Discursos João Paulo II 2002 - Quinta-feira, 24 de outubro de 2002

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DOS REGIONAIS NORDESTE I e IV


DO BRASIL EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sábado, 26 de outubro de 2002



Amados Irmãos no Episcopado,

1. A liturgia destes dias tem vindo a recordar o nosso chamamento comum e a graça recebida por cada um «para a obra do ministério, para a edificação do Corpo de Cristo, até que cheguemos todos (...) à medida da estatura completa de Cristo» (Ep 4,12 Ep 4,13). Tudo deverá tender para a edificação do Corpo de Cristo, valorizando a providencial riqueza dos carismas, que o Espírito Santo não cessa de fazer florescer na comunidade.

Tenho a grata satisfação de acolher-vos colegialmente, após o nosso encontro pessoal. Através das amáveis palavras de D. Celso José Pinto da Silva, Arcebispo de Teresina, pronunciadas em nome dos Regionais 1 e 4 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, foi possível recolher as muitas esperanças que animam as comunidades cristãs confiadas pela divina Providência aos vossos cuidados pastorais, sem omitir as preocupações e problemas encontrados numa terra em vias de profundas transformações sociais.

2. A realidade cearense e piauiense, e do nordeste em geral, apresenta um quadro inconteste de modernização das estruturas criadas para o seu desenvolvimento, embora, em diversos aspectos, conviva com os rigores da marginalização de inteiras populações. Nestas últimas décadas, o esforço por combater o analfabetismo, as doenças endêmicas e a mortalidade infantil; a coexistência com a pobreza e a miséria crônicas, relacionadas em boa parte com a migração do campo para as cidades; o problema da justa distribuição da terra e da atenção ao homem do mar e tantos outros itens, sem esquecer do binômio estiagem-inundação, tem sido motivo de constante preocupação das autoridades locais, bem como das diversas Pastorais diocesanas.

Vossas Igrejas particulares datam do século passado, sendo assim relativamente jovens. Mas é próprio da juventude o dinamismo, o espírito de iniciativa e arrojo, que estão no âmago da nacionalidade brasileira, onde se encontra a força para enfrentar os desafios reinantes. Ambas Províncias defrontam-se com a falta de clero; deve ser potenciada a evangelização e a catequese, tanto dos adultos como dos jovens e das crianças, na zona rural e nas cidades, sem descuidar as classes de poder decisório e dos estudantes, a todos os níveis. Conheço vosso esforço pela pregação da justiça e da fraternidade numa das áreas mais pobres do País. O empenho em trabalhar nas Pastorais de forma coordenada, especialmente para promover vocações de seminaristas, com formadores qualificados, a fim de cuidar, inclusive, à formação permanente dos sacerdotes, é digno de elogio. Peço a Deus que atenda às vossas necessidades materiais, pois a carência de meios e o custo na formação dos seminaristas, não podem interromper essa obra de promoção de operários para a sua messe.

Mas precisamente dentro do dinamismo da fé, que nada faz desfalecer, desejo estimular a obra evangelizadora das vossas Dioceses, animando-vos a dedicar as melhores energias, num renovado ardor missionário, para o crescimento do Reino de Deus neste mundo.

3. Múltiplas são as iniciativas apostólicas que se estão difundindo nas vossas Igrejas Particulares. Sensível e encorajador é o despertar religioso, sobretudo entre os jovens; fonte de esperança é também a sensibilidade dos fiéis a uma prática cristã mais firme e coerente. O nordestino é muito religioso. Procura muito a vida da Igreja e está sempre aberto à dimensão transcendente da vida, embora deva ser bem orientado no que diz respeito às devoções populares e a uma inculturação condizente com o Evangelho.

Muitos obstáculos, porém, podem enfraquecer o entusiasmo dos cristãos, pelo influxo, nem sempre positivo, da cultura consumista dominante, ameaçando ofuscar a limpidez do próprio anúncio evangélico. É preciso formar os fiéis numa fé firme e coerente, pois somente a efetiva redescoberta de Cristo, como fundamento sobre o qual construir a vida da inteira sociedade, lhes permitirá não temer qualquer tipo de dificuldade: a casa não desaba sob o furor dos rios que engrossam com a chuva torrencial e dos ventos que sopram ameaçadores, quando está fundada sobre a sólida rocha (cf. Mt Mt 7,24-25).

É necessário um salto em qualidade na vivência cristã do povo, para que possa testemunhar sua fé de forma límpida e esclarecida. Essa fé, celebrada e participada na liturgia e na caridade, nutre e fortifica a comunidade dos discípulos do Senhor e os edifica como Igreja missionária e profética. Ninguém se sinta excluído deste desígnio apostólico!

4. Quando, no início do novo milênio, quis apontar algumas prioridades pastorais, nascidas da experiência do Grande Jubileu do ano 2000, não hesitei em assinalar, em primeiro lugar, que «o horizonte para o qual deve tender todo o caminho pastoral é a santidade» (NMI, 30). À "chamada universal à santidade", destacada pelo Concílio Vaticano II na Constituição dogmática Lumen gentium, correspondeu a Igreja de hoje e do passado com uma cadeia sem fim de santos, alguns mundialmente conhecidos, outros que permanecerão no anonimato. Todos souberam viver uma entrega incondicionada a Deus, abraçando-se à Cruz de Cristo, pela contemptio mundi, o afastamento do mundo que os distinguia, ou pela consecratio mundi, que é própria dos leigos. São, contudo, «cristãos de qualquer estado ou ordem chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade» (LG 40).

A Igreja necessita de sacerdotes santos; de religiosos santos, que se distingam pela consagração exclusiva, dentro do próprio carisma fundacional, a realizar a obra evangelizadora com generosidade e sacrifício na missão essencial que lhes foi confiada, à exemplo da Madre Paulina, Fundadora da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, que tive a ocasião de canonizar no passado mês de maio. A Igreja necessita, hoje mais do que nunca, de leigos santos que possam receber a honra dos altares, após terem buscado a perfeição cristã no meio das realidades temporais, no exercício do próprio trabalho intelectual ou manual, todos eles gratos a Deus, quando se destinam para a sua honra e glória. Das suas fileiras surgem as vocações para o Seminário e para a Vida Religiosa.

5. Meu pensamento deseja dirigir-se hoje aos sacerdotes, religiosos e religiosas e leigos que se prodigalizam, muitas vezes com imensas dificuldades, para a difusão da verdade evangélica. Dentre eles, muitos colaboram ou participam ativamente nas Associações, nos Movimentos e em outras novas realidades que, em comunhão com seus Pastores e de conformidade com as iniciativas diocesanas, levam sua riqueza espiritual, educativa e missionária ao coração da Igreja, como preciosa experiência e proposta de vida cristã.

Nas diversas visitas pastorais e viagens apostólicas, pude apreciar os frutos desta presença em tantos campos da sociedade através do mundo do trabalho, da solidariedade internacional pelos mais necessitados, do empenho ecumênico, da fraternidade sacerdotal, do acompanhamento das famílias e da juventude e tantos outros. É uma realidade que representa a multiforme variedade de carismas, métodos educativos, modalidades e finalidades apostólicas, vivida na unidade da fé, da esperança e da caridade, em obediência a Cristo e aos Pastores da Igreja. Na prática, «devem atuar como verdadeiros instrumentos de comunhão no seio da Igreja, dando provas quer de uma sincera e efetiva colaboração mútua ao enfrentarem os desafios da nova evangelização, quer de uma indispensável sintonia com os objetivos indicados pelo Bispos, sucessores dos Apóstolos, nas diversas Igrejas locais» (Mensagem para o Encontro nacional de Movimentos laicais, Lisboa, 28 de Março de 2000).

6. Tenho acompanhado o esforço das vossas Dioceses por alcançar estas metas. Um dos fatores a destacar no vosso sentire cum Ecclesia é que a presença das novas realidades suscitadas pelo Espírito, os Movimentos e as Associações laicais em vossas Igrejas particulares serve a «participar responsavelmente na missão da Igreja de levar o Evangelho de Cristo, qual fonte de esperança para o homem e de renovação para a sociedade» (Cfl, 29).

Às vezes pode-se correr o risco de um certo apoucamento ou miopia acerca do valor transcendente que o fenômeno agregativo vem assumindo hoje em dia na vida da Igreja. Já tive ocasião de afirmar que há uma razão «eclesiológica, como abertamente reconhece o Concílio Vaticano II, ao apontar o apostolado associado como um sinal de comunhão e de unidade da Igreja em Cristo»; e não só: aquela grande Assembléia recalcou naquilo que chamou de verdadeiro e próprio «direito dos leigos de fundar associações, diriji-las e dar nome às já existentes» ( ib.).

Naturalmente, os critérios de eclesialidade para um adequado inserimento dessas novas realidades vão sempre respeitados e examinados pela autoridade diocesana de acordo com as necessidades pastorais, não só da própria Igreja particular mas da Igreja universal (cf. ib., 30). A todas elas exige-se certamente uma comunhão sempre mais sólida com os seus Pastores, pois «nenhum carisma dispensa da referência e da submissão aos Pastores da Igreja» (ib., 24); a estes, por outro lado compete a capacidade de discernimento a fim de julgar a autenticidade do caminho que aquelas irão percorrer nos âmbitos diocesanos. Pode-se também pensar em estruturas pastorais complementárias que comportem uma convergência orgânica de padres e leigos.

Com isto, se busca concretizar os esforços em direção das metas que realmente estão inscritas na Pastoral diocesana e, em última análise, na mente do Sucessor de Pedro e do Magistério corretamente aplicado; mas evita-se também o perigo de dispersão das forças vivas em objetivos distintos da «solicitude por todas as igrejas» (2Co 11,28). Neste sentido, gostaria de chamar à atenção acerca do desejo manifestado em certos setores de transformar em Conferência o Conselho Nacional dos Leigos, como instância paralela à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Pretender criar um organismo autônomo, representativo dos leigos, sem referência à comunhão hierárquica com os Bispos, constitui um defeito eclesiológico de graves implicações facilmente detectáveis. Confio, portanto, na vossa diligência em prevenir os fiéis contra tais iniciativas.

7. Por sua vez, o papel fundamental que os leigos desempenham na missão da Igreja foi posto, como sabemos, em evidência no Concílio Vaticano II e em numerosos Documentos pós-conciliares.

Eles, lê-se na Lumen gentium, «são chamados como membros vivos a contribuir com todas as suas forças (...) para o crescimento da Igreja» (n. 31), à sua expansão entre os homens e os povos. Ainda mais explícito e categórico é o Decreto sobre o apostolado dos leigos, que reafirma «a parte ativa que os leigos têm na vida e na missão da Igreja» (AA 10). Por isso, a sua atividade apostólica não é facultativa, mas um dever estrito que cabe a cada fiel, pelo simples fato de estar batizado. Todos «tenham uma consciência viva das suas responsabilidades para com o mundo, fomentem em si um espírito verdadeiramente católico, e ponham as suas forças ao serviço da obra da evangelização (Ad gentes AGD 41).

A missão é única, mas o modo de a realizar é diferente, conforme os dons distribuídos pelo Espírito aos vários membros da Igreja. A ação dos leigos é indispensável para que a Igreja possa ser considerada realmente constituída, viva e operante em todos os seus setores, tornando-se plenamente sinal da presença de Cristo entre os homens. Mas isto supõe um laicato amadurecido, em comunhão plena com a hierarquia e comprometido a plasmar o Evangelho nas distintas situações em que se encontre.

A função dos Pastores se dirige a estimular e canalizar os esforços dos seus diocesanos, sempre quando se trate de verdadeira obra missionária evangelizadora, conforme foi transmitida pelo Redentor à sua Igreja. Como mestres na fé, confirmam nos seus diocesanos o respeito pelas leis canônicas da Igreja, procurando orientá-los, inclusive, a fim de que cumpram as leis do Estado, pois «não se distinguem dos outros homens nem pelo país, nem pela língua, nem pela organização política» (Carta a Diogneto, 5: ), distinguem-se, sim, pela fé e esperança cristãs e pela pureza de vida.

8. Por maior razão, cabe uma diligente e atenta Pastoral da Juventude, chamada a testemunhar os valores cristãos no novo milênio. Não é lugar comum afirmar novamente que os jovens são o futuro da humanidade. Preocupar-se pela sua maturação humana e cristã representa um precioso investimento para o bem da Igreja e da sociedade. Daqui parte a convicção de que «a Pastoral da Juventude deve estar sempre entre as preocupações primárias dos Pastores e das comunidades» (Ecclesia in America ).

Como sabemos, a juventude brasileira caracteriza a vida nacional não só numericamente mas, também, pela influência que exerce na vida social. A par do espinhoso problema do acompanhamento do menor privado da dignidade e da inocência, os problemas ligados à inserção no mercado de trabalho; o aumento da criminalidade juvenil condicionado, em boa parte, pela condição de pobreza endêmica e pela falta de estabilidade familiar, junto à ação, por vezes, deletéria de certos meios de comunicação social; a migração interna em busca de melhores condições de vida nas grandes cidades; o preocupante envolvimento dos jovens no mundo da droga e da prostituição constituem fatores que permanecem sempre na pauta das vossas atenções pastorais.

Os jovens não são indiferentes ao que a fé cristã ensina sobre o destino e o ser do homem. Ainda que não faltem ideologias - e pessoas a sustentá-las - que permanecem fechadas, há em nossa época anseios elevados de mistura com atitudes rasteiras, heroísmos a par de covardias, idealismos ao lado de desilusões; criaturas que sonham com um mundo novo mais justo e mais humano. Por isso, «se Cristo for apresentado com o seu verdadeiro rosto, os jovens reconhecem-no como resposta convincente e conseguem acolher sua mensagem, mesmo se exigente e marcada pela Cruz» (NMI, 9).

9. Antes de terminar este encontro fraterno, expresso em atitude de oração um pensamento especial aos Bispos falecidos, para que o Deus de misericórdia possa recompensá-los com o prêmio eterno da sua glória. Ao mesmo tempo, dirijo uma palavra de profunda estima e fraternidade aos Bispos que deixaram o serviço ativo das Dioceses ao longo deste amplo qüinqüênio, renovando-lhes aqui a expressão da minha gratidão; com sua presença, seu exemplo de fé e de santidade continuam sendo uma verdadeira bênção para a Igreja peregrina. Possa o Espírito Santo saciar a todos com a abundância das suas consolações.

Maria Santíssima, nossa Mãe, vos proteja no caminho da vida e ampare nas dificuldades do ministério. Com estes votos, concedo de coração a cada um de vós a minha Bênção Apostólica, tornando-a extensiva aos vossos sacerdotes e colaboradores, aos diáconos e às famílias religiosas, aos seminaristas e a todos os fiéis dos vossos Regionais.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO INSTITUTO PARA AS CIÊNCIAS HUMANAS DE VIENA


Sábado, 26 de Outubro de 2002

: Senhoras e Senhores
Queridos Amigos

No momento em que o Instituto para as Ciências Humanas celebra o XX aniversário de fundação, é com imenso prazer que me encontro convosco, aqui no Vaticano. Saúdo de maneira especial Sua Ex.cia o Professor Krzysztof Michalski, um dos membros fundadores do Instituto, que hoje está aqui presente connosco. O nosso encontro oferece-me a possibilidade de expressar o meu apreço pessoal pelo trabalho do Instituto, que incluiu a organização de oito colóquios memoráveis em Castelgandolfo. Aproveito também esta oportunidade para prestar uma homenagem à memória de Sua Ex.cia o Senhor Jozef Tischner, o saudoso Presidente Fundador do Instituto, que estava profundamente comprometido no seu projecto de promoção de um diálogo sobre o futuro da Europa, aberto às vozes provenientes tanto do Oriente como do Ocidente.

Hoje, vinte anos depois da sua fundação, o Instituto para as Ciências Humanas vive amplamente segundo a visão dos seus fundadores. Os acontecimentos de 1989 e o passo acelerado da unificação da Europa realçaram precisamente a necessidade da análise disciplinada, dos amplos debates e das propostas concretas, que o Instituto tem promovido. Durante estes anos, o Instituto ofereceu uma contribuição significativa para uma formação mais responsável do futuro político, económico, social e cultural do Continente. Exprimo a minha esperança a fim de que, nos anos vindouros, ele continue a evidenciar a dimensão "humana" das imensas possibilidades e desafios que se apresentam à humanidade, no alvorecer deste novo milénio. Em última análise, qualquer solução para a grave crise que a sociedade contemporânea está a enfrentar, e qualquer esforço com vista a criar um futuro mais digno para o homem deverão fundamentar-se na valorização da dignidade natural e na grandeza espiritual de cada ser humano. De igual forma, devem mostrar respeito pela rica variedade de culturas e de valores religiosos, que deram uma expressão histórica à busca de liberdade autêntica e de edificação de um mundo de solidariedade, justiça e paz.

Neste feliz aniversário, formulo os meus sinceros bons votos pela continuação do trabalho do Instituto. Sobre vós e as vossas famílias, invoco cordialmente as Bênçãos divinas da alegria e da paz.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS ADMINISTRADORES APOSTÓLICOS


DE DÍLI E BAUCAU NA REPÚBLICA DE TIMOR LESTE


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM "


Segunda-feira 28 de outubro de 2002



Venerados Irmãos no Episcopado!

1. «A vós, graça e paz sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo» (Ep 1,2). Com estas palavras, dou-vos as boas-vindas ad sedem Petri, hoje particularmente feliz por poder trocar o ósculo santo com as Igrejas-irmãs de Díli e Baucau, que de certo modo «vieram da grande tribulação; lavaram os seus vestidos e os branquearam no sangue do Cordeiro», animadas pela certeza de que Este as «apascentará e lhes servirá de guia para as fontes de águas vivas; e Deus enxugará toda a lágrima dos seus olhos» (Ap 7,14 Ap 7,17).

Dou graças a Deus pela generosidade com que a Igreja de Timor se solidarizou com os seus concidadãos, tornando-se o seu suporte moral na hora da prova. Desejo mais uma vez confiar à misericórdia divina as vítimas da violência e exprimir a minha profunda solidariedade a todas as pessoas que sofrem as consequências do drama que se abateu sobre o vosso povo. De coração agradeço aos sacerdotes e religiosos, aos catequistas e a todos os fiéis de Timor a sua coragem e fidelidade a Cristo e à Igreja. Quando regressardes, levai-lhes a saudação afectuosa do Papa e a certeza da sua oração para que continuem a ser incansáveis testemunhas do amor de Deus no meio dos seus irmãos. De igual modo transmiti a todos os vossos compatriotas os ardentes votos que faço pelo melhor sucesso na construção duma nação fraterna e próspera.

2. Nos primeiros passos do terceiro milénio, a família das Nações pôde festejar o nascimento da República Democrática de Timor, com o seu povo e os seus líderes determinados a reconstruir o país destruído pelo ódio e a incapacidade de compreender uma escolha: a de serem timorenses e, na sua grande maioria, timorenses católicos.

Há séculos que a sua religião, parte integrante da cultura de cada povo, sublimara o temor supersticioso das crenças tradicionais com o timor Dei, o temor de Deus, mas um Deus de esperança, sensível ao anseio de futuro e à força da oração. De facto, quando a insegurança obrigara os timorenses a fugirem para as montanhas, podiam não levar mais nada, mas tinham consigo o Crucifixo ou a imagem de Nossa Senhora de Fátima dos seus oratórios familiares. Louvado seja Deus que, na sua bondade e providência, nos permitiu ver o regresso à vossa terra da liberdade e da paz, consentindo que vos dediqueis agora com todas as energias ao serviço duma messe prometedora.

À medida que tal for possível, ajudai as vossas comunidades eclesiais a retomarem o ritmo normal da sua vida e testemunho cristão. Elas serão chamadas, aqui e além, a oferecer o abraço reconciliador, como o pai do filho pródigo (cf. Lc Lc 15,11-32), a irmãos que, esperançados no perdão fraterno, regressam à «casa da comunhão» (Carta ap. Novo millennio ineunte, 43). Talvez iludidos, forçados, ou convencidos... semearam luto e orfandade. Provavelmente não sabiam que, matando a outrem, davam a morte a si mesmos; agora batem à porta da Igreja, cuja «única ambição é continuar a missão de serviço e de amor [de Jesus Salvador], para que todos (...) tenham vida e a tenham em abundância» (Exort. ap. Ecclesia in Asia, 50).

A recordação daquela imane tragédia não poderá deixar de pôr uma questão: Como foi possível desencadear-se violência tão cruel e irracional? Se se exceptua quem deu a vida perdoando, poderá alguém considerar-se completamente preservado do contágio daquela violência homicida? Soam a propósito aquelas palavras de Jesus - «Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lançar-lhe uma pedra» (Jn 8,7) - que motivaram, nos directos implicados, um exame de consciência e consequente decisão ou, por outras palavras, uma «purificação da memória». Poderia revelar-se útil às vossas comunidades eclesiais um tal acto de purificação, como sucedeu no Ano Santo, o qual «reforçou os nossos passos no caminho para o futuro, tornando-nos ao mesmo tempo mais humildes e vigilantes na nossa adesão ao Evangelho» (Carta ap. Novo millennio ineunte, 6), na nossa fé.

3. Acreditar em Jesus significa crer que o amor está presente no mundo e que este amor é mais forte do que toda a espécie de mal em que o homem, a humanidade e o mundo estão envolvidos. Por isso, «dar testemunho de Jesus Cristo é o maior serviço que a Igreja pode oferecer aos [timorenses], porque é a resposta ao seu anelo profundo de Absoluto, e desvenda as verdades e valores que hão-de assegurar o seu desenvolvimento humano integral» (Exort. ap. Ecclesia in Asia, 20).

Para consentir aos fiéis, jovens e adultos, uma descoberta cada vez mais clara da própria vocação e uma disponibilidade sempre maior para vivê-la no cumprimento da sua missão, é necessário que eles possam beneficiar de uma catequese completa sobre as verdades da fé e as suas implicações concretas na vida, capaz de levá-los a encontrarem Jesus Cristo, dialogarem com Ele, deixarem-se abrasar pelo seu amor e inflamarem-se no desejo de O tornar conhecido e amado por todos. Esta formação, dada e recebida na Igreja, há-de gerar comunidades cristãs sólidas e missionárias porque «um fogo só pode ser aceso por algo que já esteja incendiado» (Ibid., 23).

O sujeito desta proposta catequética é a comunidade cristã inteira nas suas várias articulações. Fundamental, porém, é a acção educativa das famílias, de modo que os pais possam transmitir a seus filhos aquilo que eles mesmos receberam. Com a vida familiar assente no amor, na simplicidade, no compromisso concreto e no testemunho quotidiano, defender-se-ão os seus valores essenciais contra a desagregação que, com demasiada frequência nos nossos dias, ameaça esta instituição primordial da sociedade e da Igreja. Amados Irmãos no Episcopado, continuai a fazer ressoar, oportuna e inoportunamente, «o apelo» lançado pelos Padres da Assembleia Sinodal para a Ásia «aos fiéis dos seus países - onde frequentemente a questão demográfica é usada como argumento para a necessidade de introduzir o aborto e programas de controle artificial da população - para que se oponham à cultura da morte» (Ibid., 35). Contra o pessimismo e o egoísmo, que ensombram o mundo, a Igreja está do lado da vida.

4. A experiência eclesial ensina que «só dentro e através da cultura é que a fé cristã se torna história e criadora de história. (...) Por isso, a Igreja pede aos fiéis leigos que estejam presentes com determinação e criatividade intelectual nos lugares privilegiados da cultura, como são o mundo da escola e da universidade, os ambientes da investigação científica e técnica, os lugares da criação artística e da reflexão humanista» (Exort. ap. Familiaris consortio, 44). Uma tal presença é da máxima importância nesta fase de arranque da vida nacional de Timor Leste, que muito espera na competência e experiência da Igreja, nomeadamente através das suas instituições escolares, para uma adequada preparação dos futuros animadores e dirigentes sócio-económicos e políticos do país.

Ao congratular-me com a obra benemérita das escolas católicas em Timor, recordo que lhes cabe «enfrentar com determinação a nova situação cultural, colocar-se como instância crítica dos projectos de educação parciais, exemplo e estímulo para as outras instituições de educação, tornar-se fronteira avançada da preocupação educativa da comunidade eclesial» (Congr. da Educação Católica, A Escola Católica no limiar do terceiro milénio, 16). Deste modo, a escola católica realiza um serviço de utilidade pública e, embora se apresente declaradamente na perspectiva da fé católica, não é reservada só aos católicos, mas abre-se a todos os que mostrem apreciar e partilhar uma proposta de educação qualificada.

5. A eficácia de toda esta acção evangelizadora depende em grande parte da tensão espiritual dos sacerdotes, «esclarecidos cooperadores da Ordem Episcopal» (Const. dogm. Lumen gentium LG 28). Se é verdade que compete aos Bispos serem «os arautos da fé» e seus «doutores autênticos» (Ibid., 25) no meio do rebanho a eles confiado pelo Espírito Santo, só a acção capilar dos seus presbíteros poderá garantir a cada comunidade cristã que seja nutrida com a Palavra de Deus e sustentada pela graça dos sacramentos, particularmente a Eucaristia - memorial da morte e ressurreição do Senhor que edifica a Igreja - e a Reconciliação, de que me ocupei ainda recentemente no "Motu proprio" Misericordia Dei, convidando a um «solícito relançamento» deste sacramento.

Que os sacerdotes sejam sempre os homens de fé e de oração que o mundo tem necessidade: «não simplesmente obreiros da caridade e administradores institucionalizados, mas homens cuja mente e coração se encontram fixos nas coisas profundas do Espírito» (Exort. ap. Ecclesia in Asia, 43). De acordo com a sua vocação de pastores, dêem prioridade ao serviço espiritual dos fiéis que lhes estão confiados, a fim de os conduzirem até Jesus Cristo que eles representam, permanecendo homens de missão e de diálogo. Convido-os a promoverem cada vez mais entre si o espírito de fraternidade sacerdotal e de colaboração em ordem a uma frutuosa acção pastoral de conjunto.

6. Originários do país ou vindos de fora, os religiosos e as religiosas participam plenamente na obra de evangelização da Igreja, reservando um lugar de predilecção às pessoas mais pobres e mais frágeis da sociedade. Em nome da Igreja, agradeço-lhes o eloquente testemunho de caridade que dão através da oferta total de si mesmos a Deus e aos irmãos. A vida consagrada contribuiu decididamente para a implantação e o desenvolvimento da Igreja em Timor; formulo votos por que ela continue a ser objecto da vossa solicitude, venerados Irmãos no Episcopado, promovendo-a nas suas formas activa e contemplativa e salvaguardando o carácter próprio do seu serviço ao Reino de Deus.

Estou feliz por saber que hoje as vocações sacerdotais e religiosas aumentam numericamente nas vossas dioceses. Felicito-vos pela atenção que lhes dedicais e pelos esforços que empreendeis para a formação dos jovens que, seguindo os passos de Cristo, desejam servir a Igreja. A todos os jovens que respondem ao apelo do Senhor, bem como às suas famílias, transmiti o reconhecimento do Papa pela generosa dádiva que fizeram a Cristo.

7. No termo do nosso encontro, o meu pensamento vai para o vosso nobre país, exortando todos os seus filhos e filhas, segundo o nível de responsabilidade próprio de cada um, a empenharem-se decididamente na edificação duma sociedade cada vez mais fraterna e solidária, cujos membros partilhem equitativamente a honra e o ónus da nova Nação. Deus derrame sobre todos o seu Espírito de amor e de paz.

Que os discípulos de Cristo se voltem para o Pai de toda a misericórdia numa atitude de conversão profunda e de oração intensa, para Lhe pedirem a força e a coragem de serem, com todos os homens de boa vontade, agentes convictos de diálogo e reconciliação. Assegurai a cada uma das vossas comunidades e aos seus membros que ainda vivem longe da pátria ou privados do seu lar, a proximidade espiritual do Papa. Que este tempo proporcione à Igreja em Timor uma nova primavera de vida cristã e lhe permita responder com audácia aos apelos do Espírito.

Confio à Imaculada Virgem Maria o vosso ministério e a vida das vossas comunidades eclesiais a fim de que Ela guie os seus passos para Cristo Senhor, enquanto de bom grado concedo a ambos, extensiva aos sacerdotes, religiosos e religiosas, aos catequistas e a todos os fiéis das vossas dioceses, a minha Bênção Apostólica



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ESLOVACA


28 de Outubro de 2002



Senhor Presidente

1. É com grande alegria que lhe dou as minhas cordiais boas-vindas, nesta visita que Vossa Excelência quis fazer-me, por ocasião do X aniversário da independência da República Eslovaca.

É de bom grado que recordo a saudação que trocámos no dia 18 do passado mês de Agosto, em Cracóvia, durante a minha peregrinação à Polónia. O encontro do dia de hoje confirma os sentimentos de consideração recíproca que animam os relacionamentos entre o seu País e a Santa Sé.

Senhor Presidente, ao saudá-lo desejo dirigir o meu pensamento afectuoso aos caríssimos habitantes da terra eslovaca que, desde há séculos, olham para o Sucessor de Pedro com sentimentos de profunda devoção e de sincero apego. Trata-se de um vínculo íntimo e recíproco que, desde a época de Cirilo e Metódio, se desenvolveu e aprofundou cada vez mais. A fé do povo eslovaco é sólida e rica, também graças à obra de Pastores iluminados e generosos, que souberam estar próximos dos seus fiéis, nas circunstâncias tanto alegres como tristes.

Com a sua vigorosa identidade cristã, o Povo eslovaco olha com confiança para a Europa, à qual pertence em virtude da sua posição geográfica, da sua história e da sua cultura. Estou persuadido que, além de trazer vantagens para a Eslovquia, a iminente entrada do seu País na União Europeia contribuirá também para o bem-estar e a estabilidade de todo o Continente. A dez anos da sua independência, é necessário relevar o longo caminho percorrido e as metas alcançadas, apesar das complexas problemáticas que, neste tempo, se têm gradualmente apresentado.

2. A circunstância de hoje tem também um profundo significado, do ponto de vista das relações bilaterais. Com efeito, hoje terá lugar o intercâmbio dos instrumentos da ratificação do acordo, assinado em Bratislava no dia 21 do passado mês de Agosto, sobre a assistência religiosa aos fiéis católicos nas Forças Armadas e nos Corpos Armados da República. Este pacto é uma das consequências do Acordo-base, assinado em Novembro de 2000, entre a Santa Sé e a Eslováquia.

A Igreja não procura obter privilégios, mas só pede que lhe seja permitido realizar a sua missão, no respeito das leis que regulam a convivência civil. Por isso, reconhecendo plenamente a soberania do Estado, deseja estabelecer um relacionamento de diálogo cordial e construtivo com as suas várias Instituições. A finalidade que a impele consiste em servir o Povo eslovaco da melhor forma possível, no âmbito da competência que lhe é própria. Este diálogo revela-se ainda mais útil, se se considera o facto de que, antes da independência, também na Eslováquia a Igreja católica teve de viver sob o regime comunista. Agora, ela vive e floresce na liberdade, enquanto deseja contribuir para o bem-estar integral do Povo de que faz parte.

A importância da acção da Igreja torna-se manifesta sobretudo nas circunstâncias actuais, em que a jovem democracia está a enfrentar problemas ligados à herança da ideologia marxista, mas também ao tumultuoso processo de modernização, ao fenómeno do desemprego e ao consequente perigo, para quantos se encontram em necessidade, de participação em actividades ilegais.
3. Senhor Presidente, a reconhecida força de ânimo dos seus compatriotas, a sólida tradição cristã e o desejo de edificar na liberdade os próprios presente e futuro são promissores para o porvir do Povo eslovaco.


Discursos João Paulo II 2002 - Quinta-feira, 24 de outubro de 2002