Discursos João Paulo II 2002

Através dos séculos, muitos outros santos e santas deixaram marcas profundas nesta cidade, na qual se podem admirar também tantas obras exímias, fruto de uma requintada criatividade inspirada na mensagem cristã, fazendo dela a meta predilecta de numerosos devotos e peregrinos do mundo inteiro.

3. Com esta experiência comovedora, a permanência na Igreja de Roma, sede de Pedro e dos seus sucessores, deve servir para aumentar a fidelidade para com ela, "na qual sempre residiu a primazia da cátedra apostólica" (Santo Agostinho, Ep 43,7) e que é "princípio e fundamento, perpétuo e visível, da unidade da fé e da comunhão" (Lumen gentium, LG 18). Para isto contribui poderosamente a proximidade física, a possibilidade de ver e ouvir pessoalmente aquele que recebeu a missão de confirmar na fé os seus irmãos (cf. Lc Lc 22,32) e apascentar o Povo de Deus como um amoris officium (cf Santo Agostinho, In Io. Ev., 123, 5). Desta forma, há mais um incentivo para se orientar fielmente pelo Magistério da Igreja ao anunciar o Evangelho, explicá-lo como mensagem de salvação para todos, propô-lo como alimento de vida espiritual (cf. Optatam totius, OT 15) e ao abrir a alma sacerdotal ao amor universal.

Todas estas ocasiões são, sem dúvida alguma, fonte de vigor evangelizador e de vitalidade eclesial, porque fazem ver melhor o vínculo estreito de qualquer projecto ou acção pastoral com as próprias origens da missão da Igreja. Desta forma, pode dar-se um renovado impulso aos esforços dos numerosos argentinos para que, nessa sociedade, o espírito do mundo não prevaleça sobre a Palavra de Deus.

4. A Virgem Santíssima proteja os projectos do Colégio Sacerdotal e indique com doçura aos responsáveis e residentes o caminho que conduz a Cristo. Poderão contemplá-la na ábside que preside a este templo como Nossa Senhora das Dores e, diante da imagem da Virgem de Luján, que tive a oportunidade de benzer e entronizar pessoalmente, terão um motivo especial para se unir à fervorosa devoção do povo argentino e pedir conforto constante para os Pastores e fiéis dessa querida Nação.

Como confirmação destes sentidos votos, concedo de bom grado aos membros dessa Conferência Episcopal, assim como à comunidade do novo Centro, uma especial Bênção apostólica.

Vaticano, 24 de Fevereiro de 2002.



MENSAGEM DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA FAMÍLIA SALESIANA


REUNIDOS NO XXV CAPÍTULO GERAL DA


CONGREGAÇÃO FUNDADA POR DOM BOSCO


25 de fevereiro de 2002

Caríssimos Filhos de Dom Bosco!

1. É com grande afecto que me dirijo a vós, aqui reunidos, provenientes dos cinco continentes para a celebração do XXV Capítulo Geral do vosso Instituto. É o primeiro do terceiro milénio e oferece-vos a oportunidade de reflectir acerca dos desafios da educação e da evangelização dos jovens, desafios aos quais os Salesianos desejam responder, seguindo o exemplo do Fundador, São João Bosco. Desejo que o Capítulo seja para vós um tempo de comunhão e de trabalho proveitoso, durante o qual possais partilhar o fervor que vos associa na missão entre os jovens, assim como o amor pela Igreja e o desejo de vos abrirdes a novos horizontes apostólicos.

O pensamento neste momento dirige-se espontaneamente para o saudoso Reitor-Mor, Pe. Juan Vecchi, recentemente falecido depois de uma longa doença, oferecida a Deus por toda a Congregação e sobretudo por esta Assembleia Capitular. Enquanto agradeço ao Senhor o serviço por ele prestado à vossa Família religiosa e à Igreja, assim como pelo testemunho de fidelidade evangélica que sempre o distinguiu, garanto pela sua alma uma especial oração de sufrágio. Compete-vos agora a vós prosseguir a obra por ele felizmente desempenhada na esteira dos seus predecessores.

Educadores atentos e educadores espirituais competentes como sois, sabereis ir ao encontro dos jovens que aspiram por "ver Jesus". Sabereis conduzi-los com doce firmeza para metas empenhativas de fidelidade cristã. "Duc in altum!". Que este seja o mote programático também da vossa Congregação, que com esta Assembleia Capitular estimula todos os seus membros a um corajoso relançamento da própria acção evangelizadora.

2. Escolhestes como tema do Capítulo: "A comunidade salesiana hoje". Estais bem conscientes de dever renovar métodos e modalidades de trabalho, para que surja com clareza a vossa identidade "salesiana" nas actuais e mudadas situações sociais, que exigem, entre outras coisas, também a abertura ao contributo dos colaboradores leigos, com os quais partilhais o espírito e o carisma deixados em herança por Dom Bosco. A experiência dos últimos anos pôs em relevo as grandes oportunidades desta colaboração, que permite aos vários componentes e grupos da vossa Família salesiana crescer na comunhão e desenvolver um comum dinamismo apostólico e missionário. E a fim de vos abrirdes à cooperação com os leigos é importante para vós focar bem a identidade peculiar das vossas comunidades: que sejam comunidades, como Dom Bosco queria, reunidas à volta da Eucaristia e animadas por um profundo amor a Maria Santíssima, prontas para trabalhar juntas, partilhando um único projecto educativo e pastoral. Comunidades capazes de animar e envolver os outros, em primeiro lugar com o exemplo.

3. Desta forma Dom Bosco continua a estar presente entre vós. Vive através da vossa fidelidade à herança espiritual que vos deixou. Ele deu à sua obra um estilo particular de santidade.
E de santidade precisa hoje, em primeiro lugar, o mundo! Por conseguinte, muito oportunamente, o Capítulo Geral deseja repropor com coragem "o tender para a santidade" como principal resposta aos desafios do mundo contemporâneo. Definitivamente, trata-se não tanto de empreender novas actividades e iniciativas, como de viver e testemunhar o Evangelho sem compromissos, de modo a estimular à santidade os jovens com os quais vos encontrardes. Salesianos do terceiro milénio! Sede mestres e guias apaixonados, santos e formadores de santos, como foi São João Bosco.

Procurai ser educadores da juventude para a santidade, exercendo aquela típica pedagogia de santidade alegre e serena, que vos distingue. Sede acolhedores e paternos, capazes de perguntar aos jovens, em qualquer ocasião com a vossa vida: "Queres ser santo?". E não hesiteis em propor-lhes a "medida alta" da vida cristã, acompanhando-os pelo caminho de uma radical adesão a Cristo, que proclama no sermão da montanha: "Sede, pois, perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste" (Mt 5,48).

A vossa é uma história rica de santos, muitos dos quais jovens. No "Monte das bem-aventuranças juvenis", como chamais hoje ao Monte Dom Bosco onde nasceu o santo, durante a minha visita de 3 de Setembro de 1988, tive a alegria de proclamar beata Laura Vicuña, a jovem Salesiana do Chile que vós conheceis muito bem. Outros Salesianos estão a caminho rumo àquela meta: trata-se de dois irmãos de hábito, Artemide Zatti e Luís Variara, e de uma Filha de Maria Auxiliadora, Irmã Maria Romero. Em Artemide Zatti são postos em evidência o valor e a actualidade do papel do salesiano coadjutor; em Pe. Luís Variara, sacerdote e Fundador, manifesta-se uma ulterior realização do vosso carisma missionário.

4. Ao não pequeno rol de Santos e Beatos salesianos estais chamados a unir-vos também vós, empenhados a seguir os passos de Cristo, fonte de santidade para todos os crentes. Fazei com que toda a vossa Congregação resplandeça de santidade e de comunhão fraterna.

No início deste milénio, o grande desafio da Igreja consiste, como recordei na Carta apostólica Novo millennio ineunte, em "fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão" (n. 43). Para que o apostolado dê frutos de bem, é indispensável que as comunidades vivam um espírito de mútua e real fraternidade. Para realizar um único projecto educativo e pastoral, é preciso que todas as comunidades estejam unidas por um firme espírito de família. Cada comunidade seja verdadeira escola de fé e de oração aberta aos jovens, onde se torne possível partilhar as suas expectativas e dificuldades, e responder aos desafios com que os adolescentes e os jovens se devem confrontar.

Mas onde está o segredo da união dos corações e da acção apostólica a não ser na fidelidade ao carisma? Por conseguinte, tende o olhar sempre fixo em Dom Bosco. Ele vivia totalmente em Deus e recomendava a unidade das comunidades à volta da Eucaristia. Unicamente do Tabernáculo pode brotar aquele espírito de comunhão que se torna fonte de esperança e de empenho para cada crente.

O afecto pelo vosso Pai continue a inspirar-vos e a apoiar-vos. Os seus ensinamentos convidam-vos à confiança recíproca, ao perdão quotidiano, à correção fraterna, à alegria da partilha. Foi este o caminho que ele percorreu, e sobre o qual também vós podereis atrair os fiéis leigos, especialmente os jovens, para partilhar a proposta evangélica e vocacional que vos associa.

5. Como podeis ver, a referência aos jovens ocorre com muita frequência, também nesta Mensagem. Não admira que exista este vínculo que une os Salesianos com a juventude.

Poderíamos dizer que os jovens e os Salesianos caminham juntos. Caríssimos, a vossa vida, de facto, realiza-se à volta da juventude, como desejava Dom Bosco. Sois felizes entre eles e eles regozijam-se com a vossa presença amiga. As vossas são "casas" onde eles se sentem bem. Não é este o apostolado que vos distingue em todas as partes do mundo? Continuai a abrir os vossos Institutos sobretudo aos jovens pobres, para que neles se sintam como "na própria casa", usufruindo da laboriosidade da vossa caridade e do testemunho da vossa pobreza. Acompanhai-os na sua inserção no mundo do trabalho, da cultura, da comunicação social, promovendo um clima de optimismo cristão no contexto de uma clara e forte consciência dos valores morais. Ajudai-os a ser, por sua vez, apóstolos dos seus amigos e coetâneos.

Esta empenhativa acção pastoral relaciona-vos com as numerosas realidades que trabalham no campo da educação das novas gerações. Estai preparados para oferecer generosamente o vosso contributo nos vários níveis, cooperando com todos os que elaboram as políticas educativas nos Países onde vos encontrais. Defendei e promovei os valores humanos e evangélicos: do respeito da pessoa ao amor pelo próximo, sobretudo pelos pobres e marginalizados. Trabalhai para que a realidade multicultural e multi-religiosa da sociedade de hoje caminhe rumo a uma integração cada vez mais harmoniosa e pacífica.

6. Caríssimos Filhos de Dom Bosco, está-vos confiada a vós a tarefa de ser educadores e evangelizadores dos jovens do terceiro milénio, chamados a ser "sentinelas do futuro", como lhes disse em Tor Vergata, por ocasião do Dia Mundial da Juventude do Ano 2000. Caminhai juntamente com eles, ajudando-os com a vossa experiência e com o vosso testemunho pessoal e comunitário. A Virgem Santa vos acompanhe, aquela que invocais com o bonito título de Maria Auxiliadora. Seguindo Dom Bosco, tende sempre confiança nela, proponde a sua devoção a quantos encontrades. Com a sua ajuda pode-se fazer muito; aliás, como gostava de repetir Dom Bosco, na vossa Congregação foi ela quem fez tudo.

O Papa exprime o seu contentamento pelo vosso empenho apostólico e educativo e reza por vós, para que possais continuar a caminhar em plena fidelidade à Igreja e em estreita colaboração entre vós. Acompanhem-vos Dom Bosco e todos os Santos e Beatos salesianos.

Corroboro estes votos com uma especial Bênção apostólica, que vos envio a vós, Membros do Capítulo Geral, aos Irmãos espalhados em todo o mundo e a toda a Família salesiana.



Vaticano, 22 de Fevereiro de 2002, Festa da Cátedra de São Pedro.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA VIII ASSEMBLEIA GERAL


DA PONTIFÍCIA ACADEMIA PARA A VIDA


Quarta-feira, 27 de Fevereiro de 2002

1. Estimados e ilustres membros da Pontifícia Academia para a Vida, repete-se mais uma vez o nosso encontro, que constitui para mim sempre um motivo de alegria e de esperança.

A minha saudação chegue com profunda cordialidade a cada um de vós pessoalmente. Agradeço em particular ao Presidente, Professor Juan de Dios Vial Correa, as amáveis palavras com que se dignou fazer-se intérprete dos vossos sentimentos. Dirijo também um pensamento especial ao Vice-Presidente, D. Elio Sgreccia, diligente animador da actividade da Pontifícia Academia.

2. Estais a celebrar nestes dias a vossa oitava Assembleia Geral e, para esta finalidade, encontrais-vos aqui reunidos em grande número provenientes dos respectivos Países, para vos confrontardes acerca de um tema crucial no âmbito da mais vasta reflexão acerca da dignidade da vida humana: "Natureza e dignidade da pessoa humana como base do direito à vida. Os desafios do contexto cultural contemporâneo".

Escolhestes tratar um dos pontos centrais que estão na base de qualquer reflexão ulterior, quer ela seja de tipo ético-aplicativo no campo da bioética, quer de tipo sociocultural para a promoção de uma nova mentalidade em favor da vida.

Para muitos pensadores contemporâneos os conceitos de "natureza" e de "lei natural" demonstram-se aplicáveis unicamente ao mundo físico e biológico ou, enquanto expressão da ordem do cosmos, à investigação científica e à ecologia. Infelizmente, nesta perspectiva, torna-se difícil captar o significado da natureza humana em sentido metafísico, assim como o de lei natural na ordem moral.

Sem dúvida, o facto de se ter perdido quase completamente o conceito de criação, conceito que se refere a todas as realidades cósmicas, mas que reveste um significado particular em relação ao homem, contribuiu para tornar mais difícil esta passagem para a profundidade do real. Para isto contribuiu também o enfraquecimento da confiança na razão, que caracteriza grande parte da filosofia contemporânea, como realcei na Encíclica Fides et ratio (cf. n. 61).

Por conseguinte, é necessário um renovado esforço cognoscitivo para voltar a compreender na sua raiz, e em toda a sua amplitude, o significado antropológico e ético da lei natural e do conceito de direito natural com ela relacionados. De facto, trata-se de demonstrar se e como é possível "reconhecer" as características próprias de cada ser humano, em termos de natureza e dignidade, como fundamento do direito à vida, nas suas múltiplas formulações históricas. Só com esta base é possível instaurar um verdadeiro diálogo e uma colaboração autêntica entre crentes e não crentes.

3. A experiência quotidiana evidencia a existência de uma realidade básica comum a todos os seres humanos, graças à qual eles podem voltar a conhecer-se como tais. É necessário fazer sempre referência "à natureza própria e original do homem, à "natureza da pessoa humana", que é a própria pessoa na unidade de alma e corpo, na unidade das suas inclinações tanto de ordem espiritual como biológica, e de todas as outras características específicas necessárias à obtenção do seu fim" (Veritatis splendor VS 50 cf. também Gaudium et spes, GS 14).

Esta natureza peculiar fundamenta os direitos de cada indivíduo humano, que tem a dignidade de pessoa desde o momento da sua concepção. Esta dignidade objectiva, que tem a sua origem em Deus Criador, baseia-se na espiritualidade que é própria da alma, mas é também extensiva à sua corporeidade, que é uma sua componente fundamental. Dela, ninguem pode privar outrem, aliás todos a devem respeitar em si e no próximo. É uma dignidade igual em todos e que permanece completa em qualquer estádio da vida humana individual.

O reconhecimento desta dignidade natural é a base da ordem social, como nos recorda o Concílio Vaticano II: "embora existam legítimas diversidades entre os homens, a igual dignidade das pessoas exige que se chegue a condições de vida justas e mais humanas" (Gaudium et spes, GS 29). A pessoa humana, com a sua razão, é capaz de reconhecer tanto esta dignidade profunda e objectiva do próprio ser, como as exigências éticas que delas derivam. Por outras palavras, o homem pode ler em si o valor e as exigências morais da própria dignidade. É uma leitura que constitui uma descoberta sempre perfectível, segundo as coordenadas da "historicidade" típicas do conhecimento humano.

Foi quanto realcei na Encíclica Veritatis splendor, a respeito da lei moral natural que, segundo as palavras de São Tomás de Aquino, "não é mais do que a luz da inteligência infundida por Deus em nós. Graças a ela, conhecemos o que se deve cumprir e o que se deve evitar. Esta luz e esta lei, Deus concedeu-as na criação" (n. 40; cf. também Catecismo da Igreja Católica, CEC 1954-1955).

4. É importante ajudar os nossos contemporâneos a compreender o valor positivo e humanizante da lei moral natural, esclarecendo uma série de desentendimentos e de interpretações falazes.

O primeiro equívoco que deve ser eliminado é "o suposto conflito entre liberdade e natureza", que "se repercute também sobre a interpretação de alguns aspectos específicos da lei natural, sobretudo da sua universalidade e imutabilidade" (Veritatis splendor VS 51). Com efeito, também a liberdade pertence à natureza racional do homem e pode e deve ser orientada pela razão: "graças precisamente a esta "verdade", a lei natural implica a universalidade. Aquela, enquanto inscrita na natureza racional da pessoa, impõe-se a todo o ser dotado de razão e presente na história" (ibid.).

5. Outro ponto que deve ser esclarecido é o suposto carácter estático e fixista atribuído à noção de lei moral natural, sugerido talvez por uma errada analogia com o conceito de natureza próprio das realidades físicas. Na verdade, o carácter de universalidade e obrigatoriedade moral estimula e impele o crescimento da pessoa. "Para se aperfeiçoar na sua ordem específica, a pessoa deve praticar o bem e evitar o mal, deve vigiar pela transmissão e conservação da vida, aperfeiçoar e desenvolver as riquezas do mundo sensível, promover a vida social, procurar o verdadeiro, praticar o bem, contemplar a beleza" Veritatis splendor, 51, cf. São Tomás, Summa Theologica, I-II, q. 94, a. 2).

Com efeito, o Magistério da Igreja apela à universalidade e ao carácter dinâmico e perfectivo da lei natural em referência à transmissão da vida, tanto para manter no acto procriativo a plenitude da união esponsal, como para manter no amor conjugal a abertura à vida (cf. Humanae vitae HV 10 Instrução Donum vitae, II, 1-8). Analogamente, o Magistério chama a atenção para o tema do respeito da vida humana inocente: o pensamento vai para o aborto, a eutanásia, a supressão e experimentação destruidora dos embriões e dos fetos humanos (cf. Evangelium vitae EV 52-67).

6. A lei natural, enquanto regula as relações inter-humanas, qualifica-se como "direito natural" e, como tal, exige o respeito integral da dignidade de cada indivíduo na sua busca do bem comum. Uma autêntica concepção do direito natural, entendido como tutela da iminente e inalienável dignidade de cada ser humano, é garantia de igualdade e dá um verdadeiro conteúdo àqueles "direitos do homem" que foram postos como fundamento das Declarações internacionais.

De facto, os direitos do homem devem relacionar-se com o que o homem é por sua natureza e em virtude da própria dignidade, e já não com as expressões das opções subjectivas próprias de quantos detêm o poder de participar na vida social ou daqueles que obtêm o consentimento da maioria. Na Encíclica Evangelium vitae denunciei o perigo grave que esta falsa interpretação dos direitos do homem, como os direitos da subjectividade individual ou colectiva, separada da referência à verdade da natureza humana, possa levar também os regimes democráticos a transformarem-se num substancial totalitarismo (cf. nn. 19-20).

Sobretudo, entre os direitos fundamentais do homem, a Igreja católica reivindica para cada ser humano o direito à vida como direito primário. Fá-lo em nome da verdade do homem e em tutela da sua liberdade, que não pode subsistir a não ser no respeito da vida. A Igreja afirma o direito à vida de cada ser humano inocente e em todos os momentos da sua existência. A distinção que por vezes é sugerida nalguns documentos internacionais entre "ser humano" e "pessoa humana", para depois reconhecer o direito à vida e à integridade física unicamente à pessoa já nascida, é uma distinção artificial sem fundamento, nem científico nem filosófico: cada ser humano, desde a sua concepção até à sua morte natural, possui o direito inviolável à vida e merece todo o respeito devido à pessoa humana (cf. Donum vitae, 1).

7. Caríssimos, para concluir, desejo encorajar a vossa reflexão sobre a lei moral natural e sobre o direito natural, desejando que dela possa surgir um renovado e espontâneo impulso de instauração do verdadeiro bem do homem e de uma ordem social justa e pacífica. É voltando sempre às raízes profundas da dignidade humana e do seu verdadeiro bem, é baseando-se no fundamento do que existe de eterno e fundamental no homem, que se pode dar início a um diálogo fecundo com os homens de qualquer cultura com vista a uma sociedade inspirada nos valores da justiça e da fraternidade.

Agradecendo-vos mais uma vez a vossa colaboração, confio as actividades da Pontifícia Academia para a Vida à Mãe de Jesus, Verbo encarnado no seu seio virginal, para que vos acompanhe no empenho que a Igreja vos confiou para a defesa e a promoção do dom da vida e da dignidade de cada ser humano.

Com estes votos, concedo-vos a vós e aos vossos queridos a minha afectuosa Bênção.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO ENCONTRO ESPIRITUAL


DOS BISPOS AMIGOS DO MOVIMENTO DOS FOCOLARES


28 de Fevereiro de 2002


Venerados Irmãos!

1. Recebo-vos com grande alegria, durante o vosso encontro de aprofundamento da espiritualidade de comunhão, promovido pelo Movimento dos Focolares. Dirjo a minha saudação a cada um de vós, com um especial pensamento de gratidão ao Cardeal Milislav Vlk, que se fez intérprete dos sentimentos de todos, dando a conhecer os temas do vosso encontro. Desejo reservar uma saudação particular para a fundadora do Movimento, Chiara Lubich, que quis estar aqui presente connosco.

Caríssimos, estais a reflectir sobre a comunhão, realidade constitutiva da própria natureza da Igreja. A Igreja, como sublinha o Concílio Vaticano II, encontra-se, por assim dizer, entre Deus e o mundo, reunida em nome da Santíssima Trindade para ser "sinal e também instrumento da união íntima com Deus e da unidade de todo o género humano" (Lumen gentium, LG 1). A comunhão no interior do povo cristão, portanto, pede que seja sempre assimilada, vivida e manifestada, devido também a um decidido empenho programático, quer a nível de Igreja universal, quer de Igrejas particulares.

É necessário cultivar uma autêntica e profunda espiritualidade de comunhão, como quis sublinhar na Carta apostólica Novo millennio ineunte (cf. 43). Trata-se de uma exigência que diz respeito a todos os membros da Comunidade eclesial. Este dever compete antes de tudo aos Pastores, chamados a estar vigilantes a fim de que os diversos dons e ministérios contribuam para a edificação comum dos crentes e para a difusão do Evangelho.

2. O serviço da unidade, sobre o qual vós, justamente, muito gostais de insistir, é intrinsecamente assinalado pela Cruz. O Senhor sofreu a paixão e a morte para destruir a inimizade e reconciliar os homens com o Pai e entre si. Seguindo-lhe o exemplo, a Igreja, Corpo místico de Cristo, prolonga as suas obras. Com a força do Espírito Santo participa intimamente no Mistério pascal, fora do qual não há crescimento do Reino de Deus.

A experiência da história põe em evidência que a Igreja vive a paixão e a cruz indissoluvelmente unida ao seu Senhor ressuscitado, iluminada e confortada pela presença que Ele próprio lhe garantiu para todos os dias, até ao fim do mundo (cf. Mt Mt 28,20). É o próprio Senhor, em cujo corpo glorioso permanecem os sinais dos cravos e da lança (cf. Jo Jn 20,20 Jo Jn 20,27), a associar os seus amigos aos seus sofrimentos, para os conformar depois à sua glória. Esta foi, em primeiro lugar, a experiência dos Apóstolos, a quem os crentes fazem constante referência na sua peregrinação. O seu ministério de comunhão e de evangelização gozou da mesma fecundidade do de Cristo: a fecundidade da semente, como recorda o evangelista João, que produz muito fruto se e porque morre na terra (cf. Jo Jn 12,24).

3. Sinal por excelência da tal fecundidade pascal são os frutos do Espírito, antes de mais, "amor, alegria e paz" (Ga 5,22), que caracterizam, mesmo na variedade dos estilos e carismas, o testemunho dos santos de todas as épocas e nações. Também na provação, também nas situações mais dramáticas nada nem ninguém pode tirar ao que vive unido a Cristo a certeza do seu amor (cf. Rom Rm 8,37-39) e a alegria de ser e de se sentir uma só coisa com Ele.

Invoco este amor, esta alegria e esta paz em abundância para cada um de vós, caríssimos Irmãos no Episcopado e para as Comunidades que vos estão confiadas. Maria, a Virgem do amor fiel, vele sobre vós e sobre o vosso ministério. Ajude-vos a caminhar em perfeita sintonia com o coração do seu divino Filho, fonte de incomensurável caridade e misericórdia. Garanto-vos uma constante recordação na minha oração e de boa vontade vos concedo uma especial Bênção, tornando-a extensiva a quantos encontrais diariamente no vosso serviço pastoral.



                                                                            Março de 2002

DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLÉIA


PLENÁRIA DO PONTIFÍCIO CONSELHO


PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS


Sexta-feira, 1 de março de 2002


Eminências
Irmãos Bispos
Irmãos e Irmãs em Cristo!

1. Viestes a Roma dos cinco continentes por ocasião da Assembleia Plenária do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais. Agradeço ao Arcebispo John Foley as cordiais palavras e a orientação que ofereceu como Presidente do Conselho, com a hábil cooperação do D. Pierfranco Pastore. Desejo aproveitar esta oportunidade para agradecer a todo o Conselho a ajuda que continua a prestar ao meu ministério apostólico. No mundo de hoje, de que maneira deve o Sucessor de Pedro realizar a sua missão de anunciar o Evangelho e de confirmar os seus irmãos e as suas irmãs na fé, a não ser através dos meios de comunicação social? Estou profundamente consciente disto e, portanto, estou muito grato a vós e a grupos como os Cavaleiros de Colombo, que apoiam generosamente a vossa obra.

2. Acolho favoravelmente o tema que escolhestes para esta Assembleia Plenária: "Os Meios de Comunicação Social e a Nova Evangelização: actividades actuais e projectos para o futuro". De facto, é fundamental considerar o nosso empenho com o mundo dos meios de comunicação social como uma parte vital daquela nova evangelização para a qual o Espírito Santo chama agora a Igreja no mundo. Como realcei na minha Carta Apostólica Novo millennio ineunte, devemos descobrir "um programa pastoral... que permita levar o anúncio de Cristo às pessoas, formar as comunidades, penetrar em profundidade na sociedade e na cultura através do testemunho dos valores evangélicos" (n. 29). Não é suficiente esperar que as coisas aconteçam ou empenhar-se casualmente: é o momento de realizar uma programação concreta e eficaz como a que estais a fazer nesta Assembleia Plenária. O principal desafio é encontrar as formas para garantir que a voz da Igreja não seja marginalizada ou silenciada na arena moderna dos meios de comunicação social. Deveis desempenhar um papel ao garantir que o Evangelho não seja limitado a um mundo estreitamente privado. Não! Jesus Cristo deve ser proclamado ao mundo; e portanto a Igreja deve entrar no grande foro dos meios de comunicação social com coragem e confiança.

3. Não devemos só usar os meios de comunicação social para anunciar Cristo ao mundo, mas também devemos pregar o Evangelho ao mundo dos mass media. Tudo o que eu disse a respeito da Internet também é válido para os meios de comunicação social: é "um novo "foro", entendido no antigo sentido romano... um espaço urbano apinhado e movimentado, que reflectia a cultura circunvizinha e criava uma cultura que lhe era própria" (Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2001, n. 2; ed port. de 26/01/2002, pág. 7).

Estais chamados a oferecer à Igreja a inspiração e as ideias para aquela grande obra, recorrendo aos modelos mais altos de profissionalidade e aos recursos mais profundos da fé cristã e da tradição católica.

Esta foi uma tarefa à qual o Pontifício Conselho se dedicou com grande energia. Durante esta Assembleia Plenária, por exemplo, publicareis dois importantes documentos que estão a ser preparados há anos: "Ética na Internet" e "Igreja e Internet". Eles são sinais não só da vossa criatividade profissional, mas também do vosso empenho de anunciar a Boa Nova no resplandecente mundo das comunicações sociais.

4. O Evangelho vive sempre em diálogo com a cultura, porque a Palavra eterna nunca deixa de estar presente na Igreja e na humanidade. Se a Igreja se afasta da cultura, o próprio Evangelho fica sem voz. Por conseguinte, não devemos ter medo de atravessar o limiar cultural da actual revolução da comunicação e da informação. "Assim como as novas fronteiras dos outros tempos, também esta está cheia da ligação entre perigos e promessas, e não está desprovida do sentido de aventura que caracterizou os outros grandes períodos de mudança" (ibid.).

Para a Igreja a tarefa consiste em fazer com que a verdade de Cristo exerça uma influência sobre este novo mundo, com todas as suas promessas e interrogações. Isto exigirá, sobretudo, a promoção de uma ética autenticamnete humana para criar comunhão e não alienação entre os indivíduos (cf. Novo millennio ineunte, 43) e solidariedade em vez de inimizade entre os povos.

Contudo, a questão fundamental é: "Desta galáxia de imagens e sons, emergirá o rosto de Cristo e ouvir-se-á a sua voz?" (Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2002, n. 6; ed. port. de 26/01/2002, pág. 7). Em toda a nossa programação, nunca podemos esquecer que Cristo é a Boa Nova! Não temos nada para oferecer a não ser Jesus, o único mediador entre Deus e o homem (cf. 1Tm 2,5). Evangelizar significa simplesmente permitir que Ele seja visto e escutado, porque sabemos que se não há espaço para Cristo, também não há espaço para o homem.

Portanto, queridos Irmãos e Irmãs, exorto-vos, em toda a vossa programação, a dedicar um espaço a Cristo. Na imprensa, na rádio e na televisão, no mundo do cinema e da Internet, procurai abrir-lhe as portas, a Ele que é para nós tão misericordiosamente a porta da salvação. Então, o mundo dos meios de comunicação social será um mundo de comunicação autêntica, um mundo feito não de ilusão, mas de verdade e de alegria. Rezo com fervor para que isto aconteça e confio a vossa obra a Maria, Mãe do Verbo Encarnado. Concedo de bom grado a Bênção apostólica a todos os que estão empenhados na obra do Pontifício Conselho, como penhor da presença de Cristo entre vós e da sua força para tudo o que fazeis em Seu nome.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


ÀS SERVAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS


REUNIDAS EM CAPÍTULO GERAL


Sábado, 2 de Março de 2002



À Reverenda Madre Rita Burley
Superiora Geral das Escravas do Coração de Jesus
e às Irmãs participantes na XVII Congregação Geral

1. Na ocorrência da celebração da XVII Congregação Geral em Roma, que representa um acontecimento de particular importância para vós, dirijo-vos uma saudação muito cordial, ao mesmo tempo que vos convido a escutar com docilidade a voz do Espírito, para descobrir os caminhos que vos permitam viver, hoje, com fidelidade criativa ao carisma da fundação, a consagração ao Senhor e a missão de serviço incondicional à Igreja.


Discursos João Paulo II 2002