarão especialmente preparados para enfrentar com uma vasta visão a sua tarefa evangelizadora, visto que, como presbíteros, devem tornar visível a Igreja universal e reunir "a família de Deus como uma fraternidade animada pelos mesmos ideais" (Lumen gentium, LG 28).

Além do contributo de mestres e discípulos de outras regiões do mundo, que nos fazem conhecer as diversas realidades eclesiais, ressoa em Roma o eco da primeira evangelização e fazem-se sentir os vestígios que dela deixaram os apóstolos Pedro e Paulo, assim como tantos mártires dos primeiros séculos da Igreja. À formação das aulas junta-se a familiaridade com certas raízes cristãs que permanecem vivas e visíveis nos numerosos vestígios que se integram na estrutura urbana actual. Aqui, os cristãos aprenderam a viver num ambiente hostil e de perseguição, deram exemplo perene de firmeza e fidelidade ao Evangelho de Cristo, e souberam conquistar para Cristo a multidão de povos de todas as idades e condições com a única força da verdade e o testemunho da sua vida.


Discursos João Paulo II 2002 - Quinta-feira, 14 de Fevereiro de 2002