AUDIÊNCIAS 2002

JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 10 de abril de 2002

Visitai, Senhor, a vossa vinha

Queridos irmãos e irmãs,


1. O salmo que agora foi entoado tem a tonalidade de um lamento e de uma súplica de todo o povo de Israel. A primeira parte emprega um célebre símbolo bíblico, o pastoral. O Senhor é invocado como "pastor de Israel", aquele que "conduziu José como um rebanho" (Ps 79,2). Do alto da arca da aliança, sentado sobre os querubins, o Senhor guia o seu rebanho, isto é, o seu povo, e protege-o dos perigos.

Assim fizera durante a travessia do deserto. Mas agora, parece estar ausente, quase adormecido ou indiferente. Ao rebanho que devia orientar e nutrir (cf. Sl Ps 22) oferece apenas um pão embebido em lágrimas (cf. Sl Ps 79,6). Os inimigos escarnecem este povo humilhado e ofendido; contudo, Deus não se mostra admirado, não "desperta" (v. 3), nem revela o seu poder, defendendo as vítimas da violência e da opressão. A invocação da antífona repetida (cf. vv. 4.8) tenta fazer com que Deus abandone a sua atitude indiferente, fazendo com que ele volte a ser pastor e defesa do seu povo.

2. Na segunda parte da oração, densa de tensão e, ao mesmo tempo, de confiança, encontramos outro símbolo querido à Bíblia, o da vinha. É uma imagem que se compreende facilmente, porque faz parte do panorama da terra prometida e é sinal de fecundidade e de alegria.

Como ensina o profeta Isaías numa das suas mais nobres páginas poéticas (cf. Is Is 5,1-7), a vinha encarna Israel. Ela ilustra duas dimensões fundamentais: por um lado, dado que é plantada por Deus (cf. Is Is 5,2 Ps 79,9-10), a vinha representa o dom, a graça, o amor de Deus; por outro, ela precisa do trabalho do camponês, graças ao qual produz uvas que podem dar o vinho e, portanto, representa a resposta humana, o empenho pessoal e o fruto de obras justas.

3. Através da imagem da vinha, o Salmo recorda as principais etapas da história hebraica: as suas raízes, a experiência do êxodo do Egipto, a entrada na terra prometida. A vinha tinha alcançado o seu nível mais amplo de extensão sobre toda a região palestina e para além dela, com o reino de Salomão. De facto, expandia-se dos montes setentrionais do Líbano, com os seus cedros, até ao mar Mediterrâneo e quase até ao grande rio Eufrates (cf. vv. 11-12).

Mas o esplendor deste florescimento foi interrompido. O Salmo recorda-nos que na vinha de Deus passou a tempestade, isto é, Israel sofreu uma provação áspera, uma dura invasão que devastou a terra prometida. O próprio Deus derrubou, como se fosse um invasor, o muro que circundava a vinha, deixando assim que nela irrompessem os saqueadores, representados pelo javali, um animal considerado, pelos costumes antigos, violento e impuro. Ao poder do javali uniram-se todos os animais selvagens, símbolo de uma horda inimiga que tudo devasta (cf. vv. 13-14).

4. Então, dirige-se a Deus o premente apelo para que volte a manifestar-se em defesa das vítimas, rompendo o seu silêncio: "Voltai, sem tardança ó Deus dos exércitos, observai o céu e considerai; atendei a esta vinha" (v. 15). Deus será ainda o protector da cepa vital desta vinha submetida a uma tempestade tão violenta, afastando tudo o que procurara desenraizá-la e incendiá-la (cf. vv. 16-17).

A este ponto, o Salmo abre-se a uma esperança com tonalidades messiânicas. De facto, o versículo 18 reza assim: "Que a Tua mão se estenda sobre o homem da Tua direita, sobre o filho do homem que Vós fortalecestes". O pensamento dirige-se talvez, antes de mais, para o rei davídico que, com o apoio do Senhor, orientará a reconquista da liberdade. Contudo, é implícita a confiança no futuro Messias, aquele "filho do homem" que será cantado pelo profeta Daniel (cf. 7, 13-14) e que Jesus assumirá como título predilecto para definir a sua obra e a sua pessoa messiânica. Aliás, os Padres da Igreja serão unânimes ao indicar na vinha recordada pelo Salmo uma prefiguração profética de Cristo "videira verdadeira" (Jn 15,1) e da Igreja.

5. Sem dúvida, para que o rosto do Senhor volte a brilhar, é necessário que Israel se converta na fidelidade e na oração a Deus Salvador. É o que o Salmista exprime ao afirmar: "não nos afastaremos mais de ti" (Ps 79,19).

Por conseguinte, o Salmo 79 é um cântico prevalecentemente marcado pelo sofrimento, mas também por uma confiança inabalável. Deus está sempre disposto a "voltar" para o seu povo, mas é necessário que também o seu povo "volte" para Ele na fidelidade. Se nós nos convertemos do pecado, o Senhor "converter-se-á" da sua intenção de castigar: é esta a convicção do Salmista, que tem o seu eco também nos nossos corações, abrindo-os à esperança.

Saudações

Queridos irmãos e irmãs!

Uma cordial saudação ao grupo paroquial de Crestuma, vindo do norte de Portugal, e demais peregrinos de língua portuguesa, encorajando-vos a perseverar no testemunho da própria fé no vosso meio, fiéis à Igreja e aos seus ensinamentos. A todos concedo de bom grado a minha Bênção apostólica.

Sinto-me feliz por dar as boas-vindas aos oficiais do Colégio de Defesa da NATO, assim como aos seminaristas do Saint Cuthbert's College, da Inglaterra. Sobre todos os peregrinos presentes, sobretudo os que provêm da Inglaterra, Irlanda, Suécia, Dinamarca, Canadá e dos Estados Unidos da América, invoco a alegria e a paz do Salvador Ressuscitado.

Recebo com alegria os peregrinos de língua francesa, sobretudo os jovens do Seminário de Nossa Senhora da diocese de Namur, na Bélgica. Saúdo também os peregrinos da diocese de Vannes e o seu Bispo, D. Gouvès, um grupo de estudantes de Roche-sur-Yon e os jovens das capelanias de Bellegarde e de Bourg-en-Bresse. Que o Senhor fecunde a vossa peregrinação e faça crescer em vós o amor ao Senhor! Com a Bênção apostólica.

Saúdo os fiéis de língua espanhola; de modo especial os missionários da Sociedade do Verbo Divino provenientes de vários países da América Latina e a Confraria de Nossa Senhora de Gamonal e Santo António Abade, de Burgos. Que a meditação deste Salmo encontre eco nos vossos corações, abrindo-os à esperança.

Saúdo cordialmente os fiéis húngaros, sobretudo os que vieram de Budapeste e de Tallós. Peço-vos que rezeis pela paz na Terra Santa e pela reconciliação entre as nações.
Concedo-vos de coração a Bênção apostólica. Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo os peregrinos lituanos!
Com as palavras do Salmista, a Igreja invoca hoje o Senhor para que venha visitar a sua vinha. Com a confiança do Espírito de Cristo Ressuscitado, não deixemos de pedir a Deus a paz para todo o mundo. O Senhor vos abençoe a todos e seja a paz dos vossos corações e das vossas famílias.
Louvado seja Jesus Cristo!

Dou as cordiais boas-vindas aos estudantes e aos professores da Academia de Ciências Musicais de Praga.

Caríssimos, rezo a Deus omnipotente para que infunda em vós a verdadeira alegria da Ressurreição e vos acompanhe sempre com os seus numerosos dons. Com estes votos, abençoo-vos a todos!

Louvado seja Jesus Cristo!

Caríssimos irmãos e irmãs, a Eucaristia é o ápice do louvor e da acção de graças que a Igreja eleva a Deus. Este louvor e esta acção de graças prolongam-se durante todo o dia através da Liturgia das Horas, chamada Ofício Divino (cf. SC SC 83-101), fazendo com que o Mistério de Cristo penetre e transfigure o tempo de cada dia (cf. CIC, CIC 1174).
Saúdo cordialmente os peregrinos croatas aqui presentes e concedo a todos a Bênção apostólica.
Louvados sejam Jesus e Maria!

Por fim, o meu pensamento dirige-se aos jovens, aos doentes, e aos novos casais. O Senhor ressuscitado encha com o seu amor o coração de cada um de vós, queridos jovens, para que estejais preparados para o seguir com entusiasmo; vos ampare a vós, queridos doentes, para que estejais prontos para aceitar com serenidade o peso quotidiano do sofrimento, e vos oriente a vós, novos casais, para que a vossa família cresça na santidade, seguindo o modelo da Sagrada Família.

Convido-vos agora a todos vós a unir-vos a mim na oração para implorar do Senhor a paz para a Terra Santa. Peçamos à Virgem Santa que se dige interceder para que tenham bom êxito os esforços que estão a ser feitos por várias partes para superar a trágica situação em que se encontram aquelas populações tão provadas.



JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 17 de abril de 2002

Exultação do povo redimido




Caríssimos Irmãos e Irmãs:

1. O hino que acabamos de proclamar faz parte, como cântico de alegria, da Liturgia das Laudes. Ele constitui uma espécie de selo de algumas páginas do Livro de Isaías que se tornaram célebres devido à sua leitura messiânica. Trata-se dos capítulos 6-12, normalmente chamados "o livro do Emanuel". De facto, no centro daqueles oráculos proféticos domina a figura de um soberano que, apesar de pertencer à histórica dinastia davídica, revela contornos transfigurados e recebe títulos gloriosos: "Conselheiro-Admirável, Deus-Poderoso, Pai-Eterno, Príncipe-da-Paz" (Is 9,5).

A figura concreta do rei de Judá que Isaías promete como filho e sucessor de Acaz, o soberano daquela época muito afastado dos ideais davídicos, é o sinal de uma promessa mais nobre: a do rei-Messias que realizará em plenitude o nome de "Emanuel", isto é, "Deus-connosco", tornando-se a presença divina perfeita na história humana. Compreende-se facilmente, então, como o Novo Testamento e o cristianismo tenham intuído naquele perfil real a fisionomia de Jesus Cristo, Filho de Deus que se fez homem solidário connosco.

2. O hino a que agora fazemos referência (cf. Is Is 12,1-6) é considerado pelos estudiosos, tanto pela qualidade literária como pelo seu tom geral, uma composição posterior em relação ao profeta Isaías, que viveu no século oitavo antes de Cristo. É quase uma citação, um texto à maneira de salmo, talvez de uso litúrgico, que é inserido neste ponto para servir de conclusão ao "livro do Emanuel". Com efeito, recorda alguns dos seus temas: a salvação, a confiança, a alegria, a acção divina, a presença entre o povo do "Santo de Israel", expressão que indica tanto a transcendente "santidade" de Deus, como a sua proximidade amorosa e activa, com a qual o povo de Israel pode contar.

Quem canta é uma pessoa que fez uma triste experiência, sentida como um acto do juízo divino.

Mas agora a provação terminou; a cólera do Senhor é substituída pelo sorriso, com a disponibilidade para salvar e confortar.

3. As duas estrofes do hino marcam quase dois momentos. No primeiro (cf. vv. 1-3), aberto pelo convite para rezar: "Dirás naquele dia", domina a palavra "salvação", repetida três vezes e aplicada ao Senhor: "Este é o Deus da minha salvação... Ele foi a minha salvação... as fontes da salvação".

Recordamos, entre outras coisas, que o nome de Isaías como o de Jesus contém a raíz do verbo hebraico ylsa", que faz alusão à "salvação". Por conseguinte, o nosso orante tem a certeza indiscutível de que na origem da libertação e da esperança se encontra a graça divina. É significativo observar que ele faz referência implícita ao grande acontecimento salvífico do êxodo da escravidão do Egipto, porque menciona as palavras do cântico de libertação entoado por Moisés: "O Senhor é a minha força e a minha glória" (Ex 15,2).

4. A salvação dada por Deus, capaz de suscitar a alegria e a confiança também no dia obscuro da provação, é representada pela imagem, clássica na Biblia, da água: "Tirareis com alegria água das fontes da salvação" (Is 12,3). O pensamento vai espiritualmente para a cena da mulher samaritana, quando Jesus lhe oferece a possibilidade de ter em si mesma uma "nascente de água a jorrar para a vida eterna" (Jn 4,14).


A este propósito, Cirilo de Alexandria comenta de maneira sugestiva: "Jesus chama água viva ao dom vivificante do Espirito, o único através do qual a humanidade, apesar de ter sido completamente abandonada, como os troncos nos montes, seca e privada, devido às insídias do diabo, de todas as espécies de virtudes, é restituida à antiga beleza da natureza... O Salvador chama água à graça do Espirito Santo, e se alguém participar d'Ele, terá em si mesmo a nascente dos ensinamentos divinos, de forma que não terá mais necessidade dos conselhos dos outros, e poderá exortar todos os que tem sede da Palavra de Deus. Eram assim, quando estavam nesta vida e na terra, os santos profetas, os apóstolos e os sucessores do seu ministério. A seu respeito foi escrito: tirareis água com alegria da fonte da salvação" (Comentário ao Evangelho de João II, 4, Roma 1994, págs. 272.275).

Infelizmente a humanidade abandona com frequência esta nascente que tira a sede a todo o ser da pessoa, como realça com amargura o profeta Jeremias: "Abandonou-Me, a Mim, fonte de águas vivas, para cavar cisternas, cisternas rotas, que não podem reter as águas" (Jr 2,13). Também Isaías, poucas páginas atrás, tinha exaltado "as águas de Siloé que correm tranquilas", simbolo do Senhor presente em Sião, e ameaçara o castigo da inundação das "águas abundantes e impetuosas do rio Eufrates" (Is 8,6-7), símbolo do poder militar e económico e da idolatria, águas que, então, fascinavam Judá, mas que o teriam submergido.

5. Outro convite "Naquele dia direis" começa a segunda estrofe (cf. Is Is 12,4-6), que é um apelo continuo ao louvor jubiloso em honra do Senhor. Multiplicam-se os imperativos para cantar: "Louvai, invocai, manifestai, proclamai, cantai, bradai, exultai".

No centro do louvor está uma única profissão de fé em Deus salvador, que intervém na história e está ao lado da sua criatura, partilhando as suas vicissitudes: "O Senhor... fez obras maravilhosas... Quão grande no meio de ti é o Santo de Israel" (vv. 5.6). Esta profissão de fé tem também uma função missionária: "narrai as suas obras entre os povos... anunciai-as em toda a terra" (vv. 4.5). A salvação obtida deve ser testemunhada no mundo, de maneira que toda a humanidade corra para aquelas nascentes de paz, de alegria e de liberdade.

Apelos e Saudações



Apelo em favor da Venezuela

Os graves acontecimentos vividos nos últimos dias pelo povo da Venezuela levam-me a fazer um apelo às autoridades e aos cidadãos desta amada nação, para que ponham todo o seu empenho em favorecer um clima de convivência pacífica, no qual prevaleça o espírito de reconciliação. Oxalá, pondo de lado qualquer tentação de vingança ou violência, procedam com espírito de fraternidade, solidariedade e colaboração, para metas mais nobres de justiça, respeito da legalidade e um progresso autêntico para todos.

Saúdo os peregrinos de língua portuguesa que eventualmente aqui se encontrem, com votos de paz e alegria em Cristo ressuscitado. Vamos pedir a Deus Nosso Senhor, para que este período pascal sirva de estímulo para uma paz duradoura e abra os corações à concórdia e à reconciliação. Com a minha Bênção Apostólica.

Saúdo os peregrinos de língua francesa presentes nesta audiência, em particular os da diocese de Nancy que vieram com o seu Bispo, D. Papin, na ocasião do milenário do nascimento do Papa São Leão IX. Que a alegria da Páscoa faça de todos vós testemunhas audaciosas de Cristo ressuscitado! Concedo-vos do coração a Bênção Apostólica.

Dirijo-me agora aos peregrinos e visitantes de língua inglesa, especialmente aos sacerdotes do Vietnam que voltam às suas regiões depois dos estudos na Europa. Caros sacerdotes: dizei aos vossos irmãos e irmãs que eu rezo por vós todos os dias; eu rezo pela paz e progresso de todas as nações. Também para os peregrinos e visitantes da Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Canadá e Estados Unidos eu invoco a paz de Cristo ressuscitado. Deus vos abençoe a todos!

Saúdo com alegria os peregrinos lituanos, particularmente os fiéis da diocese de Telsiai!
Carissimos, acolhei nos vossos corações as palavras do Cântico que hoje escutámos. O Senhor, fonte de salvaçao, torne forte a vossa fé, para que possais adquirir por meio dela a alegria e a confiança para a vossa vida. O Senhor vos proteja e abençoe.

Seja louvado Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente os peregrinos eslovacos provenientes de Kosice e arredores, de Zvolen, Gbely, Sered' e Dolnè Hricov.

Irmãos e irmãs, no próximo domingo, chamado do Bom Pastor, celebrar-se-á o Dia de Oração pelas Vocações. Peçamos ao Senhor que mande numerosos operários à sua Messe.

Com estes sentimentos vos concedo a Bênção Apostólica a vós e às vossas familias.

Seja louvado Jesus Cristo!

Dirijo uma cordial saudaçao de boas-vindas aos peregrinos de lingua italiana. Saúdo em particular os fiéis de Ferentino, aqui presentes com o seu Bispo, D. Salvador Boccaccio, para mandar benzer a imagem, de madeira, de São Celestino V. Carissimos, que tal iniciativa pastoral possa relançar nas vossas comunidades cristãs o ideal evangélico que assinalou a vida e a missão desse Papa.

Saúdo, depois, os fiéis da paróquia do "Espirito Santo" na Barletta e os de São Félix Circeo, que comemoram o décimo aniversário da colocação no fundo do mar da imagem do "Cristo de Circeo". Saúdo também os representantes da cooperativa de inspiração cristã "SIGMA" de Bolonha e a Sociedade Filarmónica de Mugnano. Agradeço a todos pela sua presença, fazendo votos para que este encontro reforce em cada um o compromisso de um testemunho cristão coerente.

Dirijo-me, agora, aos jovens, aos doentes e aos novos casais. Na catequese de hoje meditámos na alegria jubilosa do povo redimido. Caros jovens, pondo as vossas generosas energias ao serviço do Evangelho, procedei de modo a que a vossa vida seja um "sim" ao desígnio amoroso de Deus; vós, queridos doentes, cooperai com a vontade divina da salvação com a oferenda quotidiana do vosso sofrimento; e vós, amados novos casais, esforçai-vos por abrir toda a vossa vida à graça da redenção.



JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 24 de abril de 2002

Solene convite a renovar a Aliança

Queridos irmãos e irmãs,


1. "Tocai a trombeta pelo novo mês, na luz cheia, dia da nossa festa" (Ps 81 [80], 4). Estas palavras do Salmo 80, agora proclamado, remetem para uma celebração litúrgica segundo o calendário lunar do antigo Israel. É difícil definir com exactidão a festividade a que o Salmo se refere; é certo que o calendário litúrgico bíblico, embora comece com o fluxo das estações e portanto da natureza, se apresenta firmemente ancorado na história da salvação e, em particular, no principal acontecimento do êxodo da escravidão egípcia, ligado à lua cheia do primeiro mês (cf. Êx Ex 12,2-6 Lv 23,5). Com efeito, foi ali que se revelou o Deus libertador e salvador.

Como afirma poeticamente o versículo 7 desse mesmo Salmo, foi Deus que tirou dos ombros do hebreu escravo no Egipto, a cesta repleta de tijolos, necessários para a construção da cidade de Pitom e Ramsés (cf. Êx Ex 1,11 Êx Ex 1,14). O próprio Deus pôs-se ao lado do povo oprimido e, com o seu poder, tirou e cancelou o sinal amargo da escravidão, a cesta dos tijolos cozidos ao sol, expressão dos trabalhos forçados a que eram obrigados os filhos de Israel.

2. Agora, sigamos a evolução deste cântico da liturgia de Israel. Ele abre-se com um convite à festa, ao cântico, à música: trata-se da convocação oficial da assembleia litúrgica, segundo o antigo preceito do culto, nascido já na terra do Egipto, com a celebração da Páscoa (cf. Sl Ps 81 [80], 2-6). Depois deste apelo, ergue-se a voz do próprio Senhor, através do oráculo do sacerdote no templo de Sião, e estas palavras divinas hão-de ocupar todo o resto do Salmo (cf. vv. 6-17).

O tema que se desenvolve é simples e inclui dois pólos ideais. Por um lado, há o dom divino da liberdade que foi oferecida a Israel oprimido e infeliz: "Clamaste na opressão, e Eu libertei-te" (v. 8). Existe uma referência também ao apoio que o Senhor ofereceu a Israel, a caminho no deserto, ou seja, ao dom da água em Meriba, num contexto de dificuldade e de provação.

3. Por outro lado, porém, juntamente com o dom divino, o Salmista introduz outro elemento significativo. A religião bíblica não é um monólogo solitário de Deus, uma sua acção destinada a ficar inerte. Pelo contrário, é um diálogo, uma palavra acompanhada de uma resposta, um gesto de amor que exige adesão. Por isso, reserva-se um amplo espaço aos convites que Deus dirige a Israel.

O Senhor convida, em primeiro lugar, à observância do primeiro mandamento, fundamento de todo o Decálogo, ou seja, a fé no único Senhor e Salvador, e a rejeição dos ídolos (cf. Êx Ex 20,3-5). O discurso do sacerdote em nome de Deus é cadenciado pelo verbo "escutar", querido ao livro do Deuteronómio, que exprime a adesão obediente à Lei do Sinai e constitui um sinal da resposta de Israel ao dom da liberdade. Com efeito, no nosso Salmo ouve-se repetir: "Escuta, meu povo... Oxalá me ouvisses, Israel! (...) E o meu povo não escutou a minha voz, Israel não quis obedecer-me... Ah, se o meu povo me escutasse! (...) (vv. 9.12 e 14).

É somente através da fidelidade à escuta e à obediência que o povo pode receber plenamente os dons do Senhor. Infelizmente, é com amargura que Deus deve dar-se conta das numerosas infidelidades de Israel. O caminho no deserto, a que o Salmo faz alusão, está totalmente constelado de tais actos de rebelião e de idolatria, que alcançarão o seu ápice na configuração do bezerro de ouro (cf. Êx Ex 32,1-4).

4. A última parte do Salmo (cf. vv. 14-17) tem uma tonalidade melancólica. Efectivamente, nele Deus exprime um desejo que até agora não foi satisfeito: "Ah, se o meu povo me escutasse, se Israel andasse pelos meus caminhos!" (v. 14).

Porém, esta melancolia inspira-se no amor e está ligada a um profundo desejo de cumular de bens o povo eleito. Se Israel caminhasse pelas sendas do Senhor, eles poderiam dar imediatamente a vitória sobre os seus inimigos (cf. v. 15) e nutri-lo "com a flor do trigo" e saciá-lo "com o mel do rochedo" (v. 17). Seria um alegre banquete de pão fresquíssimo, acompanhado do mel que parece correr das rochas da terra prometida, representando a prosperidade e o completo bem-estar, como não raro se repete na Bíblia (cf. Dt Dt 6,3 Dt 11,9). Com a apresentação desta maravilhosa perspectiva, evidentemente o Senhor procura obter a conversão do seu povo, uma resposta de amor sincero e efectivo ao seu amor, mais generoso do que nunca.

Na leitura cristã, a oferta divina revela a sua amplitude. Com efeito, Orígenes oferece-nos esta interpretação: o Senhor "fê-los entrar na terra prometida; não os nutriu com o maná, como no deserto, mas com a semente que caiu na terra (cf. Jo Jn 12,24-25), que renasceu... Cristo é a semente; Ele é também a rocha que, no deserto, saciou o povo de Israel com a água. Em sentido espiritual, saciou-o com o mel, e não com a água, a fim de que quantos acreditarem e receberem este alimento, sintam o mel na sua boca" (Homilia sobre o Ps 80, n. 17, em:

Orígenes-Jerónimo, 74 Homilias sobre o Livro dos Salmos, Milão 1993, pp. 204-205).
5. Como sempre na história da salvação, a última palavra no contraste entre Deus e o povo pecador nunca é o juízo e o castigo, mas o amor e o perdão. Deus não deseja julgar nem condenar, mas salvar e libertar a humanidade do mal. Ele continua a repetir-nos as palavras que lemos no livro do Profeta Ezequiel: "Porventura sentirei prazer com a morte do injusto... O que eu quero é ele se converta dos seus maus caminhos, e viva (...) Por que motivo deveríeis morrer, casa de Israel? Eu não sinto prazer com a morte de ninguém. Palavra oráculo do Senhor Deus. Convertei-vos e tereis a vida" (18, 23 e 31-32).

A liturgia torna-se o lugar privilegiado onde escutar o apelo divino à conversão e voltar ao abraço do Deus "misericordioso e clemente, lento a encolerizar-se, mas cheio de bondade e de fidelidade" (Ex 34,6).



APELO DE JOÃO PAULO II EM FAVOR DA TERRA SANTA

O meu pensamento volta-se sempre para a Basílica da Natividade em Belém, onde a comunidade religiosa e numerosas outras pessoas continuam a padecer o assédio, que já se prolonga há vinte e dois dias. As suas condições, já dramáticas pela falta de água e de alimento, agravaram-se ulteriormente, depois da interrupção das linhas telefónicas. Continuamos a rezar ao Senhor para que finalmente se encontre uma solução para esta situação desumana e, com a colaboração de todos, se chegue à desejada paz nessa Região tão querida ao coração de todos os crentes.

Saudações

Amados peregrinos de língua portuguesa, cuja romagem se detém hoje junto do túmulo de São Pedro e neste Encontro com o seu Sucessor: Obrigado pela vossa presença e oração! A todos saúdo, confiando à Virgem Maria os vossos corações e os vossos passos para que neles se mantenha viva a luz de Deus. Para vós e vossas famílias, a minha Bênção!

Acolho cordialmente os peregrinos de língua francesa, em particular os grupos de jovens. Que Deus, vindo em seu Filho para salvar e libertar a humanidade do mal, seja a fonte de todos os vossos compromissos de cristãos, para que pondo-vos à escuta da sua Palavra, construais cada vez com mais ardor o seu Reino de justiça e de paz! De boa vontade concedo a todos a Bênção Apostólica.

Saúdo com afecto os visitantes de língua espanhola, em particular os Catequistas mexicanos, acompanhados por D. Felipe Padilla, Bispo de Tehunatepec. Saúdo ainda os outros peregrinos do México e do Chile. Convido-vos a todos a agradecer ao Senhor a sua infinita misericórdia e o generoso perdão que nos salva. Obrigado.

Sinto-me feliz por saudar os participantes no Simpósio internacional para os Capelães católicos e agentes pastorais da Aviação civil, vindos de vários Países. Caríssimos, os aeroportos constituem encruzilhadas significativas da mobilidade humana; são lugares de encontro de pessoas pertencentes a várias culturas. Desejo que a vossa presença e a vossa missão no interior destas estruturas ofereçam aos que encontrais uma experiência sensível de Cristo.

Dirijo, depois, uma cordial saudação de boas-vindas aos peregrinos italianos. Em particular, saúdo os fiéis de Pistóia, acompanhados do Bispo D. Simone Scatizzi e os numerosos grupos paroquiais, com um pensamento especial para os crismandos da paróquia de São Francisco de Paula, na Linguaglossa. Caríssimos, as vossas comunidades devem estar sempre à escuta das exigências das famílias e dos jovens, oferecendo-lhes ocasiões providenciais de formação cristã. Manifestai aos pobres e aos doentes, com a vossa acção evangélica, a ternura do Pai celeste, que a todos dá amor e paz.

O meu pensamento vai, finalmente, para os jovens, os doentes e os novos casais. Amanhã, a liturgia fará memória de São Marcos evangelista que, formado na escola do divino Mestre, anunciou o Evangelho com incansável ardor. O seu exemplo e a sua intercessão vos encorajem, caros jovens, a viver de modo autêntico e coerente a vossa vocação cristã; ajudem-vos, queridos doentes, a perseverar na esperança e a oferecer os vossos sofrimentos em união com os de Cristo pela salvação da humanidade; ajudem-vos a vós, amados novos casais, no compromisso mútuo de fidelidade e de amor.



                                                                           Maio de 2002

JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 1 de maio de 2002

Festa dos Trabalhadores

Caríssimos Irmãos e Irmãs:


1. Hoje, dia 1 de Maio, celebra-se a Festa do Trabalho. Para nós, cristãos, ela insere-se sob a protecção de São José Operário. Esta importante celebração é realçada por várias iniciativas que tendem a pôr em evidência a importância e o valor do trabalho, através do qual o homem, transformando a natureza e adaptando-a às suas próprias necessidades, se realiza a si mesmo como homem.

A este respeito, o convite a dominar a terra (cf. Gn Gn 1,28), inserido no início da história da salvação, reveste um interesse determinante e sempre actual. A criação é um dom de Deus, confiado à criatura humana para que, cultivando-o e conservando-o com cuidado, ela possa prover à suas próprias necessidades. É do trabalho que provém aquele "pão quotidiano", que incocamos na oração do Pai-Nosso.

Num certo sentido, poder-se-ia dizer que, mediante o trabalho, o homem se torna mais homem. Este é motivo pelo qual a laboriosidade é uma virtude. Contudo, para que a laboriosidade permita efectivamente que o homem se torne mais homem, é necessário que ela seja sempre ligada à ordem social do trabalho. É somente sob estas condições que se podem salvaguardar a dignidade inalienável da pessoa e o valor humano e social da actividade de trabalho. Confiamos à vigilante protecção de São José Operário quantos, em todas as regiões do mundo, fazem parte da grande família do trabalho.

2. Hoje tem início o mês dedicado a Nossa Senhora e muito querido à piedade popular. Muitas paróquias e famílias, seguindo tradições religiosas já consolidadas, continuam a fazer de Maio um mês "mariano", multiplicando ardorosas iniciativas litúrgicas, catequéticas e pastorais!

Que ele seja, em toda a parte, um mês de intensa oração com Maria! Estes são os votos que vos formulo a todos do íntimo do coração, caríssimos Irmãos e Irmãs, recomendando-vos uma vez mais a recitação do santo Rosário quotidianamente. Trata-se de uma oração simples, aparentemente repetitiva, mas mais útil do que nunca para penetrar nos mistérios de Cristo e da sua e nossa Mãe. Ela é, ao mesmo tempo, um modo de rezar que a Igreja sabe que é do agrado da própria Nossa Senhora. Somos convidados a recorrer ao Rosário também nos momentos mais difíceis da nossa peregrinação na terra.

3. Começando o mês mariano, convido-vos a todos a unir-vos a mim em ordem a rezar pelos trabalhadores e, especialmente, por quantos se encontram em dificuldades no campo do trabalho. Além disso, não podemos deixar de intensificar a nossa confiante e incessante oração pela paz na Terra Santa, onde fazemos votos a fim de que, quanto antes, voltem a conviver na segurança e na serenidade, os povos de Israel e da Palestina ambos queridos ao meu coração. Que no-lo obtenha para nós a intercessão da Virgem Maria e do seu esposo São José, guardião do Redentor.

Saudações

Saúdo afectuosamente os peregrinos de língua portuguesa com votos cordiais de felicidades! Dirijo uma saudação especial aos grupos de Portugal, das Paróquias de São João de Deus, de Lisboa, e de Nossa Senhora da Graça, de Évora, bem como aos visitantes de Barcelos, Fátima e Lisboa. Que Cristo, nossa Páscoa, seja para todos Senhor de misericórdia, a suscitar amor, paz e alegria. A todos, de coração, dou a minha Bênção, que torno extensiva aos vossos familiares e pessoas amigas.

Acolho com alegria os peregrinos de língua francesa, em particular os jovens do Liceu de Cordeliers de Dinan e do Liceu Saint-Charles de Saint-Brieuc, e os adultos da diocese, com o seu Bispo, D. Fruchaud. Que a vossa presença reforce a vossa fé e faça de vós testemunhas do Evangelho! Com a Bênção Apostólica.

Estou feliz por receber a delegação vinda de Nagasaki, no Japão. Saúdo também os estudantes da Noruega, do Adger University College. Agradeço ao Coro do Colégio de Wartburg pelos seus louvores a Deus com o canto. Sobre todos os peregrinos e visitantes presentes nesta audiência, invoco cordialmente as bênçãos de Deus e o dom da paz.

Saúdo cordialmente os peregrinos e visitantes provenientes das terras de expressão alemã. Depois, dou as minhas especiais boas-vindas aos participantes num seminário romano promovido pela Diocese de Hildesheim, na Áustria, e a um grupo do Ordinariato Militar de Kärnten. Enfim, saúdo todos os fiéis que nos acompanham através da Rádio Vaticana e da televisão, enquanto concedo a todos a minha Bênção Apostólica.

Saúdo os peregrinos de língua espanhola, de modo particular os jovens do Instituto italiano de cultura "Ausonia", de Quilmes (Argentina). Sobre vós e sobre todos os presentes invoco a protecção amorosa da Santíssima Virgem neste mês que Lhe é dedicado. Muito obrigado pela vossa atenção.

Saúdo cordialmente os peregrinos da Polónia. No primeiro dia de Maio, em que comemoramos São José Operário, acolho de modo especial com o pensamento e a oração todos os trabalhadores. O Salmista escreveu: "Viverás do trabalho das tuas mãos, serás feliz e gozarás de todo o bem (Ps 127 [128], 2). Peço a Deus que, apesar das crescentes dificuldades e do desemprego, todos os polacos tomem parte nesta bênção do trabalho frutuoso. O trabalho digno seja para cada um e cada uma a fonte do bem e da felicidade.
A São José e a Maria, Rainha da Polónia, recomendo a nossa Pátria. Deus vos abençoe.

Dirijo uma cordial saudação aos peregrinos de língua italiana, em particular aos Seminaristas da diocese de Molfetta-Ruvo-Giovinazzo-Terlini, acompanhados do Bispo D. Luigi Martella. Caríssimos, peço para que o Espírito do Ressuscitado vos ajude a discernir o chamamento de Deus e a seguir a vossa vocação com fidelidade e alegria.

Desejo, por fim, dirigir-me como de costume, aos jovens, aos doentes e aos novos casais.
Caros jovens, hoje, no início do mês de Maio, dedicado de modo especial à Mãe do Senhor, convido-vos a inscrever-vos na escola de Maria, para aprender a amar a Deus sobre todas as coisas e a estar sempre disponíveis e prontos a cumprir a sua vontade. A contemplação da Senhora das Dores vos ajude, queridos doentes, a olhar com fé o mistério da dor, acolhendo o valor salvífico escondido em cada cruz. Confio-vos, amigos novos casais, à protecção maternal da Virgem Santa e de São José, para que possais viver na vossa família o clima de oração e de amor da casa de Nazaré.




AUDIÊNCIAS 2002