Discursos João Paulo II 2001 - 30 de Novembro de 2001

AOS PARTICIPANTES NUM SIMPÓSIO


EM HOMENAGEM AO SAUDOSO ARCEBISPO


DE ZAGRÁBIA, FRANJO SEPER


Sexta-feira, 30 de Novembro de 2001






Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Recordastes de modo muito oportuno o venerando Cardeal Franjo Seper, ex-Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, no vigésimo aniversário da sua morte. Por isso, encontrastes-vos primeiro em Zagrábia e depois em Roma, aonde viestes em grande número também vós, estimados fiéis da amada terra da Croácia. Saúdo-vos a todos com carinho, enquanto agradeço ao Arcebispo de Zagrábia, D. Josip Bozanic, o cordial discurso que me dirigiu em nome de todos. Quero transmitir uma saudação afectuosa ao Cardeal Joseph Ratzinger, que há vinte anos preside à Congregação para a Doutrina da Fé, no encargo que outrora foi ocupado pelo Cardeal Seper.

2. Assim, o meu pensamento volta-se para esse ilustre Pastor, que teve muita relevância para a vida da Igreja de Zagrábia, de modo particular de 1954 a 1968, num período muito delicado para as relações entre Igreja e Estado, primeiro como Arcebispo Coadjutor e, em seguida, a partir de 1960, sucedendo ao Beato Alojzije Stepinac, como Arcebispo Metropolitano e também como Presidente da Conferência Episcopal da Jugoslávia.

Nessa fase tão difícil da vida dos cristãos no seu país, a seguir à segunda guerra mundial, ele não se rendeu diante dos problemas mas, pelo contrário, foi promotor de importantes iniciativas, em primeiro lugar pastorais, caritativas e culturais, também no âmbito dos meios de comunicação social, para vantagem de todos os católicos croatas.

O seu ministério revestiu também um grande valor ecuménico, que o viu comprometido activamente na promoção da unidade dos cristãos. Neste contexto, quereria recordar a atenção que ele costumava reservar à Comunidade de Taizé. Ao mesmo tempo, não deixou de manter contactos com a Comunidade judaica, também depois do fim da segunda guerra mundial, da mesma forma que os tinha acompanhado durante a guerra, em conformidade com o exemplo do seu heróico Predecessor.

3. Durante aqueles anos, a actividade do Cardeal Seper não se limitou ao cuidado da sua Diocese e da Igreja no seu país. De facto, participou na preparação do Concílio Vaticano II, como membro da Comissão para os Sacramentos e da Comissão central preparatória. Durante o mesmo Concílio foi, em seguida, membro da Comissão central. Como Padre conciliar, prodigalizou-se em vantagem da introdução do diaconado permanente, da língua viva na liturgia, da comunhão sob as duas espécies e da concelebração [eucarística]. Além disso, comprometeu-se em benefício da valorização do papel dos leigos na Igreja e da promoção das relações dos cristãos com o povo judeu.

Outros pontos particulares, que ele quis realçar durante as suas intervenções, foram: a valorização da maternidade da Igreja como dimensão que empenha todos os fiéis, o enraizamento mais profundo da devoção à Mãe de Deus nas fontes bíblicas e na grande tradição, assim como o reconhecimento das responsabilidades, inclusivamente dos cristãos, na génese do ateísmo contemporâneo.

4. Os temas, que o Cardeal Seper expôs nas suas intervenções, encontraram expressão tanto nos documentos conciliares como nos pós-conciliares; portanto, compreende-se por que motivo, em 1968, o Papa Paulo VI, o nomeou Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé.

Agindo com grande sabedoria e prudência nesses anos difíceis, o Cardeal Seper pensou, em primeiro lugar, na nova organização do trabalho no seio desta Congregação, renovado nas suas finalidades e nos seus métodos. É neste contexto que se inserem, de maneira particular, a publicação do Estatuto provisório da Comissão Teológica Internacional, recém-instituída, e os primeiros passos da mesma Comissão e da nova Pontifícia Comissão Bíblica. Sob a orientação do Cardeal Seper, diante dos erros e dos desvios que se difundiam, a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé emanou uma série completa de documentos para promover e defender a doutrina católica.

Foi durante esses anos da sua permanência em Roma, que pude aprofundar o conhecimento do Cardeal Seper. Tive também a alegria de o hospedar na minha Arquidiocese de Cracóvia e, durante um destes encontros amistosos, tive também a ocasião de o acompanhar em visita ao campo de concentração de Auschwitz.

Agora, a vinte anos da sua morte, voltar ao testemunho do Cardeal Seper constitui para nós um significativo impulso a continuar com renovado compromisso no serviço ao Evangelho de Cristo, segundo o exemplo eloquente que ele nos deixou.

5. A este respeito, em primeiro lugar, gostaria de relevar o seu enraizamento na Igreja local e, ao mesmo tempo, o seu sentido de pertença à Igreja universal. Longe de se contraporem, no itinerário do Cardeal Seper estes dois aspectos tiravam a linfa um do outro. Também nisto ele constitui um exemplo para nós: o cristão deve mergulhar no povo e na cultura em que vive, para receber todos os seus elementos válidos e, ao mesmo tempo, jamais pode perder a consciência de que pertence a um povo maior, o Povo de Deus, que atravessa todos os tempos, cada um dos continentes, e encontra na Sé de Pedro um fundamental instrumento de unidade.

Além disso, gostaria de recordar a atitude pastoral do Cardeal Seper, que verdadeiramente soube fazer-se "forma gregis" (cf. 1P 5,3), caminhando juntamente com os seus fiéis aos quais, com a vida, com as palavras e com as iniciativas, imprimia aquela marca que o Senhor pede aos seus servidores. Neste sentido, ele é um estímulo para nós, Pastores de hoje, a não nos afastarmos do povo que nos foi confiado, mas a percorrermos os caminhos da história juntamente com ele, sempre atentos a transmitir a todos a mensagem da Paixão e da Glória de Cristo. Ao mesmo tempo, com o seu exemplo o Cardeal Seper continua a constituir para os fiéis em geral um convite a confiar nos Pastores, pondo-se à escuta do seu ensinamento e aceitando com generosa disponibilidade as indicações pastorais que eles ofereceram, em sintonia com o Chefe do Colégio episcopal, o Sucessor de Pedro.

Enquanto faço votos a fim de que esta significativa comemoração suscite em vós um renovado compromisso de testemunho cristão, concedo-vos a todos, com afecto, a minha Bênção apostólica.

Louvados sejam Jesus e Maria!



MENSAGEM DO SANTO PADRE


A SUA SANTIDADE BARTOLOMEU I


PATRIARCA ECUMÉNICO NA


FESTA DE SANTO ANDRÉ








A Sua Santidade Bartolomeu I
Arcebispo de Constantinopla Patriarca Ecuménico

"Graça, misericórdia e paz da parte de Deus e de Jesus Cristo, o Filho do Pai,na verdade e no amor" (1Jn 1,3).

Com esta bênção do Apóstolo João, eu vos saúdo, Santidade, assim como a todos os membros do Santo Sínodo e a todos os fiéis do Patriarcado ecuménico nesta alegre celebração da festa de Santo André, apóstolo e irmão de Pedro. A delegação presidida em meu nome pelo nosso irmão o Cardeal Walter Kasper, Presidente do Pontifício Conselho para a promoção da unidade dos cristãos, assegurará a participação fraterna da Igreja de Roma. Ela unir-se-á a vós para implorar do Senhor " a estabilidade das santas Igrejas de Deus e a união entre todos" (Liturgia de São João Crisóstomo).

A festa de Santo André, o primeiro dos Apóstolos a ser chamado por Jesus, lembra-nos constantemente o mistério da vocação cristã e o dever de anunciar a Boa Nova: "André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que, tendo ouvido João, seguiram Jesus" (Jn 1,40). A vocação cristã está intimamente ligada ao reconhecimento do Messias, designado pelo Baptista: "Eis o Cordeiro de Deus" (Jn 1,36) que os Apóstolos não deixarão de proclamar por palavras e acções, pela sua vida e até ao martírio como Pedro e André.

Nos nossos dias, os discípulos de Cristo são chamados a proclamar com uma só voz o anúncio da salvação. Celebrando juntamente André e Pedro, manifestamos a nossa vontade comum de transmitir em conjunto a fé apostólica aos homens do nosso tempo, que se deixam muitas vezes apanhar por uma indiferença religiosa que leva à perda do sentido da existência. Numa preocupação missionária, é-nos pedido um comum e fiel testemunho cristão "na verdade e no amor". As divisões que ainda persistem e a animosidade que, por vezes, se manifesta entre cristãos enfraquecem a força da pregação cristã, que proclama o amor de Deus e do próximo. Mas tenho confiança, porque "o Senhor concedeu aos cristãos do nosso tempo a possibilidade de reduzir o contencioso tradicional" (Encíclica Ut unum sint UUS 49).

Desejo manifestar-vos, Santidade, toda a minha gratidão pela disponibilidade que manifestou com constância ao responder favoravelmenhte aos pedidos de colaboração que provêm da Igreja católica e encorajando as iniciativas das Igrejas ortodoxas que prevêem a participação da Igreja de Roma. Apreciei em particular a nomeação de um Delegado fraterno do Patriarcado ecuménico à recente Assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos da Igreja católica. Foi uma nova ocasião de diálogo, de partilha fraternal e de conhecimento recíproco.

A Igreja católica está pronta a fazer tudo o que está em seu poder para promover o desenvolvimento das relações com as Igrejas ortodoxas. As dificuldades encontradas nos últimos anos pela Comissão mista internacional de diálogo teológico devem ser analisadas e ultrapassadas. O diálogo deve encontrar o seu espírito positivo inicial e ser animado pela vontade de resolver os verdadeiros problemas. Ele também deve dar provas de um certo entusiasmo que só a fé e a esperança teologais podem alimentar.

Segundo o convite do segundo Concílio do Vaticano (cf. Unitatis redintegratio UR 24), ponhamos a nossa esperança em Deus para avançarmos no caminho da unidade e o mundo conhecer um futuro melhor! Nestes últimos tempos, o terrorismo e as guerras, com todo o peso de morte e de desastres que trazem consigo, criaram uma ansiedade que paralisa as populações e transtorna o curso normal da vida civil. Para implorar de Deus a sua protecção sobre todos os povos e para reavivar a consciência dos homens, julguei oportuno convocar todos os crentes para uma jornada de jejum e de oração pela paz, no dia 24 de Janeiro próximo. O Senhor ouvirá o pedido que, num só coração, elevaremos pela salvação de toda a humanidade.

Na iminência da festa do Apóstolo Santo André, antes desta próxima reunião, elevemos em conjunto a nossa oração ao Senhor e façamos nosso o convite do Senhor, que João, na sua segunda Carta, dirige aos cristãos da Ásia Menor: "Amemo-nos uns aos outros" (2Jn 1,5). Caminharemos assim no amor e na verdade. E a paz estará em todos nós.

Nesta esperança, rezando por todos os membros do seu Patriarcado, troco com Vossa Santidade o beijo da paz e asseguro-Lhe a minha afeição fraterna.

Vaticano, 22 de Novembro de 2001



                                                                            Dezembro 2001


AOS PARTICIPANTES NO


SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE O


VOLUNTARIADO CATÓLICO NA SAÚDE


1° de Dezembro de 2001



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Dirijo-vos uma cordial saudação a todos vós, na conclusão do Simpósio Internacional sobre o Voluntariado Católico na Saúde, promovido e organizado pelo Pontifício Conselho para a Pastoral da Saúde.

O meu afectuoso pensamento vai, antes de mais, para D. Xavier Lozano Barragán, Presidente do vosso Pontifício Conselho, a quem agradeço as palavras amigas que me dirigiu em nome de todos. Saúdo os outros Prelados, os sacerdotes, os religiosos e religiosas, os representantes de Estados e Governos, os estudiosos, investigadores e delegados de numerosas Associações do Voluntariado que, com a sua presença e contributo específico, quiseram honrar esta importante manifestação.
Através de cada um de vós, quero fazer chegar a minha grata recordação a todos os voluntários que, comprometidos de múltiplas formas de sodiariedade, trabalham em nome da Igreja ao lado dos pobres e dos doentes.

2. Este vosso Simpósio, que tem como tema as palavras do Evangelho "Vade et tu fac similiter vai e faz tu o mesmo" (Lc 10,37), coloca-se no contexto do Ano Internacional do Voluntariado, oficialmente proclamado pelas Nações Unidas. Constitui, portanto, uma preciosa ocasião para reflectir sobre o serviço voluntário, que a Igreja sempre encorajou fortemente.

Numa sociedade, que volta a sentir a influência do materialismo e do hedonismo, a vitalidade do Voluntariado constitui um promissor sinal de esperança. A acção dos voluntários põe a claro o valor da solidariedade, contributo insubstituível para responder às profundas expectativas da pessoa e para resolver graves e urgentes problemas da humanidade. O Voluntariado caracteriza-se exactamente pela sua capacidade de testemunhar o amor gratuito ao próximo, contribuindo dessa maneira para realizar a desejada civilização do amor.

2. "Vai e faz tu o mesmo"! Como modelo de referência da vossa acção, escolhestes, caros voluntários, o bom Sanmaritano, de quem fala a conhecida parábola evangélica. Parábola tanto mais eloquente quanto interpela todo o crente e todo o homem de boa vontade a testemunhar na primeira pessoa o amor, especialmente para com quem sofre. Jesus é, por excelência, o modelo do voluntário cristão. Ele "veio, não para ser servido, mas para servir" (Mt 20,28) e "de rico que era, fez-se pobre por nós, a fim de que nós nos tornássemos ricos por meio da sua pobreza" (cf. 2Co 8,9). No Cenáculo, no decurso da última Ceia, depois de ter lavado os pés aos discípulos, o Mestre disse-lhes: "Dei-vos o exemplo, para que, como Eu vos fiz, façais vós também" (Jn 13,15). Seguindo os seus passos, os voluntários procuram para cada pessoa que sofre o bálsamo do amor divino.

Para cumprir fielmente esta missão, é necessário que eles mantenham o seu olhar fixo sobre Cristo, porque só do seu coração vem aquele vigor espiritual que transforma a existência. Nas nossas sociedades modernas socialmente avançadas, que prevêem mesmo instituições específicas para acudir às exigências dos pobres e dos doentes, é fortemente sentida a necessidade de um "suplemento de alma" que infunda esperança à experiência amarga do sofrimento e da precaridade, respeitando plenamente a dignidade de cada ser humano. As instituições podem certamente responder às necessidades sociais das pessoas, mas nenhuma delas está em posição de substituir o coração do homem, a sua compaixão, o seu amor e a sua iniciativa.

3. Graças a Deus, muitos fiéis leigos estão comprometidos em múltiplas formas de Voluntariado. A Comunidade cristã põe em acto, através das suas obras, uma profética "fantasia da caridade", lembrando o espírito da primeira comunidade de Jerusalém, que "deu o testemunho que tanto impressionava os não-cristãos de uma espontânea permuta de dons, até à posse comum de bens, em favor dos mais pobres" (Novo millennio ineunte, 53).

Seja, sempre, este o vosso modo de servir, caros voluntários, especialmente quando deveis acudir aos doentes e aos que sofrem. Fazei de modo que as vossas actividades sejam expressão visível daquela caridade de obras, através da qual o anúncio do Evangelho, que é a primeira caridade, não corra o risco de se "afogar naquele mar de palavras que a actual sociedade da comunicação diariamente nos apresenta". "A caridade das obras", com efeito, "garante uma força inequivocável à caridade das palavras". (Ibid. nº 50).

E quando vos encontrardes com voluntários de religiões diferentes, ou que se declarem não-crentes, para realizar uma acção comum a favor do homem, considerai providencial esta oportunidade para pôr em prática o diálogo e a colaboração inter-religiosa e intercultural. A defesa e a promoção da vida não são, de facto, monopólio de ninguém; constituem, antes, um dever que é confiado a todos.

Em conjunto é mais fácil combater e vencer as graves formas de injustiça e de miséria que ofendem a dignidade humana; em conjunto é possível oferecer um contributo decisivo para o crescimento da sociedade civil, cujas instituições não correspondem, muitas vezes, ao pedido de auxílio que vem dos necessitados. Em conjunto pode dar-se vida a um mundo mais acolhedor.

É, portanto, de interesse das próprias estruturas públicas encorajar e sustentar as actividades do Voluntariado, quer as realizadas por cada indivíduo, quer as promovidas por associações organizadas para apressar o caminho para a construção de uma sociedade solidária, onde reinem a justiça e a paz.

4. O vosso interessante Simpósio conclui-se hoje, num dia rico de significado, em que se celebra o Dia Mundial de luta contra a Sida. Nesta ocasião, a opinião pública é convidada a tomar consciência das causas e consequências desta grave doença.

Caros Irmãos e Irmãs doentes da Sida, não vos sintais sós! O Papa pensa em vós com afecto e ajuda-vos no vosso caminho difícil. A Igreja põe-se ao lado dos homens da ciência e encoraja todos os que se aplicam incansavelmente a curar e vencer esta grave forma de enfermidade. A exemplo de Cristo, ela considera a assistência a quem sofre uma componente fundamental da sua missão, e sente-se interpelada na primeira pessoa por este novo campo do sofrimento humano. Consciente de que cada doente é "caminho particular" para o acolhimento da Palavra, inclina-se com amor sobre cada irmão e irmã feridos pelo mal.

Caros Operadores da Saúde e caros voluntários! É-vos confiado o dever de fazer sentir a quem sofre, o amor e a consolação de Cristo. Através de vós deve ressoar no coração destes nossos irmãos e irmãs que sofrem, o convite, cheio de amor, de Jesus: "Vinde a mim, todos vós que estais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei" (Mt 11,28).

Maria, a Virgem da Consolação e da Misericórdia, vos acompanhe e vos ajude nos vossos passos com a sua ternura maternal.

Com estes votos, concedo do coração a cada um de vós e a quantos partilham do vosso louvável zelo, bem como aos que servis e consolais em nome de Cristo, uma especial Bênção Apostólica.



DISCURSO DO SANTO PADRE AOS PARTICIPANTES DA PASTORAL DOS NÓMADAS


1° de Dezembro de 2001

Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Desejo saudar os participantes no Encontro Internacional de Estudo dos Directores Nacionais e Peritos da Pastoral para os Nómadas, promovido pelo Pontifício Conselho da Pastoral para os Migrantes e Itinerantes, presidido pelo Arcebispo D. Stephen Fumio Hamao, a quem agradeço as suas palavras.

Caríssimos Irmãos e Irmãs! Dos Países da Europa Ocidental e Oriental, e também dos Estados Unidos da América, do México e da Índia, viestes nestes dias a Roma para aprofundar em conjunto finalidades e métodos do vosso apostolado específico.

É-me grato confirmar, nesta ocasião, a constante atenção que a Igreja tem pela vida das comunidades dos nómadas. Eles encontraram um lugar "no coração da Igreja", como gostava de dizer o meu predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, e os trabalhos deste vosso encontro internacional são disso uma posterior e significativa confirmação.

É necessário descobrir os valores típicos dos nómadas. Também os inícios de Israel, como recorda a Bíblia, foram caracterizados pelo nomadismo. Os nómadas são pobres de segurança humana, obrigados cada dia a fazer contas com a precaridade e a incerteza do futuro. Precisamente por isso aprofundam o sentido da hospitalidade e da solidariedade e, ao mesmo tempo, reforçam a sua fé e a sua esperança na ajuda de Deus.

2. Ao elaborar os princípios e as orientações da Pastoral para os Nómadas, será necessário, portanto, dar a devida atenção a estes valores espirituais e culturais, oferecendo-lhes um apoio concreto para enfrentar as complexas problemáticas que acompanham o seu caminho nas diversas partes do mundo. Penso, por exemplo, na dificuldade da recíproca compreensão com o ambiente que os rodeia, na falta de estruturas de acolhimento adequado, na instrução, na integração no território. Só um empenho pastoral atento e clarividente pode oferecer um contributo determinante para dar soluções adequadas a tais problemas.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, obrigado pelo serviço que prestais à comunidade nómada. Acompanhe-vos no vosso apostolado de cada dia o exemplo e intercessão do Beato Zeferino Gimènez Malla, chamado "o Pelé", que tive a alegria de elevar às honras dos altares em 1997. Ele recorda-nos que devemos trabalhar sempre em favor da convivência pacífica entre os povos, diversos pela origem étnica e pela cultura.

Com estes sentimentos, abençoo-vos do coração com as vosssas Comunidades de proveniência e a todos os Grupos nómadas espalhados pelo mundo.





MENSAGEM POR OCASIÃO DAS CELEBRAÇÕES


DO VII CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE


SANTO ANDRÉ CORSINI


BISPO DE FIESOLE



Ao venerado Irmão LUCIANO GIOVANNETTI
Bispo de Fiesole

1. Foi com alegria que tomei conhecimento de que este ano, na Diocese de Fiesole, se celebra o VII centenário do nascimento de Santo André Corsini, Bispo desde 1349 a 1374. Nesta feliz circunstância, desejo unir-me a toda a Comunidade diocesana, que dá graças ao Senhor pelos benefícios com que a enriqueceu mediante o testemunho e a intercessão deste seu insigne Co-Padroeiro. Enquanto o saúdo com afecto, venerado Irmão, e ao povo cristão confiado aos seus cuidados pastorais, desejaria aproveitar a ocasião para realçar alguns aspectos da poliédrica personalidade deste filho tão ilustre dessa Região.

Em 1349, quando André Corsini, na época Provincial da Ordem dos Carmelitas na Toscana, foi nomeado Bispo de Fiesole, a fama da sua caridade e piedade já se tinha difundido fora do território de Florença, onde nasceu a 30 de Novembro de 1301, de uma das mais insignes famílias e onde, com 15 anos, vestira o hábito religioso no Convento do Carmelo. Tendo-se tornado presbítero, distinguiu-se nos numerosos e importantes cargos que desempenhou pelo fervor com que viveu o ideal carmelita e pelo empenho com que se ocupou da formação dos Irmãos. O amor a Deus e ao próximo, posto por ele constantemente no centro da vida, resplandeceram com um esplendor particular por ocasião da terrível peste de Florença de 1348, quando, juntamente com os seus frades, se dedicou heroicamente ao serviço das pessoas atingidas pela peste.

2. Na Bula de nomeação para a sede de Fiesole, publicada em Avinhão no dia 13 de Outubro de 1349, o meu venerado predecessor Clemente VI realçava "o zelo pela religião, a cultura e a pureza da vida e dos costumes, a habilidade no governo das almas" e "a circunspecção nas coisas temporais e os outros méritos de muitas virtudes" do Eleito. Ele, por seu lado, confirmou logo esses apreços favoráveis, aceitando o cargo com espírito de fé e pondo a sua missão nas mãos da Mãe de Deus, por ele ternamente amada.

Os anos que se seguiram trouxeram novas provas das singulares virtudes do Prelado. Ele escolheu viver em Fiesole, renunciando ao confortável palácio florentino, sede dos seus predecessores a partir de 1225, e manifestou um zelo particular na pregação, na assiduidade à oração, na austeridade de vida, na visita às paróquias, na abolição dos abusos e na defesa da liberdade da Igreja contra abusos e ingerências indevidas, assim como no acolhimento com caridade dos humildes e dos deserdados que batem à porta da sua casa.
3. Santo André Corsini dedicou um especial cuidado aos seus sacerdotes, aos quais pedia que vivessem de modo conforme com a santidade e a responsabilidade do seu estado. Para essa finalidade, fundou uma Confraria com o título da Santíssima Trindade e, antecipando os decretos do Concílio Tridentino, emanou normas concretas acerca do recrutamento e da preparação cultural e espiritual dos candidatos ao presbiterado.

Foi chamado a ocupar numerosos e importantes cargos ao serviço da Sé Apostólica. Por ocasião da legação em Bolonha de 1368, ele revelou-se um homem de paz, capaz de conciliar as discórdias, de resolver as controvérsias e mitigar os ânimos exacerbados pelo ódio. Dotes que lhe foram amplamente reconhecidas e fizeram dele um apreciado servidor da Igreja, animado por uma profunda espiritualidade.

A união constante com Deus, característica dominante da sua existência, não impediu Santo André Corsini de se dedicar com diligência à administração dos bens eclesiásticos. Isto permitiu-lhe empregar grandes somas de dinheiro na construção e na restauração de mosteiros, igrejas e capelas e sobretudo da catedral e do paço episcopal, há muitos séculos em degradação.
O santo Bispo faleceu na noite da Epifania de 1374. Os seus restos, sepultados na catedral de Fiesole, foram sucessivamente, transferidos para a Basílica florentina do Carmelo. Lá, a família Corsini fez erigir em 1386 uma maravilhosa capela, não inferior à que em 1734 lhe iria ser dedicada por Clemente XII, da mesma linhagem, na Basílica de São João em Latrão.

A fama de santidade que circundou a sua vida, depois da sua morte difundiu-se rapidamente na Itália e na Europa. O culto popular, que se espalhou desde os primeiros anos de 1400, através dos conventos carmelitas, teve uma confirmação autorizada pelo Papa Eugénio IV, o qual o proclamou beato e pelo pontífice florentino Urbano VIII, que o declarou Santo no dia 22 de Abril de 1629.

4. A partir deste dia 30 de Novembro de 2001 os seus restos mortais encontrar-se-ão na catedral de Fiesole durante alguns dias. Oxalá esta "peregrinação", com que têm início as celebrações centenárias do seu nascimento, ofereçam a toda a Comunidade diocesana a oportunidade de se encontrar com este grande Santo para descobrir a própria vocação e anunciar aos irmãos com ardor renovado a boa nova de que "Deus amou de tal forma o mundo que lhe deu o Seu Filho único, para que todo aquele que n'Ele crê não pereça mas tenha a vida eterna" (Jn 3,16).

Apoiada e encorajada pelos exemplos e pelos ensinamentos do antigo Pastor, esta Comunidade, entrevendo nos sinais da santidade de Santo André Corsini preciosas indicações para o presente, está chamada a um renovado impulso apostólico e a um mais intenso fervor espiritual, como foi realçado também no recente Sínodo Diocesano.

Olhando para o fervoroso zelo que estimulou Santo André Corsini a consagrar-se ao crescimento humano e espiritual do Povo de Deus, ela está convidada a reconsiderar, à luz da centralidade do Mistério eucarístico, a importância dos ministérios ordenados para uma fecunda vida litúrgica e um anúncio incisivo da Palavra de Deus, assim como a realçar outras formas de serviço, que exprimem a sua presença no território, a atenção aos desafios emergentes e a solicitude pelos afastados e pelos pobres.

5. Seguindo os exemplos do antigo Pastor, a Diocese de Fiesole continuará a privilegiar a formação do Clero e dedicará todo o empenho para que o Seminário diocesano seja cada vez mais adequado para a preparação dos candidatos ao sacerdócio, no contexto de uma ampla e pormenorizada pastoral vocacional, aspecto irrenunciável de qualquer programação eclesial autêntica.

Depois, como não ver na acção paciente e generosa de Santo André Corsini pela conciliação das discórdias, um encorajamento a fazer da busca da concórdia e da justiça, assim como da promoção do diálogo entre culturas diversas, um distintivo constante da vida cristã?
E que dizer da solicitação para administrar com sabedoria os bens terrenos, e sobretudo os da Igreja, como ocasião para socorrer as necessidades pastorais e prover às necessidades dos pobres, que acompanharão sempre a vida da Comunidade dos discípulos do Senhor (cf. Jo Jn 12,8)?
6. Toda a vida de Santo André Corsini testemunha que a nova relação entre Igreja e sociedade, longe de afastar o crente das vicissitudes do mundo, o estimula a um corajoso anúncio de Jesus Cristo para animar em sentido cristão a convivência civil.

As celebrações jubilares do nascimento do filho da nobre família Corsini, que se fez pobre por amor a Cristo e, como Bispo de Fiesole, se empenhou em formar nos corações dos seus contemporâneos os ideais evangélicos, sirvam de estímulo para os fiéis desta Diocese a tornarem-se instrumentos activos e conscientes de progresso religioso e civil na sua Terra.
Com estes votos, confio Vossa Excelência, venerado Irmão, e toda a Comunidade diocesana à celeste protecção de Santo André Corsini e concedo a todos, de coração, uma especial Bênção apostólica.

Vaticano, 30 de Novembro de 2001.






AO NOVO EMBAIXADOR DA POLÓNIA


JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO DA


APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


3 de Dezembro de 2001






Excelência
Senhora Embaixadora

Dou-lhe as cordiais boas-vindas ao Vaticano. Esta não é a primeira vez que o faço. Já tive várias ocasiões de o fazer, primeiro quando Vossa Excelência foi hóspede aqui como Primeiro-Ministro do Governo da República da Polónia e, em seguida, como membro da Pontifícia Academia das Ciências Sociais. Hoje, todavia, a minha saudação reveste um carácter especial. Com efeito, Vossa Excelência apresenta-se como Embaixadora Extraordinária e Plenipotenciária da República da Polónia junto da Sé Apostólica, para entregar as Cartas Credenciais da parte do Senhor Presidente, em nome de quem desempenhará a sua função. Aceito-as de bom grado, enquanto lhe formulo votos a fim de que este serviço de mediação entre a Polónia e a Santa Sé seja eficaz e frutuoso, e lhe proporcione satisfação e alegria.

Agradeço-lhe as palavras que me dirigiu, com as quais quis referir-se aos elementos essenciais da actual realidade da nossa Pátria, da Igreja e do mundo. Não é possível apresentá-los de outro modo, senão no âmbito de uma síntese. Efectivamente, as sortes da Polónia, da Igreja e do mundo estão ligadas entre si de modo inseparável, intercalam-se e condicionam-se de maneira recíproca.

O processo das transformações sociais e económicas na Polónia, que continua desde o ano de 1989, realiza-se no contexto de mudanças positivas no mundo, como a formação da União Europeia ou a ampliação do Pacto Atlântico. Por outro lado, as surpreendentes operações no Golfo Pérsico, nos Balcãs ou no Afeganistão, a falta de paz no Médio Oriente e os violentos actos de terrorismo, como aquele que foi perpetrado em Nova Iorque, que denotam um sentido da falta de estabilidade da ordem política e económica até agora predominante, exercem não pouca influência sobre o modo de pensar e de agir dos polacos.

Todavia, parece que na complexa situação política do mundo, a Polónia está a encontrar o seu caminho de desenvolvimento do Estado. Tendo começado em 1989, independentemente da sucessão dos acontecimentos mundiais, apesar dos altos e baixos, pudemos observar na Polónia um constante progresso do processo de actuação da liberdade reconquistada. Obviamente, as dificuldades não faltam. Todavia, não se podem esquecer os grandes resultados dos governos que se sucederam e de toda a sociedade na obra da edificação de um Estado soberano, de um Estado de direito e de um Estado de prosperidade. Aqui deve realçar-se quanto se conseguiu alcançar no campo das liberdades políticas, da liberdade religiosa e na democratização da vida social.

Acompanho com atenção todas as notícias que chegam do nosso País. Alegro-me porque continua a ser incessante o processo do seu desenvolvimento económico. Porém, ao mesmo tempo amargura-me profundamente a indigência de muitas pessoas e de numerosas famílias que recorrem ao Papa em busca de ajuda, para o seu sustento material e espiritual. Muitas destas pessoas são dolorosamente atingidas pelo fenómeno do desemprego, da falta de uma possibilidade de usar o seu talento, a sua educação e a sua energia na edificação de um futuro que corresponda às suas necessidades e às suas aspirações. Tenho confiança de que o desenvolvimento geral da vida pública na Polónia abrirá a todos os cidadãos novas perspectivas e amplas possibilidades para construir um futuro digno e feliz. Posso assegurar que a Igreja continuará a comprometer-se nesta obra, em conformidade com a sua missão e as tarefas que lhe são próprias.

Durante a apresentação das Cartas Credenciais por parte do Senhor Embaixador Stefan Frankiewicz, no dia 11 de Julho de 1995, eu disse que a Igreja não procura privilégios para si mesma, nem um lugar especial. Ela só quer dispor das devidas condições para cumprir a sua missão espiritual. Hoje, posso dizer mais. Posso fazer observar que, cumprindo a missão que lhe cabe, a Igreja pode e deseja dar continuidade à obra de consolidação e de formação da herança espiritual, cultural e social de uma Nação que, desde há mil anos, está ligada aos valores intrínsecos do cristianismo. A assinatura da Concordata, em 1993, e a sua subsequente ratificação criaram para a Igreja as possibilidades de um compromisso concreto para o bem da Nação.


Discursos João Paulo II 2001 - 30 de Novembro de 2001