Discursos João Paulo II 2001 - Sexta-feira, 16 de Novembro de 2001

AOS SUPERIORES E ALUNOS DO


PONTIFÍCIO COLÉGIO CROATA DE SÃO JERÓNIMO


16 de Novembro de 2001




Senhor Cardeal
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Irmãos e Irmãs em Cristo

1. Estou feliz por vos acolher na ocasião das celebrações do primeiro centenário do Pontifício Colégio Croata de Sao Jerónimo in Urbe, que estão a terminar nestes dias. Dirijo-vos a minha cordial saudação de boas-vindas, saudando-vos em nome de "Jesus Cristo, nossa esperança" (1Tm 1,1).

Agradeço ao meu Venerado Irmão D. Ratko Peric, Bispo de Mostar-Duvno e Administrador Apostólico de Trebinje, pelas afectuosas palavras que me dirigiu em nome de todos.

A importante presença croata em Roma foi assinalada no decusso dos séculos mediante as "instituiçoes jeronimianas", entre as quais o Cabido, o Hospício e a Confraternidade, erectas e aprovadas pelos Sumos Pontífices em diversas épocas e postas ao serviço da nobre Nação croata. O vosso Colégio coloca-se na esteira desta presença plurissecular, constituindo um admirável sinal da actividade dos croatas católicos. Idealizado num contexto eclesiástico e cultural específico, foi erecto pelo meu predecessor, Leão XIII, com a Carta apostólica Slavorum gentem, de 1 de Agosto de 1901, como "Collegium Hieronymianum pro Chroatica Gente".

Chegava, assim, a cabo, num certo modo, o ambicioso projecto do Papa Pio VI, que, em 27 de Fevereiro de 1790, tinha dado vida com pouco exito ao "Collegium Chroaticum ad Sanctum Hieronymun"; a instituição, por várias razoes, nao conseguiu consolidar-se e, depois de várias tentativas de recomeço, teve de fechar definitivamente em 1889.

2. À distância de um século, podemos constatar com prazer que a iniciativa de Leão XIII de fundar o Colégio de Sao Jerónimo se mostrou providencial para a comunidade eclesiástica da Nação croata. De facto, tal Instituição, denominada durante vários decénios como "Collegium Hieronymianum Illiricorum", desenvolveu uma missão insubstituível em favor da evangelização nas queridas regiões da Croácia e da Bósnia-Herzegovina. Representou, ainda, um constante sinal da proximidadde dos Papas ao Povo croata, como também da afeição do vosso Povo ao Sucessor de Pedro. O Colégio contribuiu para conservar e incrementar os vossos patrimónios religioso e cultural, em continuidade perfeita com as instituições croatas anteriores, em Roma.

Bem preciso é o fim para que foi criado o vosso Colégio: oferecer aos sacerdotes, que "pela origem e pela língua pertencem ao Povo croata", a possibilidade de completar os próprios estudos nos Pontifícios Ateneus de Roma. A celebração do primeiro centenário constitui uma ocasião propícia para considerar a contribuição que esta benemérita Instituição deu ao apostolado da Igreja na República da Croácia e da Bósnia-Hezergovina, em sintonia com as exigências apostólicas da Igreja no início do terceiro milénio. Com efeito, "há muito trabalho à nossa espera" (cf. Novo millennio ineunte, 15) e o Espírito Santo chama-nos a "lançar-nos para o futuro" (cf. ibid, 3), olhando em frente com fé viva, esperança forte e caridade operante.

3. Chamado a ser um lugar privilegiado de formação humana, espiritual, cultural e científica dos jovens sacerdotes, o Colégio, ainda hoje, tem a missão de assegurar as condições para uma preparação idónea para o ministério pastoral dos presbíteros. Ao dar a cada aluno a possibilidade de se tornar perito nas disciplinas dos vários sectores da Teologia, da Liturgia, do Direito Canónico, da Filosofia e das Ciencias humanas, o vosso Colégio deverá, pois, esforçar-se para que o estudo vá a par e passo com uma sólida espiritualidade sacerdotal. De facto, por mais empenhativo e exigente que o estudo possa ser, ele nunca se deve realizar em prejuízo da vida espiritual e da dimensão pastoral do sacerdote.

A presença do Colégio croata na cidade de Roma exige, pois, que os alunos tenham a possibilidade de aprofundar ulteriormente a dimensão eclesial do ministério petrino, familiarizando-se com as instituições e actividades da Santa Sé, que está ao serviço da unidade da fé e da caridade de todas as Igrejas locais. Depois de terminar os seus estudos segundo as indicações dos respectivos Bispos, os alunos do Colégio poderão enriquecer, com o seu serviço, a vida da Igreja onde a Providencia os colocar.

4. Ao encontrar-vos hoje, voltam-me à mente pensamentos muito belos, que me ligam ao vosso Colégio. Como Bispo polaco, pude visitá-lo várias vezes, acolhido com amabilidade por Superiores e estudantes, no tempo do Cardeal Seper. Depois da eleição para a Cátedra de Pedro, visitei o Colégio em 21 de Outubro de 1989, por ocasião do IV centenário da construção da Igreja de Sao Jerónimo dos Croatas e do 50° aniversário da inauguração do actual edifício do Colégio. Foi nessa ocasião que pude manifestar o desejo de me dirigir em Visita pastoral às vossas queridas Regiões. Deus concedeu-me, por duas vezes, a graça de visitar a República da Croácia, em Setembro de 1994 e em Outubro de 1998. Nao poderei, além disso, esquecer a peregrinação à cidade de Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, em Abril de 1997, com a finalidade de implorar o dom da paz para toda a Regiao. E dessa vez, chegou a nevar.

Também por estes motivos, partilhando convosco a alegria deste aniversário, dou graças a Deus pela sua contínua assistência e pelos frutos de sabedoria e de graça que Ele concedeu por meio da vossa benemérita Instituição.

5. Modelo para todos vós, caros Superiores e alunos, é o Patrono celeste do Colégio, São Jerónimo. Aprendei dele a alimentar-vos da Palavra de Deus, bebendo dessa água viva que jorra para restauração das almas. Podereis, assim, permanecer fiéis ao ministério sacerdotal de que a misericórdia divina vos tornou participantes. Vele São Jerónimo sobre o Colégio, para que continue a prestar o seu precioso serviço, realizando os fins e a missão para que foi instituído.

Confio-vos a todos vós, por fim, à Virgem Maria, Rainha dos Croatas e Senhora do Grande Voto Baptismal Croata, bem como o presente e o futuro da vossa importante Instituição.

Com estes sentimentos, concedo a cada um de vós a Benção Apostólica, estendendo-a de boa vontade aos ex-Alunos que não puderam vir a Roma para esta celebração e às Comunidades eclesiais dos vossos Países.

Louvados sejam Jesus e Maria!




AOS PRELADOS DA


CONFERÊNCIA EPISCOPAL DE MYANMAR


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sábado, 17 de Novembro de 2001

Amados Irmãos no Episcopado

1. É no nome do Senhor, que constitui "o Amen, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio das criaturas de Deus" (Ap 3,14), que vos saúdo a vós, Bispos de Myanmar, no momento em que realizais a vossa quinquenal peregrinação ad limina Apostolorum. Abraço cada um de vós com alegria, no vínculo da fé, porque "conheço as vossas obras, o vosso trabalho e a vossa paciência" (cf. ibid., 2, 2). Viestes para rezar junto do túmulo dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, e o Bispo de Roma, por sua vez, deseja honrar o testemunho oferecido pelos fiéis de Cristo na vossa Pátria. Myanmar é uma terra em que a Igreja, nos seus primórdios, conheceu o martírio e ainda hoje vive perto da Cruz do Salvador. Contudo, a Cruz é a fonte da nossa esperança e da nossa certeza, porque cada graça que ilumina e fortalece o coração humano provém do lado ferido do Senhor crucificado. Deste mistério salvífico, haveis de receber a fortaleza para voltardes a partir pelos mares da missão da Igreja: o imenso oceano da evangelização que se estende diante de nós, no alvorecer no terceiro milénio cristão.

2. Na vossa visita ad limina Apostolorum, trazeis convosco as alegrias e as tristezas, as esperanças e as desilusões, não apenas dos fiéis confiados ao vosso cuidado pastoral, mas do povo de Myanmar no seu conjunto. Entre as dificuldades encontram-se a grande pobreza, apesar dos abundantes recursos da terra e as limitações impostas aos direitos e às liberdades fundamentais. Estes problemas são, de inúmeras formas, agravadas pelo isolamento, que é ainda mais prejudicial no momento em que a interacção entre os povos e entre as nações está a aumentar, dia a dia, e a crescer na sua complexidade. Além disso, o mundo está a atravessar um período de perturbação, em que uma inesperada agitação se tem difundido a nível da comunidade internacional. Nesta situação, os Pastores da Igreja devem preocupar-se ainda mais, em ordem a permanecer próximos dos seus povos e para os conduzir pelo caminho do Evangelho.

Nesta tarefa, somos orientados pelo próprio Senhor: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jn 14,6). O próprio Jesus Cristo é o caminho, porque só Ele é a verdade salvífica que leva para a plenitude da vida a que todos os povos aspiram. Esta é a magnificência da nossa fé, que brilhou de maneira deveras esplêndida durante o Ano do Grande Jubileu. Nesse tempo de graça, toda a Igreja contemplou de modo mais profundo e jubiloso o rosto de Jesus Cristo, desfigurado pelo sofrimento mas radiante na glória de Deus (cf. 2Co 4,6 cf. também Novo millennio ineunte 2Co 25-28). Nesse rosto, vislumbramos tanto a imensidão do amor divino como a grandeza da dignidade do homem. É disto que, nos dias de hoje, Jesus Cristo fala à Igreja que está em Myanmar, exortando-vos, a vós e os fiéis em geral, para uma nova descoberta da "extraordinária riqueza da sua graça [de Deus], pela bondade que teve para connosco em Jesus Cristo" (Ep 2,7).

3. Ao contemplardes o rosto de Jesus Cristo, vós e o vosso povo haveis de encontrar a força para viver a humildade, a pobreza e até mesmo a solidão da vossa situação, não como um peso mas como uma virtude evangélica, que vos exalta e vos liberta. "Segundo as palavras inequívocas do Evangelho, que acabámos de referir, há na pessoa dos pobres uma particular presença de Cristo, obrigando a Igreja a uma opção preferencial por eles" (Novo millennio ineunte, 49).

Queridos Irmãos, bem sei que até mesmo com a vossa escassez de recursos, escolhestes seguir este caminho. O vosso testemunho será ainda mais convincente, contanto que os outros consigam ver "com maior clarividência a dedicação a que pode levar a caridade para com os mais pobres" (cf. Novo millennio ineunte, 49). Esta foi uma das principais exortações da X Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, realizada recentemente, durante a qual os Padres sinodais realçaram a necessidade que os próprios Bispos têm, de ser verdadeiramente patres pauperum.

4. Dilectos Irmãos, sede decididos quando se trata de seguir o caminho da liberdade evangélica, que é a senda de uma obediência cada vez mais profunda a Jesus Cristo. Existe um paradoxo no facto de que, quando prevalece o poder humano, as acções escravizam; todavia, quando nos sujeitamos ao poder de Cristo, a nossa obediência torna-se verdadeiramente libertadora. Este é o paradoxo da vida em Cristo, o Único que já "venceu o mundo" (Jn 16,33). Devemos ter como ponto de referência a verdade das palavras do Apóstolo: "Tudo posso naquele que me dá força" (Ph 4,13), e a verdade da promessa feita pelo próprio Senhor: "Ninguém vos poderá tirar a vossa alegria" (Jn 16,22). É no meio da aflição que poderemos experimentar a liberdade e o júbilo da Páscoa!

Viver desta maneira significa deixar atrair-se por aquele amor que se encontra no centro da "espiritualidade da comunhão" (Novo millennio ineunte, 43), para a qual os Bispos são chamados de forma particular. A comunhão da qual somos os servidores e os administradores é o fruto maravilhoso da decisão da Santíssima Trindade divina, de habitar no meio de nós (cf. Novo millennio ineunte, 43). É esta novidade da graça nos nossos corações, que torna os Bispos capazes de viver uma colegialidade afectiva e efectiva com o Sucessor de Pedro e o Episcopado no mundo inteiro; além disso, torna-os capazes de viver também próximos dos seus presbíteros, num vínculo de abertura fraternal e de solicitude paternal; a trabalhar num espírito de colaboração com os religiosos consagrados e os fiéis leigos da sua diocese; e a abraçar com um amor particular os pobres e os oprimidos, porque vêem no rosto destes irmãos e destas irmãs a luz do próprio Deus (cf. ibidem; cf. também Mt 25,35-37). Nesta graça, haveis de encontrar a força de promover a autêntica compreensão ecuménica entre todos os cristãos, e de fomentar o diálogo inter-religioso, que é extremamente importante num período em que as relações entre os povos de diferentes culturas e tradições estão sujeitos a uma grande tensão.

Por conseguinte exorto-vos, a vós estimados Irmãos, a permitir que a vossa vida espiritual e o vosso ministério pastoral sejam modelados cada vez mais por aquela espiritualidade da comunhão, sem a qual o múnus episcopal não terá vida nem energia, tornando-se desencorajador e incómodo. Exorto-vos a meditar de modo incessante sobre as exigências práticas desta espiritualidade e a agir, confiada e corajosamente, como exemplos e mestres desta comunhão. Só assim realizareis com perfeição cada vez maior o vosso ministério, para o qual fostes chamados por Aquele que deseja que "a vossa alegria seja completa" (cf. Jo Jn 16,24).

5. A Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Asia especificou de modo claro que "a comunhão e a missão estão inseparavelmente ligadas entre si" (n. 24). Como continuação do grande Jubileu, toda a Igreja é interpelada para uma nova evangelização, haurindo inspiração das palavras de Jesus Cristo: "Duc in altum!" (Lc 5,4). Este é o tempo para a realização de novos esforços pastorais! Todos os baptizados - Bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos em geral - devem estar preparados para desempenhar o seu papel na tarefa que lhes é própria, em relação à Igreja que está em Myanmar. Os sinais da graça são visíveis em toda a parte, no meio de vós. Um deles é o consolador número de vocações, tanto para o sacerdócio como para a vida consagrada; outro é a devoção e o entusiasmo do vosso povo. Contudo, é necessário realizar mais. A chave para o bom êxito é a formação adequada a todos os níveis, especialmente para os vossos sacerdotes. Vós sabereis que iniciativas deveis tomar, em ordem a oferecer uma formação espiritual, intelectual e pastoral, incluindo a formação para o magistério social da Igreja. Da mesma forma, tudo o que puderdes realizar para aperfeiçoar a preparação dos catequistas será de grande benefício, uma vez que eles desempenham um papel indispensável na transmissão da fé e na manutenção do vigor das vossas comunidades. Também a vida consagrada, com a sua abundância de vocações, exige a atenção de cada um dos Bispos e a da Conferência Episcopal no seu conjunto, a fim de que as suas estruturas possam ser fortalecidas e os seus membros recebam uma formação sólida.

6. Dilectos Irmãos Bispos, as exigências do vosso ministério são intermináveis e vós não desconheceis obstáculos e até mesmo oposições, e contudo continuais a ser - em conformidade com as palavras do recente Sínodo dos Bispos - servidores corajosos do Evangelho de Jesus Cristo, para a esperança do mundo. Que esta esperança nunca cesse de crescer em riqueza e força dentro de vós, "até que venha o dia e a estrela matutina nasça nos vossos corações" (2P 1,19). Enquando invoco sobre vós uma renovada abundância dos dons do Espírito Santo e confio toda a família de Deus que está em Myanmar à intercessão de Maria, Mãe do Redentor, é de bom grado que vos concedo a minha Bênção apostólica como penhor da misericórdia infinita em Jesus Cristo, o Primeiro e o Último, O que vive (cf. Ap Ap 1,17-18).




AOS PARTICIPANTES NUM ENCONTRO DO


PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A UNIDADE DOS CRISTÃOS


: Sábado, 17 de Novembro de 2001



Dilecto Cardeal Kasper
Queridos Amigos em Cristo

É com imenso prazer que vos recebo, a vós, participantes na Sessão Plenária do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, no encerramento desta vossa semana de encontros.

Na verdade e no amor: estas podem ser as palavras que expressam a essência do vosso estudo e dos vossos debates durante estes dias, enquanto procurastes avaliar os progressos realizados ao longo dos últimos tempos no campo do diálogo ecuménico. Formulo votos a fim de que a minha Mensagem no início do vosso encontro vos tenha persuadido de que, para o Bispo de Roma e para a Igreja católica, o movimento rumo à comunhão visível de todos os seguidores de Cristo não constitui meramente um apêndice da actividade da Igreja, mas uma característica essencial da sua vida e missão.

Enquanto agradeço a cada um de vós a sua dedicação e a competência com que está a servir a Igreja nesta delicada tarefa, desejo encorajar-vos a realizar esforços ainda maiores. Está a tornar-se cada vez mais evidente que o mundo tem necessidade do testemunho unido de todos os cristãos. Num mundo cada vez mais globalizado, as divisões entre os cristãos representam, hoje mais do que nunca, um obstáculo para a proclamação do Evangelho.

Invoco sobre todos vós os dons espirituais da sabedoria e da fortaleza, enquanto exprimo o meu apreço e a minha gratidão pessoais.

Encontrais-vos aqui reunidos com os representantes das Comunidades episcopalianas americanas na Europa, que neste fim de semana se reúnem para a sua assembleia anual.

Prezados Amigos, saúdo-vos e agradeço-vos a vossa presença. Entre vós, estão também presentes vários jovens, que constituem um sinal seguro da esperança de que a busca da unidade cristã será continuada por uma nova geração de homens e de mulheres comprometidos em fazer da oração do Senhor uma realidade: "Para que todos sejam um só" (Jn 17,20). Peço a Deus que derrame sobre vós as suas bênçãos mais ricas, durante estes dias dos vossos encontros e da vossa visita a Roma. Através das vossas pessoas, transmito as minhas saudações e os meus bons votos no Senhor, a todas as paróquias episcopalianas americanas na Europa. "Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo" (1Co 1,3).



DISCURSO DO SANTO PADRE AOS PARTICIPANTES


NA CONFERÊNCIA PROMOVIDA PELO


PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A


PASTORAL NO CAMPO DA SAÚDE


Sábado, 17 de Novembro de 2001

: Veneráveis Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Sinto-me feliz por vos dirigir as minhas cordiais boas-vindas a todos vós, que participais na XVI Conferência internacional, promovida pelo Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, sobre o seguinte tema: "Saúde e poder".

Dirijo a minha saudação afectuosa ao Presidente do vosso Pontifício Conselho, Sua Ex.cia D. Javier Lozano Barragán, a quem agradeço as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos os presentes. Faço extensivo o meu pensamento a todos vós, que trabalhais num campo tão significativo para a qualidade da vida humana e para o anúncio do Evangelho.

O tema do vosso Congresso é comprometedor e complexo, além de ser actual e urgente; em particular, é singularmente útil para renovar a cultura do serviço à saúde e à vida, a partir da atenção às pessoas que são mais frágeis e vivem na indigência.

Na Carta Encíclica Sollicitudo rei socialis, eu recordava que "entre as acções e as atitudes opostas à vontade de Deus e ao bem do próximo, e as "estruturas" a que elas induzem, as mais características hoje parecem ser sobretudo duas: por um lado, há a avidez exclusiva do lucro; e, por outro lado, a sede do poder, com o objectivo de impor aos outros a própria vontade... "a qualquer preço"" (n. 37).

Alegro-me com cada um de vós que, durante estes dias de estudo, desejais oferecer uma contribuição específica a fim de que no mundo da saúde o exercício do poder não se inspire no desejo do domínio ou do lucro, mas seja animado por um sincero espírito de serviço. Assim como em todos os [outros] campos, também no âmbito da saúde o exercício do poder é bom, quando promove o bem integral da pessoa e de toda a comunidade.

Esta harmonia realiza-se plenamente no mistério de Cristo, em quem o Pai nos escolheu como filhos adoptivos e, mediante a riqueza da graça, nos deu "a conhecer [a nós] o mistério da sua vontade, segundo o beneplácito que n'Ele de antemão estabelecera, para ser realizado ao completarem-se os tempos: reunir sob a chefia de Cristo todas as coisas que há no Céu e na Terra" (Ep 1,9-10).

2. Através desta vossa Conferência internacional, desejais realizar, à luz dos dados revelados, uma aprofundada leitura da realidade do campo da saúde, em conformidade com cada um dos seus aspectos. No mundo da saúde encontram-se e actuam-se diversos tipos de poder: desde o económico e político até ao poder ligado aos instrumentos de comunicação, do profissional ao das indústrias farmacêuticas, do poder dos organismos nacionais e internacionais ao das organizações religiosas.

Tudo isto dá origem a uma intensa rede de intervenções em que, por um lado, se evidenciam as imensas possibilidades já existentes para melhorar o serviço à vida e à saúde e, por outro, se realça o perigo dos poderes exercidos de modo não respeitador da vida nem do homem.
A uma realidade tão vasta e complexa, a vossa reflexão pretende oferecer elementos preciosos para um discernimento ético e pastoral, valorizando também as contribuições que derivam de um diálogo inter-religioso assente no respeito.

Formulo votos a fim de que estes dias de estudo realcem indicações úteis, especialmente no que se refere à acção social e espiritual da Igreja no campo do cuidado à saúde, considerada na sua integridade.

Para compreendermos e vivermos correctamente cada uma das formas de "poder" no mundo da saúde, é necessário conservarmos o nosso olhar fixo em Cristo. É Ele, o Verbo que se fez carne, que tomou sobre si as nossas enfermidades para depois as curar. É Ele que, vindo para servir e não para ser servido, nos ensina a exercer todas as formas de poder como serviço à pessoa, especialmente se é ela fraca e frágil. É Ele que assumiu a humanidade dolorosa, para lhe restituir o rosto transfigurado da ressurreição.

3. Quando vai ao encontro das pessoas que vivem em condições de enfermidade, de sofrimento ou de deficiência, a Igreja é impelida pelo desejo de anunciar e de dar testemunho do Evangelho da vida. Ao fazê-lo, ao mesmo tempo, ela oferece uma colaboração concreta para a construção harmónica da sociedade.

Diante de uma difundida cultura de indiferença e, às vezes, até mesmo de desprezo pela vida, perante a aberta busca do predomínio por parte de uns sobre os outros, com a consequente marginalização dos pobres e das pessoas frágeis, hoje é mais necessário do que nunca oferecer critérios sólidos, para que o exercício do poder no mundo da saúde se ponha, em todas as situações, ao serviço da dignidade da pessoa humana e do bem comum.

É de bom grado que aproveito este ensejo para lançar um apelo urgente àqueles que, neste importante sector, desempenham funções de responsabilidade a fim de que, em espírito de colaboração construtiva, se comprometam em ordem a promover uma efectiva cultura da solidariedade, tendo em conta as condições das pessoas que vivem em países caracterizados por uma preocupante indigência a níveis material, cultural e espiritual.

Neste sentido, faço-me porta-voz de cada uma das pessoas doentes e portadoras de sofrimento, assim como dos povos feridos pela pobreza e pela violência, a fim de que também para eles e para toda a humanidade surja um futuro de justiça e de solidariedade.

Todos os que têm o dom da fé devem sentir-se particularmente comprometidos, com o seu próprio comportamento, em dar testemunho da esperança evangélica. Com efeito, somente com o amor e o serviço é possível curar e sarar, lançando assim as bases de um mundo renovado.

Com estes votos, confio os trabalhos da vossa Conferência e as vossas pessoas à protecção maternal da Virgem Santíssima e, do íntimo do coração, concedo a cada um de vós uma especial Bênção apostólica.




A UMA PEREGRINAÇÃO DE UCRANIANOS


ACOMPANHADOS DOS SEUS CARDEAIS


DE RITO ORIENTAL E LATINO


Segunda-feira, 19 de Novembro de 2001




Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
Estimados Irmãos e Irmãs em Cristo

1. Sede bem-vindos à casa do Papa, vós que hoje vos encontrais aqui reunidos para retribuir a visita que tive a alegria de realizar ao vosso País, no passado mês de Junho. Saúdo o Cardeal Lubomyr Husar e o Cardeal Marian Jaworski, enquanto lhes agradeço as cordiais palavras com que interpretaram os sentimentos de todos os presentes. Juntamente com eles, saúdo os Bispos da Igreja greco-católica e da Igreja latina, os sacerdotes, os religiosos e os leigos dos dois ritos.

Conservo sempre na memória e no coração a recordação dos dias intensos que passei no meio de vós, enquanto dou graças a Deus Trino e Uno, por me ter concedido beijar a Terra ucraniana e encontrar o seu nobre povo. A intenção da minha visita era prestar homenagem à fidelidade do vosso povo ao Evangelho de Cristo, ao longo dos tempos, de maneira especial no século que acaba de terminar, durante o qual as vossas Igrejas viveram a experiência dolorosa e, ao mesmo tempo, gloriosa da confissão da fé até ao martírio.

Durante a minha viagem, pude admirar com emoção como o vosso povo conservou a sua fé, apesar dos períodos de dificuldade e da aspereza da perseguição, e que hoje se sente orgulhoso porque pode professá-la livremente. Formulo-vos votos, a vós caríssimos Irmãos e Irmãs, para que saibais cultivar com sabedoria esta "teoforia" da tradição cristã ucraniana, a fim de tirar daí o necessário alimento para a vida cristã de todos os dias.

2. A existência na Ucrânia, de três rito veneráveis bizantino, latino e arménio dá testemunho da dimensão universal da Igreja, presente em diferentes culturas, e manifesta de maneira visível o mistério de comunhão que une todos os crentes em Cristo. Por este motivo, entre vós não deve existir qualquer rivalidade, mas respeito recíproco e amor: "O Deus da esperança e da consolação conceda-vos que tenhais os mesmos sentimentos uns com os outros, a exemplo de Jesus Cristo. E assim vós, em conjunto e em uníssono, dai glória ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 15,5-6).

Exorto-vos a compartilhar, em atitude de recíproco intercâmbio de dons, os vossos tesouros espirituais e a aceitar tudo quanto pode completar, enriquecer e revigorar a vossa experiência de vida cristã e o vosso testemunho. Com efeito, a história ensina que uma comunidade que se fecha em si mesma está destinada a condenar-se a si própria a um empobrecimento interior, limitando assim as suas possibilidades de acção apostólica.

As vossas Igrejas particulares manifestam, cada uma com as suas próprias tradição, espiritualidade e culto, como ensina Santo Inácio Teóforo, a magnífica sinfonia interior da Igreja de Cristo. Desta forma, na sua unidade católica, elas são e continuarão a ser guardiãs e portadoras de um imenso património espiritual em que podem beber todos os povos da terra.

3. Estimados Irmãos e Irmãs, no início deste novo milénio, uma importante tarefa e uma grande responsabilidade se apresentam aos cristãos: trata-se do anúncio sempre renovado de Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida (cf. Jo Jn 14,6) para os homens e as mulheres de cada época e de todos os países. Portanto, sois chamados a tornar acessíveis, com sabedoria e eficácia, os tesouros da fé tanto àqueles que já têm algum conhecimento dos mesmos, como aos que deles se aproximam pela primeira vez. Para realizar esta missão, todos vós sabeis que, em primeiro lugar, é necessário viver com coerência a vocação recebida no Baptismo e organizar a vida pessoal e social em conformidade com a lei de Deus. Não poupeis os vossos esforços para assegurar a vós mesmos e às jovens gerações uma formação aprofundada a níveis humano, espiritual e cultural, que vos torne capazes de dar a razão da vossa esperança a todos aqueles que vo-lo perguntarem (cf. 1P 3,15).

Durante muitas décadas, um regime ateu verdadeiramente cruel procurou desenraizar Cristo da terra ucraniana: várias gerações foram educadas sem Cristo ou até mesmo contra Ele. Hoje, na vossa terra, é possível falar livremente de Deus. Todavia, para o homem contemporâneo, mergulhado na vozearia e na confusão da vida quotidiana, as palavras já não são suficientes: ele não quer somente "ouvir" falar de Cristo mas aspira a vê-lo de forma concreta (cf. Novo millennio ineunte, 16).

4. Com respeito e sincero reconhecimento da graça, própria de cada uma das Igrejas, dirijo-me a todos os cristãos do vosso imenso País católicos, ortodoxos e protestantes enquanto os interpelo com "a mansidão e a bondade de Cristo" (2Co 10,1): dai ao povo ucraniano a possibilidade de conhecer Cristo! Oferecei-lhe a oportunidade de ver o seu Salvador! Não espereis que alguém crie as condições favoráveis para o compromisso e o trabalho pastoral; suscitai-as vós mesmos, com criatividade e magnanimidade. Mas sobretudo, testemunhai com a vida e as obras a presença do Ressuscitado no meio de vós! Esta será a mensagem mais eloquente e eficaz, o serviço mais excelso que podereis prestar aos vossos compatriotas.

A realização do mandamento do amor ao próximo será a prova da verdade do vosso compromisso. Cristo Salvador no-lo ensina claramente, afirmando: "Todas as vezes que fizestes isto a um dos mais pequeninos dos meus irmãos, foi a mim que o fizestes" (Mt 25,40).

5. Queridos Bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas, catequistas homens e mulheres e fiéis de todas as Igrejas cristãs, com a vossa vida mostrai à Ucrânia o rosto divino de Jesus. Quanto mais presente estiver Cristo em cada um de vós, tanto mais credível será o vosso testemunho a favor do seu Evangelho da salvação.

Confio-vos à Santíssima Mãe de Deus, Padroeira da Ucrânia, a fim de que vos proteja a todos. Acompanho-vos a cada um com afecto e simpatia, enquanto rezo incessantemente por vós, para que o Senhor Omnipotente atenda "todas as vossas necessidades, conforme a sua riqueza em Jesus Cristo" (Ph 4,19).

Com estes sentimentos, concedo a cada um de vós a cordial Bênção apostólica que, de bom grado, faço extensiva aos vossos entes queridos e a todos os fiéis da vossa amada Pátria.

Aos peregrinos de expressão polaca

Apresento as minhas cordiais boas-vindas a todos os peregrinos de expressão polaca. Saúdo o Senhor Cardeal Marian Jaworski, Arcebispo de Lviv dos Latinos, os Bispos, os sacerdotes, os consagrados, as religiosas e os fiéis leigos em geral. Sinto-me feliz pela vossa presença aqui.

Viestes a Roma para dar graças a Deus pelos frutos espirituais da minha viagem à Ucrânia. É de bom grado que me insiro nesta vossa acção de graças, recordando os maravilhosos dias que pude passar em Kiev e Lviv. Como poderia esquecer estas magníficas cidades à margem dos rios Dniepre e Poltava, e todos aqueles lugares santificados por uma ultramilenária tradição do cristianismo? Como me senti feliz por ter podido dar glória a Deus lá onde São Vladimiro e, juntamente com ele, a Rus' inteira, receberam o Baptismo, pela fidelidade deste povo, pelo testemunho cristão que ofereceu ao longo dos séculos, sem poupar sacrifícios, até ao derramamento do seu próprio sangue! Alegro-me porque, precisamente em terras ucranianas, me foi concedido beatificar pelo menos alguns dos membros daquela inumerável multidão de mártires.

Rezo a Deus a fim de que a sementeira do seu sangue leve constantemente o florescimento da fé ao coração de cada um dos habitantes da Ucrânia.

Estou infinitamente grato a Deus por ter podido elevar à glória dos altares o Beato Arcebispo José Bilczewski. Compartilho esta minha alegria de maneira especial convosco, habitantes de Lviv, lugar onde levou a cabo o seu ministério episcopal, mas também convosco, habitantes de Wilamowice, onde ele nasceu e de onde decidiu partir. Confio-vos todos à salvaguarda deste Padroeiro com quem como pude dizer me sinto unido a nível pessoal, por um especial laço na sucessão apostólica. Aqui, desejo recordar inclusivamente o Beato Padre Sigismundo Gorazdowski. Oro a Deus, para que a intercessão deste zeloso Pastor sustente de maneira particular os sacerdotes que desempenham o seu ministério na Igreja que está na Ucrânia. Além disso, a Beata Josafata Miquelina Hordaszewska circunde com a sua protecção todas as religiosas que desempenham com abnegação a sua missão de serviço, com um coração puro, com sensibilidade feminina e com prontidão, quando se trata de prestar assistência àqueles que se encontram em necessidade.

Permanecerá inesquecível no meu coração o caloroso encontro apesar da chuva torrencial com os jovens da Ucrânia. Isto encheu-me de alegria, porque tínheis vindo para o encontro todos juntos: toda a Igreja católica, na sua dúplice tradição, que constituti a riqueza da terra ucraniana. Estou convicto de que a vossa geração, a que pertence o futuro, conservará em si mesma o entusiasmo da fé, da esperança e da caridade, que acompanhava a oração e a festa, diante do templo dedicado à Natividade da Mãe de Deus. Estimados jovens, abraço-vos a todos no meu coração.

Transmiti o meu agradecimento e a minha saudação aos vossos coetâneos da Ucrânia inteira.
De forma particular quero agradecer a Deus, juntamente convosco, o Espírito do amor fraternal que nos conservou unidos durante esses dias. Que este Espírito vos acompanhe sempre. Não deixeis que as suas inspirações esmoreçam! Oxalá Ele inflame os vossos corações, purifique as vossas consciências, fortaleça a vossa vontade de percorrer em conjunto o longo caminho que conduz para o Reino do nosso único Pai. "Há um só Senhor, uma só fé e um só baptismo. Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, que age por meio de todos e está presente em todos" (Ep 4,5-6).

Uma vez mais, agradeço a toda a Igreja que se encontra na Ucrânia a sua calorosa hospitalidade e o testemunho de uma fé verdadeiramente viva. A vós aqui presentes, transmito o meu agradecimento por terdes vindo aqui e pela vossa oração junto dos túmulos dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, segundo a intenção do meu ministério em benefício da Igreja inteira. Esta é a mais preciosa dádiva que podíeis trazer-me. Que esta oração se torne, também para vós, uma fonte de inesgotáveis graças divinas. Trasmiti a minha saudação às vossas famílias, aos vossos entes queridos e a todos aqueles que não puderam vir. Comunicai a minha bênção a todos os fiéis da Ucrânia. Deus vos abençoe a todos!





Discursos João Paulo II 2001 - Sexta-feira, 16 de Novembro de 2001