Discursos João Paulo II 2002 - Terça-feira, 29 de Janeiro de 2002

DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


DURANTE A VISITA À COMUNIDADE


ACADÉMICA DA UNIVERSIDADE ROMA III


Quinta-feira, 31 de Janeiro de 2002

Magnífico Reitor
Ilustres Hóspedes e Professores
Estimados Estudantes

1. Para mim constitui um motivo de alegria visitar a vossa comunidade universitária, por ocasião da solene inauguração do 10º ano académico. Desejo saudar, em primeiro lugar, o Senhor Reitor, Prof. Guido Fabiani, a quem agradeço o convite que me quis dirigir, assim como as palavras de boas-vindas com que me recebeu. Escutei atentamente os projectos do Ateneu, que ele desejou explicar, e apreciei imensamente a abertura que anima este Centro académico, bem como o desejo de cooperar de maneira especial com os Países do terceiro mundo, entre outras coisas destinando cinco bolsas de estudo a jovens provenientes dessas Nações.

Saúdo os Decanos das várias Faculdades, juntamente com as Autoridades institucionais e académicas que, com a sua presença, dão relevo a este encontro. Saúdo também respeitosamente a Sra. Letizia Moratti, Ministro da Educação, da Universidade e da Investigação, que nos honra com a sua presença.

Além disso, transmito uma afectuosa saudação ao Cardeal Vigário Camillo Ruini, ao Bispo Auxiliar do Sector e aos Sacerdotes que cuidam da formação espiritual de quantos frequentam este Centro universitário, para o qual a Igreja de Roma olha com simpatia e atenção. Ela oferece a sua disponibilidade a colaborar para que, em conjunto, se possa prestar à Comunidade universitária um serviço qualificado, destinado a criar, na diversidade das funções, ocasiões de diálogo, de confronto e de propostas. Estou persuadido de que esta comunhão de intenções há-de desenvolver-se, e será sustentada inclusivamente pela acção constante da Capelania universitária.

Saúdo-vos sobretudo a vós, caríssimos estudantes, que aqui vos preparais para colaborar na edificação da sociedade do futuro. Saúdo de modo especial o vosso representante e estou-lhe grato por se ter feito intérprete dos sentimentos de todos vós, com palavras ponderadas. O vosso porvir dependerá muito da seriedade com que, durante estes anos, vos aplicardes às várias disciplinas, que são instrumentos úteis na busca quotidiana da verdade acerca de vós mesmos e dos diversos aspectos do mundo.

2. A fim de vos preparardes para este encontro, reflectistes sobre a contribuição que, como universitários, sois chamados a oferecer para o bem comum e chegastes à conclusão de que a vossa tarefa primária consiste em ser fiéis à missão típica de um Centro universitário. A tarefa essencial da Universidade é a de ser uma escola na busca da verdade: desde as mais simples, como as verdades sobre os elementos materiais e os seres vivos, até às mais complexas, como as verdades acerca das leis do conhecimento, da vida associada e da utilização da ciência, e finalmente às mais profundas, como as verdades sobre o sentido da acção humana e acerca dos valores que animam a actividade individual e comunitária.

A humanidade tem necessidade de cátedras de verdade e, se a Universidade é um centro do saber, quantos nela trabalham não podem deixar de ter como bússola da sua própria acção a honestidade intelectual, graças à qual é possível discernir o falso do verdadeiro, a parte do todo e o instrumento da finalidade. Nisto há já uma contribuição significativa para a construção de um futuro ancorado nos valores sólidos e universais da liberdade, da justiça e da paz.

3. S. Tomás de Aquino, cuja festa celebrámos na segunda-feira passada, observava que genus humanum arte et ratione vivit" (In Arist. Post. Analyt., 1). Todo o conhecimento imediato e científico deve referir-se aos valores e às tradições que constituem a riqueza de um povo. Haurindo dos valores que irmanam e, ao mesmo tempo, distinguem um povo do outro, a Universidade torna-se cátedra de uma cultura à medida verdadeiramente humana e apresenta-se como ambiente ideal para harmonizar o génio individual de uma nação e os valores espirituais que pertencem a toda a família humana.

Há pouco, o Senhor Reitor falou sobre aquilo que recordei há alguns anos, ou seja, que é graças à cultura que o homem leva uma vida autenticamente humana. Cultura e culturas não devem pôr-se em contraposição entre si, mas estreitar um diálogo enriquecedor para a unidade e a diversidade da vida humana. Encontramo-nos aqui, na presença de uma pluralidade fecunda, que permita à pessoa desenvolver-se sem perder as suas raízes, porque a ajuda a conservar a dimensão fundamental do seu ser total.

A pessoa é uma subjectividade espiritual e material, capaz de espiritualizar a matéria, tornando-a um instrumento dócil das suas energias espirituais, ou seja, da inteligência e da vontade. Ao mesmo tempo, ela é capaz de dar uma dimensão material ao espírito, isto é, de tornar encarnado e histórico aquilo que é espiritual. Pensemos, por exemplo, nas grandes intuições intelectuais, artísticas e técnicas, que se tornaram "matéria", ou seja, expressões concretas e práticas do génio que, anteriormente, as concebeu na sua mente.

4. Este caminho não pode prescindir de um confronto leal e integral com os valores éticos e morais ligados à dimensão espiritual do homem. A fé ilumina o quadro de referência fundamental dos valores a que não se pode renunciar, inscritos no coração de cada um. Basta contemplar a história com olhos objectivos, para se dar conta de como foi importante a religião para a formação das culturas e como, com a sua influência, formou todo o habitat humano. Ignorá-lo ou negá-lo não representa unicamente um erro de perspectiva, mas também um serviço ineficaz à verdade acerca do homem. Por que devemos ter medo de anbrir o conhecimento e a cultura à fé? A paixão e o rigor da investigação nada têm a perder no diálogo sapiencial com os valores encerrados na religião. Não é, porventura, desta osmose que nasceu aquele humanismo de que, justamente, se sente orgulhosa a Europa que hoje está orientada para novas metas culturais e económicas?

Naquilo que depende da Igreja, como no-lo recorda o Concílio Vaticano II, "o desejo deste diálogo, que deve levar à verdade unicamente pela caridade, mantida sempre a conveniente prudência... não exclui ninguém, nem aqueles que veneram altos valores humanos, sem conhecerem ainda o seu Autor, nem aqueles que se opõem à Igreja" (Gaudium et spes, GS 92).
O encontro de Assis, realizado na quinta-feira passada, mostrou que o autêntico espírito religioso promove um diálogo sincero que abre as almas para a compreensão recíproca e para a compreensão no serviço em benefício da causa do homem.

5. Ilustres Autoridades académicas, gentis professores, caríssimos estudantes, confio-vos estas considerações a vós, que formais a grande família da Universidade de Roma III. O vosso trabalho seja sempre sustentado por um compromisso apaixonado, realizado com constância e generosidade, animado por um espírito de compreensão e de diálogo. Daqueles que, como vós, trabalham no âmbito da investigação científica, dependem em não pouca medida a renovação da nossa sociedade e a edificação de um futuro de paz melhor para todos.

Maria, Mãe da Sabedoria, vos sustente na paixão pela verdade e vos ilumine nos momentos de dificuldade e de prova. Nunca desanimeis! O Papa está ao vosso lado e abençoa-vos do íntimo do coração, juntamente com as pessoas que vos são queridas.



                                                                                Feveirero de 2002

 SAUDAÇÃO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


À COMISSÃO DE HONRA DA ASSOCIAÇÃO


PARA A COMPUTORIZAÇÃO DAS ANÁLISES


HERMÊUTICAS LEXICOLÓGICAS (CAHL)


Senhor Cardeal
Ilustres Senhores e Senhoras
Queridos irmãos e irmãs!

1. Dirijo a todos com profunda cordialidade a minha saudação, que se inspira num sentimento de apreço pelas finalidades que vos animam.

Agradeço ao Dr. Antonio Fazio, Governador do Banco de Itália, as palavras que proferiu como Presidente da Comissão de Honra da Associação para a "Computorização das Análises Hermenêuticas Lexicológicas" (CAHL) que dizem respeito a São Tomás de Aquino.
Saúdo também os outros membros da Comissão: o Senhor Cardeal Giovanni Battista Re, o Senhor Cardeal Dionigi Tettamanzi, o Dr. Camdessus, o Embaixador Bettini, Presidente da CAHL, assim como todos os participantes.

Exprimo o meu profundo apreço ao Padre Roberto Busa, S.J., pioneiro da linguística computorizada, e à sua equipa pelo trabalho realizado. Dele são testemunho os 56 volumes do Index Thomisticus.

São Tomás com o seu génio marcou uma época e permanece uma figura luminosa para a investigação e o amor à verdade, que dominam toda a maravilhosa construção filosófica e teológica.

2. Sinto-me feliz por encorajar a vossa intenção de apoiar uma nova iniciativa, que será realizada por uma equipa internacional de jovens acompanhados por estudiosos mais experientes: isto é, a elaboração de um "Léxico Tomístico Bicultural", que dentro de alguns decénios deveria traduzir todas as vozes do enorme léxico de S. Tomás em palavras de hoje.

Escolhestes a obra do Aquinate como verdadeira e própria enciclopédia do seu tempo, síntese de quarenta séculos de cultura mediterrânea: hebraica, grega, latina, árabe e cristã. Com efeito, o "Léxico Tomístico Bicultural" terá em conta principalmente o que em S. Tomás é comum com os autores seus contemporâneos.

Na visão sapiente de S. Tomás, que nalgumas das suas partes depende da ciência contemporânea, o Universo é apresentado como um único programa universal no qual tudo está organicamente relacionado; um programa incorporado na natureza do Pensamento divino, criador daquela inteligência humana que concebeu a informática.

Confio à Providência divina a obra que estais a realizar, enquanto de coração concedo a todos vós e às vossas famílias a minha afectuosa Bênção.



AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA

DA CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA


4 de Fevereiro de 2002

: Venerados Senhores Cardeais
Estimados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Queridos Irmãos e Irmãs!

1. É para mim motivo de grande alegria receber-vos no início da Sessão Plenária do vosso Dicastério. Ao dirigir a cada um de vós a minha cordial saudação, desejo agradecer de modo particular ao Senhor Cardeal Zenon Grocholewski, vosso Prefeito, as nobres e calorosas expressões com que interpretou os vossos sentimentos.

Ouvi o que o Cardeal Prefeito me expôs acerca do programa e também vi o material preparatório destes intensos dias de reflexão. A Igreja vive do contínuo diálogo fraterno entre a Cúria Romana e as Conferências Episcopais. Este diálogo desenvolve-se habitualmente através da correspondência ordinária, mas por vezes exige também momentos fortes de partilha e de intercâmbio. A Plenária é um destes momentos, graças aos quais se desenvolve uma proveitosa colaboração e se fortalece a unidade de propósitos no empenho constante ao serviço da comunhão eclesial.

2. Estais a examinar algumas Orientações para o uso das competências psicológicas na admissão e na formação dos candidatos ao sacerdócio. É um documento que se propõe como válido instrumento para os formadores, chamados a discernir a idoneidade e a vocação do candidato com vistas ao seu próprio bem e ao da Igreja. Naturalmente o auxílio das ciências psicológicas deve ser inserido de maneira equilibrada no âmbito do itinerário vocacional, integrando-o no quadro da formação global do candidato, de maneira a salvaguardar o valor e o espaço próprios do acompanhamento espiritual. O clima de fé, unicamente no qual amadurece a resposta generosa à vocação recebida por Deus, permitirá uma correcta compreensão do significado e da utilidade do recurso à psicologia, que não exclui todos os géneros de dificuldades e de tensões, mas favorece uma tomada de consciência mais ampla e um exercício da liberdade mais desenvolto, a fim de empreender uma luta aberta e franca, com a ajuda insubstituível da graça.

Por este motivo, será oportuno fazer uma boa preparação de peritos psicólogos que, ao óptimo nível científico, acrescentem uma compreensão profunda da concepção cristã acerca da vida e da vocação ao sacerdócio, de forma a ser capaz de fornecer o apoio eficaz à necessária integração entre a dimensão humana e a sobrenatural.

3. Constatei também com satisfação o grande empenho dedicado na realização das Visitas Apostólicas aos Seminários de direito comum e o desejo de lhes oferecer uma visão sintética para lhes garantir a eficácia.

Hoje, a preocupação pelos Seminários reveste, devido à situação geral em que a Igreja se encontra, uma importância muito particular. É necessário fazer com que a formação que neles é dada seja de um nível excelente tanto do ponto de vista intelectual como espiritual. Os candidatos devem ser iniciados na prática da oração, da meditação, da ascese pessoal, fundada nas virtudes teologais vividas no dia a dia.

Será necessário, de modo particular, alimentar nos alunos a alegria da própria vocação. O próprio celibato pelo Reino de Deus deverá ser apresentado como uma escolha eminentemente favorável ao anúncio jubiloso de Cristo ressuscitado. Será importante, sob este ponto de vista, suscitar nos ânimos dos seminaristas o gosto pela caridade eclesial e apostólica: viver em comunhão com Cristo, com os Superiores, com os companheiros é a preparação mais adequada para os futuros compromissos ministeriais.

4. Vós desejais enfrentar também o tema da formação dos estudantes de Direito Canónico. Trata-se de um assunto muito actual: o Direito Canónico, fundado na herança jurídico-legislativa de uma longa tradição, deve ser considerado como um instrumento que, baseando-se na primazia do amor e da graça, garante a ordem justa na vida quer da sociedade eclesial quer dos indivíduos singularmente, que a ela pertencem em virtude do Baptismo.

Nas actuais circunstâncias a Igreja tem necessidade de peritos nesta disciplina, a fim de enfrentar as exigências jurídico-pastorais, que hoje se mostram ser mais complexas em relação ao passado. As reflexões que, a este propósito, propuserdes, com o contributo dos Padres da Plenária provenientes de várias partes do mundo, permitir-vos-ão elaborar indicações apropriadas para a acção futura do Dicastério.

5. A vossa atenção, nestes dias, concentrar-se-á também sobre o papel das pessoas consagradas (religiosos e religiosas) no mundo da educação. A Igreja tem uma dívida de reconhecimento com as pessoas consagradas pelas maravilhosas páginas de santidade e de dedicação à causa da educação e da evangelização que elas escreveram, principalmente no decurso dos últimos dois séculos. Na Exortação pós-sinodal Vita consecrata já tive a ocasião de realçar a sua insubstituibilidade no mundo da educação. Renovo hoje, apesar de estar consciente das dificuldades de muitas famílias religiosas, o convite a continuar a inserir "no horizonte educativo o testemunho radical dos bens do reino" (n. 96).

Uma característica peculiar da comunidade educativa, empenhada na escola católica, é constituída pela presença de pessoas consagradas e de leigos. Uns e outros podem e devem enriquecer o projecto educativo com a experiência que lhes é própria. Isto realizar-se-á se, na sua formação espiritual, eclesial e profissional, souberem perseguir o objectivo de uma missão partilhada.

6. No sector vocacional é precioso o trabalho da Pontifícia Obra para as Vocações Eclesiásticas, que desde o distante ano de 1941 acompanha e anima a pastoral vocacional. Nela, a acção principal é a oração, em obediência ao mandamento de Cristo: "Rogai, portanto, ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a Sua messe" (Mt 9,38 Lc 10,2). Por isso, tem grande valor o Dia mundial de oração pelas vocações, que já se celebra desde há trinta e nove anos, a fim de envolver todas as comunidades cristãs numa geral e intensa oração, para que não faltem numerosas e santas vocações sacerdotais e religiosas.

Vejo com satisfação que, por detrás do impulso da mencionada Obra Pontifícia, prossegue o programa das celebrações dos Congressos continentais sobre as vocações para os ministérios ordenados e para a vida consagrada. No próximo mês de Abril, depois de um proveitoso trabalho de envolvimento das comunidades diocesanas e regionais, será celebrado em Montreal o terceiro Congresso para a América do Norte, depois dos que foram celebrados com êxito positivo para a América Latina e para a Europa. Trata-se de um acontecimento que toda a Igreja acompanhará com a oração, como já convidei a fazer na minha Mensagem para o próximo Dia Mundial de oração pelas vocações. Faço votos por que este importante acontecimento eclesial, providencialmente próximo no tempo e no lugar da celebração do Dia Mundial da Juventude em Toronto, faça crescer nas Igrejas locais um empenho renovado ao serviço das vocações e um entusiasmo mais generoso entre os cristãos do "Novo Mundo".

Dai prosseguimento ao vosso serviço no apoio à pastoral vocacional com espírito de jubilosa gratidão ao Senhor pelo contínuo dom de vocações para o ministério ordenado e para a vida consagrada e enfrentai com confiança laboriosa os motivos de preocupação pela falta de vocações nalgumas partes do mundo, assim como pelas graves exigências do discernimento e da formação de quantos receberam o chamamento.

7. Por fim, agradeço-vos pelo serviço quotidiano que, como Congregação, prestais à Igreja no campo dos Seminários, das Universidades e das Escolas, em síntese, no vasto sector da educação. Espera-se das instituições educativas um contributo fundamental para a edificação de um mundo mais humano, fundado nos valores da justiça e da solidariedade.

Ao assegurar-vos uma especial oração pelo vosso trabalho durante a Plenária, invoco sobre todos vós a iluminação celeste, em penhor da qual vos concedo de coração a minha Bênção.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


ÀS IRMÃS CAPUCHINHAS DE


MADRE FRANCISCA RUBATTO


7 de Fevereiro de 2002


Caríssimas Irmãs Capuchinhas de Madre Rubatto

1. É com prazer que me encontro convosco, no encerramento do vosso Capítulo Geral.

Saúdo-vos com afecto, enquanto dirijo um pensamento particular à Madre-Geral e às outras Religiosas que estão ao seu lado no comprometedor serviço de governar e animar o Instituto. Faço extensiva a minha saudação cordial a todas as Religiosas que trabalham em várias partes do mundo difundindo, mediante numerosas actividades apostólicas, de formação e de solidariedade, a boa semente do Evangelho, em conformidade com o específico carisma franciscano e capuchinho do vosso Instituto.

Nestes dias reflectistes sobre a vossa identidade e a vossa missão, a fim de orientar todo o Instituto para novos empreendimentos apostólicos. Formulo votos cordiais a fim de que, das indicações tiradas dos trabalhos capitulares, floresça um renovado impulso de espiritualidade e de compromisso, sobre as bases sólidas da intuição original da vossa Fundadora.

2. A existência de Madre Francisca Rubatto, que tive a alegria de proclamar Beata no dia 10 de Outubro de 1993, estava assente sobre duas grandes colunas: o amor ardente a Deus, compreendido como "sumo bem" (cf. São Francisco de Assis, Louvores ao Deus altíssimo, 5: Fontes franciscanas, 261) e o serviço incansável aos irmãos, de maneira especial aos mais necessitados e aos abandonados. Sob a orientação de mestres espirituais iluminados, a vossa Madre seguiu o exemplo de São Francisco e de Santa Clara para ser, na Igreja e na sociedade, um sinal humilde mas eloquente do Evangelho vivido "sine glossa" (cf. Lenda perusina, 69.113: Fontes franciscanas, 1622.1672).

Como suas filhas espirituais, sabei também vós tornar-vos pobres na existência pessoal e na actividade quotidiana, escolhendo o último lugar na simplicidade e na humildade, servindo os irmãos com a alegria franciscana. Assim, sereis as Irmãs missionárias do povo, comprometidas em anunciar e em dar testemunho do Evangelho a todos aqueles que encontrardes ao longo do vosso caminho.

Desta forma, a actividade apostólica e o serviço aos irmãos assumirão uma significativa superabundância de amor, haurindo a sua linfa da união íntima com Deus, alimentada pela oração e, em particular, pela familiaridade com Jesus-Eucaristia. Madre Francisca tinha uma fé viva e ardente em Jesus, presente no Santíssimo Sacramento, e queria que a Eucaristia fosse o coração da Família religiosa por ela fundada. Unida a Cristo na oferenda da sua vida, exprimia a sua participação no Mistério pascal, mediante a doação pessoal total ao próximo.

A exemplo da Beata Fundadora, sabei também vós partir o pão da vossa existência de pessoas consagradas, nos vários campos do vosso serviço ao próximo: da catequese à educação escolar, da assistência aos enfermos à solidariedade para com os necessitados, da colaboração na pastoral paroquial à missão "ad gentes".

Perante os desafios dos tempos modernos, fazei reviver a inspiração fundamental de Madre Francisca, traduzindo-a nos novos âmbitos apostólicos que se vos apresentarem, sustentadas pelo seu próprio zelo de Deus e pela sua disponibilidade em relação às necessidades do próximo.

3. Sobretudo, sabei conservar intacto o vosso estilo de vida, muitas vezes evidenciado pela vossa Fundadora. A propósito do espírito que deve animar a Religiosa capuchinha, certa vez ela escreveu a um grupo de noviças: "Serve o Senhor com alegria, desempenha com amor as tarefas que lhe são confiadas, trabalha sem se cansar, porque sabe que o trabalho é precioso aos olhos do Senhor. E depois de ter trabalhado pela glória de Deus, a quem tanto ama, define-se como serva inútil do seu Senhor e está convencida de que é assim, porque sabe que de nada é capaz, sem o auxílio divino" (Às Noviças de Montevidéu e de Rosário: Cartas, Génova 1995, pág. 550).

Servir os irmãos incondicionalmente e sem limites: eis o que impeliu a Beata Francisca Rubatto a abrir o seu coração e a vida do seu Instituto à dimensão missionária, que ela reconhecia "como uma graça especial, concedida à nossa comunidade" (À Irmã Felicidade: op. cit., pág. 129). Este mesmo espírito animou as suas Irmãs missionárias que, no dia 13 de Maio de 1901, sacrificando a sua própria vida, deram o seu testemunho de fidelidade a Cristo e de entrega amorosa ao próximo na missão de Alto Alegre, no Brasil.

O seu exemplo vos sirva de estímulo para intensificar todos os esforços destinados a traduzir de modo cada vez mais adequado o vosso carisma em novas opções de vida e de actividade apostólica. Por minha vez, é de bom grado que vos asseguro a minha proximidade espiritual, com o afecto e a oração.

Assista-vos a intercessão celestial de Francisco e de Clara de Assis. Proteja-vos o grande exército dos Santos e das Santas da Família religiosa capuchinha, em que a Beata Francisca Rubatto resplandece com uma luz especial. Acompanhe-vos também a minha Bênção apostólica, que vos concedo de coração, a vós e às vossas Comunidades religiosas espalhadas pela Itália e pelo mundo inteiro.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA


ASSEMBLEIA PLENÁRIA DO


PONTIFÍCIO CONSELHO "COR UNUM"


Quinta-feira, 7 de Fevereiro de 2002

Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Queridos Irmãos e Irmãs!

1. Sinto-me feliz por apresentar as minhas cordiais boas-vindas a cada um de vós, por ocasião da vigésima quarta Assembleia Plenária do Pontifício Conselho "Cor Unum".

Saúdo o Presidente, D. Paul Josef Cordes, e agradeço-lhe as gentis expressões que se dignou dirigir-me em nome dos presentes, começando pelo Secretário e pelos colaboradores do Dicastério. Saúdo os Senhores Cardeais, os Bispos, os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e os leigos de várias proveniências que participam na Plenária; alguns deles foram nomeados recentemente. A todos e a cada um exprimo o meu sincero reconhecimento pela disponibilidade e pelo espírito de colaboração de que dão provas num âmbito tão importante do apostolado eclesial.
Através do Pontifício Conselho "Cor Unum", o amor da Igreja atinge tantos pobres e necessitados no mundo inteiro, servindo-se de numerosas intervenções e iniciativas das Comunidades locais e das Instituições caritativas internacionais.

2. Este ano escolhestes aprofundar na vossa Assembleia Plenária o tema do voluntariado, um fenómeno de relevo que desperta hoje tantas energias de bem na Igreja e no mundo. Trata-se de um tema que esteve no centro da atenção também das Nações Unidas. A ONU dedicou precisamente ao voluntariado, no ano passado, a sua reflexão. De facto, o voluntariado, resultado de escolhas conscientes, mesmo se por vezes são difíceis, oferece à sociedade, além de um serviço concreto, o testemunho do valor da gratuidade. Sendo em si mesmo muito eloquente, este valor vai contra a corrente em relação ao individualismo, infelizmente difundido nas nossas sociedades, sobretudo nas opulentas. Perante interesses económicos, que muitas vezes parecem constituir a categoria predominante das relações sociais, a acção dos voluntários tem por finalidade evidenciar a centralidade do homem. É a pessoa, como tal, que merece ser servida e amada sempre, sobretudo quando é minada pelo mal e pelo sofrimento ou quando é marginalizada e vilipendiada.

Neste sentido, o voluntariado representa um factor significativo de humanização e de civilização. Por ocasião do Dia do Voluntariado, no passado dia 5 de Dezembro, para realçar o interesse com que a Igreja olha para este amplo fenómeno, dirigi uma mensagem a quantos estão empenhados neste serviço ao homem e ao bem comum. Nela recordei a validade desta experiência, que oferece a muitas pessoas a possibilidade de viver concretamente a chamada ao amor, inata no coração de cada ser humano.

3. Para os cristãos a raiz deste empenho encontra-se em Cristo. Foi por amor que Jesus deu a sua vida pelos irmãos, e fê-lo gratuitamente. Os crentes seguem o seu exemplo. Empenhados em âmbitos de acção humanitária tão diferentes, podem tornar-se para os não crentes um verdadeiro e próprio estímulo para experimentar a profundidade da mensagem evangélica. Demonstram de modo concreto que o Redentor do homem está presente no pobre e em quem sofre e deseja ser reconhecido e amado em cada criatura humana. Para que este testemunho seja incisivo, faço votos para que todos os que trabalham em associações e instituições católicas de voluntariado se inspirem no modelo dos numerosos santos da caridade, que com a sua existência traçaram na Igreja um exemplo de luminoso heroísmo evangélico. Que cada um se preocupe por encontrar pessoalmente Cristo, que enche de amor o coração de quantos desejam servir o próximo.

4. A vossa Plenária é realizada poucos meses depois do trigésimo aniversário de fundação do Pontifício Conselho "Cor Unum", instituído a 15 de Julho de 1971 pelo Servo de Deus Paulo VI.

Passaram já três decénios, que viram crescer e difundir-se a acção caritativa da Igreja através do serviço dos organismos eclesiais e do contributo de numerosos fiéis. Os resultados obtidos confirmam a validade da intuição do meu venerado Predecessor que, ao aceitar as orientações sugeridas no Concílio Ecuménico Vaticano II, quis instituir junto da Sé Apostólica um organismo de coordenação e de animação das numerosas instituições existentes na Igreja, no âmbito da promoção humana e da solidariedade cristã.

Também hoje, no vosso Pontifício Conselho, as dioceses e as organizações católicas destinadas ao exercício da caridade têm um ponto de encontro, de diálogo e de orientação, para que se possa intervir de modo mais eficaz nos âmbitos das várias pobrezas.

5. Ao dar graças a Deus pelos trinta anos de actividade de "Cor Unum", sinto a necessidade de renovar a minha gratidão pela solicitude com que em numerosas ocasiões, por vezes em contextos dolorosos e trágicos, ele se fez intermediário da caridade do Papa. Sobretudo, apraz-me recordar o empenho recentemente feito na assistência aos refugiados do Afeganistão, assim como noutras regiões da Terra atingidas pela guerra ou pelas calamidades naturais.

Queridos irmãos e Irmãs, encorajo-vos a dar continuidade a esta obra já felizmente encaminhada, com a qual tanto contribuís para a promoção da dignidade do homem e para a causa da paz. Formulo também votos para que o esforço quotidiano que fazeis para animar a pastoral caritativa das Comunidades diocesanas e para apoiar o voluntariado católico se traduza num anúncio do Evangelho da esperança e da caridade cada vez mais incisivo.

Com estes desejos, enquanto vos confio todos à protecção materna da Virgem Maria, em penhor do fervor espiritual e de todo o bem desejado, concedo de coração a cada um uma especial Bênção apostólica.



DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II


AO EMBAIXADOR DAS FILIPINAS


JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO DA


APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sexta-feira, 8 de Fevereiro de 2002

Senhor Embaixador

É-me grato dar-lhe as boas-vindas ao Vaticano no dia de hoje e aceitar as Cartas Credenciais mediante as quais Vossa Excelência é nomeado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República das Filipinas junto da Santa Sé. Há cinquenta anos que o seu País e a Santa Sé mantêm relações diplomáticas, e estou persuadido de que Vossa Excelência trabalhará para aumentar e fortalecer os estreitos laços de amizade e de cooperação já existentes entre nós. Estou-lhe profundamente grato pelas saudações que me transmitiu da parte de Sua Excelência a Senhora Presidente Glória Macapagal-Arroyo, assim como do governo e do povo das Filipinas. Peço que tenha a amabilidade de lhes retribuir com a certeza da minha estima e boa vontade, além das minhas orações pela harmonia e o desenvolvimento permanentes da sua Nação.

Nas palavras com que Vossa Excelência quis realçar as esperanças e os esforços do povo filipino em benefício da causa da paz, tanto a nível nacional como no mundo inteiro, há um eco da aspiração universal à generosidade, justiça e solidariedade nos relacionamentos humanos, que foram cruelmente abalados pelos acontecimentos dos últimos meses. Como crentes que somos, sabemos que a paz não é meramente o resultado dos projectos e dos esforços humanos, mas constitui uma dádiva de Deus para o mundo que Ele mesmo criou. É a plenitude das suas bênçãos derramadas sobre o homem, a única criatura que Deus quis por si mesma (cf. Gaudium et spes, GS 24). O recente encontro de oração pela paz, realizado em Assis, que reuniu representantes das Igrejas cristãs e das Comunidades eclesiais, assim como dos seguidores de muitas das principais religiões do mundo inteiro, demonstrou que pessoas de tradições religiosas e culturais muito diferentes entre si estão convencidas, de modo determinado, de que a violência em todas as suas formas é totalmente incompatível com o sentimento religioso autêntico e, na realidade, com a dignidade humana. Os líderes das nações têm o dever de encontrar formas práticas e técnicas para traduzir em leis, instituições e acções o anseio do coração humano pela tranquilidade da ordem, representada pela paz verdadeira.

Senhor Embaixador, o seu próprio País também foi atingido pelos recentes acontecimentos. Não se vê no horizonte uma solução negociada para resolver as antigas dificuldades e, entretanto, o conflito está a aumentar. Permita-me repetir aqui o que desejei propor no Dia Mundial da Paz do corrente ano. As colunas da paz na sua terra, assim como noutras partes do mundo, são a justiça e o perdão: a justiça que garante o pleno respeito dos direitos e das responsabilidades, e a distribuição equitativa dos benefícios e dos fardos; e o perdão que purifica e volta a edificar os relacionamentos humanos interrompidos, a partir dos seus fundamentos (cf. Mensagem, n. 3). Sem dúvida, não podemos pensar que a justiça e o perdão serão instaurados como resultado da violência e do conflito; elas são virtudes morais que exigem a nossa responsabilidade tanto pessoal como colectiva, de escolher aquilo que orienta para o bem comum e evita tudo o que nega ou deforma a verdade acerca do nosso ser.

Todos os homens e mulheres comedidos reconhecem o bem comum como a finalidade do bom governo. Contudo, trata-se de um bem humano, que visa o bem-estar integral das pessoas em toda a complexidade da sua vida pessoal e interpessoal. Seria um grande erro limitar as políticas públicas à busca do progresso económico que, não raro, se mede em termos de aumento do consumismo, como se somente isto pudesse satisfazer as aspirações dos indivíduos. Como escrevi na minha Carta Encíclica Centesimus annus: "Não é mal desejar uma vida melhor, mas é errado o estilo de vida que se presume ser melhor, quando ela é orientada ao "ter" e não ao "ser", e deseja ter mais não para ser mais, mas para consumir a existência no prazer, visto como fim em si próprio" (n. 36). O progresso autêntico não pode deixar de ter na justa consideração as necessidades e tradições culturais e espirituais das pessoas em geral. Neste sentido, as políticas e os programas florescem ou caducam, conforme favorecem ou não favorecem o desenvolvimento humano integral. Desta forma, a crescente globalização da economia, com o seu nivelamento das diferenças culturais, não é necessariamente e em todos os casos uma solução para as necessidades concretas. Com efeito, ela pode agravar os desequilíbrios já evidentes nos relacionamentos entre aqueles que beneficiam da crescente capacidade que o mundo tem de produzir riquezas, e aqueles que são abandonados à margem do progresso. O grandioso desafio moral que se apresenta tanto às nações individualmente como à comunidade internacional consiste em combinar o progresso com a solidariedade - uma verdadeira divisão dos benefícios - em ordem a superar quer o subdesenvolvimento desumanizador, quer o "superdesenvolvimento", que considera as pessoas como meras unidades económicas no contexto de um sistema consumista (cf. Ecclesia in Asia, ). Por conseguinte, o progresso nunca é uma questão puramente técnica ou económica; de maneira fundamental, ele é uma problemática humana e moral. Além disso, exige um acentuado sentido de compromisso moral por parte das pessoas que servem o bem comum.

Hoje em dia, pergunta-se com frequência se a cultura predominante pode inserir a vida económica e política num contexto autenticamente moral, visando garantir o serviço do bem comum. É exactamente neste aspecto que existe a necessidade de uma cooperação fecunda entre as autoridades públicas e a Igreja. No campo que lhes é próprio, cada uma serve o desenvolvimento integral dos membros da sociedade. Senhor Embaixador, no seu País existe uma antiga tradição de ajuda e de cooperação recíprocas entre a Igreja e a sociedade civil. Não têm faltado momentos de dificuldade que, em geral, são rápida e correctamente resolvidos. Em muitas ocasiões, desejei encorajar os Bispos das Filipinas nos esforços que fazem para educar e formar os leigos no ensinamento religioso e social que há-de de torná-los capazes de transformar e construir a sociedade em que vivem, recorrendo à justiça e à solidariedade. Os desafios que se apresentam à sua Nação são enormes e exigem o melhor compromisso por parte de todos os seus cidadãos, inclusivamente a contribuição especial dos seus jovens. Fundamentando-se nas melhores tradições filipinas da vida familiar e da ajuda e serviço mútuos, e eliminando os excessos dos privilégios e dos interesses partidários, a Nação pode esperar por um futuro deveras promissor.

No momento em que entra na comunidade dos diplomatas acreditados junto da Santa Sé, o Senhor Embaixador dá-se conta de que se trata de um âmbito diferente dos contextos em que, geralmente, os representantes diplomáticos se reúnem. Aqui, Vossa Excelência terá a possibilidade de reflectir pessoalmente sobre as questões mais profundas que dizem respeito ao progresso da humanidade. Aqui, poderá contribuir para um debate permanente sobre as verdades subjacentes aos acontecimentos e às correntes da nossa história humana. Enquanto formulo votos pelo bom êxito da sua missão, invoco as Bênçãos de Deus Todo-Poderoso sobre Vossa Excelência, a sua família e o amado povo filipino.




Discursos João Paulo II 2002 - Terça-feira, 29 de Janeiro de 2002